Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
487/18.5T8CLD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: ALIMENTOS
DIVÓRCIO
EX-CÔNJUGES
INDIGNIDADE MORAL
Data do Acordão: 12/14/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - C.RAINHA - JUÍZO FAM. MENORES - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 2019º DO CC
Sumário: I - As despesas de saúde têm, essencial e determinantemente, de serem apuradas via prova documental.

II - O direito a alimentos do ex cônjuge é excecional, pelo que só pode ser concedido presentes que estejam, com rigor e relevância inequívocos, os seus requisitos, a saber: uma situação económico financeira claramente deficitária de credor e um patente desafogo do devedor.

III - A «indignidade moral» do ex cônjuge, causa excludente dos alimentos prevista no artº 2019º do CC, é conceito indeterminado a substanciar autonomamente – e não por reporte à indignidade sucessória - abrangendo o comportamento imoral do credor para com o devedor que, pela sua gravidade e relevância, torne “inexigível” a este, segundo um critério objetivo de razoabilidade, o encargo alimentício.

IV - Provando-se que a ex cônjuge, durante os dois últimos anos do casamento, cometeu adultério, passou a assumir nas redes sociais o apelido do amante, saiu do lar conjugal várias vezes por semanas e meses, inclusive para França, sem dizer para onde ia, apropriou-se de dinheiro e de objetos do casal e do sogro, tem de concluir-se que violou gravemente os seus deveres para com o réu, quer enquanto marido quer enquanto cidadão, em grau tal que a tornou indigna do benefício alimentício a prestar por este, ou, no mínimo, que a este é inexigível, legal e/ou equitativamente, o dever de prestar tal benefício.

Decisão Texto Integral:


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

S (…)  instaurou contra R (…) ação especial de divórcio  litigioso.

Pediu:

Fosse decretado o divórcio sem consentimento do outro cônjuge, dissolvendo-se o casamento, e, bem assim, fosse fixada uma pensão de alimentos em seu benefício a ser paga pelo réu, no valor mensal de 500,00€.

Alegou.

É doente sofrendo de fibromialgia.

O réu não lhe prestou apoio na doença.

Em Janeiro de 2018 saiu de casa onde habitava com o R. por violação por este do dever de assistência e cooperação relativamente à doença de que a A. padece.

Não pretende restabelecer a vida em comum por rutura definitiva do casamento com cessação de relações de qualquer espécie entre ambos há mais de um ano.

Está reformada por invalidez auferindo uma pensão de  397 euros e este valor não é suficiente para suportar as despesas que tem.

O R. contestou.

Impugnou os factos alegados pela autora.

Disse que esta  se viciou na internet, descurou a vida familiar,  contactou com homens com quem se relacionou sexualmente, e saiu de casa para ir juntar-se a um namorado.

Não é tão doente como alega, não   tem necessidade de alimentos, nem o réu tem possibilidade de lhos prestar.

Pediu:

A improcedência da ação e a condenação da autora como litigante de má fé.

2.

Prosseguiu o processo os seus termos tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido:

«1.º Decreta-se a dissolução do casamento celebrado entre a autora S (..) e o réu R (…), com fundamento em divórcio sem consentimento de um dos cônjuges, devido a ruptura do casamento com separação de facto por mais de um ano consecutivo e com vontade mútua e definitiva de não o restabelecer, casamento este que foi levado ao registo civil através do assento de casamento n.º 2277/2013, lavrado em 19 de Novembro de 2013, da Conservatória do Registo Civil de Peniche;

2.º Estabelece-se em favor da autora a pensão de alimentos mensal a ser paga pelo réu no valor de 100,00 € (cem euros).»

3.

Inconformado recorreu o réu.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

(…)

Contra alegou a recorrida pugnando pela manutenção do decidido com os seguintes argumentos finais:

(…)

4.

Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes:

1ª -  Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

2ª - Improcedência do pedido de alimentos

5.

Apreciando.

5.1.

Primeira questão.

5.1.1.

No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº607 nº5  do CPC.

Perante o estatuído neste artigo, exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175.

O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente;  mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed.  III, p.245.

Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.

Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas.

Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893 dgsi.pt.

Nesta conformidade - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro.

Mas tal é inelutável. O que importa é que se minimize o mais possível tal margem de erro.

O que passa, como se viu, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.

5.1.2.

No caso vertente.

Impugna o recorrente  o teor dos pontos 2, 20 e 22 dos factos provados.

Para o ponto 2 com o seguinte teor

2- Do supra referido casamento existem dois filhos, ambos maiores, encontrando-se um deles a estudar na (...) , e tendo sido estabelecido a favor dele uma pensão de alimentos no valor de 50 euros a ser paga mensalmente pela autora ao réu.

Pretende o seguinte:

2- Do supra referido casamento existem dois filhos, ambos maiores, encontrando-se um deles a estudar na (...)

Para o ponto 20 com o seguinte teor

20- “ O Réu é agricultor e tem rendimentos mensais de 1.154,99 €, vive com os seus dois filhos, ambos maiores e com os pais, que são ambos reformados e comproprietários da casa (…) e paga um empréstimo para amortização da casa onde vive no valor de 195 euros”

Pretende o seguinte

20- O Réu é agricultor e tem rendimentos mensais líquidos de 800,00 € e vive com os seus dois filhos, ambos maiores … e paga um empréstimo para amortização da casa onde vive no valor de 195,00 €.

Para o ponto 22 com o seguinte teor

22 - A A. despende mensalmente em media o montante de 150,00 € com despesas de saúde, com farmácia”.

Pretende o seguinte:

22 - A A. despende mensalmente em média o montante de 35,00 € em despesas de saúde, com farmácia “.

Perscrutemos.

Ponto 2.

Diz o recorrente que os filhos do casal já atingiram a maioridade, que dos autos de regulação das responsabilidades parentais resulta que a pensão foi fixada em função da menoridade do (…), pelo que à data da sentença, a pensão já não era devida. Aliás nem durante a menoridade foi paga…

Não é bem assim.

Resulta dos artºs 1880º e 1905º nº2 do CC que se, no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado, o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á, em princípio, e salvas as exceções previstas neste último preceito, a obrigação  de alimentos fixada na menoridade, até aos 25 anos de idade, na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete.

Significa isto que os filhos passam a ter automática e ininterruptamente, direito à pensão de alimentos que lhes foi fixada durante a menoridade, e até que completem 25 anos – Acs. TRG de 21.06.2018, p. 458/18.1T8BCL.G1 e de 20.03.2018, p. 771/10.6TBVCT-D.G1, ambos   in dgsi.pt.

Assim, estando provado que o filho continua a estudar, continua a ter direito à pensão fixada, podendo as mensalidades vencidas a partir da maioridade serem exigidas diretamente por ele à mãe.

 E continuando a esta a ela vinculada, o que, em tese, que é o que releva - e independentemente de ser, ou não ser, paga -, constitui um encargo para ela.

Ponto 20.

O Sr. Juiz, não fundamentou este facto apenas com a específica argumentação para ele aduzida e mencionada pelo recorrente, antes, liminarmente, tendo mencionado: «No que respeita aos restantes - para além do facto 2 - factos dados como provados foi fundamental de uma forma geral toda a prova produzida em julgamento, nomeadamente a testemunhal, revelando todas as testemunhas amplo conhecimento do casal assim como do modo de vida de cada uma das partes após e antes da separação».

(sublinhado nosso)

Ora a recorrente não alega que esta prova – vg. a testemunhal -  tenha sido irrelevante ou inócua, e, assim, contra ela se insurgindo, pelo que tem de concluir-se que se conformou com a relevância que o Sr. Juiz lhe atribuiu.

Logo, ipso facto, quedaria vedado a este tribunal ad quem censurar esta resposta  na medida em que os meios probatórios aduzidos pelo julgador  são mais dos que o recorrente invoca em abono da sua pretensão e eles não foram  pelo insurgente impugnados.

Porém, ademais e substancialmente, verifica-se que para além dos rendimentos decorrentes do seu ordenado que ascende, quiçá mais formal do que realmente, a mais de 800 euros líquidos, o recorrente certamente comparticipa ainda nos proventos da sociedade agrícola.

Pelo que dar-se como provado que o réu tem rendimentos mensais de cerca de 1.150,00 euros, não pode taxar-se de peregrino e inadmissível; antes, pelo contrário, tem de considerar-se admissível, porque tal prova queda ainda ínsita na supra aludida margem de álea em direito probatório concedida ao julgador.

Ponto 22.

Aqui assiste, parcialmente, razão ao réu.

Neste campo de despesas saúde, dada a sua especificidade, a prova é mais exigente, quer no aspeto quantitativo quer no qualitativo.

Nesta vertente, a prova documental é a normalmente aduzível e exigível.

Naquela ótica, os documentos apresentados devem evidenciar, o mais aproximadamente possível, o quantum gasto.

Ora, e como o recorrente alega, os documentos apresentados e considerados pelo julgador não comprovam o gasto, médio e previsivelmente continuado, de 150 euros mensais.

O julgador não complementa, concreta e especificadamente, e, assim, supre, com outro tipo de prova, vg. a testemunhal, este défice probatório documental.

 Os documentos apresentados reportam-se apenas a alguns meses de 2018 e 2019, e apenas demonstram o gasto pela recorrida, em medicamentos, de algumas dezenas de euros, bem como na necessidade de efetuar algumas consultas médicas.

Mesmo que se considere que ela despende, sempre e em todos os meses, tais valores, e tem necessidade de efetivar uma ou duas consultas médicas por mês – sem se saber, aliás, quanto por elas suporta -   o valor das despesas médico medicamentosas não pode alcandorar-se aos  fixados 150 euros mensais.

Assim, considerando o supra aludido e no âmbito de um juízo équo, mais conforme se tem com a prova produzida   concluir pelo gasto de metade daquela quantia de 150 euros, ou seja,  75 euros.

5.1.3.

Por conseguinte e no parcial deferimento desta pretensão, os factos provados a considerar são os seguintes, indo a bold os ora alterados:

1. A autora e o réu contraíram casamento católico no dia 4 de Julho de 1992 sem convenção antenupcial.

2. Do supra referido casamento existem dois filhos, ambos maiores, encontrando-se um deles a estudar na (...) , e tendo sido estabelecida a favor dele uma pensão de alimentos no valor de 50€ a ser paga mensalmente pela autora ao réu.

3. O réu durante a semana encontrava-se ausente de casa grande parte do dia, no campo conduzindo os tractores e desempenhando todas as restantes tarefas junto do pessoal que contratava.

4. No último ano, a autora foi gradualmente deixando de cumprir as tarefas domésticas, passando dias sentada, a utilizar o telemóvel e ligada à internet, alheando-se da casa e da família, iniciando uma prática diária e até nocturna de utilização frenética do referido telemóvel.

5. Através do Facebook conheceu diversas pessoas, a quem começou a enviar fotografias pessoais e as dos filhos, que partilhava no “feed de notícias”.

6. Por este meio veio a conhecer um tal (…), com quem encetou um namoro apaixonado, trocando mensagens amorosas constantes.

7. Criou uma conta na rede social Instagram com o nome “S (…)”.

8. Em Junho de 2017, marcou encontro com o referido individuo, no “Hotel I (...) ” em (...) , onde alugaram um quarto e aí mantiveram relacionamento sexual.

9. Entre Setembro de 2017 até Dezembro de 2017, a autora tornou a habitar em casa do casal e organizou as “Bodas de Ouro” dos pais e no dia 24 de Dezembro pediu desculpas a todos os presentes nas “Bodas de Ouro” dos pais, pelos actos cometidos no passado.

10.A autora saiu de casa, primeiro em Julho até Setembro de 2017 e posteriormente em 10Jan2018, mantendo-se a viver em lugar diferente do réu desde então até à presente data.

11.Em 10 de Janeiro de 2018 a autora foi para casa de uma amiga em França de onde regressou em Fevereiro do mesmo ano, tendo então sido sujeita a cirurgia por fractura de perna ocorrida nesse mesmo mês.

12.Em França, a autora telefonou ao filho mais velho, dum número de telefone de número francês, dizendo “Olá (…), era só para te dizer que estou bem e feliz…”.

13. Antes de ir para França, a autora retirou da caixa onde o sogro guardava o dinheiro da “(…)a quantia de 195,00 €, retirou dos armários e roupeiros as suas roupas e objectos de uso pessoal e levantou dinheiro do casal com o “Cartão Universo”, com que pagou a viagem de avião para a Suíça.

14. Retirou de casa 6 (seis) anéis em ouro e um fio em ouro e levou-os, juntamente com parte das suas roupas, para um apartamento na (...) pertencente a familiares do réu que vivem no Canadá.

15. A autora e o réu desde 10 Jan2018 que deixaram de fazer vida de casal, nunca mais tendo mantido relacionamento como cônjuges nem contactado um com o outro

16. A autora não pretende voltar a fazer vida em comum com o réu.

17. A autora encontra-se reformada desde os 39 anos de idade por invalidez com incapacidade permanente de 74% avaliada em 25Mar2015 e sofre de fibromialgia e ciatalgia do MIE pelo menos desde maio de 2008.

18. A autora nunca trabalhou fora de casa ou para outrem, por decisão do casal, situação que se manteve até à sua saída de casa.

19. A autora sempre desempenhou as tarefas domésticas com a sua sogra até esta adoecer, ajudada também por pessoal que contratava e ultimamente com a ajuda do réu e do filho.

20. O réu é agricultor e tem rendimentos mensais no valor de 1.154,99€, vive com os seus dois filhos, ambos maiores, e com os pais que são ambos reformados e comproprietários da casa (…), e paga um empréstimo para amortização da casa onde vive no valor de 195€.

21. A autora aufere uma pensão mensal por invalidez atualmente no valor de 414,15€ e vive na casa da irmã pelo que lhe entrega 130€ mensais e contribuindo eventualmente com a compra de bilhas de gás.

22. A autora despende mensalmente em média do montante de € 75,00 com despesas de saúde, com farmácia.

23. O réu pertence a uma família socialmente muito bem colocada, e é sócio gerente e comproprietário, junto com os seus pais, da Casa Agrícola (…)

24. No último ano agrícola o réu destruiu plantações em terrenos seus por falta de quem as comprasse.

25. A autora encontra-se presentemente sujeita a acompanhamento psicológico.

5.2.

Segunda questão.

5.2.1.

O Sr. Juiz decidiu nos seguintes, ora sinóticos, termos:

«O art. 2016º nº 1 CC refere peremptoriamente que cada um dos ex-cônjuges deverá prover à respectiva subsistência e que o direito a alimentos embora existente será excepcional e só poderá ser negado por razões (objectivas) de equidade (nº 2). A estas razões objectivas ainda se prevê a cessação (e portanto também necessariamente a sua denegação originária) por razões igualmente subjectivas em caso de indignidade moral, cfr. art. 2019º CC, não se bastando a mera violação grave, como o prevê o regime geral assim afastado cfr. previsto pelo art. 2013º CC.

No caso vertente, ...integrará ou não o adultério o conceito de comportamento moral indigno do benefício legal de direito a alimentos conforme previsto no art. 2019º CC enquanto causa da sua cessação (e consequentemente da sua exclusão originária)?

Por um lado dir-se-ia que a lei equipara tout court o comportamento moral indigno de beneficiar do direito a alimentos ao facto do/a beneficiário/a voltar a casar ou a unir-se de facto, não o fazendo depender das condições económicas do/a companheiro/a do/a beneficiário/a, e presumindo iuris et de jure que o casamento ou a união de facto melhoram a situação económica do/a beneficiário/a. Parece-nos porém que, com a expurgação do regime de atribuição de culpa no divórcio …(cfr. art. 1781º d) CC), não será legítimo concluir-se por qualquer equiparação de fundamentos quanto às razões de cessação do direito a alimentos previstas pelo art. 2019º CC: o comportamento moral que torna indigno o recebimento de pensão de alimentos não pode ter qualquer relação com uma nova união de facto ou casamento posterior ao divórcio porque nenhuma indignidade pode ser atribuída a estes últimos enquanto comportamentos totalmente legítimos.

O legislador não menciona expressamente a palavra adultério nem enquanto violação do dever de fidelidade conjugal conforme imposto (mas não definido) pelo artigo 1672º CC, …Porém, dificilmente se verificarão circunstâncias tais com base nas quais se possa concluir em concreto que o adultério não constitua afinal a dita violação do dever de fidelidade...

…em 2008 através do que passou a dispor pelo art. 2016º nº 1 CC, o legislador pretendeu …fortalecer o princípio da igualdade entre os cônjuges já legalmente estabelecido pelo art. 1671º nº 1 e 2 CC). Tal princípio não foi, contudo, estabelecido a ponto de se negar o direito a alimentos, o que só excepcionalmente poderá estribar-se em razões manifestas de equidade (nºs 2 e 3).

Pode desde já concluir-se que o adultério é objectivamente um comportamento moralmente reprovável, quanto mais não seja porque objectivamente violador do dever de fidelidade …fundamento do direito ao divórcio através da ruptura definitiva do casamento.

Porém a questão neste momento prende-se com o direito a alimentos e não com o direito ao divórcio, pelo que, feita essa análise, cumpre agora voltar-se à questão inicial: é o adultério, por si só e enquanto comportamento moral, causa de indignidade excludente do benefício do direito a alimentos (art. 2019º CC)? Será fundamento de negação de alimentos enquanto integrando o conceito indeterminado de “razões manifestas de equidade” (art. 2016º nº 3 CC)?

Para resposta à questão supra enunciada não poderá deixar de se atentar, analogicamente, à situação do cônjuge herdeiro conforme se estabelece nos casos de indignidade sucessória e de deserdação cfr. respectivamente arts. 2034º e 2166º nº 2 CC. Em nenhum destes dois casos o cônjuge herdeiro, ainda que adúltero, fica privado da sua qualidade de herdeiro no que respeita pelo menos à legítima hereditária com relação a todo o acervo patrimonial em sede de partilha, sendo necessário que se verifiquem condenações por crimes cometidos contra o cônjuge ou com vista à obtenção indevida de ganho patrimonial indevido.

Perguntar-se-á então porque razão o cônjuge adúltero casado mantém legalmente todos os direitos hereditários em relação ao cônjuge, se afinal o mesmo comportamento (i)moral em caso de divórcio excluísse o cônjuge adúltero do direito a alimentos (excepcional mas muito menos abrangente no seu conteúdo do que um acervo hereditário), fosse por razões de comportamento moral ou por manifestas razões de equidade? Ora não pode deixar de concluir-se que a exigência adoptada para a condição do cônjuge adúltero enquanto herdeiro não pode ser mais restritiva do que para o direito a alimentos ao cônjuge adúltero, sob pena de ser o divórcio e não o adultério a causa da negação do direito a alimentos, o que não seria teleologicamente admissível, nem pela natureza excepcional e humanitária  inerente ao direito a alimentos, nem pela expurgação do conceito de culpa no divórcio, vigente desde 2008.

Em consequência, não se tendo verificado quaisquer dos requisitos dos arts. 2034º e 2166º nº 2 CC, não pode o direito a alimentos ser liminarmente negado em virtude de adultério por não consubstanciar, por si só, as necessárias razões de manifesta equidade, quer por comportamento moral (ainda que indigno de per se porque objectivamente violador do dever de fidelidade) mas não necessariamente indigno do benefício que resulte do direito a alimentos, como expressamente exige o art. 2019º in fine CC.

No caso em mãos nenhum outro comportamento lesivo é imputado à autora senão o próprio adultério sendo de considerar-se que a subtracção de dinheiro ou de cartão de crédito dentro do casal, para financiamento de uma viagem, e atento o montante em causa, não constituem fundamento para enquadrar suficientemente o conceito de comportamento (i)moral ou manifestas razões de equidade conforme seria de se exigir.

Assim, é manifesto que o direito a alimentos não se encontra in casu liminarmente excluído, prevalecendo todavia, a excepcionalidade já inerente ao próprio direito a alimentos cfr. resulta dos arts. 2004º e 2016º nº 2 CC, passando assim a depender exclusivamente, quer das necessidades da autora, quer das capacidades do réu, como o impõe o art. 2016º-A nº 1 in fine e o art. 2004º nº 1 e 2 CC.

Dito isto, cumpre apreciarem-se os pressupostos de facto e de direito cujo preenchimento se mostra necessário à procedência do pedido…

Conforme se escreve no acórdão da Relação do Porto de 15Set2011 (pesquisado em www.dgsi.pt), actualmente, após as alterações introduzidas pela Lei n.º 61/2008, de 31Out, o direito a alimentos entre os ex-cônjuges é excepcional e visa garantir uma vida minimamente condigna a quem deles carecer, sem que tenha o direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio, sendo o seu montante fixado segundo os elementos previstos no n.º 1 do art.º 2016-A do Código Civil.

Assim, e resumindo, são os seguintes os pressupostos legais necessários resultantes das disposições conjugadas do art. 2003º nº 1 e 2 e 2016º-A nº 1 e 3 CC:

a) Ponderação primária tripartida das necessidades do alimentando/possibilidades do obrigado/possibilidades do alimentando em prover à sua subsistência;

b) Ponderação subsequente (de afinação) tendo em conta, entre outras, a duração do casamento, colaboração prestada à economia do casal, idade e estado de saúde, qualificações profissionais e possibilidades de emprego, tempo para a criação de filhos comuns, um novo casamento ou união de facto por parte de cada um dos cônjuges…

Considera assim o Tribunal que, alheando-se agora do aspecto da mera moral conjugal em prol do mais básico dos direitos fundamentais como o pretende o legislador, é indiscutível que a autora tem necessidade de alimentos...

Concluindo-se como acima se fez há agora que determinar o quantum dos alimentos, tendo em conta, por um lado os valores disponíveis e as necessidades verificadas e por outro, os critérios referenciados no art. 2016º nº 1 CC.

Assim, tendo em conta que a autora viveu com o réu enquanto casal pouco menos de 25 anos, e que a decisão de ela não trabalhar fora de casa foi do casal, não pode deixar de imputar-se pelo menos metade dessa responsabilidade ao réu, devendo este suportar metade da diferença entre o que aproximadamente seria a reforma por invalidez em regime contributivo comparado com o que se encontra actualmente vigente, o que equitativamente se avalia, na falta de mais e melhores elementos, no valor mensal de 100,00€, o que se considera adequado ao caso concreto, tendo por um lado o grau provado de incapacidade da autora e por outro o seu dever de pagar mensalmente a pensão de alimentos do filho conforme lhe foi fixada, o que, na prática lhe fará remanescer a quantia de 50€.

Não crê o Tribunal que a autora deixe de trabalhar, se - e na medida em que - o puder fazer, por uma quantia de 50€; mas não pode também, por outro lado, deixar de considerar-se que a quantia de 100€ será o mínimo devido pelo réu, tendo em conta as suas condições económicas presentes, o longo tempo de casamento e as necessidades precárias da autora também provadas nos autos, sendo certo que o princípio vigente no art. 2016º nº 1 CC após 2008 é de que cada cônjuge deve prover à sua subsistência depois do divórcio.»

5.2.2.

Não se acompanha, na sua essencialidade relevante, esta argumentação.

São os seguintes os preceitos atinentes e  essencialmente relevantes do Código Civil a ter em consideração:

Artigo 2009.º

(Pessoas obrigadas a alimentos)

1. Estão vinculados à prestação de alimentos, pela ordem indicada:

a) O cônjuge ou o ex-cônjuge;

b) Os descendentes;

c) Os ascendentes;

d) Os irmãos;

e) Os tios, durante a menoridade do alimentando;

f) O padrasto e a madrasta, relativamente a enteados menores que estejam, ou estivessem no momento da morte do cônjuge, a cargo deste.

Artigo 2013.º

(Cessação da obrigação alimentar)

1. A obrigação de prestar alimentos cessa:

a) Pela morte do obrigado ou do alimentado;

b) Quando aquele que os presta não possa continuar a prestá-los ou aquele que os recebe deixe de precisar deles;

c) Quando o credor viole gravemente os seus deveres para com o obrigado.

ARTIGO 2016.º

(Divórcio e separação judicial de pessoas e bens)

1 - Cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio.

2 - Qualquer dos cônjuges tem direito a alimentos, independentemente do tipo de divórcio.

3 - Por razões manifestas de equidade, o direito a alimentos pode ser negado.

4. O disposto nos números anteriores é aplicável ao caso de ter sido decretada a separação judicial de pessoas e bens.

ARTIGO 2019.º

(Cessação da obrigação alimentar)

Em todos os casos referidos nos artigos anteriores, cessa o direito a alimentos se o alimentado contrair novo casamento, iniciar união de facto ou se tornar indigno do benefício pelo seu comportamento moral.

5.2.3.

Dilucidemos.

Existe uma relação dialética entre a lei e a sociedade/comunidade de onde, a um tempo, dimana, e, a outro tempo, regula.

Assim, umas vezes a lei molda, ou contribui para uma certa modelação, da comunidade a que se dirige; noutros períodos é por esta comunidade, e pelos seus valores ético-morais e sociais, emergentes e prevalecentes, determinada.

Com a lei que regula o contrato de casamento e os seus efeitos, enquanto vigente e depois de cessar, assim foi/é.

Antes, o contrato de casamento era visto como uma célula essencial da estrutura social e, daí, protegia-se e valorizava-se, penalizando-se o cônjuge que a ele, exclusiva ou principalmente, pusesse termo.

Hoje, tal contrato é perspetivado, essencialmente, quiçá numa exacerbada propensão individualista e hedonista, como uma forma de realização pessoal de cada um dos cônjuges; do que resulta que os seus efeitos devem emergir, apenas ou essencialmente, enquanto vigora.

Terminado ele, deve cada um dos ex cônjuges/ex contraentes, seguir a sua vida sem do casamento poder retirar proveitos.

Nesta senda estatui o artº2016º do CC,  que Cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio.

Esta é a regra.

Ou seja, e como bem se refere na sentença, o direito a alimentos no pós casamento, é de cariz excecional.

Efetivamente:

«O direito a alimentos entre ex-cônjuges (art. 2016 do CC) não é o genérico direito a alimentos, mas um direito especial, com natureza reabilitadora, excepcional, subsidiária e tendencialmente temporário.» -  Ac. RL de 12.07.2017, p. 3070/12.5TBBRR-2 in dgsi.pt.

Atento este jaez, é obvio que  os alimentos apenas podem ser concedidos se fortes e frisantes razões, legais, ou, à míngua destas, équas e humanitárias, o impuserem ou justificarem.

O juízo équo vislumbra-se, nesta matéria, determinante: se o direito a alimentos pode ser retirado a quem, por motivos legais estritos, era concedível, se razões de equidade assim o aconselharem – artº 2016º nº3 –,  também, naquelas mesmas circunstancias e por estas razões, pode ser concedido.

5.2.4.

Atualmente a atuação de um dos cônjuges que consubstancie a violação de algum dos deveres do casamento  previstos no artº 1672º -  a qual,  no âmbito deste contrato, tem de ser ilegal, censurável, injustificável, e, assim, bem vistas as coisas, culposa -,  releva essencial e determinantemente, apenas para o pedido de divórcio.

E sendo, em princípio,  irrelevante ou, ao menos  insuficiente para, por si só, impedir a concessão do direito a alimentos decorrente do casamento ou  implicar a sua cessação.

Mas, obviamente, a atuação do cônjuge que viola o contrato de casamento e dá origem à sua cessação/dissolução, não pode deixar de ter, em concatenação com  outros fatores, algum impacto e relevância para a densificação do conceito legal  indeterminado de indignidade por comportamento imoral previsto no artº 2019º.

5.2.5.

Por outro lado, e versus o defendido na sentença, este conceito não pode ser densificado por comparação e paralelismo com a indignidade sucessória ou testamentária.

Na verdade, são matérias diversas, com jaez e consequências jurídico patrimoniais diferenciadas.

Há que convir que ser declarado indigno para efeitos sucessórios ou testamentários, tem, por via de regra, consequências patrimoniais muito mais gravosas – perda de uma herança com acervo de muitos milhares ou até milhões de euros - do que as  consequências derivadas de uma perda de alimentos de algumas dezenas ou centenas de euros.

Faz, pois, todo o sentido que na indignidade sucessória e testamentária os factos necessários para a densificação da mesma sejam legalmente definidos e assumam uma relevância e gravidade tais que não são exigíveis em sede de rejeição do direito a alimentos.

Assim sendo, o termo «indigno» do artº 2019º do CC tem de ser entendido em sentido fraco/lato e não no sentido forte ou mais técnico jurídico em que é usado no direito sucessório; e a sua densificação tem de ser efetivada autonomamente e perspetivando apenas o legislado em sede de direito a alimentos.

Nesta sede diz-nos o artº 2103º que o direito a alimentos cessa  Quando o credor viole gravemente os seus deveres para com o obrigado.

Ora se tal violação grave é suficiente, em sede de alimentos, para beneficiários/obrigados de/a alimentos que estão numa relação, legal, humana e ético moral, muito mais apertada e impositiva de direitos e obrigações acrescidas – vg. pais/filhos e vice versa –,  seria ilógico e mal se compreenderia, atento o supra aludido  quanto à perspetivação do casamento e seus efeitos, que para os alimentos pós divórcio a lei ainda exigisse requisitos tão ou mais graves para impedir/conceder ou fazer cessar tal obrigação, requisitos esses que teriam de consubstanciar ou aproximar-se da figura da indignidade.

Destarte, e como é defendido, pela doutrina e jurisprudência que temos por maioritárias tem de concluir-se que a causa de cessação prevista no art.º 2019.º que se funda num comportamento moral do credor, que o torna indigno do benefício é tão vaga, em tempos de pluralismo cultural e moral, que não se pode senão tentar formular um critério auxiliar de aplicação; haverá causa de cessação quando o comportamento moral do credor seja de tal ordem que torne “inexigível”, ao devedor, a continuação do encargo, “segundo um critério objetivo de razoabilidade. Dir-se-á, portanto, que não se pode atender a uma especial exigência moral da pessoa do devedor, a uma excecional suscetibilidade, pois de outro modo ficaria frágil a posição do credorcfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. V, pág. 618, apud Ac. da RL de 10.04.2008, p. 1399/2008-2 in dgsi.pt e Lucas Rosa Monteiro in a Cessação do Dever de Prestar Alimentos in https://www.cidp.pt/revistas/rjlb/2016/1/2016_01_0289_0327.pdf.

5.2.6.

Mais uma vez, e tanto quanto alcançamos, ao contrário do entendido na sentença, consideramos que imanente a  todos os requisitos excludentes do artº 2019º, e não apenas sobre o que ora nos ocupa,  subjaz um laivo ou perspetiva ético moral.

Efetivamente,  e para além da «indignidade moral», a lei retira o direito a alimentos ao ex cônjuge que se volte a casar ou inicie uma relação de facto.

Pode defender-se, como na sentença, que  a lei atende apenas à objetividade destes dois últimos factos e que o direito é retirado porque presume que deles emerge uma fonte de subsistência suficiente para alimenta(n)do.

Mas não necessariamente.

O casamento ou a união de facto pode realizar-se com consorte/companheiro que não tenha qualquer cabedal económico ou o suficiente para suprir as necessidades do parceiro.

Não obstante, e mesmo assim, a obrigação do ex cônjuge cessa ipso facto e ex vi lege.

Daqui emerge que a lei, e, obviamente, apenas nesta sede alimentícia, entende que  o novo casamento ou a união de facto se assumem conduta do alimentado que elimina definitivamente todo e qualquer ligação ou elo que justifique a exigência de  adstrição do ex cônjuge  à prestação de auxílio económico ao novamente casado ou unido de facto, mesmo que, não obstante este casamento ou união, o ex cônjuge  continue a necessitar de alimentos.

Assim, e numa interpretação sagaz, não pode escamotear-se a conclusão que este entendimento encerra um juízo eivado, em certa medida, de valoração ética de tal conduta por parte do legislador.

Interpretação esta que colhe ainda respaldo adicional  se tivermos em conta que o legislador de 2010 que alterou o artº 2019º -   Lei n.º 23/2010, de 30/08 -  alargou as causas de exclusão, aditando ao mesmo, como causa excludente dos alimentos, o inicio de  uma união de facto,  causa esta que não era consagrada na lei anterior e era, inclusive, tema de decisões díspares.

5.2.7.

In casu.

A autora requereu o divórcio.

Nem sequer imputou ao marido qualquer causa – para além da uma genérica e não provada falta de acompanhamento do mesmo em algumas consultas médicas – que tenha contribuído para a rutura conjugal.

Perante a contestação do réu, provou-se, nuclearmente e no que ora interessa:

A autora, em 2017 e 2018, cometeu adultério pelo menos com um homem de nome M (…)

A autora, enquanto casada passou a assumir nas redes sociais, o apelido (…) identificando-se como (…)

A autora saiu de casa nela não vivendo entre Julho e Setembro de 2017.

Entre Setembro de 2017 até Dezembro de 2017, a autora tornou a habitar em casa do casal e no dia 24 de Dezembro pediu desculpas ao marido e pais, pelos atos cometidos no passado.

Porém, em 10Jan2018, voltou a sair de casa indo para casa de uma amiga em França de onde regressou em Fevereiro do mesmo ano.

Antes de ir para França, a autora retirou da caixa onde o sogro guardava o dinheiro da “I (…) quantia de 195,00 €, e levantou dinheiro do casal com o “Cartão Universo”, com que pagou a viagem de avião para a Suíça.

 Retirou de casa 6 (seis) anéis em ouro e um fio em ouro e levou-os para um apartamento na (...) pertencente a familiares do réu que vivem no Canadá.

Perante estes factos, a posição exegética que se tem como mais razoável e sensata é a que conclui pela presença da aludida «indignidade» moral – no sentido lato/fraco, mas suficiente, supra aludido -  da conduta da autora vis a vis a pessoa do seu, então, ainda marido e, hoje, ex marido.

Foi a autora  que pediu o divórcio.

Se o não tivesse feito ainda estaria casada e acobertada pelo dever de assistência emergente do contrato de casamento.

A autora nem sequer provou que o réu tenha, minimamente, contribuído para a rutura conjugal.

Antes se  tendo provado que a sua conduta era mais do que suficiente para o réu, se o pretendesse,  ele próprio poder exigir o divórcio.

Destarte, a presente pretensão da autora configura-se quasi como em venire contra factum propium.

E esta conduta é mais do que desrespeitosa, desconsiderante e enxovalhante para com o então marido e agora ex cônjuge.

A autora, reiteradamente, cometeu adultério; saiu de casa várias vezes, sem provar justificação; furtou dinheiro e objetos do casal e do sogro; numa manobra aparentemente de diversão, acabou por desculpar-se mas voltou a sair injustificadamente de casa, e,  obviamente, a relacionar-se e a conviver com quem muito bem lhe apeteceu.

Outra  ilação a retirar, e porque a autora atuava na internet e contactava com amigos, é que a sua conduta foi conhecida pela família do réu, amigos do casal e, quiçá, até  outros terceiros.

As partes são oriundas e vivem em meios rurais, onde comportamentos deste jaez ganham relevância acrescida.

Há que convir que esta conduta é intolerável, presentes os hodiernos padrões ético- jurídicos, e as atitudes comportamentais que, perante eles, é suposto tomarem-se, não apenas por decorrência do contrato de casamento, como também por virtude de uma desejável e concretizada sã e leal vivência em sociedade entre normais cidadãos.

Esta conclusão não constitui um juízo de censura moral – stricto sensu -   acerca da idiossincrasia da autora ou sequer sobre o seu comportamento.

 A autora é livre de se autodeterminar e de desenvolver e assumir as condutas que bem entender.

 Mas da natureza destas e das suas repercussões na esfera jurídica, material e imaterial, de terceiros – máxime do seu então ainda marido e hoje ex marido - , têm de ser retiradas as, para nós mais admissíveis e justas, legais consequências.

As quais, in casu, passa por relevar-se a final conclusão que a autora violou gravemente os seus deveres para com o réu, quer enquanto marido, quer enquanto simples pessoa e cidadão – com natural amor próprio e dignidade pessoal e social a defender –   em grau tal que a tornou indigna do benefício alimentício a prestar por este, ou, no mínimo, que a este é inexigível, legal e/ou equitativamente, o dever de prestar tal benefício.

5.2.8.

E mesmo que assim não fosse ou não se entenda,  sempre a pretensão alimentícia da autora soçobraria.

 Já se viu que os alimentos a ex cônjuge só podem ser atribuídos excecionalmente, ou seja, e numa vertente interpretativa possível e admissível, apenas quando, por um lado, o alimentando deles necessite inequivocamente,  vg., por decorrência de uma patente e crónica situação económico financeira deficitária, e, por banda outra, quando o obrigado patenteie um invejável desafogo económico financeiro.

A autora aufere  rendimentos mensais perenes,  decorrentes de uma pensão, no valor atual  de 414,15€, e vive na casa da irmã pelo que lhe entrega 130€ mensais.

Mais despende mensalmente em média o montante de € 75,00 com despesas de saúde.

Vemos assim que a demandante tem despesas fixas mensais de cerca de 200 euros, sobrando-lhe ainda mais de duzentos euros para alimentação e vestuário.

É valor escasso, mas que, gerido com parcimónia, poderá ser suficiente.

Assim, aquele primeiro requisito não emerge com suficiência.

E, outrossim, este último não se vislumbra.

Efetivamente, o réu aufere pouco mais de mil euros mensais,  é agricultor,  estando, assim, sujeito às vicissitudes e aleatoriedades de rendimentos  inerentes a esta ocupação – e decorrentes, vg. das incertezas climatéricas e de crises como a presente -,  vive com os seus dois filhos, um ainda a estudar, suportando ele as suas despesas, e com os pais que são ambos reformados, e paga um empréstimo para amortização da casa onde vive no valor de 195€.

Procede o recurso.

6.

Sumariando – artº 663º nº7 do CPC.

I -  As despesas de saúde têm, essencial e determinantemente, de serem apuradas via prova documental.

II -  O direito a alimentos do ex cônjuge é excecional, pelo que só pode ser concedido presentes que estejam, com rigor e relevância inequívocos, os seus requisitos, a saber: uma situação económico financeira claramente deficitária  de credor e um patente desafogo do devedor.

III - A  «indignidade moral» do ex cônjuge, causa excludente dos alimentos prevista no artº 2019º do CC,  é conceito indeterminado  a substanciar autonomamente – e não por reporte à indignidade sucessória -  abrangendo o comportamento imoral do credor  para com o devedor  que, pela sua gravidade e relevância, torne “inexigível” a este, segundo um critério objetivo de razoabilidade,  o encargo alimentício.

IV - Provando-se que a ex cônjuge, durante os dois últimos anos do casamento, cometeu adultério,  passou a assumir nas redes sociais o apelido do amante, saiu do lar conjugal várias vezes por semanas e meses, inclusive para França, sem dizer para onde ia, apropriou-se de dinheiro e de  objetos do casal e do sogro, tem de concluir-se que violou gravemente os seus deveres para com o réu, quer enquanto marido quer enquanto  cidadão,  em grau tal que a tornou indigna do benefício alimentício a prestar por este, ou, no mínimo, que a este é inexigível, legal e/ou equitativamente, o dever de prestar tal benefício.

7.

Deliberação.

Termos em que se acorda conceder provimento ao recurso, revogar a sentença na parte ora impugnada e, consequentemente, absolver o réu do pedido de alimentos.

Custas recursivas pela recorrida.

Coimbra, 2020.12.14.

Carlos Moreira ( Relator)

Moreira do Carmo

Fonte Ramos