Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
444/11.2TBSEI.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ GUERRA
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
SEGURO DE VIDA
QUESTIONÁRIO
CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
Data do Acordão: 07/02/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: SEIA 1º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: DL Nº 446/85 DE 25/10, DL Nº 220/95 DE 31/10
Sumário: O regime das cláusulas contratuais gerais não é aplicável ao questionário pré-elaborado pela seguradora ao qual o segurado responde, de modo a fornecer àquela elementos na fase prévia à celebração do contrato de seguro em função dos quais a seguradora estabelece as condições de aceitação do contrato.
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra

          I- RELATÓRIO

         1. A Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de J (…) representada por L (…), A (…) e F (…) , instaurou a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra a R., Companhia de Seguros (…), S.A., pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de € 10.000,00, acrescida de juros à taxa legal de 4%, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

         Alega para tanto, e em síntese, que entre J (…) (respectivamente cônjuge e pai dos Autores) e a R. foi celebrado, em 28.09.2007, um contrato de seguro de vida para garantia do capital de € 10.000,00, por tempo indeterminado, tendo como beneficiários os seus legais herdeiros (aqui Autores), sendo que sempre o mesmo, enquanto vivo, pagou pontualmente o respectivo prémio, tendo vindo a falecer no dia 6 de Maio de 2010, em Coimbra, no decurso de tal contrato de seguro; sem qualquer fundamento a R. tem-se recusado a proceder ao pagamento da sobredita quantia aos AA. sendo que não houve qualquer ocultação do estado de saúde do de cujus, salientando que uma vez que a pessoa segura tinha 51 anos à data de celebração do mesmo e o valor do contrato, nos termos do ponto 11. do mesmo, não era necessária qualquer declaração sobre o seu estado de saúde.

         2. Ordenada a correcção da forma processual atribuída pela A. à presente acção para a forma de processo sumário por força do valor do pedido, seguida de nova distribuição nesta espécie, foi citada regularmente a R. que, contestando, se defendeu por excepção e impugnação alegando, em síntese, a nulidade do contrato de seguro por falsas declarações da pessoa segura, uma vez que para a celebração de seguro válido era necessário o preenchimento prévio do boletim de adesão instruído com uma declaração de saúde da pessoa segura, onde o aderente declara quais as doenças de que padece e/ou padeceu, sendo que a pessoa segura assinou a dita proposta com uma declaração onde declara não ter qualquer problema de saúde, assim como declarou ter conhecimento de que a falsidade daquela declaração poderia anular o contrato; a proposta está assinada pelo banco tomador e foi entregue ao falecido nota de informação prévia com um resumo das garantias e das exclusões do contrato, sendo que o falecido nunca levantou qualquer dúvida ás respostas que prestou, nomeadamente no prazo de 30 dias de que dispunha para tal; o risco e o prémio inicial do contrato de seguro foram calculados com base nas respostas ao questionário médico do boletim de adesão; o sinistro foi participado pela viúva em 16.05.2010, sem qualquer informação quanto à causa da morte, pelo que após averiguações da R. esta apurou que o segurado sofria de insuficiência renal crónica diagnosticada em 2005, a qual foi causa da hemorragia cerebral que lhe causou a morte; a Ré só dispensa a realização de exames médicos e pedido de análises nos seguros de vida, desde que o proponente não indique doenças de que padeça e/ou tenha padecido, apenas exigindo o preenchimento da declaração de saúde que o de cujus fez, nada tendo declarado de anormal quanto á sua saúde (o que resulta das normas emanadas pelo ISP), pelo que a Ré não solicitou quaisquer exames; o preenchimento da dita declaração de saúde destinou-se a aferir o estado de saúde do segurado a que este deveria ter respondido com verdade como estava obrigado pelo princípio da boa-fé, verdade essa que aquele, entretanto falecido, omitiu, sabendo a gravidade da insuficiência renal crónica, as suas sequelas e o risco de vida que a sua evolução acarreta; se a Ré tivesse tido conhecimento das doenças de que o falecido padecia não teria aceite o seguro proposto, o que o segurado sabia e motivou a sua omissão; pelo que o sinistro não está abrangido pelo seguro, uma vez que se enquadra no disposto no ponto 3 do art. 5° das condições gerais do seguro de vida, estando em causa a exclusão da mesma nos termos do ponto 3.1 do art. 3° das ditas condições gerais, para além de que é nulo.

 

         3. Respondeu a A. impugnando a matéria de excepção alegada pela R., afirmando que quando foi celebrado o contrato de seguro foi expressamente referido ao segurado que tomando em conta o valor do capital seguro não se tornava necessário o preenchimento do respectivo questionário de saúde, mas apenas os pontos que este veio a preencher, sendo que os demais pontos não foram lidos por aquele, nem lhe foram explicados; à data da celebração do contrato o segurado não estava sob observação médica ou em tratamento médico regular, sendo que os problemas resultantes da sua condição de saúde não eram relevantes e apenas se agravaram após a assinatura do contrato, na sequência de transplante renal; a hemorragia cerebral que causou a sua morte não teve a sua origem na insuficiência renal.

        

         4. Depois de dispensada a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador, no qual foi considerado ter havido uma errada terminologia na identificação da parte activa da acção sem qualquer influência na questão da legitimidade das partes, por força do que foi entendido interpretar-se que os AA. na acção são os mencionados  L (…), A (…) e F (…), julgando-se no mais a regularidade da instância, fixando-se a matéria assente e organizando-se a base instrutória, a qual foi objecto de reclamação por parte da Ré que veio a ser atendida.

         5. Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, que decorreu com observância do legal formalismo, não tendo a decisão do tribunal sobre a matéria de facto sofrido reclamação.

         6. Foi proferida sentença, na qual veio a decidir-se pela total improcedência da acção, e, em consequência, pela absolvição da Ré do pedido contra a mesma formulado nos autos pelos AA.

         7. Inconformados com o assim decidido, vieram os AA. interpor recurso de tal sentença, cujas alegações rematam com as seguintes conclusões:

         “ 1- Vem o presente recurso interposto da douta decisão proferida de fls., que julgou a acção ora instaurada pelos A.A. aqui recorrentes improcedente por não provada e que como tal absolveu a R. do pedido peticionado.

         2- Tal como de resto resulta dos autos, designadamente do doc. 2 junto com a P.I. a acção instaurada pelos A.A. tem por base o contrato de seguro celebrado em 28/09/2007 titulado pela apólice 800600/5709, adesão nº. 0156647, sendo J (…) a pessoa segura e os herdeiros legais deste ( A.A. aqui recorrentes ) os beneficiários.

         3- Ao caso em análise aplica-se o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais aprovado pelo D.L. 446/85 de 25/10, texto resultante da republicação operada pelo D.L. 220/95 de 31/10 – artigo 1º.

         4- É pois indiscutível que tomando em conta que as cláusulas contratuais gerais já se encontravam elaboradas quando o mesmo contrato foi assinado pelo J (…), sem que este pudesse discutir tais clausulas, portanto sem prévia negociação individual de acordo com o disposto no artigo 1º daquele diploma legal aplica-se ao contrato em questão o preceito normativo a que se faz referência na cláusula anterior.

         5- Portanto impunha-se pois que a M. Juiz “ aquo “ quando elaborou a sentença recorrida e antes de se pronunciar sobre a questão da validade do contrato de seguro deveria fazer referência ao D.L. referido no artigo 10, designadamente ao seu artigo 8º alínea c).

         6- Ora analisado o contrato de seguro a que se faz referência no artigo 2º, designadamente analisando os pontos 10, 11 e 12 do verso do mesmo contrato, é pois indiscutível que esses mesmos pontos têm carácter ilegível.

         7- Pelo que impunha-se de acordo com o artigo 8º do D.L. referido no artigo 10, que a M. Juiz “ aquo “ quando elaborasse a sentença e antes de se pronunciar sobre a validade do contrato a que se faz referência no ponto 2, devesse considerar excluído do contrato essas mesmas cláusulas do verso deste, designadamente as referidas nos pontos 10, 11 e 12.

         8- Ora de acordo com o disposto no artigo 664º do C.P.C., a Sr. Juiz “ aquo “ não está sujeita às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras e Direito.

         9- Portanto impunha-se pois que o tribunal de acordo com o acima exarado considerasse como excluído do contrato os pontos 10, 11 e 12 ( verso do contrato ) ficando assim prejudicada a apreciação da validade do contrato de seguro objecto da presente acção e a que se faz referência no artigo 2.

         10- Porque ao caso em análise aplica-se a legislação referida no artigo 10, de acordo com o artigo 5 nº.3 do D.L. 446/85 de 25/10, texto resultante da republicação operada pelo D.L. 220/95 de 31/10, não eram os AA. aqui recorrentes que tinham que fazer prova da respectiva comunicação/explicação das cláusulas contratuais do contrato referido no artigo 2º.

         11- Sendo que ao invés cabia à R. seguradora fazer a prova da comunicação/explicação daquelas clausulas contratuais.

         12- E porque nada consta da douta sentença recorrida que a R. fez tal comunicação ou explicação ao falecido marido e pai dos A.A., tal facto por si só era mais do que suficiente para a acção ser julgada totalmente procedente.

         13- O tribunal “ aquo “ ao ter decidido da forma que decidiu violou ou não fez uma aplicação correta dos artigos 1º, 5º nº.3 e 8º, do D.L. 446/85 de 25/10, texto resultante da republicação operada pelo D.L. 220/95 de 31/10, bem como do artigo 664º do C.P.C., pelo que assim violou aquelas disposições legais “.

         Termina pugnando pelo provimento do recurso e pala substituição da decisão impugnada por outra que condene a R. recorrida no pedido contra a mesma formulado.

         8. Contra-alegou a R. pugnando pelo não provimento do recurso e pela manutenção, na íntegra, da sentença recorrida e da absolvição da apelada do pedido.   

9. Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – ÂMBITO DO RECURSO

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso ( Arts. 684º, nº 3, 685º-A e 660º, nº 2, do CPC ), a única questão a decidir prende-se com a de saber se os pontos 10, 11 e 12 do verso do contrato de seguro em discussão nos autos constituem cláusulas contratuais gerais do mesmo para efeito de vinculação da seguradora aos deveres de comunicação e informação das cláusulas em contratos de adesão.

        

III – FUNDAMENTAÇÃO

A) De Facto

         Na 1ª instância veio a ser considerada provada a seguinte factualidade:

         1. No dia 6 de Maio de 2010 faleceu, em Coimbra, J (…).

         2. J (…) deixou a suceder-lhe, como herdeiros, L (…), A (…) e F (…).

         3. A Ré celebrou com o Banco B.P.I., este na qualidade de tomador, um contrato de seguro, titulado pela apólice 800600/5709, adesão na 156647 de 28-09-2007, sendo J (…) a pessoa segura e os herdeiros legais deste os beneficiários, com um capital garantido em caso de morte ou invalidez absoluta de €10.000,00 (cfr. fls, 9 e 33 a 39 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

         4. J (…) assinou o boletim de adesão n." 156647, do qual consta, no ponto 10, a seguinte declaração:

"Declaro não estar sobre observação médica ou em tratamento médico regular, não ter interrompido por mais de 15 dias consecutivos, nos últimos 5 anos, a minha actividade laboral por motivos de saúde, não ter sido operado ou internado num estabelecimento hospitalar, não ter fármaco dependência ou toxicomania, não ter alguma deficiência física ou funcional e não ter sido objecto de recusa ou agravamento de prémio aquando da subscrição de um Seguro de Vida.

         Tomo conhecimento das Condições Contratuais e que as coberturas desta Apólice só terão efeito na condição da Proposta de Seguro ter sido aceite pela Allianz Portugal, desde que não me encontre em estado de incapacidade nessa data e que qualquer omissão ou falsa declaração pode anular a minha adesão ao contrato. Autorizo os médicos ou qualquer entidade que me tenha tratado ou examinado a fornecer à Allianz Portugal sempre que esta solicitar todas as informações relacionadas com o meu pedido de adesão ou com eventual sinistro.".

         6. No boletim de adesão n." 156647, no ponto 11, designado como   "Questionário de Saúde", J (…) apenas preencheu o item respeitante à "Altura", "Peso" e "Tensão arterial" e nada referiu quanto à existência de qualquer outro facto ou circunstância relevante para a avaliação do estado de saúde.

         7. J (…) nunca procedeu à correcção ou alteração aos elementos apresentados aquando do preenchimento do boletim de adesão.

         8. J (…) pagou pontualmente o prémio de seguro referente ao contrato aludido em 3 .

         9. A Ré só dispensa a realização de exames médicos e pedido de análises nos seguros de vida, dentro de certos limites de capital e desde que o proponente não indique doenças de que padeça e/ ou tenha padecido.

         10. O óbito de J (…) foi comunicado à Ré por L (…), através de carta datada de 16-05-2010.

         11. No Boletim de Adesão n." 156647, consta no ponto 10, parte inicial, sob a designação  "Declaração de Saúde":

         "A Declaração de Saúde, não sendo necessários quaisquer exames médicos, será suficiente nas seguintes condições:

         - Para capitais seguros VitAlI e/ou Crédito Habitação BPI, junto da Allianz Portugal, iguais ou inferiores a € 100.000 e cuja idade do proponente seja inferior a 61 anos".

         12. No boletim de adesão n." 156647, consta no ponto 11., parte inicial, sob a designação "Questionário de Saúde":

         "Preencher somente para capitais seguros VitAlI superiores a €100.000, incluindo outros seguros VitAll, ou sempre que a idade do proponente seja igualou superior a 61 anos, ou se não enquadrar nas Condições previstas na Declaração de Saúde".

         13. No boletim de adesão n." 156647, consta no ponto 12., sob a designação "Declaração e Assinatura": "Declaro a) que são correctas e se aplicam a mim as afirmações indicadas na Declaração de Saúde, no caso de não ter respondido ao Questionário de Saúde; b) que respondi com exactidão e sinceridade ao Questionário de Saúde, no caso de não me enquadrar nas condições da Declaração de Saúde; c) que tomei conhecimento de que os dados recolhidos serão processados e armazenados informaticamente e que se destinam à exclusiva utilização nas relações contratuais com a Allianz Portugal e o seus subcontratados; d) que as omissões, inexactidões e falsidades, quer no que respeita a dados de fornecimento obrigatório, quer facultativo, são da minha inteira responsabilidade;  e) que posso ter acesso à informação que me diga respeito, solicitando a sua correcção, aditamento ou eliminação, mediante contacto directo ou por escrito, junto da Allianz Portugal, através do Banco BPI; f) que recebi a "Nota de Informação Prévia" disponibilizada através do Boletim de Adesão; g) autorizo expressamente a Allianz Portugal a informar o Banco BPI, para a avaliação do risco de crédito, se o meu seguro de vida foi aceite com quaisquer exclusões e quais as exclusões em causa; Autorizo igualmente a consulta de dados pessoais disponibilizados, sob regime de absoluta confidencialidade, às Empresas que integram o Grupo BPI, desde que compativel com a finalidade da recolha dos mesmos".

         14. A assinatura de J (…), aposta no boletim de adesão n." 156647, foi abonada/conferida pelos serviços do BPI e na presença do colaborador 1587 do mesmo Banco.

         15. J (…) era seguido em Consulta Externa de Nefrologia nos Hospitais da Universidade de Coimbra desde 1999, por insuficiência renal crónica e proteinúria nefrótica secundária a nefropatia IGA.

         16. Durante dois anos J (…) fez terapêutica com antihipertensores, bem como com Micofenolato de Mofetil.

         17. J (…) sofreu um agravamento progressivo da função renal, que atingiu o estádio 5 de insuficiência renal crónica em Agosto de 2005.

         18. J (…) optou por iniciar um programa de diálise peritoneal automática e, em 26-09-2006, foi-lhe implantado um cateter de "Tenckoff'.

         19. Se a Ré tivesse tido conhecimento dos factos referidos em de 15. a 18. não teria aceite o  seguro proposto.

         20. Uma funcionária do Banco B.P.I. referiu a J (…) que o ponto 11. do boletim de adesão - Questionário de Saúde - não se aplicava ao acordo mencionado em 3., não sendo necessário o seu preenchimento tendo em conta o valor do capital seguro, o mesmo não sucedendo relativamente á Declaração de Saúde constante do ponto 10.

         21. No acto de subscrição do contrato foi entregue a J (…)a nota de informação prévia que contém um resumo das garantias e exclusões do contrato.

         22. A hemorragia que provocou a morte de J (…) foi decorrência do agravamento do seu estado de saúde no pós-operatório da transplantação renal, causado directamente pela insuficiência renal crónica referida em 16.

         B) De Direito

         A apreciação do presente recurso, balizada pelas respectivas conclusões, circunscreve-se à análise dos pontos 10. a 12. do contrato de seguro em discussão nos autos, clausulado esse que os recorrentes pretendem que seja erigido à categoria de cláusulas contratuais gerais que não foram comunicadas nem explicadas pela  R. seguradora.

         A massificação do comércio jurídico, característica dos nossos dias, levou a que as pessoas passassem a celebrar frequentemente contratos sem serem precedidos de qualquer fase negociatória. A prática jurídico-económica racionalizou-se e especializou-se: as grandes empresas uniformizaram os seus contratos, de modo a acelerar as operações necessárias à colocação dos produtos e a planificar, nos diferentes aspectos, as vantagens e as adstrições que lhes advêm do tráfico jurídico.

         É neste contexto que surge a figura das cláusulas contratuais gerais, usadas e impostas pelas grandes empresas, sem que a outra parte possa discutir ou introduzir modificações ao seu conteúdo. Se é certo que a liberdade contratual é um dos princípios estruturantes do direito privado, o que se verifica, no caso das cláusulas contratuais gerais, é que aquela liberdade se circunscreve à possibilidade de aceitar ou rejeitar celebrar o contrato nos termos impostos.

         Porque o contrato de adesão restringe de forma severa a liberdade de negociação e de estipulação, consistindo o seu traço comum na superação do modelo contratual clássico, subordinando-se os clientes a cláusulas previamente fixadas, de modo geral e abstracto, para uma série indefinida de efectivos e concretos negócios. ( cfr. Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 3ª ed., pág.197 ), o legislador deparou-se com a necessidade de introduzir alguns mecanismos destinados a combater os abusos que esta técnica de contratação pode vir a fomentar em prejuízo do consumidor.

         Um desses mecanismos previstos pelo legislador para acautelar os aludidos abusos emergentes da contratação com recurso à utilização de cláusulas contratuais gerais é o dever de comunicação das cláusulas, contemplado no Art. 5º do Dec. Lei nº 446/85, de 25.10.

         Estatui-se em tal normativo legal, sob a epígrafe de “comunicação”, que:

         «1. As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las.

         2. A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento.

         3. O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais.»      

         Nas palavras de Almeida Costa e Menezes Cordeiro, in Cláusulas Contratuais Gerais, 25, quem utiliza as cláusulas deve, "por força do nº 1, além de comunicar o respectivo conteúdo, informar o aderente do seu significado e das suas implicações. A intensidade e o modo de executar esse dever dependem das particularidades do caso concreto, tendo em conta, nos termos gerais, as necessidades sentidas por um aderente normal, colocado na situação considerada".

         Com este dever de comunicação consagrado do preceito legal citado procura o legislador possibilitar ao aderente o conhecimento antecipado da existência das cláusulas contratuais gerais que irão integrar o contrato singular, bem como o conhecimento do seu conteúdo, exigindo-lhe, para esse efeito, também a ele um comportamento diligente. Acontece que essa comunicação, porque se destina a combater o risco de desconhecimento de aspectos significativos do contrato, deve ser feita de tal modo que proporcione à contraparte a possibilidade de um conhecimento completo e efectivo do clausulado – Cfr. neste sentido, Almeno de Sá, in Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva sobre Cláusulas Abusivas, 197, e, entre muitos outros, o Ac. STJ de 2.11.2004, CJ STJ, ano XII, tomo III, págs. 104 e segs. e o Ac. da Relação do Porto, de 04-10-2011., in www.dgsi.pt.

         O contrato de seguro do ramo vida em discussão nos autos, cuja qualificação jurídica é pacificamente aceite pelos recorrentes, insere-se, sem margem para dúvidas, no elenco dos contratos de adesão.

         A questão, pois, que importa dilucidar prende-se com a consideração dos aludidos pontos 10. a 12. do ajuizado contrato de seguro enquanto cláusulas contratuais gerais, ou seja, enquanto cláusulas insertas em condições pré-determinadas e inseridas num texto-modelo revelador que o mesmo se destina a ser utilizado numa pluralidade de contratos.

         A esses pontos 10. a 12. do referido contrato de seguro refere-se a factualidade vertida nos pontos 4., 6 e 13. da sentença, a saber:

         - J (…) assinou o boletim de adesão n." 156647, do qual consta, no ponto 10, a seguinte declaração:

"Declaro não estar sobre observação médica ou em tratamento médico regular, não ter interrompido por mais de 15 dias consecutivos, nos últimos 5 anos, a minha actividade laboral por motivos de saúde, não ter sido operado ou internado num estabelecimento hospitalar, não ter fármaco dependência ou toxicomania, não ter alguma deficiência física ou funcional e não ter sido objecto de recusa ou agravamento de prémio aquando da subscrição de um Seguro de Vida.

         Tomo conhecimento das Condições Contratuais e que as coberturas desta Apólice só terão efeito na condição da Proposta de Seguro ter sido aceite pela Allianz Portugal, desde que não me encontre em estado de incapacidade nessa data e que qualquer omissão ou falsa declaração pode anular a minha adesão ao contrato. Autorizo os médicos ou qualquer entidade que me tenha tratado ou examinado a fornecer à Allianz Portugal sempre que esta solicitar todas as informações relacionadas com o meu pedido de adesão ou com eventual sinistro." [ ponto 4. ]

         - No boletim de adesão n." 156647, no ponto 11, designado como    "Questionário de Saúde", J (…) apenas preencheu o item respeitante à "Altura", "Peso" e "Tensão arterial" e nada referiu quanto à existência de qualquer outro facto ou circunstância relevante para a avaliação do estado de saúde. [ ponto 6. ]

         - No boletim de adesão n." 156647, consta no ponto 12., sob a designação "Declaração e Assinatura": "Declaro a) que são correctas e se aplicam a mim as afirmações indicadas na Declaração de Saúde, no caso de não ter respondido ao Questionário de Saúde; b) que respondi com exactidão e sinceridade ao Questionário de Saúde, no caso de não me enquadrar nas condições da Declaração de Saúde; c) que tomei conhecimento de que os dados recolhidos serão processados e armazenados informaticamente e que se destinam à exclusiva utilização nas relações contratuais com a Allianz Portugal e o seus subcontratados; d) que as omissões, inexactidões e falsidades, quer no que respeita a dados de fornecimento obrigatório, quer facultativo, são da minha inteira responsabilidade;  e) que posso ter acesso à informação que me diga respeito, solicitando a sua correcção, aditamento ou eliminação, mediante contacto directo ou por escrito, junto da Allianz Portugal, através do Banco BPI; f) que recebi a "Nota de Informação Prévia" disponibilizada através do Boletim de Adesão; g) autorizo expressamente a Allianz Portugal a informar o Banco BPI, para a avaliação do risco de crédito, se o meu seguro de vida foi aceite com quaisquer exclusões e quais as exclusões em causa; Autorizo igualmente a consulta de dados pessoais disponibilizados, sob regime de absoluta confidencialidade, às Empresas que integram o Grupo BPI, desde que compativel com a finalidade da recolha dos mesmos". [ ponto 13. ]

         Cotejando tal factualidade, facilmente dela se afere que a mesma se trata de um questionário inserido na proposta do seguro em discussão nos autos relativo a aspectos da saúde da pessoa segura, ao qual o falecido J (…) marido e pai dos recorrentes, respondeu, com vista a permitir à seguradora ponderar os riscos com a celebração de tal contrato de seguro.        

         Na verdade, é através de tal questionário que, como se adianta, no Ac. do STJ de 17.10.2006, disponível em www.dgsi.t, a seguradora faz saber ao candidato “as circunstâncias concretas em que se baseia para assumir o risco”.

         Consistindo o mesmo, “ numa facilitação concedida pelo segurador ao segurado”, assente na probidade das informações e na boa fé deste último, com vista a evitar um complexo de averiguações e exames, não devendo “redundar em prejuízo daquele” – vide, neste sentido, Moitinho de Almeida, in  O Contrato de Seguro, pag. 74.

         Sendo certo que tal questionário se apresenta como pré-elaborado, o mesmo já não se passa com as respostas de que é destinatária a seguradora, sendo que o segurado não adere ao questionário, mas apenas lhe responde para fornecer à seguradora elementos em função dos quais esta estabelece as condições de aceitação do contrato, tudo decorrendo numa fase prévia à celebração do contrato de seguro.

         E, conforme se escreveu no Ac. do STJ de 27.05.2008, disponível igualmente em www.dgsi.pt “ consoante o conteúdo das respostas ao questionário sobre o estado de saúde do potencial segurado, a seguradora decide se, em definitivo, apresenta uma proposta de seguro e, na hipótese afirmativa, as condições que propõe para que seja celebrado o contrato de seguro, sendo que só então, nessa segunda fase, poderemos dizer que estamos perante um contrato de adesão. Como é óbvio, a seguradora não apresenta um contrato-tipo já com o questionário preenchido”.

         Do que se deixa expendido há, pois, que concluir que sendo embora certo, como é, que as perguntas formuladas no questionário que foi preenchido pelo segurado - com indicações que se vieram a apurar não serem verdadeiras - são previamente formuladas pela seguradora, o mesmo já não vale para as respostas que o proponente deveria dar, pois estas não se circunscrevem à mera subscrição de um formulário já elaborado, pelo que não lhe é aplicável o regime das cláusulas contratuais gerais, visto não constituírem cláusulas contratuais gerais do contrato de seguro em discussão nos autos para efeito de vinculação da seguradora aos deveres de comunicação e informação dessas cláusulas em contratos de adesão. – neste sentido, vide Ac. do STJ, de 6.07.2011, e Ac. da Rel. do Porto, de 24-05-2011, disponíveis em www.dgsi.pt.

         Bem andou, pois, o tribunal recorrido ao decidir nesse mesmo sentido a respeito de tal questão, razão pela qual se mantém na íntegra a decisão recorrida, visto que o mais nela decido não vem posto em causa no presente recurso. 

IV- SUMÁRIO ( Art. 713º Nº7 C.P.C. )

         - O regime das cláusulas contratuais gerais não é aplicável ao questionário pré-elaborado pela seguradora ao qual o segurado responde de modo a fornecer àquela elementos na fase prévia à celebração do contrato de seguro em função dos quais a seguradora estabelece as condições de aceitação do contrato.

         V- DECISÃO     

         Em face de tudo o exposto, julga-se totalmente improcedente o recurso interposto pelos AA. apelantes, confirmando-se na íntegra a decisão recorrida.

         Custas pelos apelantes.

           

                                              

                                                        Maria José Guerra ( Relatora)

                                                        Carlos Moreira

                                                        Carvalho Martins