Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
265/19.4T8SRE.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: PESSOAS COLETIVAS IPSS
ISENÇÃO DE CUSTAS PROCESSUAIS
Data do Acordão: 11/13/2019
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUÍZO DE EXECUÇÃO DE SOURE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 4º, Nº 1, AL. F) DO REG. CUSTAS PROCESSUAIS (DEC. LEI Nº 34/2008, DE 26/2).
Sumário: I - O art.4º, nº 1, alínea f) do RCP dispõe que
“1 - Estão isentos de custas:

(…)

f) As pessoas colectivas privadas sem fins lucrativos, quando actuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável”.

II - Estamos perante uma isenção subjectiva, mas limitada a determinados actos (“quando actuem…”).

III - Quando a lei postula o carácter exclusivo (“actuem exclusivamente”), reporta-se à finalidade e objectivos (da própria pessoa colectiva, plasmados estatutariamente) e há situações em que a defesa do interesse estatutário só se alcança de forma indirecta ou instrumental, pois de contrário seria neutralizar a própria norma.

IV - Sendo a exequente uma pessoa colectiva sem fins lucrativos, comprova-se que um dos objectivos estatutários passa pela “Assistência à Criança com creche, Jardim Infantil e Tempos Livres”, e uma das receitas da instituição é constituída também pelos “rendimentos dos serviços e as comparticipações dos utentes” (art.9º, c) dos Estatutos).

V - Neste contexto, deve aceitar-se que a execução (pagamento forçado) se inscreve ainda na defesa dos “interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto”, e defesa exclusiva porque o único objectivo com a execução é este e não outro, e daí a isenção de custas, nos termos do art.4º, nº 1, f) do RCP.

Decisão Texto Integral:











            1.- A exequente Fundação N... instaurou acção executiva para pagamento de quantia certa contra os executados T... e A...

            Com fundamento na sentença de 12/9/2018 que condenou os aqui executados a pagar à exequente do montante de €80,00 de capital e €7,45 de juros de mora vencidos (“decorrente do fornecimento de serviços de “creche” prestados à filha menor de ambos, A...“), reclamou o pagamento da quantia de €90,35.

            Alegando e demonstrando ser uma Instituição Particular de Solidariedade Social requereu a isenção de custas, nos termos do art. 4º, nº 1, f) do RCP.

            2.- Por despacho de 3/6/2019 decidiu-se não reconhecer à exequente a isenção do pagamento de custas na acção executiva e indeferir liminarmente o requerimento executivo.

            Argumentou-se, em síntese, que a exequente “não se encontra a actuar exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão conferidos pelo seu estatuto ou nos termos da legislação que lhe é aplicável” e não juntou documento comprovativo da concessão do apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento da taxa de justiça e demais encargos.

            3. Inconformada, a exequente recorreu de apelação, em cujas conclusões sustenta ter aplicação a isenção de custas prevista no art.4º, nº 1, f) RCP, visto que a exequente é uma pessoa colectiva sem fins lucrativos e a execução foi instaurada com vista à defesa dos interesses conferidos pelo respectivo estatuto (“assistência à criança com creche, jardim de infantil e tempos livres“), sendo a decisão inconstitucional por violação dos arts. 80º, b) e 82º, nº 3, d) CRP.

            Não houve contra-alegações.

            4.- O recurso é adequado sendo julgado sumariamente, atenta a simplicidade da questão (art.656 CPC).

            5.- Está comprovado que:

            A exequente Fundação de N... é um Instituição Privada de Solidariedade Particular, e tem por objectivo estatutário “contribuir para a promoção dos direitos sociais  e melhoria das condições de vida das populações da freguesia de ... e limítrofes, designadamente nas áreas da saúde, solidariedade social, assistencial e outras congéneres” (art.4º ) e para a realização dos seus objectivos a instituição propõe-se criar e manter “Assistência à criança com Creche, Jardim Infantil e Tempos Livres “ (art.5º, b)).

            Por sentença de 12/9/2018, os executados foram condenados a pagar à exequente “o montante de €80,00, a título de capital, e de €7,45 a título de juros de mora vencidos, bem assim juros vincendos após a propositura da acção, decorrente do fornecimento de serviços de “creche” prestados à filha menor de ambos, A...”

            6.- Problematiza-se no recurso a questão de saber se a exequente beneficia da isenção de custas, nos termos do art.4º, nº 1, f) do RCP, e se há fundamento para o indeferimento liminar.

            O requerimento executivo deve ser acompanhado do comprovativo da taxa de justiça devida ou da concessão do benefício do apoio judiciário (art.724º, nº 4, c) CPC), cuja omissão implica a recusa justificada do recebimento pela secretaria (art.725º, nº 1, e) CPC), havendo reclamação para o juiz (art.725º, nº2 CPC).

            Na situação dos autos a exequente requereu a isenção das custas e a secretaria abriu conclusão por ter dúvidas sobre a isenção da taxa de justiça, em face do estatuto da exequente.

O Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo DL nº 34/2008, de 26/2, procedeu a uma “Reavaliação do sistema de isenção de custas”, reduzindo as anteriores situações, como se afirma categoricamente no preâmbulo do diploma legal (“Por fim, procurou ainda proceder-se a uma drástica redução das isenções, identificando-se os vários casos de normas dispersas que atribuem o benefício da isenção de custas para, mediante uma rigorosa avaliação da necessidade de manutenção do mesmo, passar a regular-se de modo unificado todos os casos de isenções”).

            O art.4º, nº 1, alínea f) do RCP dispõe que

“1 - Estão isentos de custas:

(…)

f) As pessoas colectivas privadas sem fins lucrativos, quando actuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável”.

Estamos perante uma isenção subjectiva, mas limitada a determinados actos (“quando actuem…”). Ora, a dificuldade está, por vezes, em definir os casos ou situações em que se deve aplicar, devido à abrangência do espectro normativo e sua indeterminação (cláusula geral),  e esta aporia é bem visível na escassa jurisprudência sobre a interpretação e aplicação da norma, onde se tem decidido, por exemplo, que a isenção não abrange as acções emergentes do contrato de trabalho propostas contra a pessoa colectiva, ou que a prossecução do fim não pode ser instrumental.

Quando a lei postula o carácter exclusivo (“actuem exclusivamente”), reporta-se à finalidade e objectivos (da própria pessoa colectiva, plasmados estatutariamente) e há situações em que a defesa do interesse estatutário só se alcança de forma indirecta ou instrumental, pois de contrário seria neutralizar a própria norma.

Além disso, na dúvida deve fazer-se uma interpretação “pro actione” em conformidade com a Constituição, e, por isso, mais favorável, ou seja, a que melhor garanta o direito fundamental de acesso e à tutela judicial efectiva.

Sendo a exequente uma pessoa colectiva sem fins lucrativos, comprova-se que um dos objectivos estatutários passa pela “Assistência à Criança com creche, Jardim Infantil e Tempos Livres”, e uma das receitas da instituição é constituída também pelos “rendimentos dos serviços e as comparticipações dos utentes” (art.9º, c) dos Estatutos).

Na execução, e em face do título executivo, reclama-se o pagamento devido pelo pagamento dos serviços da creche da filha menor dos executados.

Neste contexto, deve aceitar-se que a execução ( pagamento forçado) se inscreve ainda na defesa dos “interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto”, e defesa exclusiva porque o único objectivo com a execução é este e não outro, e daí a isenção de custas, nos termos do art.4º, nº1, f) do RCP.

7.- Pelo exposto, decide-se:

Julgar procedente a apelação e revogar o despacho recorrido, declarando-se que a exequente beneficia da isenção de custas nos termos do art.4º, nº 1, f) do RCP.

Sem custas.

Coimbra, 13 de Novembro de 2019.

Jorge Arcanjo