Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
6753/05.2TBLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JACINTO MECA
Descritores: EMPREITADA
DEFEITOS
DIREITOS DO DONO DA OBRA
Data do Acordão: 03/15/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA – 2ºJUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 1208º, 1220º, 1221º, 1222º E 1223º DO C. CIV.
Sumário: I – O empreiteiro está obrigado a realizar uma obra em conformidade com o que foi convencionado e sem vícios (artº 1208º C. Civ.), devendo o contrato ser pontualmente cumprido.

II – Ao regime estabelecido no CC para os defeitos da obra adaptam-se os princípios gerais da responsabilidade contratual e assentando esta na culpa do empreiteiro, presume-se nos termos gerais – artºs 798º e 799º, nº 1 do CC.

III – Dada a forma com estão redigidos os artºs 1221º, 1222º e 1223º do CC, o lesado, com a defeituosa execução da obra e para se ressarcir dos seus prejuízos, terá que se subordinar à ordem estabelecida nesses preceitos, ou seja, exigir em primeiro lugar a sua eliminação ou caso não seja possível essa eliminação exigir nova obra, sem prejuízo do direito à indemnização reportada no artº 1223º do CC.

IV – O dono da obra tem de respeitar o iter legal que emana dos artºs 1220º e segs. do C. Civ. e só em casos de urgência – artº 336º e 339º do CC – é que o dono da obra se pode substituir ao empreiteiro e realizar as obras que cubram os defeitos que se verifiquem na obra.

Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes que constituem o Tribunal da Relação de Coimbra

1. Relatório

A..., Lda. intentou contra B... a presente acção declarativa de condenação com processo ordinário. No essencial alegou que no exercício da sua actividade comercial, autora e ré celebraram um contrato de empreitada através do qual a autora se comprometeu a executar os trabalhos necessários à construção/reparação da sua moradia unifamiliar, sita na .... As obras dividiram-se em duas fases, estando pagos pelo réu os trabalhos da primeira fase. A autora executou trabalhos na segunda fase de execução do contrato cujo valor ascende a 84.086,91 €, tendo o réu pago 50.000,00 €. O réu estava obrigado a pagar a quantia ainda em dívida 30 dias após a data de emissão das facturas que titulam o crédito da autora.

Concluiu pela condenação do réu a pagar-lhe a importância de 34.086,91 €, acrescida de juros vencidos no valor de 8.489,00 € e dos juros vincendos à taxa legal desde citação até ao integral e efectivo pagamento.


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                Regularmente citado o réu defendeu-se por excepção e por impugnação e pese embora reconheça a relação contratual invocada pela autora, sempre alegou que o preço da empreitada acordada foi de 13.750.000$00 (68.584,71 €), dos quais já e que pagou já 10.000.000$00 (49.879,79 €). Os trabalhos efectuados pela autora apresentam defeitos e estão incompletos, tendo o réu reclamado várias vezes a reparação dos defeitos e a realização dos trabalhos em falta, sem que a autora se disponibilizasse a efectuá-los. O réu teve de proceder à sua custa a trabalhos de reparação dos realizados pela autora, que importam quantia que se liquidará em execução de sentença, e que são superiores ao valor que admite ainda estar em dívida. Em sede de reconvenção o réu/reconvinte alegou a execução de um conjunto de correcções e reparações que executou a seu cargo, cujo montante deve ser liquidado em execução de sentença.

Concluiu pela improcedência da acção e pela procedência da reconvenção que corresponderá a quantia superior a € 18.750,00.


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Foi apresentada réplica (fls. 44) onde a autora responde à matéria de excepção invocada bem como à reconvencional, que impugna, invocando ainda a caducidade dos direitos que o réu pretende fazer valer por falta de denúncia dos defeitos.

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A fls. 59 treplica o réu respondendo à excepção de caducidade aduzida pela autora.

Por despacho de fls. 72 e 73 foi desde logo julgado improcedente o pedido reconvencional e dele absolvida a autora.


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Por despacho de fls. 73 e 74 foi igualmente julgada improcedente a excepção invocada pelo réu na contestação.

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                No despacho saneador julgou-se a instância válida e regular.

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Consignaram-se os factos assentes e fixou-se a base instrutória que notificados não foram objecto de reclamação.

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                O réu notificado do despacho de folhas 72 a 74 interpôs recurso do despacho que julgou improcedente o pedido reconvencional e improcedente a excepção de caducidade alegada pelo réu.

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                Este recurso foi admitido como apelação com subida a final e efeito devolutivo – folhas 110.

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                O apelante apresentou as suas doutas alegações que rematou formulando as seguintes conclusões:

1. […]


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                Por despacho de folhas 200 foi ordenada ampliação da base instrutória por referência aos defeitos de construção alegados no artigo 48º da contestação/reconvenção.

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                Realizou-se a audiência de julgamento com recurso à documentação da prova, finda a qual designou-se dia e hora a leitura da decisão que incidiu sobre a matéria de facto controvertida que não foi objecto de reclamações.

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                Proferiu-se sentença que julgou a acção parcialmente procedente por provada e consequentemente condenou o réu a pagar à autora a quantia de € 18.584,71, acrescida dos juros de mora à taxa legal prevista para os juros civis, contados desde a citação e até efectivo e integral pagamento.

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                Notificados da sentença autor e réu interpuseram recurso – folhas 272 e 274 – que foram admitidos como apelação, com subida imediata e nos autos e efeito devolutivo.

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                O réu/apelante atravessou nos autos as suas doutas alegações que finalizou formulando as seguintes conclusões:

[…]


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                O autor/apelante apresentou as suas doutas alegações que finalizou apresentando as seguintes conclusões:

a. Os concretos meios probatórios, nomeadamente a prova testemunhal produzida e os documentos juntos com a petição inicial – facturas impunham decisão diversa da recorrida relativamente às respostas dadas aos quesitos 4º, 14º, 25º, 27º, 30º e 33º.

b. Os quesitos 14º e 25º da base instrutória deveriam ter tido a resposta de «provados»; e os quesitos 27º, 30º e 33º as respostas de “não provados”.

c. Há contradição entre as respostas dadas aos quesitos 4º e 27º da base instrutória.

d. No contrato de empreitada as partes estipularam o preço por medida ou à factura e os juros deverão ser calculados desde a data da emissão das facturas.

e. Deve ser revogada a sentença e a acção ser julgada totalmente procedente.


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                Por despacho de folhas 225 foram os recursos admitidos como apelação, com subida imediata e nos autos e efeito devolutivo.

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                Contra alegou o réu/apelado que após ter carreado para os autos os seus doutos argumentos, concluiu pela manutenção do que foi decidido, nessa parte, pelo 1ª Instância.

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                2. Delimitação do objecto do recurso

                As questões a decidir nos recursos de apelação e em função das quais se fixa o objecto do recurso, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, nos termos das disposições conjugadas do nº 2 do artigo 660º e artigos 661º, 664º, 684º, nº 3 e 690º, todos do Código de Processo Civil, são as seguintes:

                2.1 – Recurso de folhas 110:

a. Despacho de improcedência da reconvenção.

b. Prescrição do direito da autora em reclamar indemnização.

2.2- Recurso do réu/apelante

a. Aplicação à empreitada de obra destinada a longa duração o artigo 1225º do CC.

b. Caracterização do conceito de «urgência» invocada na tréplica.

c. Absolvição do réu da instância por contradição entre o pedido e causa de pedir.

d. Trabalhos urgentes e necessários escorados no abandono da obra por parte da autora.

e. Em via de excepção o dono da obra não está adstrito à ordem estabelecida nos artigos 1221º e 1222º do CC.

f. Suspensão do pagamento do preço em caso de mora do empreiteiro na satisfação da prestação.

 2.3 – Recurso da autora/apelante

a. Impugnação da matéria de facto.

b. Contradição entre as respostas dadas aos quesitos 4º e 27º.

c. Erro de julgamento quanto ao preço das empreitada e data de vencimento de juros


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3. Colhidos os vistos aprecia-se e decide-se

                3.1 - Reconvenção

                O réu apelante deduziu pedido reconvencional pedindo a condenação da autora/reconvinda em quantia a liquidar em execução de sentença, situando o montante que reclama acima do valor que confessou ser devedor, ou seja, acima de € 18.750,00 – artigos 49º e 50º da douta reconvenção – invocando como causa de pedir a existência de diversos defeitos que mandou reparar «atenta a relutância da autora em fazê-lo antes de receber a quantia que reclama a qual não lhe foi entregue pelo réu não só porque a obra não estava completamente acabada como a quantia reclamada não corresponde à pactuada e daí que tivesse de proceder à sua custa às correcções e reparações que identifica no artigo 48º da reconvenção».

                Notificado da contestação/reconvenção a autora/apelada impugna a matéria alegada – artigo 2º da réplica – sustentando que acabou os trabalhos contratados em conformidade com o acordado e que até hoje – data da réplica – nunca o réu lhe denunciou qualquer defeito e que tendo a obra sido concluída em Junho de 2005 há muito que caducou o direito a pedir a sua eliminação.

                Na tréplica sustentou a ré/apelante a existência de diversas reuniões patrocinadas pelos advogados onde denunciou os defeitos, mais alegando o abandono da obra e mesmo que não tivesse denunciado os defeitos sempre poderia denunciá-los por via de excepção.

                Em sede de audiência preliminar e na parte que importa à admissibilidade da reconvenção, a Exma. Juiz após ter transcrito o artigo 32º da contestação concluiu do seguinte modo:

                (…)

                Dada a forma como se encontram redigidos os artigos 1221º, 1222º e 1223º, o lesado com a defeituosa execução da obra para se ressarcir dos seus prejuízos terá de subordinar-se à ordem estabelecida nesses preceitos e exigir, em primeiro lugar a eliminação dos defeitos ou caso não possam ser eliminados exigir obra nova, seguidamente a redução do preço ou a resolução do contrato no caso dos defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina e só em último lugar, pedir a indemnização nos termos gerais.

                (…)

                É certo que o réu alega no artigo 32º da petição inicial que «reclamou vezes sem conta por si e interpostas pessoas, não só a reparação dos defeitos como a realização completa de certos trabalhos, sem que a autora se disponibilizasse a efectuá-los, acabou aquele por proceder, do seu bolso, ao pagamento a técnicos competentes para a realização daqueles trabalhos em falta e da reparação dos defeitos». Porém, é unanimemente entendido na doutrina e jurisprudência que só em caso de manifesta urgência, susceptível de integrar a previsão do artigo 339º do CC pode o credor proceder directamente, sem intervenção dos tribunais, à eliminação dos defeitos, exigindo depois as respectivas despesas. Ora, o réu não alega quaisquer factos consubstanciadores de uma situação de urgência que lhe tivesse justificado sem mais uma conduta tendente à eliminação dos defeitos.

                Pelo exposto, não tendo o réu direito a formular o pedido nos termos em que o faz no pedido reconvencional, julgo o mesmo improcedente e, consequentemente, absolvo a autora deste pedido.

                3.1.2 – É contra esta improcedência que se irresignou o réu/reconvinte/apelante escorando-se na desnecessidade de seguir o iter legal estabelecido nos artigos 1221º a 1223º do CC e conferindo ao adjectivo «urgência» uma amplitude legal que não encontra acolhimento no despacho recorrido, para além de a denúncia dos defeitos poder ser feita no prazo de um ano nos termos do nº 2 do artigo 1225º do CC.

                O empreiteiro está obrigado a realizar uma obra (prestação de facto – obtenção de um resultado) em conformidade com o que foi convencionado e sem vícios (artigo 1208º do CC), devendo o contrato ser pontualmente cumprido (artigo 406º do CC).

                Ao regime estabelecido no Código Civil para os defeitos da obra adaptam-se os princípios gerais da responsabilidade contratual e assentando esta, na culpa do empreiteiro – artigo 798º do Código Civil –presume-se, nos termos gerais – artigo 799º, n.º 1 do Código Civil (cf. Ac. R.E., 31.10.1996, Col. Jur. Ano XXI, tomo IV, pág. 292). Não efectuando o empreiteiro a prestação a que estava adstrito nos termos adequados, dá-se incumprimento da obrigação com a consequente responsabilidade (artigos 1207º, 1208º e 798º do Código Civil). No entanto e dada a forma como estão redigidos os artigos 1221º, 1222º e 1223º do Código Civil, o lesado, com a defeituosa execução da obra e para se ressarcir dos seus prejuízos, terá que se subordinar à ordem estabelecida nesses preceitos, ou seja, exigir em primeiro lugar a sua eliminação ou caso não seja possível a sua eliminação exigir nova obra[1]. De acordo com o prescrito nos artigos 1221º a 1223º do Código Civil, o dono da obra tem sempre o direito de pedir a eliminação dos defeitos ao empreiteiro e na eventualidade de não poderem ser eliminados, o de exigir a construção de uma obra nova, tudo isto sem prejuízo do direito à indemnização reportada no artigo 1223º do Código Civil.

Relativamente à eliminação dos defeitos, não pode o empreiteiro, por si ou por intermédio de terceiro, eliminá-los ou reconstruir a obra à custa do dono e relativamente à dedução do preço e à resolução do contrato estes só podem ser exercidos na eventualidade do empreiteiro não ter eliminado os defeitos ou não ter construído de novo a obra.
                Não existem dúvidas, até por ser esse o entendimento uniforme da doutrina e jurisprudência, que o lesado, com a defeituosa execução da obra e para se ressarcir dos seus prejuízos, terá que se subordinar à ordem estabelecida nesses preceitos, ou seja, exigir em primeiro lugar a sua eliminação ou caso não seja possível a sua eliminação exigir nova obra, o que aliás foi evidenciado na decisão sob censura.

                3.1.3- Não existe a mais leve dúvida em face do alegado na contestação/reconvenção que o réu/apelante não cumpriu a regra geral, avançando com a justificação de aqueles artigos visarem favorecer o empreiteiro que obstinadamente se recusou a corrigir tais defeitos, “obstinação” que terá estado na origem da decisão de ter procedido à sua execução. Acontece, no entanto, que mesmo em face de tal «obstinação» não podia não pode o dono da obra avançar para sua reparação/conclusão derrogando o iter legal plasmado nos artigos 1221º e 1222º do CC, a menos que a sua eliminação se mostre imprescindíveis e urgentes. Em síntese pode haver derrogação da regra geral prevista nos artigos 1221º e 1222º do CC quando se verifica uma situação de incumprimento definitivo imputáveis ao empreiteiro, nomeadamente quando exista uma recusa peremptória na eliminação dos defeitos no prazo que lhe foi fixado (artigo 808º do CC); ou quando a urgência na realização desses trabalhos possa justificar que sejam efectuados pelo dono da obra, por terceiro por ele contratado, assistindo àquele o direito a ser indemnizado, o que não foi sequer alegado pelo réu/apelante e daí que não possamos deixar de partilhar com o despacho recorrido pela inexistência de qualquer situação de urgência e daí que só lhe fosse lícito a reparação/construção a expensas suas se as obras que discrimina no artigo 48º da reconvenção integrassem o conceito de obras “imprescindíveis e urgentes” o que não acontece nem tal foi alegado.

Salvo o devido respeito, a lei abria ao réu dois caminhos: denuncia os defeitos e intenta a acção nos prazos legais – artigos 1220º e 1224º do CC – combatendo pela via judicial a «obstinação» da autora; ou só cumpriria a sua obrigação de pagamento da parte restante do preço que confessa dever após o cumprimento da prestação por parte da autora que se consubstancia na execução de obra em conformidade com o combinado e sem vícios – artigos 762º e 1208º do CC – interdependência das prestações.

A doutrina avançada pelo apelante nas suas conclusões 1ª e 2ª não têm o mais leve acolhimento na lei já que é pacífico o entendimento da necessidade de respeitar o iter legal, tal como é fundamental denunciar o defeito no prazo de 30 dias e imprescindível a propositura da acção num prazo de 1 ano sob pena de caducidade do direito tal como emana do artigo 1224º do CC.

No que concerne ao nº 2 do artigo 1225º – conclusões 3ª a 5ª – é inaplicável ao caso em apreço já que visa cobrir o aparecimento de defeitos graves[2] em obra aceite e entregue pelo empreiteiro funcionando o prazo de 5 anos como prazo de garantia se outro não for convencionado, conferindo a lei um prazo de 1 ano para a denúncia de qualquer das situações enunciadas no nº 1 deste mesmo artigo.

Partilhamos com o despacho recorrido que os factos alegados pelo réu/apelante, em particular, o ter reparado os defeitos e concluído obras a expensas suas sem respeitar o iter legal vazado na lei, só a ele o responsabiliza não podendo por via da reconvenção peticionar a condenação da autora/apelada em quantia a liquidar em execução de sentença relativamente às obras por ele executadas, sem ter alegado a urgência – artigos 336º do CC – ou a existência de estado de necessidade – artigo 339º do CC – ou ainda uma qualquer situação enquadrável no incumprimento de definitivo – artigo 808º do CC.

Também carece de razão o réu/apelante quando tenta situar a questão de fundo ao nível da ineptidão do pedido reconvencional – conclusão 11ª – já que se não trata de qualquer questão associada à ineptidão do pedido reconvencional – artigo 193º do CPC – mas antes uma questão de índole substantiva e por isso relacionada com o fundo da questão. Dito de outro modo, a alegação levada a cabo pelo réu/reconvinte, em particular a assunção de incumprimento do iter legal, a não alegação de factos conducentes a uma situação de incumprimento de definitivo ou de urgência/estado de necessidade, reconduzir-se-ia a uma tomada de posição sobre o mérito da reconvenção e não sobre qualquer questão de índole processual e daí que careça de fundamento a alegada absolvição da instância.

Nos termos e com os fundamentos expostos, julga-se o recurso improcedente por não provado mantendo-se a decisão recorrida que julgou a reconvenção improcedente por não provada e absolveu a autora/apelada do pedido.


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3.2 - Prescrição

Relativamente à segunda parte do recurso que julgou improcedente a excepção de prescrição – alínea b) do nº 1 do artigo 317º do CC – e pese a sua admissibilidade como, de resto, patenteia o despacho de folhas 110, a verdade é que não encontramos nas alegações/conclusões de recurso a mais leve alusão à prescrição o que só pode ser entendido como uma concordância à posteriori com a decisão que julgou improcedente tal excepção.

Não contemplando o recurso interposto as alegações e conclusões reportadas ao despacho que julgou improcedente a excepção peremptória da prescrição, julgamos o recurso deserto nos termos do nº 3 do artigo 690º do CPC.


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                4. Recurso da sentença – réu/apelante

[…]


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Se bem compreendemos as doutas alegações/conclusões do réu/apelante repisa nas suas conclusões 1ª a 5ª as questões relativas à não vinculação do iter legal, à aplicação do artigo 1225º e à questão da urgência na execução das reparações.

                Significando aqui o respeito que nos merece a posição do apelante, respeito que estará presente sempre que dele divergirmos, não podemos concordar com as suas doutas alegações. Tal como já aludimos aquando do análise da decisão que julgou improcedente o pedido reconvencional, continuamos a partilhar o facto da autora não ter executado/reparado – facto 22 da sentença – as anomalias descritas no facto 21 da sentença recorrida., não confere ao autor outro direito que não cumprir a sua contra-prestação de pagamento do preço até que a autora cumprisse na íntegra e sem vícios o acordado. Ao não ter recorrido à via judicial para obrigar a autora a eliminar os defeitos ou a exigir obra nova no caso daqueles não poderem ser eliminados no prazo que a lei consagra – artigos 1220º a 1224º – o único caminho que lhe restava era, repete-se, o de não cumprir a sua contra-prestação – pagamento da parte em dívida e nunca, a não ser nos casos que a lei lhe permitia, reparar os defeitos por si ou por terceiros.

                Também já tivemos o ensejo de afirmar que a situação enunciada na matéria de facto provada não é enquadrável no artigo 1225º do CC, pese o facto de estarmos em presença de uma vivenda – imóvel de longa duração – na medida em que o próprio réu/apelante alega que a obra foi completada mas com defeitos, o que significa que os defeitos eram conhecidos e visíveis e que não se manifestaram durante o prazo de garantia de 5 anos a que se alude no nº 1 daquele artigo. Isto para dizermos que os prazos fixados no nº 2 do artigo 1225º em nada relevam para o caso em apreço, tanto mais que a sentença deu como provado a denúncia dos defeitos, discriminou-os e a sua não reparação por parte da autora – factos 21 e 22.

                Nas conclusões 4ª e 5ª parece-nos que o apelante estabelece uma ligação entre os artigos 1223º e 1225º do CC e concluiu pela legitimidade legal da formulação de pedido de indemnização em virtude de derrocada da obra ou de defeitos que ela apresenta escorando tal entendimento nos ensinamentos do Sr. Prof. Menezes Leitão e num acórdão do STJ, relatado pelo Exmo. Juiz Conselheiro Noronha de Nascimento.

                Não podemos confirmar a posição avançada pelo recorrente e por referência ao Sr. Prof. Menezes de Leitão na medida em que o livro Direito das Obrigações, volume III, Almedina, 2002, está dedicado na sua quase totalidade ao contrato de compra e venda, ao contrato de troca/permuta, ao contrato de doação e ao contrato de sociedade, volume que termina na pág. 352 e daí que fique muito aquém da pág. 558 indicada na conclusão 4ª.

                Embora com errada identificação, o Acórdão STJ, datado de 3 de Junho de 2004 – relatado pelo Exmo. Conselheiro Noronha de Nascimento[3] – defende o seguinte: É tradicional o entendimento segundo o qual, na empreitada, o direito creditício do dono da obra está condicionado pelo respeito da ordem sequencial que os arts. 1220º, 1221º, 1222º estabelecem; o que significa que não respeitando essa ordem sequencial mais não resta ao dono da obra senão conformar-se com a improcedência do seu direito.
Não cremos que uma interpretação tão formalista e inflexível das normas referidas seja viável face aos textos legais; interpretação que (diz a experiência judiciária) corresponde, por força do seu carácter restritivo, a uma permanente espada de Democles sobre a cabeça do dono da obra. Desde logo, o cumprimento da referida ordem sequencial mostra-se impossível em variados casos, nomeadamente quando estão em causa imóveis de longa duração (art. 1225º) que implicam por vezes especificidades que fogem à linearidade daquela ordem sequencial. Daí que já se tenha entendido que o direito indemnizatório conferido no art. 1225º é autónomo e auto-suficiente em relação àquela ordem sequencial (cfr. neste sentido o Ac. S.T.J., Acs S.T.J. - Col. Jurispr.,  do ora relator e Ac. S.T.J. de 10/1/02 relatado por Nascimento Costa). Em segundo lugar, a leitura feita naqueles arestos deste Tribunal aparece coonestada pela própria lei de defesa do consumidor aplicável a inúmeros (mas não a todos) casos de empreitada pleiteados em juízo. Na verdade, a lei nº. 24/96 de 31/7, que define o regime-regra de defesa do consumidor sempre que lhe são prestados serviços ou bens, estabelece no seu art. 12º o leque de direitos conferidos àquele (em tudo similares aos que os arts. 1221º, 1222º e 1223º do C.Civil concedem) sem exigir qualquer precedência sequencial de forma a condicionar logicamente o exercício dos direitos. O próprio direito indemnizatório (que o C.Civil) prevê nos arts. 1223º e 1225º) está perfeitamente autonomizado no nº. 4 do art. 12º, confirmando a tendência generalizada de desvincular o exercício dos direitos de qualquer ordem sequencial que, na prática, serve para garrotar a posição jurídica do consumidor ou - no dizer do C.Civil - do dono da obra. A exigência normativa que o art. 12º compreensivelmente faz, situa-se a outro nível: referimo-nos ao ónus que impende sobre o consumidor de denunciar o defeito dentro de certo prazo. Mas isso corresponde a um princípio geral sempre que há incumprimento defeituoso e que se destina também a salvaguardar a posição do faltoso; já o C.Civil impunha esse ónus quer na empreitada defeituosa quer na venda de coisa defeituosa. É certo que a lei do consumidor não se aplica ao caso em apreço por força da norma excludente do seu art. 2º; mas a sua importância radica no facto de ela conter normas que recusam definitivamente a tese da ordem sequencial dos direitos e legitimam uma releitura das normas correspondentes do C.Civil. Ademais grande parte dos contratos de empreitada está hoje sujeita à lei de defesa do consumidor; basta que a obra se destine a uso não profissional do dono da obra. O que significa, por conseguinte, que nestas hipóteses o regime mais favorável da Lei nº. 24/96 se sobrepõe ao iter labiríntico do C.Civil.

                 Embora se compreenda a posição assumida neste douto acórdão pelo Exmo. Conselheiro Noronha do Nascimento, a verdade é que a situação dos autos não é enquadrável, pelas razões que já tivemos oportunidade de elencar, no artigo 1225º do CC. Desde logo, porque se trata de uma norma que abarca uma situação de prédio acabado e entregue ao dono da obra, conferindo-lhe a lei um prazo de garantia de 5 anos que cobre o aparecimento de defeitos graves na estrutura que coloquem em crise a segurança ou a utilização do prédio o que não sucede no caso em apreço; como a indemnização a que se refere o artigo 1223º do CC para ter acolhimento impõe ao lesado a alegação de factos que estejam conexionados/relacionados com os defeitos da obra em consequência dos quais sofreu um conjunto de danos dos quais se quer ver ressarcidos, vg. se em consequência de um defeito de estrutura o lesado ter que arrendar uma casa para viver até que o defeito esteja solucionado é natural que lance mão do artigo 1223º e peça a indemnização correspondente às rendas pagas

                Mas sublinhe-se o seguinte: mesmo que se entendesse que à situação em apreço era aplicável o artigo 1225º do CC, a verdade é que o réu/apelante não fez uso dele, optando por reparar os defeitos existentes e finalizar trabalhos inacabados, violando o quadro normativo que regula a eliminação de defeitos.

                Volta o réu/apelante à carga com a situação de urgência na realização dos trabalhos – conclusões 5ª e 6ª – sem que em momento algum dos seus articulados em particular na reconvenção onde deveria ter sido alegado, o réu/apelante coloca a sua actuação debaixo do chapéu da urgência. Entendemos desnecessário repetirmos sobre o que já escrevemos sobre esta questão, remetendo-se o apelante para o que acima se mencionou a este propósito na medida em que, também, não foi alegada qualquer situação enquadrável nos artigos 336º e/ou 339º do CC.

                Outro dos argumentos invocados pelo réu/apelante tem a ver com o que apelida de abandono da obra por parte do empreiteiro, realidade que surge alegada na tréplica que tem como função responder a eventual modificação do pedido ou da causa de pedir ou tendo havido réplica nesta o autor tenha deduzido uma excepção ou defender-se da excepção oposta à reconvenção – artigo 503º do CPC.

                Voltando à réplica o autor impugnou um conjunto de factos e suscitou a caducidade do direito de acção do réu/reconvinte alegando a caducidade do direito do réu em pedir a eliminação de defeitos que não aceita terem existido.

                Ora, se bem interpretamos o artigo 503º do CPC, a tréplica que a lei admite está balizada neste caso concreto à tomada de posição sobre a caducidade e não à alegação de factos que alteravam a causa de pedir invocada na reconvenção. Com efeito, o réu/reconvinte passou do fundamento da «obstinada recusa na eliminação dos defeitos» ao «abandono» da obra, que são realidades totalmente distintas, como distintas são as suas consequências. Enquanto esta última podia/pode ser enquadrada numa situação de incumprimento definitivo – artigo 808º nº 1 do CC – permitindo ao dono da obra substituir-se ao empreiteiro, já a recusa não é confundível com abandono e por isso os regimes jurídicos de tratamento das questões são diferenciados. Acresce a tudo isto, o facto que nos parece decisivo de se tratar de um facto novo, que não foi tido em conta na fixação da base instrutória, sobre a qual não recaiu qualquer reclamação, não foi abordado na sentença cuja matéria de facto não foi posta em causa pelo apelante.

                Estas razões levam-nos a não sufragar o entendimento vazado nas conclusão 5ª e 6ª.

                Na conclusão 8ª o réu/apelante aponta baterias para a petição inicial considerando-a inepta por contradição entre o pedido e a causa de pedir, realidade esta que em momento algum foi por si suscitada na contestação/reconvenção, não foi levada ao conhecimento do tribunal durante a audiência preliminar e não foi analisada em sede de despacho saneador, por seguramente se entender que a petição não padecia de tal maleita. É claramente uma questão nova, sabendo nós que os recursos destinam-se a modificar as decisões recorridas e não a criar novas decisões sobre matéria nova, a menos que as questões a conhecer caibam no âmbito do conhecimento oficioso. Como se escreveu no acórdão do STJ é jurisprudência uniforme que «os recursos visam o reestudo, por um Tribunal superior, de questões já vistas e resolvidas pelo Tribunal a quo e não a pronúncia pelo Tribunal ad quem sobre questões novas. Esta regra que decorre, designadamente dos artigos 676º, nº 1 e 684º, nº 3 do Código de Processo Civil comporta, porém e em conformidade com a praxis decisória, duas excepções: situações em que a lei expressamente determina o contrário e situações em que está em causa o conhecimento oficioso»[4], pelo que a questão agora colocada em sede de recurso não pode deixar de considerar como questão nova que não pode ser apreciada por este Tribunal.

                No que respeita às conclusões 9ª a 11ª e de modo a não tornamos o acórdão excessivamente maçador remetemos para as posições por nós já assumidas, tratadas e decididas nas partes respeitantes à urgência dos trabalhos. Sobre a coação que o réu/apelante alega ter sido alvo, voltamos a sublinhar que nada emerge da matéria de facto provada que permita confirmar tal asserção, a qual, por idênticas razões, não foi abordada na sentença recorrida.

                Sobre a possibilidade legal de suscitar por via de excepção de direito material a existência de defeitos na obra, não questionamos tal direito sobretudo quando conexionado com a interdependência das prestações e como causa justificativa da suspensão de pagamento da sua contraprestação – conclusão 13ª – mas a verdade é que não é esta a realidade factual que emana dos articulados. Tinha o réu/apelante todo o direito em não satisfazer a obrigação de pagamento a que estava adstrito sem que o autor/apelado concluísse a obra em conformidade com o acordado e sem defeitos – artigos 1208º e 428º do CC. Mas não foi este o caminho que o réu/apelante seguiu: confrontado com a mora do empreiteiro não usou o meio judicial que a lei colocava ao seu dispor, optando por tornar impossível a prestação da autora através da reparação e conclusão dos trabalhos e daí que a sentença recorrida o tenha condenado no pagamento da quantia que ele próprio se confessou devedor relativamente a trabalhados prestados.

                No que concerne às conclusões 12ª e 14ª voltamos a significar, em face da realidade factual vazada na sentença e não impugnada pelo réu/apelante que não podia deixar de recorrer à via judicial como forma de obter condenação da autora no cumprimento do contrato, eliminando os defeitos e concluindo os trabalhos inacabados, o que deveria ter sido feito nos tempos e modos vazados nos artigos 1220º a 1224º do CC. A situação focada no acórdão da Relação do Porto – conclusão 14ª – é totalmente distinta daquela que apreciamos nestes autos. Desde logo, não se fez prova de recusa ostensiva ou da imposição de qualquer conduta ilícita, excessiva ou egoísta por parte da autora, limitando-se a matéria de facto provada a dar nota que a autora pediu ao réu o pagamento de um determinado quantitativo que este não pagou por exagerado, aceitando aquela que existiam trabalhos por realizar, mas sem que tivesse procedido à eliminação dos defeitos ou à conclusão dos trabalhos, o que veio a ser feito pelo réu/apelante – factos 18 a 23.

                Em conclusão, entendemos que os fundamentos avançados pelo réu/apelante não colocam em crise a sentença recorrida e daí que o recurso improceda.


*

                5. Recurso de autora/apelante

                A autora/apelante reconduz o objecto do seu recurso à impugnação de pontos concretos da matéria de facto, à contradição existente entre as respostas a um conjunto de quesitos, ao preço do contrato de empreitada e ao momento a partir do qual são devidos juros.

               

                5.1 – Impugnação da matéria de facto

[…]

               

                Assim e mantendo-se a decisão proferida sobre a matéria de facto controvertida, o recurso da apelante improcede nesta parte.


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                6. Contradição entre as respostas dadas aos quesitos 4º e 27º

[…]


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                7. Juros desde a data de emissão de cada uma das facturas

Caindo por terra a alteração da matéria de facto pretendida pela autora e com ela o pagamento à factura por parte do réu, então, cai também por terra a pretensão de pagamento de juros a partir do trigésimo dia de emissão de cada factura. Recorde-se que a base instrutória não contempla sequer a pretensão da autora/apelante, na medida em que não foi elaborado qualquer quesito que tratasse da interpelação do réu para pagamento a partir do 30º dia da data da sua emissão. Também por aqui o recurso improcede.


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                8. Sentença recorrida

Ao não ter havido alteração da matéria de facto no sentido pretendido pela autora/apelante não podemos deixar de manifestar o nosso acordo relativamente à condenação do réu/apelado no pagamento da quantia que corresponde ao diferencial entre o preço acordado e o preço pago.

Já no que respeita ao recurso interposto pelo réu/apelante não podemos deixar de evidenciar que continuamos a partilhar o entendimento maioritário da doutrina e jurisprudência no sentido de o dono da obra ter de respeitar o iter legal que emana dos artigos 1220º e seguintes do Código Civil e só em casos de urgência – artigos 336º e 339º do CC – é que o dono da obra se pode substituir ao empreiteiro e realizar as obras que cubram os defeitos que manifestava e que colocavam em crise a sua estrutura ou a sua finalidade. Evidencie-se que o réu só na tréplica e num momento processualmente inadequado em face da previsão do artigo 503º do CPC é que avança com o abandono da obra por parte da autora, realidade que não foi tida, e bem, em conta na base instrutória. Reafirmamos que nas circunstâncias evidenciadas pela matéria de facto, ao réu/apelante não restava outro caminho que não o da denúncia dos defeitos e perante a obstinada recusa da autora para os eliminar, intentar a competente acção judicial de modo a que o tribunal expurgasse da sua conduta aquela recusa e determinasse a eliminação dos defeitos. Ao não ter sido esta a sua conduta, não pode o réu/apelante pretender que o tribunal condenasse a autora em quantia a liquidar em execução de sentença, relativamente a um conjunto de reparações que levou a cabo, derrogando por esta via o que lei estabelece a propósito destas situações.


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                Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos acordam os Juízes em:

1. Julgar improcedente por não provada a apelação interposta do despacho de folhas 71 a 73 e consequentemente mantém a decisão recorrida que julgou improcedente a reconvenção.

2. Julgar deserto o recurso interposto do despacho de folhas 73 e 74 e consequentemente mantém a decisão recorrida que julgou improcedente a excepção peremptória da prescrição.

3. Julgar improcedente por não provado o recurso de apelação interposto pelo réu/apelante e consequentemente mantém a sentença recorrida.

4. Julgar improcedente por não provado o recurso de apelação interposto pela autora/apelante e consequentemente mantém a sentença recorrida.


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                Custas das apelações a cargo de autora e réu apelantes – artigo 446º do CPC.

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                Notifique.

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Jacinto Meca (Relator)
Falcão de Magalhães
Regina Rosa


[1] Ac. S.T.J., datado de 2 de Dezembro de 1993, Col. Jur. (Acs. S.T.J.), Ano I, tomo III, págs. 157 e 158; Ac. RC, datado de 6.6.2006, processo nº 534/06; Ac. RP, datado de 12.04.2005, processo nº 0521220; Ac. RP, datado de 14.2.2005, processo 0550132, todos publicados no endereço electrónico www.dgsi.pt.
[2] No sentido de defeitos na estrutura do edifício ou que impeçam a sua utilização para o fim a que se destina.
[3] Processo nº 04B694, publicado no endereço electrónico www.dgsi.pt.
[4] Ac. STJ, datado de 7.1.1993, BMJ nº 423, pág. 544; Ac. STJ, datado de 26.10.1999, BMJ nº 490, pág. 252.