Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
612/05.6TBMMV-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
FUNDO DE GARANTIA
JURISPRUDÊNCIA OBRIGATÓRIA
Data do Acordão: 05/22/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: MONTEMOR-O-VELHO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 1.º DA LEI N.º 75/98, DE 19 DE NOVEMBRO, E 2.º E 4.º, N.º 5, DO DECRETO-LEI N.º 164/99, DE 13 DE MAIO; ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DO STJ N.º 12/2009, DE 07/07/2009
Sumário: 1. O Estado deve ser responsabilizado, através do Fundo de Garantia, pelo pagamento de alimentos aos menores, em substituição do progenitor, após a decisão que julgue o incidente de incumprimento do devedor originário, ocorrendo a respectiva exigibilidade no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal, não abrangendo quaisquer prestações anteriores.

2. Para que se decida em desconformidade com a jurisprudência do Acórdão Uniformizador n.º 12/2009, de 07-07-2009, do STJ, será necessário que se desenvolva um argumento novo e de grande valor, nele não ponderado, susceptível de desequilibrar os termos da discussão jurídica contra a solução anteriormente perfilhada.

Decisão Texto Integral:         Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

           

Na sequência da acção de divórcio litigioso que correu termos entre A... e B..., veio aquela requerer a regulação do exercício do poder paternal relativamente às filhas de ambos, na altura, todas menores, C..., D..., E... e F..., já todos identificados nos autos.

Conforme consta da acta de fl.s 64 e 65, requerente e requerido, acordaram em manter o já fixado naquela acção de divórcio, relativamente à prestação de alimentos devida às menores, ou seja, ficou o requerido obrigado a pagar, a tal título, a quantia de 150,00 €, mensais, a que acresceria a de 50,00 €, por mês, relativo a prestações já, naquele momento, em dívida, no montante de 1.800,00 €, por este nunca ter cumprido o anteriormente, quanto a tal, acordado.

Incumprimento que se manteve posteriormente a tal acordo, como resulta dos autos, não obstante as inúmeras diligências levadas a cabo no sentido de averiguar do paradeiro do requerido e possibilidades de, coercivamente, o mesmo pagar as prestações de alimentos devidas a suas filhas menores o que, tudo, sempre resultou infrutífero.

Na sequência do que, cf. consta de fl.s 127 e 128, se julgou verificado o incidente de incumprimento do poder paternal no que toca ao pagamento da prestação de alimentos devidos às menores D..., E... e F... pelo requerido B..., tendo este, por tal incumprimento, sido condenado no pagamento da multa de 125,00 €, nos termos do artigo 181.º, n.º 1 da OTM.

Posteriormente, em 28 de Abril de 2009, cf. consta de fl.s 156 e 157, veio, de novo, a requerente informar que o requerido ainda não havia cumprido o acordado quanto à prestação de alimentos devidos a suas filhas menores e requerer ao Tribunal que o requerido cumprisse, coercivamente, o decidido quanto a tal.

Teve lugar uma conferência de pais, nos termos e para os efeitos do artigo 181.º da OTM, a que não compareceu o requerido.

Ordenou-se a realização de relatórios sociais a requerente e requerido, os quais constam de fl.s 182 a 185 e 201 a 204, respectivamente.

Juntos estes, foi dada vista ao MP, o qual promoveu que se declarasse o incumprimento do requerido desde Novembro de 2005 a Janeiro de 2011, no valor de 9.450,00 € e que o Tribunal fixasse em 250,00 € o montante a pagar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, em substituição do progenitor, enquanto persistisse o incumprimento deste.

Conclusos os autos à M.ma Juiz, por esta, foi proferida a seguinte decisão:

“No âmbito do processo de divórcio os progenitores acordaram que o requerido ficava obrigado a contribuir mensalmente com a quantia de €150,00 mensais a título de alimentos às suas filhas menores.

O pai das menores não cumpre com o pagamento da pensão de alimentos fixada nos autos, encontrando-se em divida a pensão de alimentos desde Novembro de 2005 até ao presente, no montante de € 9900,00.

Conclui-se assim que o pai do menor entrou em incumprimento da obrigação de alimentos.

Resulta dos autos que não é possível cobrar os alimentos devidos pelo requerido pelas formas previstas no artigo 189.°, da L.T.M., pois não lhe sendo conhecidos quaisquer rendimentos.

Por sua vez, as menores encontram-se em situação de beneficiar da prestação alimentar a pagar pelo Fundo de Alimentos Devidos a Menores, pois verificam-se os pressupostos legais para o efeito – arts. 1.° do DL n.º 75/98 de 19 de Novembro e 3.° do DL n.º 164/99, de 13 de Maio.

Com efeito, é a seguinte a composição do agregado familiar:

- A requerente e as menores.

O agregado familiar tem como rendimentos:

- O salário da requerente no valor mensal de € 257,33;

- Subsídio familiar a Crianças e Jovens no valor mensal de € 123,59;

Ora, atendendo à situação económica da requerente, à idade actual das menores, deficiência de uma delas e consequentes despesas inerentes à sua idade, nos termos dos arts. 3.°, n.º 4 e 4.°, do DL n.º 164/99, de 13 de Maio, decido fixar em € 250,00 a prestação mensal a pagar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, a favor das menores C... e E..., desde a data em que foi requerida a intervenção do FGA pelo MP, a 19-01-11, considerando a jurisprudência do TC expressa no Acórdão 54/2011 de 25 de Janeiro, DR 38 de 23 de Fevereiro, contendo fundamentos não ponderados no Acórdão do STJ de Uniformização de Jurisprudência de 7-7-2009.

Notifique as entidades referidas no art. 4.°, n.º 3, do DL 164/99, de 13 de Maio, nomeadamente o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social.”.

 

Inconformado com tal decisão, interpôs recurso, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo (cf. despacho de fl.s 280), finalizando a respectiva motivação, com as seguintes conclusões:

• 1° A douta sentença recorrida interpretou e aplicou de forma errónea, ao caso sub judice, o art° 10 da Lei 75/98 de 19/11 e o art° 40 n°s 4 e 5 do Dec-Lei n° 164/99 de 13 de Maio;

• 2° Com efeito, o entendimento do douto Tribunal a quo, de que no montante a suportar pelo FGADM devem ser abrangidas as prestações já vencidas e não pagas pelo progenitor (judicialmente obrigado a prestar alimentos) não tem, salvo o devido respeito, suporte legal;

• 3° O Dec-Lei n° 164/99 de 13 de Maio é taxativo quanto ao início da responsabilidade do Fundo pelo pagamento das prestações;

• 4° No n° 5 do art° 4 do citado diploma, é explicitamente estipulado que “o centro regional de segurança social inicia o pagamento das prestações, por conta do Fundo, no mês seguinte ao da notificação da decisão do Tribunal, nada sendo dito quanto as prestações em dívida pelo obrigado a prestar alimentos;

• 5° Existe uma delimitação temporal expressa que estabelece o momento a partir do qual o Fundo deve prestar alimentos ao menor necessitado;

• 6° Não foi intenção do legislador dos supramencionados diplomas legais, impor ao Estado, o pagamento do débito acumulado pelo obrigado a prestar alimentos;

• 7º Tendo presente o preceituado no art° 9 do Código Civil, ressalta ter sido intenção do legislador, expressamente consagrada, ficar a cargo do Estado, apenas o pagamento de uma nova prestação de alimentos a fixar pelo Tribunal dentro de determinados parâmetros - art° 3.º n°3 e art° 4° n° 1 do Dec-Lei 164/99 de 13/5 e art° 2° da Lei 75/98 de 19/11;

• 8° A prestação que recai sobre o Estado é, pois, uma prestação autónoma, que não visa substituir definitivamente a obrigação de alimentos do devedor, mas, antes, proporcionar aos menores a satisfação de uma necessidade actual de alimentos, que pode ser diversa da que determinou a primitiva prestação;

• 9° O FGADM não garante o pagamento da prestação de alimentos não satisfeita pela pessoa judicialmente obrigada a prestá-los, antes assegurando, face a verificação cumulativa de vários requisitos, o pagamento de uma prestação “a forfait” de um montante por regra equivalente - ou menor - ao que fora judicialmente fixado.

• 10º Só ao devedor originário é possível exigir o pagamento das prestações já fixadas, como decorre do disposto no art° 2006 do CC, constatação que é reforçada pelo disposto no art° 7 do Dec-Lei 164/99 ao estabelecer que a obrigação principal se mantém, mesmo que reembolso haja a favor do Fundo.

• 11º Não há qualquer semelhança entre a razão de ser da prestação de alimentos fixada ao abrigo das disposições do Código Civil e a fixada no âmbito do Fundo. A primeira consubstancia a forma de concretização de um dos deveres em que se desdobra o exercício do poder paternal; a última visa assegurar, no desenvolvimento da política social do Estado, a protecção do menor, proporcionando-lhe as necessárias condições de subsistência;

• 11º Enquanto o artigo 2006° do Código Civil está intimamente ligado ao vinculo familiar - art° 2009° do CC - e daí que quando a acção é proposta, os alimentos seriam devidos, por um princípio de Direito Natural, o Dec-Lei 164/99 “cria” uma obrigação nova, imposta a uma entidade que antes da sentença, não tinha qualquer obrigarão de os prestar.

• 12° A obrigação de prestação de alimentos pelo FGADM (autónoma da prestação alimentícia decorrente do poder paternal) não decorre automaticamente da Lei, sendo necessária uma decisão judicial que a imponha, ou seja, ate essa decisão não existe qualquer obrigação.

• 13° Se é diferente a natureza das duas prestações, diferente é também o momento a partir do qual se começam a vencer:

• 14° A prestação de alimentos, visto haver norma substantiva que o prevê, começa a vencer-se a partir da propositura da acção que fixou o quantitativo a satisfazer pelos progenitores do menor;

• 15° Já a prestação a satisfazer pelo FGADM, tendo em conta o regime geral aplicável a generalidade das acções, começa a vencer-se após o trânsito em julgado da decisão judicial que fixa o seu montante.

• 16° Muito bem decidiu o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra — agravo nº 1386/01 de 26- 06-0 1- no sentido de o Estado não responder pelo débito acumulado do obrigado a alimentos, tratando-se de prestações de diversa natureza. No mesmo sentido, entre outros, os Acórdãos citados no ponto 63 das presentes alegações.

• 17° Não colhe o argumento de que o menor não pode ficar a mercê das contingências do processo e seu arrastamento pelos Tribunais, porquanto, como é do conhecimento geral, no entretanto, e enquanto o processo se encontra pendente do Tribunal, a verdade é que alguém tem de alimentar o menor, sob pena de este não sobreviver.

• 18° O pagamento das prestações relativas ao período anterior não visaria propriamente satisfazer as necessidades presentes de alimentos a menor, constituindo, antes, um crédito de quem, na ausência do requerido, custeou unilateralmente (ao longo do anos) a satisfação dessas necessidades.

• 19º O Estado substituiu-se ao devedor, não para pagar as prestações em dívida por este, mas para assegurar os alimentos de que o menor necessita para que este não volte a ter frio, não volte a ter fome (e não, para evitar que ele tivesse frio ou fome, pois tal é impossível. Já passou. É tarde de mais).

• 20° Daí a necessidade de produção de prova sobre os elementos constantes da lei nº 75/98 de 19 de Novembro e do Dec-Lei nº 164/99 de 13 de Maio, que o Tribunal deve considerar na fixação da prestação a efectuar pelo estado, prestação essa que não é necessariamente equivalente a que estava em divida pelo progenitor.

• 21º A intervenção do FGADM está dependente de pressupostos cumulativos acima elencados tendo a natureza de prestação social, não podendo recorrer-se a analogia com o art° 2006° do CC, por não se tratar de caso omisso, o que legitima arredar o disposto no art° 10.º do CC.

• 22° Se tivesse havido o propósito de estabelecer uma qualquer responsabilidade do Estado por prestações vencidas e não pagas pelo obrigado, o legislador não teria deixado de a prever e até de cominar a modalidade e prazo de pagamento, tal como, alias, o fez no citado art° 4° n 5 do DL n° 164/99.

• 23° O FGADM somente deverá ser responsabilizado pelo pagamento das prestações fixadas e devidas a partir da prolação da sentença judicial, e não pelo pagamento do débito acumulado dos obrigados.

• 24° O que se entende facilmente se atentarmos na finalidade da criação do regime instituído pelos supra citados diplomas legais, que é o de assegurar (garantir) os alimentos devidos a menores e não o de substituir a obrigação alimentícia que recai sobre o obrigado a alimentos.

• 25° A obrigação do FGADM só nasce com a decisão judicial que verifica os pressupostos da sua intervenção, ordena o pagamento e determina o seu montante, diferentemente da obrigação dos pais “em prover o sustento” dos filhos, que decorre do próprio vínculo da filiação.

• 26° O FGADM não tem intervenção na lide incidental de incumprimento, não lhe sendo assegurado qualquer contraditório, não podendo ser condenado no pagamento de prestações antes de vencidas, sob pena de grosseira violação dos princípios firmados nos art°s 3.º e 3°A do CPC, 2° e 20º da CRP — vide Acórdão do Tribunal Constitucional n°s 249/97, 259/2000 e 209/2004.

• 27° Por fim, e de acordo com o recente Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STJ, sempre se dirá que “A obrigação de prestação de alimentos a menor, assegurada pelo FGADM, em substituição do devedor, nos termos previstos nos artigos 1° da Lei n° 75/98, de 19 de Novembro, e 2° e 4° n° 5 do Dec-Lei n° 164/99 de 13 de Maio, só nasce com a decisão que julgue o incidente de incumprimento do devedor originário e a respectiva exigibilidade só ocorre no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal, não abrangendo quaisquer prestações anteriores – Acórdão do STJ nº 12/2009 de 5 de Agosto.

• 28° “A recusa da aplicação da doutrina uniformizada deverá surgir apenas em casos excepcionais, em que surjam circunstâncias supervenientes e capazes de imporem uma nova interpretação, justificando a sua revisibilidade — Ac. Trib. Rel. Guimarães de 06/03/2008.

            Termina, peticionando a procedência do seu recurso, com a consequente revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra na qual o FGDAM do IGFSS seja obrigado a efectuar o pagamento das prestações apenas a partir do mês seguinte ao da decisão do Tribunal.

           

            Respondendo, o MP, na 1.ª instância, defende a procedência do recurso, porquanto se deve aplicar o decidido no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 12/2009, cuja conformidade com a Constituição da República foi declarada pelo Tribunal Constitucional através do Acórdão n.º 400/2011.

            Contra-alegando, a requerente, pugna pela improcedência do presente recurso, estribando-se nos fundamentos em que se baseia a decisão recorrida e ainda, porque conforme decisão de fl.s 126 e 127, já em 12/06/2007, se havia verificado e declarado o incumprimento do devedor, relativamente às prestações em causa.

            Dispensados os vistos legais, há que decidir.

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 684, n.º 3 e 690, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir é a de saber desde quando deve o Estado ser responsabilizado, através do Fundo de Garantia, pelo pagamento de alimentos aos menores, em substituição do progenitor que os não satisfez.

Para a decisão do presente recurso, importa considerar a matéria de facto referida no relatório que antecede.

É conhecida a divisão da jurisprudência acerca da questão ora em apreço, do que constitui reflexo a decisão ora em recurso bem como as respectivas alegações, contra-alegações e resposta do MP.

            Efectivamente, durante largo período de tempo, quer na 1.ª instância quer nos Tribunais Superiores, grassou grande divergência acerca relativamente á questão de saber desde que momento poderia o FGDAM ser chamado a colmatar a incúria dos progenitores em prestar alimentos a seus filhos menores.

            No entanto, como é igualmente consabido, o STJ, através do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 12/2009, de 7 de Julho de 2009, publicado no DR I.ª Série, de 5/8/2009, fixou jurisprudência nos termos seguintes:

            “A obrigação de prestação de alimentos a menor, assegurada pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, em substituição do devedor; nos termos previstos nos artigos 1.º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, e 2.º e 4.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, só nasce com a decisão que julgue o incidente de incumprimento do devedor originário e a respectiva exigibilidade só ocorre no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal, não abrangendo quaisquer prestações anteriores.”.

Se é verdade que foi declarada a inconstitucionalidade do art.º 2.º, do Código Civil, através de Acórdão do Tribunal Constitucional de 28/05/96, in DR I-A, de 18/07, o certo é que os Acórdãos Uniformizadores de Jurisprudência, se destinam a regular o modo como deve passar a ser decidida uma determinada questão que, até aí, vinha sendo objecto de controvérsia jurisprudencial.

Assim, para que se decida em desconformidade com a jurisprudência uniformizada, será necessário que se considere que a jurisprudência fixada se mostre ultrapassada, que se desenvolva um argumento novo e de grande valor, não ponderado no Acórdão Uniformizador, quer no seu texto quer em votos de vencido, susceptível de desequilibrar os termos da discussão jurídica contra a solução anteriormente perfilhada; se torne patente que a evolução doutrinal e jurisprudencial alterou significativamente o peso relativo dos argumentos já utilizados, por forma, a que, posteriormente, se chegaria a um resultado diverso ou desde que uma alteração da composição do STJ faça supor que se proferiria decisão contrária à anteriormente perfilhada, não podendo bastar a ideia ou a convicção de que a decisão tomada não “é a melhor” ou a “solução legal”.

Ora, aqui chegados e atentas as posições do ora recorrente e da recorrida expressas nas respectivas alegações e conclusões de recurso e contra-alegações, tem de concluir-se que as mesmas não acrescentam nada de novo, relativamente aos argumentos já expendidos e analisados no referido Acórdão Uniformizador n.º 12/2009, no qual já se aduziram os argumentos pró e contra.

Consequentemente, face ao ora exposto, não vemos razões para nos afastarmos da jurisprudência fixada no sobredito Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, n.º 12/2009, o qual fixou jurisprudência no sentido já acima transcrito.

E assim sendo, não pode subsistir a decisão recorrida, na qual não se seguiu, não se acatou, a orientação seguida no sobredito Acórdão Uniformizador.

            Como fundamento para tal, refere-se na mesma que se adere à jurisprudência do Tribunal Constitucional expressa no Acórdão n.º 54/2011, de 25/01, o qual, segundo se alega, contém fundamentos não ponderados no supra referido AUJ n.º 12/2009.

            Efectivamente, neste Acórdão, datado de 01 de Fevereiro de 2011, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/acordãos, decidiu-se pela inconstitucionalidade do artigo 4.º, n.º 5, do DL 164/99, de 13 de Maio, quando interpretado no sentido de que a obrigação do Fundo de Garantia de assegurar as pensões de alimentos a menor judicialmente fixadas, em substituição do devedor, só se constitui com a decisão do tribunal, não sendo exigíveis as prestações anteriores a tal declaração, por se considerar que o objectivo da promoção das condições dignas de vida das crianças só se mostra alcançado se as prestações sociais cobrirem, o mais aproximadamente possível, todo o período em que se verifica o incumprimento por parte dos pais em prestarem alimentos a seus filhos e se, para além disto, existir um mecanismo que permita acorrer, num curtíssimo espaço de tempo, aos casos de necessidade urgente, o que não aconteceria se o Fundo só fosse chamado a cobrir as prestações em falta, depois de proferida decisão judicial nesse sentido.

            Com o devido respeito por opinião em contrário, somos de parecer que todos estes argumentos já se mostram valorados no referido AUJ, tendo o STJ decidido por uma das várias teses em confronto.

            Para além do mais, o próprio Tribunal Constitucional, em Plenário, através do Acórdão n.º 400/2001, de 22 de Setembro de 2011, disponível no mesmo sítio do anterior, decidiu que o referido artigo 4.º, n.º 5, na interpretação de que a obrigação do Fundo de Garantia, em substituição do devedor de alimentos, só se constitui com a decisão do tribunal que determine o montante da prestação a pagar por este fundo, não sendo exigível o pagamento de prestações respeitantes a períodos anteriores a essa decisão, não é inconstitucional.

            Para tanto, considerou-se que a retroacção da condenação não seria meio idóneo para satisfazer, por si mesma, as necessidades de manutenção do menor no momento a que tais prestações se referem, já que se trata de um tempo passado; que a precedência de meios de prova não impede a resposta pública temporalmente adequada às situações carecidas de providências urgentes; nem, assim, se viola o princípio da igualdade, dado o carácter de subsidiariedade das prestações em causa, como ali mais aprofundadamente se refere.

            Ora, o facto de o Tribunal Constitucional, em Plenário, ter declarado conforme à Constituição da República, a interpretação da norma em causa, com o sentido que lhe foi dado no supra referido AUJ n.º 12/2009, mais reforça a posição de que a decisão dele constante deve ser acatada, nos termos acima já expostos.

            De referir, por último, que contrariamente ao alegado pela requerente e aqui recorrida, na decisão de fl.s 126 e 127 não se proferiu nenhuma decisão de fixação de qualquer prestação a suportar pelo FGDAM, apenas e tão só se julgou verificado o incidente de incumprimento do poder paternal no que toca ao pagamento da prestação de alimentos devidos às menores, por parte do requerido, mas sem que se tenha condenado o referido Fundo a suportá-las.

            Só com a decisão de fl.s 231 e 232 (a aqui recorrida), se quantificou a prestação a suportar pelo Fundo (que, aliás, é diferente da que incumbia ao requerido suportar), em substituição do progenitor relapso.

            E, como decorre do AUJ n.º 12/2009, que deve ser acatado na presente situação, pelos fundamentos já mencionados, a obrigação do FGDAM só é exigível no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal que a fixou.

            Consequentemente, tem o presente recurso de proceder, não podendo subsistir a decisão recorrida, só sendo exigível ao Fundo que suporte as prestações em falta a partir do mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal que a fixou.

Nestes termos se decide:

Julgar procedente o presente recurso de apelação, em função do que se revoga a decisão recorrida, a qual se substitui por outra que declara que o FGDAM apenas está obrigado a efectuar o pagamento das prestações a partir do mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal.

Custas pela apelada, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido.


Arlindo Oliveira (Relator)
Emídio Francisco Santos
António Beça Pereira