Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | TELES PEREIRA | ||
Descritores: | APOIO JUDICIÁRIO INTERRUPÇÃO PRAZO CONTESTAÇÃO | ||
Data do Acordão: | 10/01/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COMARCA DO BAIXO VOUGA – JUÍZO DE MÉDIA E PEQ. INST. CÍVEL DE ÁGUEDA | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTº 24º, Nº 3 DA LEI Nº 34/2004, DE 29/07. | ||
Sumário: | I – A interrupção do prazo para contestar decorrente da apresentação de requerimento de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, prevista no artigo 24º, nº 3 da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, só se torna efectiva como interrupção desse prazo, no caso de ao requerente ser nomeado mandatário, pela apresentação da contestação por esse mandatário. II – Assim, se os requerentes dessa nomeação, dela fazendo descaso, constituem paralelamente um mandatário voluntário, sendo este quem apresenta a contestação no prazo que caberia, em função da interrupção, ao patrono oficioso, considera-se essa contestação extemporânea, devendo ser mandada desentranhar. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I – A Causa 1. Em 18/11/2011[1], o Banco M…, S.A. (A. e aqui Apelado) demandou S… e a sua mulher, E… (RR. e aqui Apelantes), invocando a celebração com estes de um contrato de mútuo de cujas vicissitudes teria emergido um crédito em favor do Banco A. de €10.635,12, pedindo a condenação dos RR. em tal valor. 1.1. Citados para contestar, apresentaram os RR. ao Tribunal, em 16/12/2012, o requerimento de fls. 27, expondo o seguinte: Verifica-se do processamento subsequente (cfr. fls. 38/42) que essa pretensão de apoio judiciário foi deferida, tendo sido nomeados patronos oficiosos aos RR. 1.1.1. Entretanto – e trata-se do facto central do presente recurso –, em 28/02/2012, apresentaram os RR. contestação subscrita por Mandatário por eles constituído através da procuração de fls. 71 (cfr. fls. 76 quanto à data da apresentação da contestação), fazendo total descaso da nomeação dos patronos oficiosos já ocorrida e que já lhes havia sido notificada[3]. 1.2. Originou esta incidência a prolação do despacho de fls. 77/80 – sublinha-se corresponder este à decisão objecto do presente recurso – julgando a contestação extemporânea e mandando desentranhá-la[4]. 1.3. Inconformados, apelaram os RR. concluindo o seguinte a rematar a motivação do recurso adrede apresentada[5]: II – Fundamentação 2. Relatado o essencial do iter processual que conduziu à presente instância de recurso, cumpre apreciar os fundamentos da apelação, tendo em conta que as conclusões formuladas pelos Apelantes – transcrevemo-las no item 1.3. supra – operaram a delimitação temática do objecto do recurso, isto nos termos dos artigos 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do Código de Processo Civil (CPC)[6]. Com efeito, fora das conclusões só valem, nesta sede, questões que se configurem como de conhecimento oficioso (di-lo o trecho final do artigo 660º, nº 2 do CPC). Paralelamente, mesmo integrando as conclusões, não há que tomar posição sobre questões prejudicadas, na sua concreta incidência no processo, por outras antecedentemente apreciadas e decididas. E, enfim – esgotando a enunciação do modelo de construção do objecto de um recurso –, distinguem-se os fundamentos deste (do recurso) dos argumentos esgrimidos pelo recorrente ao longo da motivação, sendo certo que a obrigação de pronúncia do Tribunal ad quem se refere àqueles (às questões-fundamento) e não aos diversos argumentos jurídicos convocados pelo recorrente nas alegações. Como factos valem aqui as incidências processuais relatadas neste Acórdão ao longo do item 1., estando em causa actos documentados no processo e, por isso, evidenciados através deste. Resume-se o recurso à questão processual equacionada no despacho recorrido como fundamento da rejeição por extemporaneidade da contestação dos RR., subscrita pelo Mandatário por eles constituído, não obstante terem formulado pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono e, em função disso, terem desencadeado – se preferirmos, pretendido desencadear – a interrupção do prazo de contestação (como resulta do artigo 24º, nº 4 da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho). Entendeu o Tribunal – e é essa asserção que os Apelantes ora contestam – que este descaso pelos RR., implícito na constituição voluntária de Mandatário, da nomeação de patrono oficioso, entretanto realizada pela Segurança Social, neutralizava o aproveitamento por eles (RR.) da mencionada interrupção do prazo para contestarem a acção, colocando a respectiva contestação irremediavelmente fora de prazo. É este entendimento que nos cumpre sindicar. 2.1. A decisão apelada foi correcta, parecendo-nos até intuitiva a racionalidade e o carácter substancialmente justo do seu sentido prático: o de obstar à concretização de um efeito processual – o prolongamento do prazo de contestação em mais de sessenta dias que o previsto – totalmente irregular. Com efeito, obtendo-se a suspensão da contagem desse prazo com base num pressuposto (a necessidade de obtenção do patrocínio oficioso) do qual se vem a fazer posterior descaso, parece-nos evidente que o benefício dessa suspensão e consequente prolongamento de prazo da contestação nela envolvido, perde todo o sentido, emergindo, tão-somente, um efeito que cola a uma situação de fraude à lei. Não se afirma aqui que, conscientemente, tenha sido isso o que pretenderam os RR., mas as coisas valem, neste contexto, objectivamente, pelo fruto bom ou mau que produzem, pelo efeito prático que desencadeiam, independentemente da intenção em que assentaram. Ora, seja como for – seja lá como tenha sido no caso dos RR. –, esse efeito sempre corresponde exactamente ao que por este mesmo meio teria decorrido de um propósito pré-concebido de obter ilegitimamente o prolongamento do prazo legal (normal) de contestar uma acção deste tipo. Justifica-se, pois, a opção do Tribunal a quo de neutralizar o prazo alargado de contestação, concedido que fora esse alargamento em função de uma situação que, por opção dos RR., efectivamente não ocorreu – a necessidade de adjectivar o pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono –, sendo totalmente relevante e adequado à presente situação o precedente jurisprudencial persuasivo indicado pela Senhora Juíza a quo no despacho ora impugnado[7], que este Tribunal ora reitera. Aliás, para além da injustificada situação de privilégio que seria criada (tolerada) aos RR. aceitando o respectivo entendimento, estar-se-ia a pactuar com uma actuação processual absolutamente indesejável, dada a fortíssima potencialidade que apresenta de ser motivada pelo propósito de ultrapassar normas processuais imperativas, envolvendo uma conduta processual desvaliosa, por implicar um uso de meios processuais legítimos (a formulação de um pedido de nomeação de patrono, necessariamente associada à interrupção do prazo para contestar) em função de um fim processualmente ilegítimo (obter um prazo de contestação mais largo), correspondendo neste caso a uma situação de litigância de má fé do tipo da prevista no artigo 456º, nº 2, alínea d) do CPC[8]. A existência do perigo de ser propósito dos RR. esse fim ilegítimo, correspondente à má fé processual comportamental, é aqui relevante, já que o efeito (ilegítimo) associado a essa finalidade sempre seria alcançado pelos RR. a aceitar-se a respectiva contestação nas condições que aqui se configuraram. Ora, neste enquadramento, tem sentido convocar a essência profunda do instituto da litigância de má fé (artigo 456º do CPC), com o sentido em que o caracteriza Paula Costa e Silva, num estudo de referência[9]: Vale neste quadro, desde logo, o sancionamento directo, chamemos-lhe assim, referindo-nos à multa e, em certo sentido, à indemnização (artigos 456º, nº 1 e 457º do CPC). Mas vale, igualmente, com o sentido de evitação do resultado desvalioso, a reacção processual que se traduz no frustrar do efeito decorrente da (visado pela) conduta processual indevida, podendo esta reacção passar por consequências processuais do tipo das aqui desencadeadas através da exclusão dos autos da peça processual apresentada a culminar o uso desviado de regras processuais, com preclusão do direito de praticar o acto consubstanciado nessa peça. Valem estas considerações, pois, pela confirmação do entendimento da primeira instância. 2.2. Sumário elaborado pelo relator: III – Decisão 3. Assim, na improcedência da apelação, confirma-se a decisão recorrida. Custas do recurso a cargo dos Apelantes. (J. A. Teles Pereira - Relator) (Manuel Capelo) (Jacinto Meca) [1] Trata-se da data da propositura desta acção. Marca ela a aplicação à presente instância de recurso do regime processual decorrente do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto (v. os respectivos artigos 11º, nº 1 e 12º, nº 1). Não se aplica aqui, desta feita por estarem em causa, obviamente, decisões recorridas anteriores a 1 de Setembro de 2013, o texto do Novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho (v. os respectivos artigos 7º, nº 1 e 8º, cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, 2013, p. 15). [2] Os RR. anexaram a este requerimento (fls. 28/32 e 33/37) cópias dos formulários de “requerimento de Protecção Jurídica” apresentados à Segurança Social (a entidade competente para a decisão, nos termos do artigo 20º, nº 1 da Lei nº 34/20004, de 29 de Julho). [3] A contestação foi mandada desentranhar pelo despacho ora recorrido (cfr. termo de fls. 43) mas está disponível no suporte electrónico do histórico do sistema citius. [4] Aqui transcrevemos os elementos fundamentais em que se baseou o Tribunal a quo: “[…] Os réus requereram apoio judiciário, designadamente na modalidade de nomeação de patrono. Foi-lhes deferido o apoio nessa modalidade, tendo-lhes sido nomeado um patrono a cada um. Contudo, os réus vieram a constituir Mandatário voluntário, através da outorga da pertinente procuração. Pelo que se infere deste comportamento dos réus que os mesmos, afinal, não pretendem beneficiar do patrocínio judiciário que haviam requerido, cessando, pois, o apoio judiciário nessa modalidade. Importa, de seguida, retirar as devidas consequências da ineficácia do patrocínio judiciário requerido pelos réus. Estes viram o prazo da contestação interrompido apenas e só porque apresentaram comprovativo de haverem requerido patrocínio judiciário na pendência da acção, nos termos do art.º 24º, nº 4 da Lei nº 34/2004. Ora, sucede que se vem a verificar que, afinal, essa interrupção do prazo para contestação era desnecessária, não podendo aproveitar aos réus para apresentar a contestação subscrita por um Mandatário constituído. Assim, ainda que por qualquer razão o beneficiário do apoio judiciário na modalidade de patrocínio judiciário, possa prescindir deste benefício, constituindo Mandatário, não pode, neste caso, continuar a usufruir da interrupção do prazo que a lei excepcionalmente confere em caso de patrocínio judiciário requerido na pendência da acção. Isto posto, vejamos os prazos no caso concreto. Atento o valor da causa, o prazo da contestação era de 20 dias, sem qualquer dilação – cfr. art.º 1º, nº 2 do Regime Especial do DL nº 269/98 de 1/9, e art.º 4º do respectivo diploma preambular. Assim, uma vez que a citação efectuada em último lugar data de 30/11/2011, aproveitando a ambos os réus, atento o disposto no art.º 486º, nº 2 do CPC, o prazo da contestação terminava em 20/12/2011. Não valendo a interrupção do prazo requerida em função do patrocínio judiciário requerido pelos réus, ao qual estes renunciaram, ao constituírem Mandatário, é aquele o termo final relevante para a apresentação de contestação. É, pois, manifesta a extemporaneidade da contestação apresentada pelos réus, em 28/2/2012. |