Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
514/03.0PBLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO CHAVES
Descritores: PRESCRIÇÃO
SENTENÇA NÃO NOTIFICADA AO ARGUIDO
Data do Acordão: 06/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (INSTÂNCIA LOCAL– SECÇÃO CRIMINAL – JUIZ 1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 120.º, AL. D), DO CP
Sumário: Sendo a prescrição do procedimento criminal um instituto também de natureza substantiva, não prevendo a lei qualquer limite máximo para a suspensão do procedimento criminal, no caso da alínea d) do n.º 1 do artigo 120.º do CP, não se pode fazer uma interpretação de forma a colmatar lacunas, sob pena de violação do princípio da legalidade.
Decisão Texto Integral:


Acordam na 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I – Relatório

1. No processo abreviado n.º 514/03.0PBLRA, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria – Leiria – Instância Local – Secção Criminal – J1, em que é arguido A... , com os demais sinais nos autos, foi proferido, em 4 de Novembro de 2015, despacho que declarou extinto, por efeito da prescrição, o procedimento criminal instaurado contra o arguido.

2. Inconformado com a decisão, recorreu o Ministério Público, terminando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):

«1. Por douta sentença, proferida a 21/04/2004, a fls. 72 a 81, do p.p., foi o arguido, A... , condenado, como autor material, pela prática de um crime de furto, p. e p. pelo disposto no artigo 203º., nº. 1, do Código Penal, na pena de oitenta dias, a taxa diária de três euros, perfazendo o montante de 240 euros;

2. O arguido foi regularmente notificado da data designada para audiência de discussão e julgamento, mas não compareceu, tendo julgado na respetiva ausência, também não tendo comparecida na data da leitura da sentença proferida;

3. O tribunal “a quo” entendeu, porém, que na referida data da notificação, já o procedimento criminal, pela prática do aludido crime, se encontrava prescrito;

4. Ora, os factos imputados ao arguido, na acusação, que integram a prática de crime de desobediência, datam de 17 de março de 2003, pelo que ocorreram na vigência da versão do Código Penal, introduzida pela Lei nº. 65/98, de 02/09;

5. No caso “sub judice”, e desde a data em que foi proferida a douta sentença, 05/07/2004, não pôde, a mesma, ser notificada ao arguido, julgado na sua ausência, por se desconhecer o respetivo paradeiro, pelo que se verifica a existência de uma causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal, nos termos do disposto no artigo 120º., nº. 1, alínea d), do mesmo código;

6. Não consta, porém, desta última norma legal, qualquer limite máximo de tempo, para a vigência de tal causa de suspensão do procedimento criminal, e nem para a causa de suspensão prevista, a contumácia (tal limite apenas se prevê para a situação previsto na alínea b), da mesma norma);

7. A Lei nº. 19/2013, de 21/02, alterou o disposto no referido artigo 120º., no que concerne à situação de contumácia, como causa de suspensão do procedimento criminal, estabelecendo um prazo máximo, de cinco anos, mas mantendo a ausência de prazo máximo, quanto ao disposto na referida alínea d), bem como relativamente às causas previstas nas alíneas a) e f), do mesmo artigo;

8. E se tal assim foi legislado é porque foi essa a vontade do legislador, ou seja, a não notificação da sentença ao arguido, julgado na ausência, implica a suspensão do procedimento criminal, o qual fica indefinidamente suspenso;

9. Não pode ser aplicado, ao caso dos autos, o disposto o artigo 120º., nº. 1, alínea d), na redação atual, tal como o foi, por analogia, aplicando um termo máximo, de cinco anos, de prazo de suspensão da prescrição do procedimento criminal, este, apenas previsto para a situação de contumácia, até porque não se trata da norma aplicável no tempo;

10. Só seria aplicável a lei atual se o referido artigo 120º., na redação dada pela Lei nº. 19/2013, de 21/02, previsse um prazo máximo para a causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal, em causa, a não notificação da sentença ao arguido julgado na respetiva ausência, então seria de aplicar tal norma, nos termos do disposto no artigo 2º., do Código Penal, devendo ser aplicada ao arguido, a lei penal mais favorável;

11. De contrário, e como sucede no caso, não havendo previsão de termo máximo, relativamente à mesma causa de suspensão, então não há qualquer razão para a não aplicação da referida lei aplicável, vigente, à data da prática dos factos, portanto, o disposto, além do mais, no artigo 120º., alínea d), do Código Penal, na versão introduzida pela Lei nº. 65/98, de 02/09;

12. Todavia, o tribunal “a quo” foi colher argumentos, referentes à situação de contumácia, como causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal, por analogia, ao disposto no artigo 120º., do Código Penal, na redação atual, quando é certo que nem sequer é esse o regime aplicável ao caso “sub judice”, tratando-se, além do mais, de erro de aplicação da lei no tempo;

13. Sendo o artigo 120º., alínea d), do Código Penal, na versão introduzida pela Lei nº. 65/98, de 02/09, a norma aplicável, no caso, não pode pretender-se a integração de suposta lacuna, por analogia, quanto ao prazo máximo de suspensão, no caso “sub judice”, pois que o legislador, expressamente, não quis estabelecer, para essas situações, qualquer prazo máximo, assim como não o quis, para a situação de contumácia como causa de suspensão do procedimento criminal;

14. Ainda que tal assim não fosse, certo é que, entre a situação de contumácia e a situação de falta de notificação da sentença, do arguido, julgado na ausência, a situação de similitude consiste, apenas, de em ambos os casos, se desconhecer o paradeiro do arguido (o que originou uma causa de suspensão de prescrição do procedimento criminal), mas com implicações e efeitos distintos, decorrentes do estado do processo, tratando-se de fases processuais completamente distintas;

 15. A causa de suspensão, falta de notificação da sentença ao arguido, julgado na ausência, sem prazo máximo, visa sancionar um comportamento revel do arguido, que o legislador, expressamente, pretendeu punir, tanto na versão anterior do artigo 120º., alínea d), do Código Penal (dada pela referida Lei nº. 65/98, de 02/09), a aplicável ao caso concreto, como na versão atual do mesmo preceito legal (na redação da Lei nº. 19/2013, de 21/02);

16. Daí que, pelo despacho recorrido pretendeu-se aplicar, através de implícita analogia, um entendimento contrário à lei penal, o disposto no referido artigo 120º., alínea d), do Código Penal (nas duas versões referidas), entendimento que também não é compatível com o regime penal da suspensão da prescrição do procedimento criminal, nem à data dos factos, nem à data da sentença proferida e nem atualmente.

17. Pelo exposto, contrariamente ao decidido no despacho recorrido, sendo que a douta sentença, proferida a 05/07/2004, ainda não pôde ser notificado ao arguido, A... , julgado na respetiva ausência, o procedimento criminal instaurado contra o mesmo, pela prática do aludido crime de furto, p. e p. pelo artigo 203º., nº. 1, do Código Penal, mantém-se suspenso, ao abrigo do disposto no artigo 120º., alínea d), do mesmo código, na redação dada pela Lei nº. 65/98, de 02/09;

18. Daí que, e com tais fundamentos, não se encontrando prescrito o procedimento criminal instaurado contra o arguido, deverá ser determinado o prosseguimento dos autos;

 19. Destarte, o douto despacho proferido violou o disposto nos artigos 118º., nº. 1, alínea c), 120º., nº. 1, alínea d), 120º., nº. 3, 121º., nº. 3, e 203º., nº. 1, todos do Código Penal, na redação dada pela Lei nº. 65/98, de 02/09, bem o disposto no artigo 120º., nº. 1, alínea d), do mesmo código, na redação introduzida pela Lei nº. 19/2013, de 21/02.

Nestes termos, e nos mais que Vossas Excelências suprirão, deve ser dado provimento ao recurso e, consequentemente, revogado o despacho recorrido, determinando-se o prosseguimento dos autos.

Vossas Excelências, porém, e como sempre, farão justiça!»

3. O arguido não respondeu ao recurso.

4. Nesta instância, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que alude o artigo 416.º do Código de Processo Penal([1]), acompanhando a posição do Ministério Público na 1ª instância, emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP, não houve resposta.

6. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência para decisão.

                                                      *

II - FUNDAMENTAÇÃO

1. O despacho recorrido

«O arguido A... foi julgado na sua ausência (fls. 56 a 58 e 68) e condenado por sentença de 05.07.2004, por incorrer na prática de um crime de furto, na pena de 80 dias de multa à taxa diária de €3,00 (fls. 66).----------

Os factos foram praticados a 17.03.2003 (fls. 62).--------------

A sentença não chegou ainda a ser notificada ao arguido.------------

Tendo em conta a pena abstracta do tipo legal em presença, o prazo de prescrição do procedimento criminal é de 5 anos (art.ºs 203º-1 e 118º-1-c) do C. Penal).-------------

Suscita-se a questão da prescrição do procedimento criminal uma vez que o respectivo prazo a considerar para o efeito decorreu antes de se operar a notificação da sentença na pessoa do arguido, razão por que, se bem se ajuíza, não nos encontramos na fase de eventual prescrição da pena (a qual só pode computar-se após a notificação da sentença: art.º 122º-2 do C. Penal), mas sim no plano, processualmente prévio, do procedimento criminal.---------

Preceitua o art.º 121º-3 do C. Penal que “…a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade…”.--------------

Preceitua também o art.º 120º-1-d) do C. penal que “a prescrição do procedimento criminal se suspende (…) durante o tempo em que: (…) d) a sentença não puder ser notificada ao arguido julgado na ausência”.-------------

Nos casos de contumácia, a lei, no art.º 120º-3 do C. Penal (desde a redacção dada pela Lei n.º 19/2013, de 21-02), quebrando com a anterior formulação, preceitua que o processo não pode estar suspenso indefinidamente, pelo que veio estabelecer um limite à suspensão ocasionada com a contumácia, sendo hoje o limite igual ao prazo normal de prescrição; se este fosse o nosso exemplo, então o prazo de suspensão não poderia ser superior a 5 anos.--------------

Mas não é este o nosso caso, por não estarmos perante uma situação de contumácia, mas de sentença não notificada, não ressalvando a lei qualquer limite máximo para a suspensão do prazo prescricional para esta hipótese.-----------------

O que sucede no caso dos autos é que o processo pode arrastar-se pendente e ficar indefinidamente suspenso enquanto a sentença não for notificada ao arguido julgado na ausência.---

Pensamos que existe identidade de razões, portanto é possível utilizar um argumento a pari, nas duas situações ocasionadoras de suspensão: quer a contumácia (cujo limite é o do prazo da prescrição respectivo: 5 anos, 10 anos, etc…), quer a não notificação de arguido julgado na ausência.---------------

Porquê? – porque em primeiro lugar se trata de uma interpretação favor reo e, depois, em segundo lugar, trata-se de duas situações que exprimem uma ausência processual do arguido em tudo idêntica: de um lado, a contumácia (o arguido tem o seu paradeiro desconhecido; de outro, a frustração da notificação da sentença por desconhecimento do paradeiro do arguido); então se assim é, por que razão se hão-de tratar de forma diferente situações análogas, sendo certo que uma interpretação literal do art.º 120º-1-d) do C. Penal – que consubstancia norma de cariz processual material - pode ocasionar uma situação, na prática, de imprescritibilidade do crime, sem fundamento legal e constitucional que a sustente, sendo, claramente, uma solução contra reum, violadora dos princípios constitucionais, não podendo colher o argumento de que o processo deve ficar indefinidamente suspenso por radicar na culpa do arguido – que não poderá de ser considerada como uma fictio juris - em não se apresentar em juízo para ser notificado da sentença.----------

Assim, no caso dos autos, se considerarmos, por identidade de razões, o limite de 5 anos para a situação de não notificação da sentença ao arguido como limite máximo para a suspensão por essa causa, por interpretação enunciativa (ou até correctiva, se se preferir) por argumento a pari, importa considerar que o procedimento criminal prescreveu ao termo de 12 anos e 6 meses, isto é, tendo em conta o prazo normal de prescrição (=5A), acrescido de metade (=2A+5m) e acrescendo o prazo máximo da suspensão que concretamente se fixa, por identidade de razões, com a referida situação de contumácia (=5A), como supra se disse.----------------

Considerando a data da prática dos factos, acima indicada - 17.03.2003 - conclui-se que, na presente data, o procedimento criminal se mostra extinto, desde 17.09.2015.--------------

Nesta medida, declara-se extinto, por efeito da prescrição, o procedimento criminal instaurado nestes autos contra o indicado arguido A... , determinando-se, após trânsito, o arquivamento dos autos.--------

Notifique.---------

Oportunamente, remeta boletim.---------------

Sem efeito a rogatória.--------------

Oportunamente, arquivem-se os autos.--»

*

2. Apreciando

Como é sabido, o âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso.

Assim, a questão a decidir consiste em saber se decorreu o prazo de prescrição do procedimento criminal instaurado contra o arguido nos presentes autos.

Para uma melhor compreensão importa fazer um historial do processo.

Por sentença proferida em 5/7/2004, o arguido foi condenado, como autor de um crime de furto simples, previsto e punido pelo artigo 203.º, do Código Penal, na pena de oitenta dias de multa, à taxa diária de três euros, perfazendo o montante de duzentos e quarenta euros, com referência a factos ocorridos a 17/3/2003 (fls. 61 a 67).

Apesar de regularmente notificado, o arguido não esteve presente na audiência de julgamento, tendo sido julgado na sua ausência, assim como não esteve presente na leitura da sentença (fls. 4, 33 e verso, 36 a 37, 42, 56 a 58 e 68).

Após a realização de diversas diligências conducentes ao apuramento do paradeiro do arguido com vista à sua notificação da sentença, o arguido veio a ser localizado, em 12/08/2015, em Bucareste, na Roménia, na sequência do que o Ministério Público promoveu a expedição de carta rogatória às Autoridades Judiciárias da Roménia para a notificação pessoal, da sentença, ao arguido, o que foi deferido por despacho de 11/09/2015 (fls. 260 a 262).

Em 16/09/2015, sendo os autos conclusos por ordem verbal, foi decidido dar sem efeito a expedição da carta rogatória e determinar que os autos fossem continuados com vista ao Ministério Público para ponderar a eventual prescrição do procedimento criminal, atenta a data da prática dos factos (fls. 265).

O Ministério Público, considerando verificar-se a causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal, prevista no artigo 120.º, n.º 1, d), do Código Penal, por a sentença ainda não se encontrar notificada ao arguido, julgado na ausência, em relação à qual não estipula a lei qualquer prazo máximo, promoveu o prosseguimento o prosseguimento dos autos, tendo então sido proferido o despacho recorrido que declarou extinto, por efeito da prescrição, o procedimento criminal instaurado nestes autos contra o arguido (fls. 267 a 268 e 269 a 270).

A divergência que existe entre a posição do recorrente e o entendimento do despacho recorrido prende-se com a aplicação, na situação de não notificação da sentença ao arguido julgado na ausência, do limite máximo previsto para a suspensão do prazo prescricional decorrente da declaração de contumácia.

O despacho recorrido, louvando-se na alteração legislativa ocorrida, através da Lei n.º 19/2013, de 21/02, no instituto da prescrição, designadamente ao estabelecer um limite máximo para a suspensão do procedimento criminal decorrente da declaração de contumácia, considerou aplicável «por identidade de razões, o limite de 5 anos para a situação de não notificação da sentença ao arguido como limite máximo para a suspensão por essa causa, por interpretação enunciativa (ou até correctiva, se se preferir) por argumento a pari».

Nestes termos, considerando a data da prática dos factos (17/03/2003) e o prazo normal de prescrição de 5 anos, acrescido de metade e do prazo máximo da suspensão fixado, concluiu que o procedimento criminal se mostra extinto desde 17/09/2015.

A este respeito dir-se-á, ressalvado sempre o devido respeito por diversa opinião, que não acompanhamos a posição defendida no despacho recorrido.

A prescrição do procedimento criminal, numa perspectiva substantiva, radica no esbatimento do juízo de censura e das exigências de prevenção especial e de prevenção geral positiva causados pelo decurso do tempo sobre a prática do facto.

Como ensina Figueiredo Dias são exigências político-criminais ancoradas na teoria das finalidades das sanções criminais e correspondentes à consciência jurídica da comunidade que justificam a limitação temporal da perseguibilidade do facto típico.

Numa perspectiva adjectiva ou processual, o instituto encontra a sua justificação nas dificuldades acrescidas que o decurso do tempo trás à investigação do facto e da culpa do agente, potenciando o erro judiciário([2]).

Como é sabido, se a prescrição respeita a momento anterior ao trânsito em julgado da decisão está-se numa situação de prescrição do procedimento criminal, enquanto se for posterior àquele momento então é caso para aludir à prescrição da pena.

Pode por isso afirmar-se que as duas espécies de prescrição se justapõem, no sentido de que uma delas começa no preciso momento em que a outra termina, isto é, com o trânsito em julgado da decisão([3]).

Os factos pelos quais foi o arguido condenado, como autor de um crime de furto, p. e p. pelo artigo 203.º do Código Penal, ocorreram, nos termos da sentença condenatória, no dia 17 de Março de 2003.

Tal crime é punível com moldura penal abstracta de prisão até 3 anos ou multa até 360 dias, pelo que é de 5 anos o respectivo prazo de prescrição do procedimento criminal, conforme se estabelece no artigo 118.º, n.º 1, c), do Código Penal, prazo que, nos termos do disposto no artigo 119.º, n.º 1 do mesmo código, começou a correr a 17 de Março de 2003.

O curso da prescrição pode ser suspenso ou interrompido nas situações previstas nos artigos 120.º e 121.º do Código Penal.

Na suspensão, o tempo decorrido antes da verificação da sua causa conta para a prescrição, juntando-se com o tempo decorrido após a mesma (essa causa) ter desaparecido.

Diversamente, na interrupção, o tempo decorrido antes da verificação da sua causa fica sem efeito, começando a correr novo prazo de prescrição depois de cada interrupção.

De qualquer modo, a prescrição do procedimento criminal terá sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvando o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal acrescido de metade – artigo 121.º, n.º 3 do Código Penal.

Na versão do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15/03, consagrava-se no artigo 120.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal, que o prazo de prescrição do procedimento criminal se suspendia enquanto vigorasse a declaração de contumácia, não estando previsto qualquer prazo máximo para a suspensão, a não ser no caso da alínea b), em que se impunha, no seu n.º 2, o limite de três anos.

Daí que Germano Marques da Silva entendesse que «[d]a conjugação da alínea c) do n.º 1 do art. 120.º com a alínea c) do n.º 1 do art. 121.º resulta que enquanto vigorar a declaração de contumácia não pode ocorrer a prescrição. Temos assim que em caso de declaração de contumácia e enquanto ela durar os crimes não prescrevem.»([4]).

No mesmo sentido Paulo Pinto de Albuquerque anotava que «[n]o caso da al.ª a) do n.º 1, o prazo máximo para a suspensão da prescrição resulta do disposto no artigo 7.º do CPP, ou seja, um ano. No caso da al.ª b) do n.º 1, o prazo máximo é de 3 anos. (…). Nos casos das al.ª c), d) e e) do n.º 1 do artigo 120.º, não há prazo máximo para a suspensão da prescrição. Portanto, verificando-se o facto suspensivo, o processo permanece indefinidamente suspenso até que cesse o facto suspensivo. Esta suspensão do prazo não é inconstitucional, em face do artigo 2.º da CRP, na medida em que se deve a facto imputável ao arguido.»([5]).

A Lei n.º 19/2013, de 21/02, veio dar nova redacção ao artigo 120.º do Código Penal, mantendo a declaração de contumácia como causa de suspensão da prescrição – alínea c) do n.º 1 – mas consagrando agora no seu n.º 3 que «no caso previsto na alínea c) do n.º 1 a suspensão não pode ultrapassar o prazo normal de prescrição».

Como assinala António Latas, no estudo As alterações ao Código Penal introduzidas pela Lei 19/2013, de 21 de Fevereiro, «no que concerne ao instituto da prescrição, as alterações da Lei 19/2013 consistem na introdução de quatro novas disposições, sendo uma delas no sentido do encurtamento do período de suspensão anteriormente previsto e as três restantes de sinal contrário.

O encurtamento do período de suspensão tem lugar nos casos de suspensão do procedimento criminal pelo tempo em que “Vigorar a declaração de contumácia”, dispondo agora o novo n.º 3 do art. 120.º que naqueles casos a suspensão não pode ultrapassar o prazo normal de prescrição. Estabelece-se assim um limite onde antes não existia nenhum, situação que impedia, por um lado, o arquivamento de processos que permaneciam pendentes durante anos na sequência de declaração de contumácia e permitia, por outro, que o julgamento pudesse ter lugar muitos anos depois dos factos, com os inerentes inconvenientes de ordem processual de que pode destacar-se as dificuldades de acesso à prova e a qualidade da mesma. Mas também problemas de ordem substantiva nos casos em que, sendo possível aceder a prova incriminatória suficiente para a condenação, esta tinha lugar muitos anos decorridos desde os factos, verificando-se eventual desadequação da resposta penal assim obtida às finalidades das penas, máxime a reintegração do agente na sociedade ou o restabelecimento da paz social, operando por vezes o julgamento tardio como fator de perturbação e não de recuperação da paz social abalada com a prática do crime.»([6]).

No caso em apreço, não restam dúvidas de que estamos perante uma situação de sentença não notificada a arguido julgado na ausência, que constitui a causa de suspensão do procedimento criminal prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 120.º do Código Penal.

O artigo 120.º, contrariamente a outras situações, não estabelece qualquer limite máximo para a suspensão da prescrição do procedimento criminal no caso da alínea d) do seu n.º 1.

O legislador, que certamente não desconhecia a inexistência de qualquer limite máximo à suspensão da prescrição nesta situação, através da Lei n.º 19/2013, de 21/02, introduziu um limite máximo para a suspensão do prazo prescricional decorrente da declaração de contumácia, mas deixou intocada a situação prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 120.º do Código Penal, quando poderia, caso fosse essa a sua intenção, ter igualmente estabelecido um prazo máximo para a suspensão nesta situação.

Não tem razão de ser, por conseguinte, a identificação de qualquer lacuna quanto ao prazo máximo de suspensão, em relação à alínea d) do n.º 1 do artigo 120.º, que tenha de ser integrada por analogia, já que o legislador, com toda a clareza, não quis estabelecer, para essa situação, qualquer prazo máximo, ao contrário do que sucedeu em relação à situação de contumácia.

Aliás, como refere Germano Marques da Silva, «[e]m matéria penal e sobre causas relativas à punibilidade do facto é doutrina assente que não há lugar a lacunas e consequentemente não há lugar para integração por analogia»([7]).

Sendo a prescrição do procedimento criminal um instituto também de natureza substantiva, não prevendo a lei qualquer limite máximo para a suspensão do procedimento criminal, no caso da alínea d) do n.º 1 do artigo 120.º do Código Penal, não se pode fazer uma interpretação de forma colmatar lacunas, sob pena de violação do princípio da legalidade.

Uma interpretação das leis penais sobre a prescrição do procedimento criminal, quer relativa a prazos, quer relativa às condições de interrupção ou de suspensão, para além destes parâmetros, viola o princípio constitucional da legalidade previsto no artigo 29.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.

Donde se conclui que, ao contrário do decidido no despacho recorrido, a prescrição do procedimento criminal não se consumou por se verificar a causa de suspensão prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 120.º do Código Penal, em relação à qual a lei não estabelece qualquer prazo máximo.

Procede, portanto, o interposto recurso.

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III – DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente o recurso interposto pelo Ministério Público e, por via disso, revogando-se o despacho recorrido, ordenar o prosseguimento dos autos nos termos anteriormente decididos.

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Sem tributação.

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(O acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do artigo 94.º, n.º 2 do CPP)

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Coimbra, 15 de Junho de 2016

(Fernando Chaves - relator)

(Orlando Gonçalves - adjunto)


[1] - Diploma a que se referem os demais preceitos legais citados sem menção de origem.
[2] - Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, páginas 699 e 700.
[3] - Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, pág. 699.
[4] - Direito Penal Português, III, Verbo, 2.ª edição, pág. 258.
[5] - Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 2ª edição actualizada, pág. 380, anotação 10 ao artigo 120.º.
[6] - Disponível em www.tre.mj.pt.
[7] - Prescrição dos Processos Penais, in Forum Iustitiae, Direito & Sociedade, n.º 10, Abril de 2000, pág. 14.