Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
489/07.7GTLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALICE SANTOS
Descritores: CRIME DE HOMICÍDIO COM NEGLIGÊNCIA
CRIME COMETIDO COM A UTILIZAÇÃO DE VEÍCULO
Data do Acordão: 09/28/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE PORTO DE MÓS
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: ALTERADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 69º Nº 1 DA AL. B) E 137º Nº 1 CP
Sumário: A arguido que comete um crime de homicídio por negligência p. e p. pelo art. 137º, nº 1 CP, em que a condução adoptada é reveladora de falta de cuidado, e o excesso de velocidade contribuiu de forma relevante e única para o acidente, é de aplicar pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, pois se trata de crime cometido com utilização de veículo.
Decisão Texto Integral: No processo acima identificado, após a realização de audiência de discussão e julgamento foi proferido sentença que:
A) Condenou o arguido AA... como autor material, no dia 10.11.2007, em concurso efectivo:
- de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo art. 137.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de um ano e seis meses de prisão;
- de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo art. 137.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de um ano e seis meses de prisão.
B) Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas ao arguido, condenou o arguido na pena única de dois anos de prisão.
C) Suspendeu a execução da pena única de prisão pelo prazo de dois anos, sob a condição do arguido, no mesmo prazo, entregar à Associação de Cidadãos Auto-Mobilizados o valor de 3.000,00€ (três mil euros).
C) Absolveu o arguido da contra-ordenação p. e p. pelo art. 27.º n.º1 e n.º2 al. a) do Código da Estrada.

Desta sentença interpôs recurso a assistente BB..., sendo do seguinte teor as conclusões, formuladas na motivação do recurso:

1. Os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem apenas um remédio a utilizar nos casos em que os elementos constantes dos autos apontam inequivocamente para uma resposta diferente da que foi dada pela 1ª instância. E já não naqueles em que, existindo versões contraditórias, o tribunal recorrido, beneficiando da oralidade e da imediação, firmou a sua convicção numa delas (ou na parte de cada uma delas que se apresentou como coerente e plausível) sem que se evidencie no juízo alcançado algum atropelo das regras da lógica, da ciência e da experiência comum, porque nestes últimos a resposta dada pela 1.ª instância tem suporte na regra estabelecida no encimado artigo 127.° e, por isso, está a coberto de qualquer censura e deve manter-se;
2. A escolha da pena depende unicamente de considerações de prevenção geral e especial, devendo dar-se prioridade à aplicação da pena não privativa de liberdade, quando aplicável em alternativa a pena de prisão, se aquela realizar, de forma adequada e suficiente, as exigências de prevenção;
3. O que está em causa, na opção de aplicar uma pena de substituição, é a protecção de bens jurídicos e da reintegração do agente na sociedade (n.º 1 do artigo 40° do Código Penal), sendo que a opção sobre a suspensão da execução da pena privativa de liberdades radica na concretização de um juízo de prognose efectuado no sentido de apurar se face ao circunstancialismo provado relativo à personalidade do arguido é possível evidenciar-se que as finalidades subjacentes à aplicação da pena não necessitam da efectivação da pena de prisão.
Termos em que, negando provimento ao recurso interposto
Se pede que Vossas Excelências façam como for de JUSTIÇA.

O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo.
Respondeu o Digno Procurador Adjunto, manifestando-se pela improcedência do recurso.

Respondeu o arguido pugnando pela improcedência do recurso interposto pela assistente.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais e efectuada a conferência, cumpre agora decidir.

O recurso abrange matéria de direito e de facto já que a prova se encontra devidamente documentada.

Da discussão da causa resultaram provados os factos seguintes constantes da decisão recorrida:

1. No dia …, pelas …, ao km 126,200, na Estrada Nacional n.º8, na localidade de …, concelho de Porto de Mós, o arguido conduzia o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de matrícula …, marca Peugeot,.
2. No interior do veículo seguiam ainda CC..., DD..., EE... e FF....
3. A viatura automóvel referida, de matrícula … circulava na referida estrada no sentido de marcha Cruz da Légua / Alcobaça.
4. A certa altura depois da viatura ter passado por uma ligeira curva à direita, a traseira do veículo “fugiu” para a direita, saiu da faixa de rodagem para a berma do lado direito, atento o sentido de marcha do veículo.
5. De seguida raspou, em quatro locais distintos, um muro que ladeia a faixa de rodagem no lado direito numa extensão de ... metros, atento o sentido de marcha que seguia.
6. De seguida, a viatura automóvel atravessou a faixa de rodagem em derrapagem, numa extensão de 22,65 metros, tendo embatido com a frente do lado direito na casa com o n.º …, existente da lado esquerdo da faixa de rodagem, atento o sentido de marcha em que o veículo seguia.
7. Após, a viatura automóvel embate, de novo, com a retaguarda na referida casa n.º ….
8. Depois, a viatura automóvel volta a atravessar a faixa de rodagem e, nesse momento, em consequência dos embates, a vítima, EE..., que seguia no banco de trás, foi projectada do veículo, tendo o seu corpo embatido na casa n.º …, existente do lado direito da faixa de rodagem atento o sentido de marcha Cruz da Légua/Alcobaça, tendo o seu corpo derrubado a porta e ficado imobilizado dentro de tal habitação.
9. A outra vítima, FF..., que, também seguia no banco de trás da viatura automóvel, em consequência dos embates, foi projectada do veículo e caiu na berma direita da faixa de rodagem, atento o referido sentido de marcha, tendo o seu corpo ficado imobilizado a cerca de 5 metros da viatura automóvel e próximo de um poste de electricidade da EDP.
10. Como consequência dos embates e projecção para a casa n.º … de EE..., a mesma sofreu as lesões descritas no relatório de autópsia junto aos autos que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais, designadamente, traumáticas crânio-meningo-encefálicas, toraco-abdominais e dos membros inferiores, e que foram causa directa, necessária e adequada da sua morte.
11. Como consequência dos embates e projecção para o solo de FF..., a mesma sofreu as lesões descritas no relatório de autópsia junto aos autos que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais, designadamente, lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas, vértebro-meningo-medulares dorsais, toraco-abdominais e do membro superior esquerdo, e que foram causa directa, necessária e adequada da sua morte.
12. Devido ao embate, a viatura ficou, com as partes frontal e da retaguarda, totalmente destruídas.
13. Também, as duas habitações acima referidas ficaram danificadas.
14. Após o embate, a viatura automóvel conduzida pelo arguido ficou imobilizada, na faixa de rodagem afecta ao sentido de trânsito Cruz da Légua / Alcobaça, sendo que a sua retaguarda distava 6,45 metros da esquina da casa n.º … existente no lado direito da faixa de rodagem, atento o sentido de marcha Cruz da Légua / Alcobaça e a sua frente distava 8,90 metros da perpendicular ao sinal complementar O1c – demarcação hectómetrica da via – km 126,2, existente na berma esquerda.
15. Entre o ponto do segundo impacto na casa n.º … e o poste da EDP, junto ao qual o veículo ficou imobilizado, distam 31,30 metros.
16. A via onde ocorreu o acidente de viação é composta por duas hemi – faixas de rodagem afectas a cada um dos sentidos de trânsito, sendo que os dois sentidos de trânsito estão separados por urna linha longitudinal contínua, com 20 cm de largura com a cor branca apresentando desgaste.
17. A faixa de rodagem tem cerca de 6,20 metros de largura, sendo que a via de trânsito afecta ao sentido Cruz da Légua / Alcobaça tem 3,20 metros de largura e a via de trânsito de sentido contrário tem 3,00 metros de largura.
18. No sentido Cruz da Légua / Alcobaça, entre o risco contínuo que delimita a faixa de rodagem / berma e o muro que ladeia a mesma faixa de rodagem, no local onde o veículo raspou a primeira vez, distam 3,50 metros.
19. O local onde ocorreu o acidente de viação é uma recta em patamar com visibilidade superior a 50 metros nos dois sentidos de circulação.
20. O pavimento é betuminoso, encontrava-se em bom estado de conservação e a via encontrava-se seca e sem obstáculos à circulação.
21. No local do acidente, há iluminação pública de fraca intensidade.
22. A cerca de 1000 metros antes do local do acidente, no sentido Cruz da Légua / Alcobaça, está colocado o sinal vertical N1a no início da localidade de Albergaria.
23. Entre aquele sinal e o local do acidente não existe sinalização com indicação de localidade ou outra.
24. O arguido, AA... conduzia a viatura automóvel, de matrícula …, a uma velocidade não concretamente apurada, mas superior a 70 km/hora.
25. O arguido reside em Alcobaça e exerce a sua actividade profissional numa fábrica situada próximo do local do acidente.
26. Entre os dias 5 e 9 de Novembro de 2007, o arguido entrou ao serviço por volta das 6h00, saindo, por volta das 14h00.
27. O arguido não previu, como podia e devia fazer, que o modo como conduzia podia causar, como causou, a morte de terceiros.
28. O arguido sabia que imprimia ao veículo que conduzia uma velocidade superior ao limite máximo legalmente previsto, todavia, tal conhecimento, não o impediu de adoptar a conduta acima descrita.
29. Sabia o arguido que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
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30. Do Certificado de Registo Criminal do arguido nada consta.
31. Do Registo Individual do Condutor do arguido, emitido em 10.05.2008, consta uma transposição de linha longitudinal contínua (M1).
32. A contra-ordenação supra referenciada ocorreu na Vila da Nazaré, na sequência de uma distracção do arguido face à alteração recente da sinalização do local em causa.
33. Do Registo Individual de Condutor do arguido, emitido em 22.11.2010, consta uma violação dos limites máximos de velocidade fora de localidade, com excesso de mais de 30 km/hora.
34. A contra-ordenação supra referenciada ocorreu no troço do IP que liga o A8 a Peniche.
35. O arguido é trabalhador da sociedade …, S.A. desde 15 de Abril de 2002, pertencendo aos quadros de efectivos da empresa, desempenhando as funções de Operador do sistema automatizado de fabricação de telhas.
36. No exercício da sua actividade profissional, até à data, o arguido tem desempenhado com zelo e diligência as tarefas que lhe têm sido atribuídas.
37. Na sua actividade profissional aufere o vencimento líquido mensal de cerca de 600,00€, com subsídio de turno incluído
38. O arguido vive em casa dos pais, contribuindo mensalmente para as despesas domésticas com cerca de 200,00€ a 250,00€ por sua iniciativa, uma vez que os pais nada lhe exigem
39. Fora do horário laboral, o arguido auxilia o pai nos trabalhos agrícolas.
40. Tem o 9.º ano de escolaridade.
41. Encontra-se inscrito no Centro de Novas Oportunidades em Alcobaça, pretendendo obter o 12.º ano de escolaridade, embora, neste momento se encontre em stand by, devido à tensão e expectativa causadas pelo presente processo.
42. No meio da residência, é considerado um jovem adequado, pacato, honesto e trabalhador, beneficiando de uma imagem positiva.
43. O arguido lamenta a morte de EE...e FF..., que eram suas amigas.
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Factos Não Provados
Os demais factos constantes da acusação e da contestação apresentada pelo arguido, e que não constam do rol de factos provados.
Nomeadamente, não se provou que:
- a via encontrava-se limpa.
- nos momentos que antecederam o acidente, o arguido tinha adormecido, cedendo ao cansaço;
- o arguido seja um condutor prudente, cuidadoso e cumpridor das regras estradais.
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Nota: o Tribunal não se pronuncia especificamente sobre a seguinte matéria alegada na acusação, por entender que a mesma é conclusiva, não encerrando factos mas tão só conclusões de direito:
- “Uma vez que o arguido, AA... circulava dentro da localidade de Albergaria, o mesmo devia ter imprimido ao veículo que conduzia uma velocidade não superior a 50 km/hora, nos temos do disposto no artigo 27°, no 1, do Código da Estrada”;
- “Pelo que, o arguido, ao imprimir à viatura automóvel que conduzia uma velocidade superior à permitida por lei para aquele local, violou o disposto no referido artigo do Código da Estrada”.
- “A velocidade que imprimia na viatura automóvel que conduzia, não lhe permitia controlar o curso da mesma e imobilizá-la atempadamente, caso surgisse algum obstáculo à sua frente ou entrasse em despiste, como aconteceu.
- “O arguido não conduzia a viatura automóvel com o cuidado necessário e que lhe era legalmente exigível.”
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Motivação da decisão de facto
O Tribunal baseou a sua convicção no seguinte:
a) O arguido, após a produção da prova testemunhal, prestou declarações, admitindo os factos enunciados na acusação quanto à dinâmica do acidente, mas, alegando, porém, que, naquele dia levantou-se às 5h15, trabalhou das 6h00 às 14h00 e quando saiu do trabalho, ajudou os pais na fazenda. Que durante a viagem de Leiria até ao local do acidente, sentia o corpo a quebrar e ainda propôs pararem para comer o que foi rejeitado pelos demais. Que sentia o corpo a quebrar, mas nunca pensou que fosse adormecer, o que pensa que aconteceu nos momentos imediatamente anteriores ao despiste, pois não se recorda de nada até ouvir os outros a gritar “cuidado cuidado cuidado”, e ver a paragem, com o carro quase encostado ao muro e deu um “guinão” para a estrada novamente. Que não sentiu o carro a fugir. Mais declarou que saiu de Leiria à frente do carro conduzido pela testemunha GG.... Que este o ultrapassou na subida da Batalha e que seguiu atrás dele até ao local do acidente. Confrontado com as declarações das testemunhas GG... e HH... no sentido de que estes teriam visto o despiste por trás, referiu que não pode garantir que não tivesse ultrapassado (não se recorda de o fazer), mas que acha ser muito difícil tê-lo feito, porquanto, ao sair do carro depois do despiste viu o HH... e o GG... a chegar ao local vindos da direcção de Alcobaça, a correr e a dizer “o que é se passou… deixámos de os ver…”. De seguida confrontado novamente com os factos, refere que os mesmos diziam “o que é que aconteceu… despistaram-se….”. Afirmou que vinha devagar, a cerca de 70-80 quilómetros por hora.
b) A testemunha DD..., que se fazia transportar no veículo conduzido pelo arguido, no banco de trás, tendo ficado gravemente ferido no acidente objecto dos autos, irmão da vítima FF..., relatou que quando retomou a consciência após o acidente, não se recordava de nada. Que desde há cerca de um ano, quando começou a trabalhar e a conduzir, tem vindo a lembrar-se do acidente através de flashes. Que se recorda agora que quando saíram de Leiria, vinham atrás do Opel Astra conduzido pelo colega GG... e que, junto à cerâmica …, o arguido ultrapassa o Astra e o Astra volta a ultrapassar o carro do arguido, a fazerem “picanço” um com o outro. Que naquele momento, porque era uma recta com boa visibilidade, não sentiu perigo. Que o arguido ultrapassou o Astra na curva, em cima da zebra. Que não viu a velocidade a que vinham, mas de acordo com a sua experiência, viriam embalados, talvez a 140 km/hora. A seguir à curva, o carro foge de traseira, o arguido tenta segurá-lo, puxa o carro novamente para a estrada, raspa no muro, gritam “vamos bater”, o carro atravessou-se na estrada, sentiu o embate e “apagou-se” … Mais referiu que o próprio e as duas vítimas mortais, que viajavam no banco traseiro, traziam cinto, porquanto se lembra de, à saída de Leiria, terem brincado com o facto do declarante não conseguir “enfiar o cinto no buraco”.
c) A testemunha CC..., que seguia no veículo conduzido pelo arguido, afirmou que seguia ao lado do arguido, mas que não tem grandes ideias da viagem, pois vinha a dormitar (vinha cansado, pois naquele dia havia entrado ao trabalho às 6h00, tal como o arguido). Relatou, porém, que regressavam de Leiria por volta das 2h00, todos distribuídos por três carros. Que, até ao despiste, fizeram uma viagem tranquila. Que o Astra conduzido pelo GG..., ultrapassou-os na zona da Batalha, e que, após descrever a curva, o veículo conduzido pelo arguido fugiu de traseira… roçou o muro… voltou para a faixa em despiste… atravessou a faixa… bateu na casa e foi-se imobilizar no poste, tal como um “saca rolhas”. Mais adiantou que certamente não iriam a cumprir os limites de velocidades, pois iriam na volta dos 90 km/hora (de acordo com a sua percepção e experiência como condutor); que tem ideia de ter visto o Astra na curva que antecede o local do despiste, ainda que não possa garantir que o arguido o tenha ultrapassado ou não antes da curva, pois ia a dormitar; que no local do despiste, o piso estava seco mas teria areia devido à entrada e saída de camiões.
Continuou o seu depoimento, afirmando que quer o declarante, quer o arguido tinham os respectivos cintos de segurança postos, não podendo garantir o mesmo relativamente aos demais que seguiam no banco de trás (invocando que a conversa referida pelo DD...terá ocorrido no início do trajecto para Leiria, e não no regresso). Que após o despiste ajudou a socorrer o Igor, que se encontrava inconsciente, não se recordando, porém, se o mesmo tinha o cinto de segurança posto. Que viu os colegas HH..., GG... e JJ... ao lado do carro, não tendo visto os mesmos a aproximarem-se. Que mais tarde chegaram mais pessoas, entre as quais o KK....
Referiu ainda que antes do acidente, andou várias vezes de carro com o arguido a conduzir, tendo confiança no mesmo.
d) A testemunha HH..., que seguia no veículo conduzido por GG... (Opel Astra), declarou que tinha estado em Leiria, juntamente com o arguido e os restantes passageiros do veículo conduzido por este, tendo saído ao mesmo tempo em direcção a Alcobaça. Afirmou que não se recorda qual dos carros saiu à frente (o Peugeot conduzido pelo arguido ou o Astra conduzido pelo GG...), mas que se recorda que entre os dois houve “uma série” de ultrapassagens, sendo que no momento do despiste, o carro do arguido ia à frente. Que não sabe a velocidade a que ia. Que viu o Peugeot do arguido a fazer a curva e a poeira a levantar-se. Que não viu o despiste e os embates. Que só viu depois o carro despistado, imobilizado, com a traseira no poste. Que o GG... parou o Astra atrás. Que quando chegou ao local, a EE...estava dentro da casa, a FF...estava na regueira e o DD...ainda estava dentro do carro com o cinto colocado. Que o local é iluminado e o piso tem poeiras da fábrica. Que não se recorda que estivesse a chover naquele momento.
Instado, acrescentou que a última ultrapassagem aconteceu entre a primeira curva e o cruzamento que antecede a curva do despiste e que o arguido iria com “excesso de velocidade”, acima dos 80 km/hora.
Após a inquirição das testemunhas GG..., JJ... e KK..., foi determinada a prestação de esclarecimentos adicionais, tendo acrescentado que o arguido ultrapassou no cruzamento e que o GG... parou o Astra atrás do carro despistado, do lado direito da via, em frente a uma fábrica de telha ou tijolo, pensa que junto a um muro.
e) A testemunha GG..., que conduzia o veículo Opel Astra e que tinha acompanhado os demais na saída nocturna em questão, afirmou que em Leiria o declarante saiu à frente. Que o arguido ultrapassou-o uma vez em Cruz da Légua. Que o declarante ultrapassou o arguido logo a seguir. Que ia “devagar”, a 70 ou 80 km/hora, e que acelerou para ultrapassar. Que viu o carro do arguido a fazer a curva e a fugir (com a traseira a ir para a direita), tendo-se levantado uma nuvem de pó. Que não viu o acidente, pois estaria a chegar ao cruzamento para o Juncal ou na curva anterior. Que não se recorda de ver o carro do arguido a travar. Que parou o seu carro na curva e ficou em estado de choque. Que quando chegou, o arguido e o CC...tinham saído do carro. Que o DD...estava dentro do carro, esticado para trás (não se recordando se tinha o cinto de segurança posto). Que a EE...estava dentro da casa, com a porta debaixo dela. Que a FF...estava ao lado do carro (não se aproximou). Que o tempo estava seco, sem chuva. Que o local era um “bocado escuro”.
Instado a esclarecer onde foi feita a última ultrapassagem, referiu que não sabe se foi antes ou depois da primeira curva, mas que não estava à espera que o arguido o ultrapassasse. Que depois continuou e viu o carro do arguido a fugir.
Após a inquirição das testemunhas JJ... e KK..., foi determinada a prestação de esclarecimentos adicionais, tendo acrescentado que ia à frente do arguido e que este o ultrapassou pouco antes do despiste. Que parou o carro a seguir à curva, “em cima da curva” e ligou os quatro piscas. Que ele e o HH... foram os primeiros a chegar ao local. Que não sabe onde o JJ... estacionou o seu veículo.
f) A testemunha JJ..., que conduzia o veículo Seat Ibiza, sozinho, e que fazia parte do mesmo grupo de oito amigos que foram ao bowling naquela noite, afirmou que quando saíram de Leiria, o GG... ia à frente, o arguido a seguir e o declarante em terceiro. Que ficou parado nos primeiros semáforos em Cruz da Légua e que apenas voltou a ver os outros veículos no local do despiste. Que quando chegou àquele local deparou-se com muito fumo. Que o carro do GG... estava estacionado antes do cruzamento no sentido Alcobaça-Leiria. Que o DD...ainda estava dentro do veículo do arguido, sentado no banco de trás, atrás do condutor.
g) A testemunha LL..., militar da GNR que elaborou a participação de fls. 69-72, confirmou esta última. Esclareceu que, conforme resulta do croqui de fls. 71 e das fotografias de fls. 99 a 108, que retratam o local do acidente e os danos causados no veículo e nas habitações, constatou que o embate causou grandes estragos no veículo e na habitação existente no lado esquerdo da via (sentido Leiria-Alcobaça), com a qual colidiu duas vezes, após o que rodopiou e ficou imobilizado do outro lado da via, junto ao poste da EDP.
Após o depoimento desta testemunha, foi requerida pela assistente a obtenção de uma nova medida que não consta do croqui de fls. 71, entre o local do segundo embate do veículo na habitação existente no lado esquerdo da via (sentido Leiria-Alcobaça) e o local onde o veículo ficou imobilizado (junto ao poste), tendo sido determinada a inspecção judicial ao local para os efeitos pretendidos, com a presença da testemunha LL...Capela.
h) A inspecção judicial ao local do despiste, com a presença da testemunha LL..., permitiu ao Tribunal obter a medida entre o local do segundo embate do veículo na habitação existente no lado esquerdo da via (sentido Leiria-Alcobaça) e o local onde o veículo ficou imobilizado (junto ao poste), bem como uma percepção real do local do acidente, nomeadamente, quanto ao trajecto no sentido Leiria-Alcobaça, à largura da via e a curva que antecedeu o despiste.
i) Sobre o acidente aqui em discussão, foi ainda ouvida a testemunha KK..., que conhece o arguido de terem sido colegas de escola e declarou que nessa noite estava a trabalhar na fábrica … e que, ao sair, viu passar duas viaturas e depois mais uma. Que as viaturas em causa iam à velocidade que quase todos os carros passam naquele local – 70 / 80 km/hora. Que seguiu no seu próprio carro na mesma direcção e que a 200 ou 300 metros do cruzamento para o Juncal, viu pó ou fumo e a viatura que seguia à sua frente a parar. Que quase ao mesmo tempo de ter chegado, do lado oposto chegou outra viatura, da qual saiu gente, embora não saiba quem fosse. Que no local apenas estavam três viaturas: o carro despistado, o carro que seguia à sua frente conduzido pelo JJ... e o carro que chegou do sentido contrário. Que tendo sido Bombeiro, conhece os procedimentos de primeiros socorros e procurou ajudar as vítimas. Que no local se deparou com uma vítima do sexo feminino no chão a seguir ao carro, de barriga para cima, não tendo encontrado pulso à mesma. Que no carro estava outra vitima do sexo masculino, entalada, com o banco do condutor sobre as pernas. Que as costas do banco traseiro estavam caídas para a bagageira. Que a porta da bagageira não estava lá, tendo acedido à vítima por aí, tendo efectuado uma manobra de imobilização do crânio. Que não se deparou com qualquer cinto de segurança à frente dos olhos da vítima.
j) Após a prestação dos esclarecimentos adicionais pelas testemunhas HH... e GG..., a requerimento do arguido, foi determinada a acareação entre estas duas testemunhas e as testemunhas JJ... e KK... , considerando a manifesta oposição dos respectivos depoimentos no que concerne ao local onde estaria estacionado o veículo Opel Astra, conduzido por GG..., tendo todas elas mantido as respectivas versões: as testemunhas HH... e GG... alegam que estacionaram o veículo antes do local do despiste, em cima da curva, do lado direito da via, no sentido Leiria-Alcobaça; a testemunha JJ... alega que o Opel Astra estava estacionado, do lado direito da via, no sentido Alcobaça-Leiria, antes do cruzamento que antecede o local de despiste (ou seja, no sentido Leiria-Alcobaça, do lado esquerdo da via após o local do despiste); a testemunha KK... alega que quando chegou só viu o carro do JJ... e viu chegar um outro veículo no sentido Alcobaça-Leiria, embora não saiba quem.
k) No que respeita à dinâmica do acidente, o Tribunal considerou ainda o croqui de fls. 71; o auto de exame directo ao local de fls. 94 a 98, as fotografias de fls. 99 a 101, 107 e 108, que retratam o local do acidente, e nomeadamente as raspagens efectuadas pelo veículo do arguido no muro que ladeia a via no lado direito (sentido Leiria-Alcobaça), os danos causados na habitação existente à esquerda da via (sentido Leiria-Alcobaça), e os danos causados na habitação existente à direita da via (sentido Leiria-Alcobaça), cuja porta foi derrubada pelo corpo da vítima EE...; a fotografia de fls. 102, que retrata a placa indicativa da localidade de Albergaria; bem como as fotografias juntas a fls. 103 a 106 e que retratam o veículo conduzido pelo arguido no estado em que ficou após o acidente.
l) O Tribunal valorou os meios de prova enunciados e, com base nos mesmos, considerou provado nomeadamente que o arguido circulava a velocidade superior a 70 quilómetros por hora, apoiando-se no depoimento das testemunhas CC..., HH... e GG... – cujas versões apresentam-se consentâneas, revelando conhecimento directo dos factos, e, ainda que apresentassem perturbação e alguma resistência na descrição do acidente (o que é susceptível de explicação, considerando a relação de amizade que os unia às vítimas), não tendo evidenciado, porém, falta de sinceridade ou de isenção.
Neste sentido, esclarece-se que perante a acareação realizada entre as testemunhas HH... , GG... , JJ... e KK... , o Tribunal atribuiu maior credibilidade aos depoimentos das duas primeiras testemunhas, as quais face à postura corporal e facial demonstraram um constrangimento espontâneo e sincero, nomeadamente a testemunha GG... que revela alguma culpabilização no que se refere à “brincadeira” das ultrapassagens, sem claudicarem, porém, na versão apresentada. Acresce ainda que a versão destas testemunhas é igualmente corroborada no essencial pela testemunha CC.... Por seu turno, a testemunha JJ... apresentou-se manifestamente desafiadora, pretendendo demonstrar uma certeza dos factos que não convenceu, nem se apresentou credível. Diga-se, a título de exemplo, que quando questionada sobre o lugar exacto onde terá estacionado o seu veículo no local do acidente, nomeadamente se antes ou depois da paragem de transportes públicos, respondeu com toda a convicção e altanaria que à data dos factos não existia no local qualquer paragem. Ora, tal facto não é verdade: a existência da paragem foi confirmada pelo arguido nas suas declarações, bem como resulta das fotografias de fls. 99 e 100, abalando, assim, a credibilidade do seu depoimento. No que concerne à testemunha KK... , o seu depoimento foi vago, e ao referir a existência de um veículo em sentido contrário e pessoas que não conhece a dirigirem-se ao local, considerando que no local apenas estariam o próprio, o arguido, o CC..., o JJ... (que conhecia) e as testemunhas HH... e GG..., o tom evasivo utilizado deixou a nítida sensação de não se querer comprometer quanto a essa questão.
Por seu turno, esclarece-se ainda que o depoimento da testemunha DD..., ainda que por razões diversas, também não convenceu integralmente o Tribunal, considerando-se que a alegação que o arguido conduzia a cerca de 140 km/hora nos parece manifestamente exagerada, sendo certo que a testemunha não viu o conta-quilómetros, resultando tal alegação apenas da noção de velocidade obtida. Ora, tendo em consideração que a testemunha em causa foi uma das vítimas do acidente, tendo ficado gravemente ferido, nomeadamente com perda de consciência prolongada, é compreensível e normal que ao longo do tempo tenha revivido e revisto constantemente o acidente na sua mente, vezes sem conta, o que, de acordo com as regras da experiência comum, resulta em um agravamento do episódio, com exagero dos pormenores.
Assim, temos que, face ao depoimento das testemunhas CC..., HH... e GG... , o Tribunal conclui que, antes do local do acidente, o arguido ultrapassou o Opel Astra conduzido por GG... ., o qual circulava a velocidade superior a 70 km/hora (conforme referido pelo próprio). Logo, para ultrapassar o Astra, o arguido teve de imprimir ao seu veículo velocidade superior a 70 km/hora. Quanto ao local da ultrapassagem, ainda que se desconheça o sítio exacto da mesma, terá ocorrido no cruzamento que antecede a curva do despiste, ou pouco antes do mesmo, considerando que a testemunha GG... . declarou que viu o carro do arguido a fazer a curva e a fugir com a traseira a ir para a direita, mas que não viu o acidente, pois estaria a chegar ao cruzamento para o Juncal ou na curva anterior. Consequentemente, a ultrapassagem poderá ter sido efectuada imediatamente antes do cruzamento, o que é consentâneo com o depoimento das testemunhas GG... e HH... no sentido que viram o veículo do arguido na curva e depois já só o avistaram despistado. Consequentemente, encontrando-se, ainda, na fase final da ultrapassagem, o arguido circulava necessariamente com velocidade superior a 70 km/hora. Tais depoimentos são igualmente confirmados pelos elementos objectivos recolhidos no processo, e que sumariamente se enunciam:
- o estado em que ficou o veículo do arguido após o acidente, retratado nas fotografias de fls. 103-106, evidencia que o embate foi muito violento, na sequência de uma velocidade elevada;
- o facto de, após o despiste, o veículo do arguido ter raspado por quatro vezes no muro que ladeia a faixa de rodagem no lado direito da via numa extensão de ... metros (cf. fotografias de fls. 99 e 100 e croqui de fls. 71), atravessado a faixa de rodagem em derrapagem, numa extensão de 22,65 metros, embatido, por duas vezes, na casa com o n.º..., fazendo um buraco na respectiva parede, voltado a atravessar a faixa de rodagem numa extensão de 31,30 metros, indo imobilizar-se com a traseiro junto de um poste da EDP.
- o facto de, após os embates na casa com o n.º..., os corpos das vítimas EE...e FF...terem sido cuspidos do veículo (que face aos danos verificados no veículo, conclui-se que o foram pela bagageira) com tal violência que o corpo da vítima EE...derrubou uma porta da habitação n.º ... existente do outro lado da via, ficando a mesma imobilizada no interior da habitação, o que igualmente evidencia uma velocidade elevada do veículo.
Acresce que a versão do arguido em como se despistou porque adormeceu, além de se apresentar hesitante, não resulta apoiada nos elementos objectivos recolhidos no processo, porquanto, sendo o local do despiste uma curva para a direita, caso o arguido tivesse adormecido na eminência da curva, de acordo com as regras da experiência comum, teria seguido uma trajectória em linha recta em direcção à berma esquerda, e não teria raspado no muro que ladeia a via do lado direito.
Pelo contrário, também de acordo com as regras da experiência comum, a realização de uma ultrapassagem, seguida de uma curva à direita, associada a velocidade excessiva, pode efectivamente provocar uma perda de controlo da direcção do veículo, com dificuldades em desfazer a curva, logo, despistando-se o mesmo em direcção à berma do lado direito, o que aconteceu.
Estes os elementos que determinaram a convicção do Tribunal quanto à dinâmica do acidente, e características da via e do tempo à data daquele.
m) No que respeita às consequências do acidente para EE... e FF..., para além dos elementos de prova já referidos, consideraram-se ainda os relatórios periciais elaborados pelo Instituto Nacional de Medicina Legal, juntos a fls. 40 a 54, e que permitiram estabelecer o nexo causal entre o acidente e as respectivas mortes.
n) No que respeita às condições pessoais do arguido, o Tribunal atendeu às suas declarações, sendo certo que o arguido demonstrou, pela postura que teve em julgamento, estar perturbado pelo acidente e pelas consequências que o mesmo teve.
Atendeu-se ainda ao depoimento das testemunhas …, vizinhos e amigos da família, que conhecem o arguido desde criança, que confirmaram que o arguido é cumpridor, trabalhador, bem considerado, e que nunca o viram a conduzir com manobras “acelerativas”, bem como à declaração da entidade patronal junta a fls. 404
o) O Tribunal considerou ainda o CRC do arguido junto a fls. 399, emitido em 18.10.2010, e os RIC do arguido juntos a fls. 127, emitido em 10.04.2008, e a fls. 424, emitido em 22.11.2010, tendo o arguido esclarecido as circunstâncias em que ocorreram as respectivas contra-ordenações.
p) Quanto a não se ter considerado como provado que:
- a via encontrava-se limpa, face ao depoimento das testemunhas no sentido de que viram poeira a levantar-se no momento do despiste, o que aliado ao facto de, naquele local, existir uma fábrica de telha ou tijolo, com entrada e saída constante de veículos pesados, indicia que pudesse existir alguma poeira na via, pelo que a mesma não estaria totalmente limpa.
- o arguido tenha adormecido devido ao cansaço nos momentos que antecederam o despiste, não obstante se aceitar que o arguido, naquele dia, tivesse trabalhado das 6h00 às 14h00, bem como nos dias que antecederam (conforme resulta das declarações do próprio e da testemunha e colega de trabalho CC...., as quais se encontra corroboradas pelo mapa de trabalho junto a fls. 406), face à condução exercida pelo arguido durante o trajecto até ao local de despiste nos termos supra mencionados, tendo em consideração as ultrapassagens efectuadas entre o arguido e a testemunha GG... ., sendo certo que o arguido terá feito uma última ultrapassagem antes do despiste, não é credível ou razoável que, naquele momento, adormecesse (pelo contrário, é possível até que o arguido pudesse ter participado naquela “brincadeira” exactamente porque se sentia cansado e foi uma forma de se estimular).
- o arguido seja um condutor prudente, cuidadoso e cumpridor das regras estradais, tal resulta de se ter considerado insuficiente a prova testemunhal produzida por forma a abranger toda a condução praticada pelo arguido até ao referido dia, tendo em consideração que apenas as testemunha CC.... e … declararam terem sido conduzidas pelo arguido por várias vezes, sendo certo que o mesmo nunca aconteceu relativamente às testemunhas …, pesando igualmente contra o arguido neste aspecto a existência de duas contra-ordenações estradais registadas (conforme os respectivos RIC de fls. 127 e 424).
*

Cumpre, agora, conhecer do recurso interposto.

O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. Portanto, são apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar.


Questões a decidir:
- Se houve factos que foram incorrectamente julgados;
- Medida da pena;
- Pena acessória;

Sustenta o recorrente que foi incorrectamente julgados o ponto 24 dos factos dados como provados. Que o Tribunal ao considerar como provado. Que a sentença deverá ser alterada de forma a que passe a constar que o arguido circulava a uma velocidade de pelo menos 100-120 Km/h.
Portanto, o recorrente discorda com a forma como na decisão recorrida foi apreciada a prova produzida em julgamento e as conclusões de convicção probatória a que ali se chegou.
De acordo com o disposto no art 412 nº 3 al b) do Código Processo Penal, a matéria de facto impugnada só pode proceder, quando o recorrente tendo por base o raciocínio lógico e racional feito pelo tribunal na decisão recorrida, indica provas que “imponham decisão diversa”.
O recorrente não pode fazer o seu julgamento esquecendo a convicção formada pelo tribunal à luz das regras da experiência comum. Se aquela resulta clara destas, demonstradas no exame crítico das provas que a lei lhe impõe (art 374 nº 2 do Código Processo Penal) o raciocínio feito pelo tribunal não pode ceder perante um qualquer outro raciocínio do recorrente. Exige-o o princípio da livre apreciação da prova (art 127 do referido diploma).
O recorrente ao pretender a alteração da matéria de facto pretende que o Tribunal faça tábua rasa ao conjunto da prova produzida nos autos e atenda, principalmente, ao depoimento prestado pela testemunha Igor. Ora, tal não é indicar provas que imponham decisão diversa.
O Tribunal ao decidir teve em consideração todos os depoimentos prestados e os documentos juntos aos autos. Foi no conjunto de todos os elementos que o tribunal fundou a sua convicção.
O que afinal o recorrente faz é impugnar a convicção adquirida pelo tribunal a quo sobre determinados factos em contraposição com a que sobre os mesmos ele adquiriu em julgamento, esquecendo a regra da livre apreciação da prova inserta no art 127.
De acordo com o disposto no art 127 a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
“O art 127 do Código Processo Penal estabelece três tipos de critérios para avaliação da prova, com características e naturezas completamente diferentes: uma avaliação da prova inteiramente objectiva quando a lei assim o determinar; outra também objectiva, quando for imposta pelas regras da experiência; finalmente, uma outra, eminentemente subjectiva, que resulte da livre convicção do julgador.
A prova resultante da livre convicção do julgador pode ser motivada e fundamentada mas, neste caso, a motivação tem de se alicerçar em critérios subjectivos, embora explicitados para serem objecto de compreensão” (Ac STJ de 18/1/2001, proc nº 3105/00-5ª, SASTJ, nº ...,88).
Tal como refere o Prof Germano Marques da Silva no Curso de Processo Penal, Vol II, pg 131 “... a liberdade que aqui importa é a liberdade para a objectividade, aquela que se concede e que se assume em ordem a fazer triunfar a verdade objectiva, isto é, uma verdade que transcende a pura subjectividade e que se comunique e imponha aos outros. Isto significa, por um lado, que a exigência de objectividade é ela própria um princípio de direito, ainda no domínio da convicção probatória, e implica, por outro lado, que essa convicção só será válida se for fundamentada, já que de outro modo não poderá ser objectiva”.
Ou seja, a livre apreciação da prova realiza-se de acordo com critérios lógicos e objectivos.
Sobre a livre convicção refere o Professor Cavaleiro de Ferreira que esta « é um meio de descoberta da verdade, não uma afirmação infundada da verdade» -Cfr. "Curso de Processo Penal", Vol. II , pág.30. Por outras palavras, diz o Prof. Figueiredo Dias que a convicção do juiz é "... uma convicção pessoal -até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais -, mas em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros ."- Cfr., in "Direito Processual Penal", 1º Vol., Coimbra Ed., 1974, páginas 203 a 205.
O princípio da livre apreciação da prova assume especial relevância na audiência de julgamento, encontrando afloramento, nomeadamente, no art. 355 do Código de Processo Penal. É ai que existe a desejável oralidade e imediação na produção de prova, na recepção directa de prova.
No dizer do Prof. Germano Marques da Silva "... a oralidade permite que as relações entre os participantes no processo sejam mais vivas e mais directas, facilitando o contraditório e, por isso, a defesa, e contribuindo para alcançar a verdade material através de um sistema de prova objectiva, atípica, e de valoração pela intima convicção do julgador (prova moral), gerada em face do material probatório e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento dos homens". -Cfr. "Do Processo Penal Preliminar", Lisboa, 1990, pág. 68”.
O princípio da imediação diz-nos que deve existir uma relação de contacto directo, pessoal, entre o julgador e as pessoas cujas declarações irá valorar, e com as coisas e documentos que servirão para fundamentar a decisão da matéria de facto.
Citando ainda o Prof. Figueiredo Dias, ao referir-se aos princípios da oralidade e imediação diz o mesmo:
«Por toda a parte se considera hoje a aceitação dos princípios da oralidade e da imediação como um dos progressos mais efectivos e estáveis na história do direito processual penal. Já de há muito, na realidade, que em definitivo se reconheciam os defeitos de processo penal submetido predominantemente ao principio da escrita, desde a sua falta de flexibilidade até à vasta possibilidade de erros que nele se continha, e que derivava sobretudo de com ele se tomar absolutamente impossível avaliar da credibilidade de um depoimento. (...). Só estes princípios, com efeito, permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais correctamente possível a credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais ". -In "Direito Processual Penal", 10 Vol., Coimbra Ed., 1974, páginas 233 a 234 .
Assim, e para respeitarmos estes princípios se a decisão do julgador, estiver fundamentada na sua livre convicção e for uma das possíveis soluções segundo as regras da experiência comum, ela não deverá ser alterada pelo tribunal de recurso. Como se diz no acórdão da Relação de Coimbra, de 6 de Março de_2002 (C.J., ano XXV|II, 20, página 44) "quando a atribuição da credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear na opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum".
Ora, se atentarmos aos factos apurados e compulsada a fundamentação temos de concluir que os juízos lógico-dedutivos aí efectuados são acertados, designadamente no que se refere aos factos apurados e postos em questão pelo recorrente.
O Sr juiz na decisão recorrida, nomeadamente, em sede de convicção probatória, explica de forma clara e coerente os seus juízos lógico-dedutivos, analisando as provas tidas em consideração.
O recorrente com a sua argumentação apenas pretende e com já se referiu extrair dos elementos analisados uma diferente convicção.
O recorrente faz o seu próprio julgamento pretendendo, agora impor o seu próprio raciocínio.
A decisão recorrida encontra-se devidamente fundamentada, não apontando o recorrente qualquer fundamento válido que a possa abalar.
O recorrente ao impugnar a matéria de facto esquece os elementos de prova nos quais o tribunal se baseou. É no conjunto de todos esses elementos que se fundamenta a convicção e não, apenas, num ou noutro dos mesmos elementos (Rec nº 2541/2003 do Tribunal da Relação de Coimbra).
Tendo a factualidade apurada apoio na prova produzida em julgamento a questão a decidir é a de saber se a escolha do tribunal está fundamentada. Hoje exige-se que o tribunal indique os fundamentos necessários para que através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção do facto dado como provado e como não provado.
O objectivo dessa fundamentação e no dizer do prof. Germano Marques da Silva, no Curso de Processo Penal, pg 294, III Vol é a de permitir “a sindicância da legalidade do acto, por uma parte e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando, por isso como meio de autodisciplina”.
A ratio da exigência de fundamentação é a de submeter a decisão judicial a uma maior fiscalização por parte da colectividade e é também consequência da importância que assume no novo processo o direito à prova e à contraprova, nomeadamente o direito de defender-se, probando”.
Não dizendo a lei em que consiste o exame crítico das provas, esse exame tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo (Ac STJ de 12/4/2000, proc nº 141/2000-3ª, SASTJ nº 40,48).
Portanto esse exame crítico deve indicar no mínimo e não tem que ser de forma exaustiva, as razões de ciência e demais elementos que tenham na perspectiva do tribunal sido relevantes, para assim se poder conhecer o processo de formação da convicção do tribunal.
É o juiz de julgamento que tem em virtude da oralidade e da imediação, uma percepção própria do material probatório que nós, neste Tribunal, não temos. O juiz do julgamento tem um contacto vivo e imediato com a todas as partes, ele questiona, ele recolhe todas as impressões e está atento a todos os pormenores.
O juiz perante dois depoimentos contraditórios por qual deve optar? “Esta é uma decisão do juiz do julgamento. “Uma decisão pessoal possibilitada pela sua actividade congnitiva, mas também por elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais.
Como refere Damião da Cunha (RPCC, 8º, 2º pg 259) os princípios do processo penal, a imediação e a oralidade, implicam que deve ser dada prevalência às decisões da 1ª instância” (Ac RP nº 6862/05).
Ora, analisando a decisão recorrida encontra-se devidamente fundamentada e, de forma exaustiva faz uma exposição dos motivos de facto que fundamentaram a decisão e faz um exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. O acórdão recorrido indica de forma clara e na medida do que é necessário, as provas que serviram para a formação da convicção do tribunal.
O recorrente põe em causa os factos provados constantes do ponto 24).

Foi dado como provado no ponto 24:

O arguido, AA... conduzia a viatura automóvel de matrícula … a uma velocidade não concretamente apurada, mas superior a 70 Km/hora.

Sustenta o recorrente que o arguido conduzia a uma velocidade superior a 100-120 Km/h.
Ora, basta atentarmos aos depoimentos prestados e aos documentos junto aos autos para concluirmos que bem andou o tribunal ao dar como apurado que o arguido circulava a uma velocidade “não concretamente apurada mas superior a 70 Km/h”.
Na verdade “no que respeita à dinâmica do acidente, o Tribunal considerou o croqui de fls. 71; o auto de exame directo ao local de fls. 94 a 98, as fotografias de fls. 99 a 101, 107 e 108, que retratam o local do acidente, e nomeadamente as raspagens efectuadas pelo veículo do arguido no muro que ladeia a via no lado direito (sentido Leiria-Alcobaça), os danos causados na habitação existente à esquerda da via (sentido Leiria-Alcobaça), e os danos causados na habitação existente à direita da via (sentido Leiria-Alcobaça), cuja porta foi derrubada pelo corpo da vítima EE...de .; a fotografia de fls. 102, que retrata a placa indicativa da localidade de Albergaria; bem como as fotografias juntas a fls. 103 a 106 e que retratam o veículo conduzido pelo arguido no estado em que ficou após o acidente.
O Tribunal valorou os meios de prova enunciados e, com base nos mesmos, considerou provado nomeadamente que o arguido circulava a velocidade superior a 70 quilómetros por hora, apoiando-se no depoimento das testemunhas CC...., HH... e GG... . – cujas versões apresentam-se consentâneas, revelando conhecimento directo dos factos, e, ainda que apresentassem perturbação e alguma resistência na descrição do acidente (o que é susceptível de explicação, considerando a relação de amizade que os unia às vítimas), não tendo evidenciado, porém, falta de sinceridade ou de isenção.
Neste sentido, esclarece-se que perante a acareação realizada entre as testemunhas HH..., GG... ., JJ... e KK..., o Tribunal atribuiu maior credibilidade aos depoimentos das duas primeiras testemunhas, as quais face à postura corporal e facial demonstraram um constrangimento espontâneo e sincero, nomeadamente a testemunha GG... . que revela alguma culpabilização no que se refere à “brincadeira” das ultrapassagens, sem claudicarem, porém, na versão apresentada. Acresce ainda que a versão destas testemunhas é igualmente corroborada no essencial pela testemunha CC..... Por seu turno, a testemunha JJ... apresentou-se manifestamente desafiadora, pretendendo demonstrar uma certeza dos factos que não convenceu, nem se apresentou credível. Diga-se, a título de exemplo, que quando questionada sobre o lugar exacto onde terá estacionado o seu veículo no local do acidente, nomeadamente se antes ou depois da paragem de transportes públicos, respondeu com toda a convicção e altanaria que à data dos factos não existia no local qualquer paragem. Ora, tal facto não é verdade: a existência da paragem foi confirmada pelo arguido nas suas declarações, bem como resulta das fotografias de fls. 99 e 100, abalando, assim, a credibilidade do seu depoimento. No que concerne à testemunha KK..., o seu depoimento foi vago, e ao referir a existência de um veículo em sentido contrário e pessoas que não conhece a dirigirem-se ao local, considerando que no local apenas estariam o próprio, o arguido, o CC...., o JJ... (que conhecia) e as testemunhas HH... e GG..., o tom evasivo utilizado deixou a nítida sensação de não se querer comprometer quanto a essa questão.
Por seu turno, esclarece-se ainda que o depoimento da testemunha DD..., ainda que por razões diversas, também não convenceu integralmente o Tribunal, considerando-se que a alegação que o arguido conduzia a cerca de 140 km/hora nos parece manifestamente exagerada, sendo certo que a testemunha não viu o conta-quilómetros, resultando tal alegação apenas da noção de velocidade obtida. Ora, tendo em consideração que a testemunha em causa foi uma das vítimas do acidente, tendo ficado gravemente ferido, nomeadamente com perda de consciência prolongada, é compreensível e normal que ao longo do tempo tenha revivido e revisto constantemente o acidente na sua mente, vezes sem conta, o que, de acordo com as regras da experiência comum, resulta em um agravamento do episódio, com exagero dos pormenores.
Assim, temos que, face ao depoimento das testemunhas CC...., HH... e GG... ., o Tribunal conclui que, antes do local do acidente, o arguido ultrapassou o Opel Astra conduzido por GG... ., o qual circulava a velocidade superior a 70 km/hora (conforme referido pelo próprio). Logo, para ultrapassar o Astra, o arguido teve de imprimir ao seu veículo velocidade superior a 70 km/hora. Quanto ao local da ultrapassagem, ainda que se desconheça o sítio exacto da mesma, terá ocorrido no cruzamento que antecede a curva do despiste, ou pouco antes do mesmo, considerando que a testemunha GG... . declarou que viu o carro do arguido a fazer a curva e a fugir com a traseira a ir para a direita, mas que não viu o acidente, pois estaria a chegar ao cruzamento para o Juncal ou na curva anterior. Consequentemente, a ultrapassagem poderá ter sido efectuada imediatamente antes do cruzamento, o que é consentâneo com o depoimento das testemunhas GG... e HH... no sentido que viram o veículo do arguido na curva e depois já só o avistaram despistado. Consequentemente, encontrando-se, ainda, na fase final da ultrapassagem, o arguido circulava necessariamente com velocidade superior a 70 km/hora. Tais depoimentos são igualmente confirmados pelos elementos objectivos recolhidos no processo, e que sumariamente se enunciam:
- o estado em que ficou o veículo do arguido após o acidente, retratado nas fotografias de fls. 103-106, evidencia que o embate foi muito violento, na sequência de uma velocidade elevada;
- o facto de, após o despiste, o veículo do arguido ter raspado por quatro vezes no muro que ladeia a faixa de rodagem no lado direito da via numa extensão de ... metros (cf. fotografias de fls. 99 e 100 e croqui de fls. 71), atravessado a faixa de rodagem em derrapagem, numa extensão de 22,65 metros, embatido, por duas vezes, na casa com o n.º..., fazendo um buraco na respectiva parede, voltado a atravessar a faixa de rodagem numa extensão de 31,30 metros, indo imobilizar-se com a traseiro junto de um poste da EDP.
- o facto de, após os embates na casa com o n.º..., os corpos das vítimas EE...e FF...terem sido cuspidos do veículo (que face aos danos verificados no veículo, conclui-se que o foram pela bagageira) com tal violência que o corpo da vítima EE...derrubou uma porta da habitação n.º ... existente do outro lado da via, ficando a mesma imobilizada no interior da habitação, o que igualmente evidencia uma velocidade elevada do veículo.
Acresce que a versão do arguido em como se despistou porque adormeceu, além de se apresentar hesitante, não resulta apoiada nos elementos objectivos recolhidos no processo, porquanto, sendo o local do despiste uma curva para a direita, caso o arguido tivesse adormecido na eminência da curva, de acordo com as regras da experiência comum, teria seguido uma trajectória em linha recta em direcção à berma esquerda, e não teria raspado no muro que ladeia a via do lado direito.
Pelo contrário, também de acordo com as regras da experiência comum, a realização de uma ultrapassagem, seguida de uma curva à direita, associada a velocidade excessiva, pode efectivamente provocar uma perda de controlo da direcção do veículo, com dificuldades em desfazer a curva, logo, despistando-se o mesmo em direcção à berma do lado direito, o que aconteceu.
Estes os elementos que determinaram a convicção do Tribunal quanto à dinâmica do acidente, e características da via e do tempo à data daquele”.
Em conclusão diremos que perante os factos apurados e a sua motivação não procede a critica do recorrente. Este esquece a prova produzida e as regras da experiência e sobrevaloriza a sua apreciação subjectiva do que deveria ter sido considerado provado, querendo fazer prevalecer a sua versão dos factos, sem apoio na prova produzida.
É de notar que o juiz da 1ª instância é o juiz da oralidade e da imediação da audiência de julgamento, logo está numa posição que lhe permite apreender as emoções, a sinceridade, a objectividade, as contradições, todas os pequenos gestos que escapam no recurso. Portanto, o juiz do julgamento, em virtude da oralidade e da imediação, portanto, do seu contacto, com arguidos, testemunhas, tem uma percepção que escapa aos juízes do tribunal da Relação.
O Tribunal da Relação apenas pode controlar e sindicar a razoabilidade da sua opção, o bom uso do princípio da livre convicção, com base na motivação da sua escolha.
Ora, da motivação resulta que a convicção do tribunal não é puramente subjectiva, intuitiva e imotivável, mas antes resultou da livre apreciação da prova, da análise objectiva e critica da prova. A solução a que chegou o tribunal é razoável atendendo á prova produzida e está fundamentada. Na verdade, face a todo o material probatório tudo indica que o tribunal recorrido captou a verdade material.


No que respeita à determinação da medida da pena temos que considerar o que dispõe os arts 40, 70 e 71 do Código Penal.
Dispõe o art 40 que “a aplicação das penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”. Sendo certo que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”, ou seja, a medida da culpa condiciona a própria medida da pena, sendo assim um limite inultrapassável da sua medida.
Como se diz no acórdão desta relação de 17/1/1996 na CJ, Ano XXI, Tomo I, pg 38, (...) a pena há-de ser determinada (dentro dos limites mínimo e máximo fixados na lei) mediante critérios legais, quais sejam, em primeiro lugar, o da culpa do agente, intervindo depois (ao mesmo nível) as exigências de prevenção especial e geral”.
“(...) Na determinação da medida judicial da pena, o julgador terá de se movimentar tendo em atenção, em primeira linha, a culpa do agente, entendida esta no sentido atrás referido, qual seja de que o objecto de valoração da culpa é prevalentemente o facto ilícito praticado.
Por outro lado, o preceito que vimos de analisar (...) manda igualmente que o julgador, proceda à fixação do quantum de pena concreto, tendo em conta considerações de prevenção (geral e especial), concretizadas pelo seu nº 2.
(...) Os critérios legais de fixação da medida da pena a aplicar a cada caso, submetido a julgamento, são a culpa (num primeiro momento) e a prevenção (na fase subsequente), mas ao mesmo nível, consabido que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”
O critério para a escolha da pena, bem como os limites a observar no que respeita ao seu quantum encontram-se fixados nos arts 70 e 71 do Código Penal. O art 70 dá primazia às penas não detentivas; o segundo aponta para a determinação da medida da pena a culpa do agente e as exigências de prevenção bem como, a todas as circunstâncias que não fazendo parte do crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.
“Atribuindo-se à pena um critério de reprovação ética, têm de se levar em conta as finalidades de prevenção geral e especial; fazendo apelo a critérios de justiça, procurar-se-á uma adequada proporcionalidade entre a gravidade do crime e a culpa por um lado e a pena por outro” (CJ, Ano XVII, Tomo I, pg 70).
No caso vertente, temos que o arguido agiu com manifesto desprezo pelas mais elementares regras de conduta que um condutor de veículos automóveis deve tomar.
A ilicitude da conduta é gravíssima dadas as consequências que originou – duas mortes.
As necessidades de prevenção quer geral, quer especial e de reprovação não são de descurar atenta a gravidade objectiva dos crimes praticados e a frequência com que os mesmos ocorrem.
O arguido está bem inserido socialmente.
Assim sendo é de concluir que, quer as penas parcelares, quer a pena única aplicada ao recorrente não nos merece qualquer censura no que respeita ao seu quantum por esta se mostrar adequada, proporcional e equilibrada.

O arguido foi condenado na pena única de dois anos de prisão suspensa na sua execução pelo período de dois anos sob a condição de o arguido no mesmo prazo, entregar à Associação do Cidadãos Auto-Mobilizados o valor de € 3.000,00 ( três mil euros).
Insurge-se a assistente por entender que a pena aplicada ao arguido não deverá ser suspensa, na medida em que os factos ocorreram por culpa grave do arguido, mas a ser suspensa a indemnização a pagar à Associação do Cidadãos Auto-Mobilizados deve ser no montante de € 6.000,00 (seis mil euros).
.
Dispõe o art 50 nº 1 do Código Penal, que:
“O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
A suspensão da execução de pena de prisão, enquanto medida penal de conteúdo reeducativo e pedagógico é um poder-dever, ou seja, um poder vinculado do julgador, que deverá ser decretada sempre que se afigurar mais conveniente para a realização das finalidades das penas e se verifiquem os pressupostos a que alude o art 50 do CP. Ou seja, um pressuposto formal (prisão não superior a 5 anos) e um pressuposto material (o prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente), enunciados no referido normativo.
Que o pressuposto formal se verifica é indiscutível. Há que verificar a existência ou não do segundo pressuposto.
“Na base da decisão de suspensão da execução da pena deverá estar uma prognose social favorável ao arguido, ou seja, uma esperança de que o arguido sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime. O tribunal deverá correr um risco prudente, uma vez que esperança não é seguramente certeza, mas se tem sérias dúvidas sobre a capacidade do arguido para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa.
Nessa prognose deve atender-se à personalidade do arguido, às suas condições de vida, à conduta anterior e posterior ao facto punível e às circunstâncias deste, ou seja, devem ser ponderadas todas as circunstâncias que possibilitem uma conclusão sobre a futura conduta do arguido, atendendo somente às razões de prevenção especial” (Código Penal Anotado, Leal Henriques/Simas Santos).
Ora, atendendo aos factos apurados, temos que o arguido agiu com negligência, ou seja agiu com grave violação de deveres que tinha na qualidade de condutor da sua viatura. Estamos na presença de factos de elevada gravidade, de elevado grau de ilicitude. Dos factos provados resulta que o arguido está bem inserido familiar e profissionalmente, é bem conceituado onde vive, lamenta a morte das vítimas, é primário.
No caso vertente, ainda se verificam os pressupostos para que o arguido benefície do instituto da suspensão da execução da pena que lhe foi aplicada,.
Os elementos trazidos aos autos ainda nos permitem concluir por esse prognóstico favorável.
Por outro lado, atendendo á sua situação económica é equilibrada e justa a quantia fixada.

A assistente requer a condenação do arguido na sanção acessória de inibição de conduzir prevista no art. 69 nº 1 da al. b) do Penal.
Ao contrário do que sustenta o Tribunal “a quo” tal dispositivo tem aplicação nos crimes negligentes.
É evidente que só são puníveis os factos praticados com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência. (art. 13 do CP).
Ora, os factos praticados com negligência quando previstos na lei, são puníveis com penas de prisão, multa ou, também, penas acessórias.
O artº 69 do CP, trata-se de uma pena acessória e, como tal, aplicável quer aos crimes dolosos, quer aos crimes negligentes se a lei determinar que se aplica ao crime fundamental.
No caso vertente, o arguido é acusado por um crime de homicídio negligente. A este aplica-se não só uma pena de prisão mas, também, a sanção acessória nos termos do artº 69 nº 1 al. b) do CP.
Na verdade, enquanto a alínea a) não oferece qualquer dúvida que só se aplica a crimes dolosos, a alínea b) não especifica. Tem que se analisar caso a caso. “É condenado na proibição de conduzir veículos com motor por crime cometido com utilização de veículo e cuja execução tiver sido por este facilitada de forma relevante, ou seja, pode ser de forma dolosa mas, também, de forma negligente.
No caso dos autos a condução do arguido, a falta de cuidado, o excesso de velocidade contribuiu de forma relevante e única para o acidente. Logo tem aplicação o estatuído na al. b) do art. 69 do Penal.
Atendendo a que o arguido já respondeu por duas contra-ordenações fixa-se a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de um ano.

Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela assistente e, em consequência, fixa-se a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de um ano.
No mais mantém-se o decidido.

Custas pela recorrente fixando-se a taxa de justiça em 4 ucs.

Coimbra,