Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
723/11.9T2AVR.A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARVALHO MARTINS
Descritores: INSOLVÊNCIA
EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
INDEFERIMENTO LIMINAR
PREJUÍZO
CREDORES
Data do Acordão: 11/08/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA - AVEIRO - J DO COMÉRCIO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.18, 158, 236, 237, 238, 239 CIRE
Sumário: 1. Os requisitos do indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante, previstos na 2ª parte da al. d) do n°1 do art. 238° do CIRE são cumulativos.

2. A inexistência de rendimento disponível no momento em que é proferido o “despacho inicial”, previsto no art. 239° do CIRE, não constitui fundamento, só por si, para se indeferir o pedido de exoneração do passivo restante.

3. Não o basta o simples decurso do tempo (seis meses contados desde a verificação da situação de insolvência) para se poder considerar verificado o requisito do prejuízo para os credores.

4. Enquanto requisito autónomo daquele indeferimento liminar, o prejuízo para os credores acresce aos demais requisitos, é um pressuposto adicional, que aporta exigências distintas das pressupostas pelos demais requisitos.

5. Ao estabelecer, como pressuposto do indeferimento liminar do pedido de exoneração, que a apresentação extemporânea do devedor à insolvência haja causado prejuízo aos credores, a lei não visa mais do que os comportamentos que façam diminuir o acervo patrimonial do devedor, que onerem o seu património ou mesmo aqueles comportamentos geradores de novos débitos (a acrescer àqueles que integravam o passivo que estava já impossibilitado de satisfazer).

Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A Causa:

M (…), insolvente melhor identificada nos autos em epígrafe referenciados, veio interpor RECURSO DE APELACÃO do despacho proferido (sobre o pedido de exoneração do passivo restante), alegando e formulando as seguintes conclusões:

A - Ora a Recorrente não concorda com o douto acordo proferido pelo Tribunal a quo, porquanto, considera que o pedido de exoneração do passivo restante deveria ter sido deferido, uma vez que não estão preenchidos os requisitos cumulativos do artigo 238.° n.°1 alínea d) do C.I.R.E.

B - A Recorrente apresentou-se à insolvência no dia 15 de Abril de 2011, pedindo ainda a exoneração do passivo restante.

C - Alegando para tanto que face à gravíssima situação financeira e económica que se assolou na sua vida, não vislumbraria que viesse a gerar activos futuros suficientes para saldar todas as suas dividas.

D - Ainda a Recorrente não forneceu por escrito com dolo grave, nos três anos anteriores aos da apresentação à insolvência, informações falsas ou incompletas sobre as circunstâncias económicas com vista à obtenção de crédito.

E - Destarte, caso assim não fosse, as instituições bancárias não teriam proporcionado o recurso ao crédito bancário como até então proporcionaram.

F -A 28 de Abril de 2011 foi declarada insolvente a aqui Recorrente.

G - Na assembleia de 16 de Junho de 2011, ouvidos os credores, Deutshe Bank Portugal, SA, Montepio, BPN, BCP e Caixa de Crédito Agrícola, vieram pugnar pela não procedência do pedido de exoneração do passivo restante fundamentando-se no artigo 238.° n.° 1 alínea d) do C.I.R.E

H - O Sr. Administrador da Insolvência pronunciou-se, no relatório a que alude o artigo 155° do C.I.R.E., no sentido de que deve ser concedida a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos nos cinco anos posteriores ao encerramento, considerando ao que tudo indica, tornar-se-á inútil manter a Insolvente manietada por dívidas que jamais conseguirá pagar, concluindo que a “ausência de perspectivas de melhoria a curto prazo da sua situação financeira militam no sentido da exoneração do passivo restante”

- A Recorrente não incumpriu com o dever de se apresentar à insolvência, pois só a partir do final do ano de 2010 é que houve um incumprimento definitivo perante todos os credores

J - O que quer dizer que em Abril de 2011 a Recorrente ainda estava no prazo de 6 meses de apresentação à insolvência.

K - A Recorrente desde que deixou de cumprir com as suas obrigações (prestações mensais) não ficou parada e tudo fez para conseguir liquidez para saldar a totalidade das dívidas aos credores, nomeadamente recorrendo a ajuda de familiares e amigos mais próximos.

L - Só a partir do momento em que a Recorrente sabe que não consegue obter mais ajuda é que sabe efectivamente que não vai cumprir com os seus débitos.

M - A Recorrente não concorda com a decisão do Tribunal a quo porque entende que o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante previsto na alínea d) do n.° 1. do artigo 238.° do C.I.R.E. implica que haja, consequentemente, a verificação dos três requisitos/condições ali previstas.

N - Como resulta do artigo 18° n.°2. do C.I.R.E.. não estão sujeitas ao dever de apresentação à insolvência as pessoas singulares que não sejam titulares de uma empresa na data em que incorram em situação de insolvência

O - A mera constatação de que a apresentação à insolvência devia ter sido anterior ao que foi, e que por esse facto veio a agravar a posição de todos os respectivos credores, não basta por si só para estarmos perante o caso previsto no artigo 238.° n.°1, alínea d) do C.I.R.E.

P - Apesar de os credores se terem oposto ao pedido de exoneração do passivo restante invocando que a situação da Recorrente lhes provocou prejuízo, tem os mesmos de se fazerem valer de provas que constatem verdadeiramente a situação agravante que a Recorrente lhes causou. o que não aconteceu.

Q - Na verdade, os credores limitaram-se a fundamentar a sua oposição invocando a alínea d) do artigo já anteriormente mencionado o que, por si só, não é viável e não demonstra qualquer facto consistente que os sofreram prejuízos pela conduta da Recorrente.

R - Ora, neste patamar é imperativo transcrever o Acórdão supra referido “Claro que se pode perspectivar em abstracto a possibilidade de o retardamento na apresentação ser só por si gerador desse prejuízo, mas o que exige o preceito é um prejuízo efectivo para os credores que tem, assim, de ser por eles alegado”. Dizem Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE Anotado, II, p. 190, que as demais alíneas do n.° 1 do art. 238.º (excluída a al.a)), definem, embora pela negativa, requisitos de cuja verificação depende a exoneração, podendo reconduzir-se a três grupos diferentes, sendo que o constituído pelas als b), d) e e) respeita a comportamentos do devedor relativos à sua situação de insolvência e que para ela contribuíram de algum modo ou a agravaram. Por isso, não pode ser uma apreciação abstracta, mas concreta, baseada no alegado pelos credores ou que resulte objectivamente da atitude do devedor, que para se pronunciarem são ouvidos. Não tendo sido invocado o dito prejuízo, nem isso decorrendo do comportamento do insolvente, não pode aceitar-se a conclusão (...) de que ele existe.

S - A ser assim, o mero atraso na apresentação à insolvência não deve levar ao indeferimento liminar de que fala o artigo 238.° n.°1 alínea d) do C.I.R.E., de desacompanhado da constatação e efectivo prejuízo dele decorrente para os credores e da consciência da impossibilidade de melhoria da situação económica por parte do devedor.

T - No caso dos autos, os credores que se opuseram ao recebimento liminar do pedido não concretizaram qualquer prejuízo.

U - Como nos mostra o preceituado no artigo 239.° do C.I.R.E, para além do incumprimento de apresentação à insolvência no prazo de seis meses seguintes à verificação da respectiva situação torna-se necessário que daí advenha prejuízo para os credores e ainda que o devedor tenha consciência da impossibilidade de melhoria da situação económica por parte do devedor.

v - É necessário que o devedor saiba que a sua situação é definitiva no sentido de não ser alterável a curto prazo, ou que não possa deixar de sobre isso estar consciente, a não ser por inconsideração grave.

X - Para além destes requisitos cumulativos enunciados no artigo 238.° n.°1 alínea d) é necessário que tenha que existir - efectivamente - prejuízo dos credores.

Z - Não devia, assim, salvo melhor douto entendimento, o despacho ora recorrido ter-se alicerçado no prejuízo por parte dos credores “(e nem se diga que este sempre se verifica pela acumulação dos juros, já que tal seria esvaziar praticamente de conteúdo a possibilidade de exoneração do passivo restante, mais sendo certo que, ainda assim, sempre se teria que alegar e provar que não seria tal agravamento desmentido/compensado pelo ulterior decorrer dos autos, com a liquidação e pagamento)” - despacho proferido pelo Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, 5.° Juízo Cível.

AA - O douto despacho proferido pela Meritíssima Juiz do Tribunal a quo fez uma errada interpretação e aplicação do n.° 1 do artigo 18° do C.I.R.E. e alínea d) n.° 1 do artigo 238° do C.I.R.E., pelo que deverá ser revogado e ser deferido o pedido de exoneração do passivo restante.

Não foram produzidas contra alegações.

II. Os Fundamentos:

Colhidos os Vistos legais, cumpre decidir:

São ocorrências materiais, com interesse para a decisão da causa:

- Conforme documentos e informação pela própria prestada nos autos, para os anos de 2007, 2008 e 2009 a insolvente e o seu marido (…) declararam rendimentos no montante de, respectivamente, € 37.865,00, € 29.859,00 e € 31.523,00, o que corresponde a uma média (12 meses) de cerca de € 3.155,00, € 2.488,00 e € 2.626,00 de rendimentos mensais para cada um dos referidos anos;

- A partir de Julho de 2007 a insolvente e o respectivo cônjuge estavam onerados com encargo financeiro mensal no montante de € 2.540,00, correspondente à totalidade das prestações decorrentes dos contratos de crédito que até então haviam celebrado com instituições bancárias - Montepio (2002), BCP (2003), Deutsche Bank (Junho de 2006), BPN (Janeiro de 2007), CGD (Março de 2007) e Sofinloc (Julho de 2007);

- Considerando apenas as prestações devidas às ditas instituições bancárias, em 2007, dos rendimentos mensais que então auferiam restavam-lhes cerca de € 600,00 para prover às normais despesas do respectivo agregado familiar com alimentação, saúde, educação e vestuário,

- sendo que na altura já tinham ao seu encargo duas filhas menores, nascidas nos anos de 1998 e 2000.

- considerando as obrigações que ainda no ano de 2007 contraíram com particulares ((…), em Fevereiro de 2007, e (…), em Agosto de 2007), a partir de Agosto de 2007 aquele encargo mensal ascendia a € 3.140,00 (€300,00+€300,00),

- que só não absorveu a totalidade dos rendimentos de que dispunham porque não procederam ao pagamento de qualquer uma das prestações de € 300,00 mensais a que perante aqueles particulares se obrigaram a cumprir.

- Não obstante ter atingido o limite da taxa de esforço dos respectivos rendimentos e da constatação da situação de insolvência, manifestada pelo incumprimento das prestações devidas ao BCP desde Junho de 2008 (cfr. fls. 107, v°) e da ausência de pagamento de qualquer uma das prestações devidas aos particulares (no montante total de € 600,00),

- em Setembro de 2008, portanto, nos 3 anos anteriores ao início do processo de insolvência, a insolvente e o seu marido celebram novo contrato de mútuo, agora com a CCAM de Oliveira do Bairro, vinculando-se ao pagamento de prestação mensal no montante de € 1.388,00,

- prestação que deixaram de cumprir logo a partir de Dezembro desse mesmo ano.

- Tudo somado, até Setembro de 2008 os insolventes contraíram financiamentos pelos quais se obrigaram ao pagamento de prestações no montante mensal total de cerca de € 4.550,00.

- Do que resulta que a insolvente, conjuntamente cm o seu marido, foi contraindo créditos que sucessivamente foram agravando a respectiva taxa de esforço associada a qualquer financiamento em contraposição com os rendimentos auferidos e encargos já assumidos

 - e que, como era expectável e logo se concretizou, comprometeu o cumprimento das obrigações que anteriormente havia assumido;

- evidenciando situação de insolvência, constatada/manifestada, senão antes, pelo menos em Junho de 2008, data em que deixou de cumprir as prestações perante o BCP;

- o financiamento contraído pela insolvente em 2008 veio a agravar a posição de todos os respectivos credores, os já existentes e os que por força daquele passou a existir,

- mantendo-se o património e os rendimentos de que sempre dispôs com flutuações ente os € 3.155,00 e os € 2.626,00 de 2007 a 2009,

- revelado incompatível para, sem prejuízo do sustento minimamente condigno do respectivo agregado familiar, cumprir as prestações devidas ao BCP e aos particulares (…) e (…),

- sem dispor de meios para cumprir o novo contrato de financiamento até ao termo do plano prestacional pelo mesmo acordado,

- contrato que não teria celebrado se houvesse requerido a sua própria insolvência no prazo de 6 meses à verificação da mesma.

Nos termos do art. 684°, n°3, e 690°,n°1, do CPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do n°2, do art. 660°, do mesmo Código.

Decorrentemente, a questão noemática a decidir encerra, fundamentalmente, matéria de direito, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões da apelação, acima transcritas, excepção feita para o que for do conhecimento oficioso (cf. art.°s 660°, nº 2, 684° e 685°-A, do Código de Processo Civil), a todas se atribuindo o necessário enquadramento factual.

Impõe-se, assim, encontrar solução apenas para a seguinte questão:

1. Saber se, no caso, há - como considerou o tribunal recorrido -, ou não - como entende a recorrente -, fundamento para proferir despacho inicial de não admissão de exoneração do passivo restante, nos termos da al. d) do nº 1 do art.° 238° do CIRE (Código da insolvência e da Recuperação de Empresas)?

Apreciando, diga-se - convocando, para apreciação de tal jaez, apreciação também expressa no ACÓRDÃO DA RELAÇÃO DO PORTO de 07 de Outubro de 2010, in www.dgsi.pt - Relator Filipe Caroço - que o art.° 235° do CIRE estabelece o princípio geral de que, se o devedor for uma pessoa singular, pode obter a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao respectivo encerramento.

Este regime, tributário da ideia de fresh start ou de reeducação, tem como objectivo a extinção das dívidas e a libertação do devedor que, mediante o cumprimento de várias condições legais em período de tempo legalmente fixado (5 anos) e reunidos que estejam determinados requisitos, desenvolva uma conduta positiva, favorável à satisfação dos créditos, de tal modo que se revele merecedor, também pelo seu comportamento anterior ao processo de insolvência, do benefício advindo da exoneração (art.°s 237°, 238° e 239°). Ocorrerá, assim, uma liberação definitiva do devedor quanto ao passivo que não seja integralmente pago no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao seu encerramento nas condições fixadas no incidente.

Trata-se, pois, de um benefício concedido aos insolventes pessoas singulares, exonerando-os dos seus débitos e permitindo a sua reabilitação económica, importando para os credores na correspondente perda de parte dos seus créditos, porventura em montantes muito avultados, que desse modo se extinguem por causa diversa do cumprimento. E porque de um benefício se trata, “é necessário que o devedor preencha determinados requisitos e desde logo que tenha tido um comportamento anterior e actual pautado pela licitude, honestidade, transparência e boa fé no que respeita à sua situação económica e aos deveres associados ao processo de insolvência, aferindo-se da sua boa conduta, dando-se aqui especial cuidado na apreciação, apertando-a, com ponderação de dados objectivos passíveis de revelarem se a pessoa se afigura ou não merecedora de uma nova oportunidade e apta para observar a conduta que lhe será imposta”. O prosseguimento do incidente depende de despacho liminar, prevendo o n.° 1 do art. 238° os casos em que deve ser proferido despacho de indeferimento liminar do pedido de exoneração.

Do requerimento, sempre a apresentar pelo devedor, deve constar expressamente a declaração de que o devedor preenche os requisitos e se dispõe a observar todas as condições exigidas pela lei (art.° 236°, nº 3). Dos referidos requisitos (ou pressupostos) a observar, uns são de natureza processual, como é o caso dos mencionados no art.° 236° e na al. c) do art. 237°, e outros de natureza substantiva, como acontece com os indicados nas al.s b) a g) do n° 1 do art. 238°, “ex vi” da al. a) do art. 237°.

Desenvolvendo um pouco aquele ponto, o procedimento em questão tem dois momentos fundamentais: o despacho inicial e o despacho de exoneração. A libertação definitiva do devedor quanto ao passivo restante não é concedida - nem podia ser - logo no início do procedimento, quando é proferido o despacho inicial a que alude o n.° 1, do art.° 239°. Assim, não havendo motivo para indeferimento liminar, o juiz profere o denominado despacho inicial do processamento (art.° 239°), continuando a potencial concessão efectiva da exoneração dependente da inexistência de motivos para o indeferimento liminar e ainda do cumprimento, pelo devedor, das condições a que fica obrigado no despacho inicial, além de outros requisitos a que se refere o art.° 237°.

É desse despacho inicial, que não viabilizou a possibilidade de vir a ser concedida a exoneração definitiva do passivo restante, que vem interposto o recurso com fundamento na inobservância da aI. d) do n° 1 do art.° 238°. É no momento do despacho inicial que se tem de analisar, através da ponderação de dados objectivos, se a conduta do devedor tem a possibilidade de ser merecedora de uma nova oportunidade, configurando este despacho quando positivo, uma declaração de que a exoneração do passivo restante será concedida, se as demais condições futuras exigidas vierem a ser cumpridas.

Dispõe aquela aI. d) que o pedido de exoneração é liminarmente indeferido se “o devedor tiver incumprido o dever de apresentação à insolvência ou, não estando obrigado a se apresentar, se tiver abstido dessa apresentação nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência, com prejuízo em qualquer dos casos para os credores, e sabendo, ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica”.

A razão do estabelecimento do dever de apresentação do insolvente é a de propiciar, o mais rapidamente possível, a solução da situação de acordo com os parâmetros legais, na convicção de que o seu arrastamento apenas pode gerar mais inconvenientes e prejuízos, e está ligada à existência de uma empresa, acautelando o exercício do comércio, das outras actividades económicas e o interesse público na protecção do crédito comercial e empresarial.

Sem olvidar, mesmo, que, pela complexidade das relações económicas de mercado que se travam entre as empresas, nomeadamente pela via do crédito, impõe-se com muito mais acuidade um tratamento rápido das patologias ligadas às empresas do que propriamente aos particulares não comerciantes.

Por isso, o legislador, quando constituiu o devedor titular de uma empresa comercial na obrigação de se apresentar à insolvência, pretendeu evitar a repercussão da sua crise numa crise colectiva geral, evitando a produção de danos para os interesses particular e geral.

Quando a lei exige, no âmbito dos n°s 2 e 3 do art.° 18°, que o devedor seja titular de uma empresa para que sobre ele recaia a obrigação de se apresentar à falência, manifestamente, não se satisfaz com a qualidade de sócio ou gerente de uma sociedade.

Assim afastado o contexto jurídico da primeira parte da al. d) do no 1 do art.° 238°, a ora insolvente, nos termos da segunda parte da mesma norma jurídica, só poderá ver o pedido de exoneração liminarmente indeferido se, cumulativamente, se tivesse abstido dessa apresentação nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência, com prejuízo para os credores, e sabendo, ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica.

Daí que, para o indeferimento liminar do pedido, seja inquestionável, pois, a necessidade de demonstrar que da parte dele houve abstenção de apresentação nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência e, cumulativamente, os demais requisitos previstos na norma, enquanto comportamento dos devedores contributivo para a verificação da insolvência ou para o respectivo agravamento:

- que o devedor-requerente não se apresente à insolvência nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência;

- que desse atraso resulte prejuízo para os credores; e

- que o requerente soubesse, ou não pudesse ignorar sem culpa grave, da inexistência de qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica.

Com explicam Carvalho Fernandes e João Labareda (Estudos Sobre a Insolvência, Quid Juris, 2009, pág. 280) “para além da não apresentação à insolvência, a relevância deste comportado do devedor, para efeito de indeferimento liminar, depende ainda, em qualquer destas hipóteses, de haver prejuízo para os credores e de o devedor saber ou não poder ignorar, sem culpa grave, que não existe «qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica». Está aqui em causa apurar se a não apresentação do devedor à insolvência se pode justificar por ele estar razoavelmente convicto de a sua situação económica poder melhorar em termos de não se tornar necessária a declaração da insolvência”.

Não ocorrendo estas circunstâncias (basta que não se verifique uma delas), o despacho liminar deve ser, por conseguinte, de admissão do pedido.

Questão diferente é a do conceito indeterminado do “prejuízo para os credores” exigido pela mesma norma legal, sem consenso interpretativo na jurisprudência: enquanto uma corrente defende que a omissão do dever de apresentação atempada à insolvência torna evidente o prejuízo para os credores pelo avolumar dos seus créditos, face ao vencimento dos juros e consequente aumento do passivo global do insolvente, outra defende que o conceito de prejuízo pressuposto no normativo em causa consiste numa desvantagem económica diversa do simples vencimento dos juros, que são consequência normal do incumprimento gerador da insolvência, tratando-se assim dum prejuízo de outra ordem, projectado na esfera jurídica do credor em consequência da inércia do insolvente (consistindo, por exemplo, no abandono, degradação ou dissipação de bens no período que dispunha para se apresentar à insolvência) [Acórdão da Relação do Porto de 12.05.2009, in www.dgsi.pt] ou, mais especificamente, que não integra o “prejuízo” previsto no art. 238°, no 1, d) do C.I.R.E. o simples acumular do montante dos juros [Acórdão da Relação do Porto de 11.01.2010; acórdão da Relação de Lisboa de 14.05.2009 e acórdão da Relação de Coimbra de 23.02.2010, in www.dgsi.pt].

Assim, pois que a mora resultante do atraso no pagamento, em abstracto, não pode deixar de contribuir para o avolumar da dívida, mormente por causa dos juros que sempre lhe estão associados, em especial quando se trata de dívidas a instituições financeiras. Na verdade, estando em causa dívidas vencidas, ipso facto, o imediato vencimento de juros de mora, o atraso do devedor em apresentar-se à insolvência causa, necessariamente, prejuízo aos credores (aos titulares desses créditos), em virtude do avolumar do passivo daí decorrente, independentemente do valor desses juros ser mais ou menor elevado.

Contudo, é, também, nosso entendimento que é de afastar a primeira das referidas posições. Bastaria então um juro mínimo para se concluir pela existência do dito “prejuízo” e dar lugar ao indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante, quando, na realidade, o legislador não exclui um juízo efectivo sobre a conduta do requerente, para avaliação do merecimento ou desmerecimento do benefício pretendido.

Como proficientemente se argumenta no acórdão da Relação do Porto de 19.5.2010 [in www.dgsi.pt citando também o acórdão da Relação de Lisboa de 11.1.2010.] - que aqui igualmente se convoca -, o atraso implica sempre um avolumar do passivo. O legislador não pode ter querido prever naquela alínea d) como excepção aquilo que é o normal ocorrer; donde se conclui que o conceito de prejuízo aí previsto constitui algo mais do que já resulta do previsto nesse dispositivo. Esse prejuízo não pode consistir no aumento da dívida e atraso na cobrança dos créditos por parte dos credores, pois que tal já resultava da demais previsão dessa alínea. Não pode o intérprete escamotear que o legislador do CIRE estava consciente de que os créditos vencem juros com o simples decorrer do tempo. Representando a insolvência de uma situação de impossibilidade de cumprimento das obrigações vencidas (art.° 30, n° 1); inevitável será a constatação de que estas vencem juros (art.° 804° e seg.s do Código Civil), que assim aumentam (quantitativamente) o passivo do devedor.

E, em reforço, acrescenta ainda aquele acórdão de 19.5.2010 que não pode considerar-se que o conceito normativo de prejuízo previsto na alínea d) do n° 1 do art. 238° inclua no seu âmbito o típico, normal e necessário aumento do passivo em decorrência do vencimento dos juros incidentes sobre o crédito de capital, sob pena de se esvaziar de sentido útil a referência legal a tal requisito (prejuízo dos credores). Tivesse sido esse o sentido e alcance da lei, bastaria estabelecer o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo quando o devedor se abstivesse de se apresentar à insolvência no semestre posterior à verificação da situação de insolvência.

Não basta, pois, o simples decurso do tempo (seis meses contados desde a verificação da situação de insolvência) para se poder considerar verificado o requisito em análise (pelo avolumar do passivo face ao vencimento dos juros). Tal representaria valorizar um prejuízo ínsito ao decurso do tempo, comum a todas as situações de insolvência, o que não se afigura compatível com o estabelecimento do prejuízo dos credores enquanto requisito autónomo do indeferimento liminar do incidente.

Enquanto requisito autónomo daquele indeferimento liminar, o prejuízo dos credores acresce aos demais requisitos, é um pressuposto adicional, que aporta exigências distintas das pressupostas pelos demais requisitos, não podendo por isso considerar-se preenchido com circunstâncias que já estão forçosamente contidas num dos outros pressupostos. Valoriza-se aqui, como acima posto em evidência, a conduta do devedor apurar se o seu comportamento foi pautado pela licitude, honestidade, transparência e boa fé, no que respeita à sua situação económica, devendo a exoneração ser liminarmente coarctada caso seja de concluir pela negativa.

Ao estabelecer, como pressuposto do indeferimento liminar do pedido de exoneração, que a apresentação extemporânea do devedor à insolvência haja causado prejuízo aos credores, a lei não visa mais do que os comportamentos que façam diminuir o acervo patrimonial do devedor, que onerem o seu património ou mesmo aqueles comportamentos geradores de novos débitos (a acrescer àqueles que integravam o passivo que estava já impossibilitado de satisfazer). São estes comportamentos desconformes ao proceder honesto, lícito, transparente e de boa fé, cuja observância por parte do devedor é impeditiva de lhe ser reconhecida possibilidade (verificados os demais requisitas do preceito) de se libertar de algumas das suas dívidas, e assim, conseguir a sua reabilitação económica. O que se sanciona são os comportamentos que impossibilitem, dificultem ou diminuam a possibilidade de os credores obterem a satisfação dos seus créditos, nos termos em que essa satisfação seria conseguida caso tais comportamentos não ocorressem - diz-se ainda no acórdão de 19.5.2010 [neste mesmo sentido, o acórdão proferido no processo n° 135/09.4TBSJM.P1, com data de 14.1.2010 publicado no sítio www.dgsi.pt.].

Ora, no circunstancialismo presente, configura-se como incontornável levar em consideração - como expresso em probatório - que

- Conforme documentos e informação pela própria prestada nos autos, para os anos de 2007, 2008 e 2009 a insolvente e o seu marido (…) declararam rendimentos no montante de, respectivamente, € 37.865,00, € 29.859,00 e € 31.523,00, o que corresponde a uma média (12 meses) de cerca de € 3.155,00, € 2.488,00 e € 2.626,00 de rendimentos mensais para cada um dos referidos anos;

- A partir de Julho de 2007 a insolvente e o respectivo cônjuge estavam onerados com encargo financeiro mensal no montante de € 2.540,00, correspondente à totalidade das prestações decorrentes dos contratos de crédito que até então haviam celebrado com instituições bancárias - Montepio (2002), BCP (2003), Deutsche Bank (Junho de 2006), BPN (Janeiro de 2007), CGD (Março de 2007) e Sofinloc (Julho de 2007);

- Considerando apenas as prestações devidas às ditas instituições bancárias, em 2007, dos rendimentos mensais que então auferiam restavam-lhes cerca de € 600,00 para prover às normais despesas do respectivo agregado familiar com alimentação, saúde, educação e vestuário,

- sendo que na altura já tinham ao seu encargo duas filhas menores, nascidas nos anos de 1998 e 2000.

- considerando as obrigações que ainda no ano de 2007 contraíram com particulares ((…), em Fevereiro de 2007, e (…), em Agosto de 2007), a partir de Agosto de 2007 aquele encargo mensal ascendia a € 3.140,00 (€300,00+€300,00),

- que só não absorveu a totalidade dos rendimentos de que dispunham porque não procederam ao pagamento de qualquer uma das prestações de € 300,00 mensais a que perante aqueles particulares se obrigaram a cumprir.

- Não obstante ter atingido o limite da taxa de esforço dos respectivos rendimentos e da constatação da situação de insolvência, manifestada pelo incumprimento das prestações devidas ao BCP desde Junho de 2008 (cfr. fls. 107, v°) e da ausência de pagamento de qualquer uma das prestações devidas aos particulares (no montante total de € 600,00),

- em Setembro de 2008, portanto, nos 3 anos anteriores ao início do processo de insolvência, a insolvente e o seu marido celebram novo contrato de mútuo, agora com a CCAM de Oliveira do Bairro, vinculando-se ao pagamento de prestação mensal no montante de € 1.388,00,

- prestação que deixaram de cumprir logo a partir de Dezembro desse mesmo ano.

- Tudo somado, até Setembro de 2008 os insolventes contraíram financiamentos pelos quais se obrigaram ao pagamento de prestações no montante mensal total de cerca de € 4.550,00.

- Do que resulta que a insolvente, conjuntamente cm o seu marido, foi contraindo créditos que sucessivamente foram agravando a respectiva taxa de esforço associada a qualquer financiamento em contraposição com os rendimentos auferidos e encargos já assumidos

 - e que, como era expectável e logo se concretizou, comprometeu o cumprimento das obrigações que anteriormente havia assumido;

- evidenciando situação de insolvência, constatada/manifestada, senão antes, pelo menos em Junho de 2008, data em que deixou de cumprir as prestações perante o BCP;

- o financiamento contraído pela insolvente em 2008 veio a agravar a posição de todos os respectivos credores, os já existentes e os que por força daquele passou a existir,

- mantendo-se o património e os rendimentos de que sempre dispôs com flutuações ente os € 3.155,00 e os € 2.626,00 de 2007 a 2009,

- revelado incompatível para, sem prejuízo do sustento minimamente condigno do respectivo agregado familiar, cumprir as prestações devidas ao BCP e aos particulares (…) e (…),

- sem dispor de meios para cumprir o novo contrato de financiamento até ao termo do plano prestacional pelo mesmo acordado,

- contrato que não teria celebrado se houvesse requerido a sua própria insolvência no prazo de 6 meses à verificação da mesma.

O que proporciona sustentação para apreciar - como feito - que,

“(…) sem prejuízo da quota-parte de responsabilidade das instituições financeiras na criação da conjuntura económico-financeira que hoje vivemos, tanto não conduz (nem pode pretender-se que conduza) à desresponsabilização pessoal de quem, sendo conhecedor dos limites da sua capacidade financeira, se colocou e coloca numa situação de sobre-endividamento, que apenas pode concluir-se como conscientemente assumida, pese embora a irresponsabilidade (ou leviandade?) da decisão, mas já não de quem a toma, na medida em que a situação de insolvência não decorreu de facto fortuito ou de força maior, designadamente, de uma situação de desemprego ou de doença, nem de qualquer outro facto anómalo ou imprevisto que a tenha colocado na impossibilidade de solver as suas dívidas. Foi antes a circunstância de ter contraído sucessivas dívidas cujo pagamento nunca poderia satisfazer com os rendimentos de que dispunha”.

Servindo, assim, de suporte à decisão expressa de

 “Em conformidade com o exposto vai indeferido o pedido de exoneração do passivo restante”.

-

O que se traveja, igualmente, com a circunstância de se dizer - como no ACÓRDÃO DA RELAÇÃO DO PORTO de 18 de Junho de 2009, in www.dgsi.pt - Relator José Ferraz -  que o artigo 3°/1 do CIRE que é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas”, que, pela sua situação económico/financeira, se encontra numa situação que revele a total impotência do devedor para satisfazer a generalidade dos compromissos assumidos.

Pelo processo de insolvência visa-se a liquidação de todo o activo do devedor e a sua distribuição pelos credores, em ordem a satisfazer, na maior medida possível e pela forma mais eficiente, os interesses destes. Como se escreve no preâmbulo do DL 53/2004, que aprova o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, “o objectivo precípuo de qualquer processo de insolvência é a satisfação, pela forma mais eficiente possível, dos direitos dos credores”, por isso, “sendo a garantia comum dos créditos o património do devedor, é aos credores que cumpre decidir quanto à melhor efectivação dessa garantia”, pelo que esse código procura dotá-los “dos meios idóneos para fazer face à insolvência dos seus devedores, enquanto impossibilitados de pontualmente cumprir obrigações vendidas”.

Não obstante essa “finalidade precípua” do processo de insolvência, quando se trata de devedores insolventes, que sejam pessoas singulares, a lei falimentar prevê uma medida de protecção àqueles que tenham pautada a sua actuação no mercado pela licitude, boa fé nos negócios e rectidão nas relações estabelecidas, e, apesar disso, se viram na contingência (de quem actua no mercado) da insolvência, vindo a ser aliviados de uma parte, que pode ser significativa ou a mais significativa, das suas dívidas e recomeçar uma nova vida económica, livres do pesado fardo das dívidas “passadas”. Assim, diz-se nesse preâmbulo que o Código conjuga o “principio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares insolventes da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas, e assim lhes permitir a sua reabilitação económica”através do regime da “exoneração do passivo restante” que se analisa em poder “ser concedida ao devedor singular a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não foram integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste”.

Deste modo ao insolvente (pessoa singular), que não tenha incorrido em qualquer das situações previstas no artigo 238°, decorrido o período de prova, de cinco anos, de correcta actuação — o legalmente denominado “período de cessão” — com cumprimento dos deveres impostos, é-lhe concedia a exoneração, ficando liberto das dívidas que, no processo de insolvência e nos cinco anos após o seu encerramento, não tenha conseguido pagar, possibilitando-lhe a “reintegração plena na vida económica”.

Dispõe o artigo 235° que, se o insolvente for uma pessoa singular, pode-lhe ser concedida a exoneração do passivo restante, se não conseguir pagar todas as dívidas no processo de insolvência ou nos cinco anos seguintes ao encerramento do processo. A exoneração deve ser requerida pelo devedor, na petição, se este for o requerente da insolvência, ou nos dez dias posteriores à citação, devendo mencionar no requerimento que preenche os requisitos e que se dispõe a observar todas as condições impostas para vir a ser-lhe concedida a libertação do passivo restante (artigo 236°/1 e 3).

Na situação em apreço, faça-se, de novo, ressumar, não obstante

Existirem demais elementos factuais - referenciados nos autos e assentes em probatório - que indiciam a existência de culpa da insolvente na criação ou agravamento da situação de insolvência nos termos do art. 186°, no 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, os mesmos que permitem concluir que a Insolvente se absteve de se apresentar à Insolvência nos seis meses seguintes à verificação dessa situação com prejuízo para os seus credores sem perspectiva séria de melhoria da respectiva situação económica.

Entre as obrigações impostas ao devedor insolvente, que requer a exoneração, a observar durante o período de cinco anos subsequentes ao encerramento do processo (“período de cessão”), o despacho inicial determina que “o rendimento disponível que o devedor venha a auferir se considera cedido” a entidade designada pelo tribunal (designado por “fiduciário”) — artigo 239°/2 — entidade essa que administrará os valores a si entregues e distribuirá esses rendimentos cedidos (e por si recebidos) atentas as afectações previstas no artigo 241°/1, e pela ordem aí consignada.

Por sua vez, integram o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor (de que devem excluir-se — no que aqui releva, atento o teor da decisão recorrida — o que seja “razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional” (artigo 239°/3), podendo, evidentemente, ser valor inferior a três vezes esse salário.

Durante o chamado “período de cessão” fica o devedor obrigado, nomeadamente, a) não ocultar ou dissimular quaisquer rendimentos que aufira e informar o tribunal e o fiduciário sobre os seus rendimentos e património na forma e quando requisitado, b) exercer uma profissão remunerada, não a abandonando sem motivo legítimo, e procurar diligentemente tal profissão quando desempregado, e c) informar o tribunal e o fiduciário sobre qualquer mudança das condições de emprego bem como sobre as diligências realizadas para a obtenção de emprego (artigo 239°/4).

O que significa que o devedor pode nem sequer ter um emprego remunerado quando é apreciado o pedido ou, depois, no período de prova.

Normas que assentam no conhecimento do que, quanto à generalidade dos insolventes (pessoas singulares), é a fonte dos seus rendimentos (o trabalho e a respectiva remuneração) quando caem numa situação de insolvência. A base social de devedores (pessoas singulares) insolventes será constituída, na maioria dos casos, por pessoas que não terão outros rendimentos que os provenientes do seu emprego, daí a relevância que a lei coloca na actuação do devedor tendente à obtenção e conservação de um emprego, devendo ser diligente (com conhecimento ao tribunal e ao fiduciário das diligência realizadas) na sua procura, quando o não tem ou o perde. O que, evidentemente pressupõe que o devedor possa não ter emprego, mesmo quando o tribunal se pronuncia sobre a admissão do pedido [sendo certo que, quando o juiz se pronuncia sobre o preenchimento dos requisitos substantivos que justificam a concessão ao devedor de um período de prova que pode terminar, a final, na decisão de liberação da parte do passivo não pago, o que dependerá da sua actuação durante esse período probatório — “para, no final, obter a exoneração, o devedor terá de ter mostrado uma conduta exemplar, pautada pela lisura e transparência, durante os cinco anos subsequentes ao fim do processo de insolvência (Assunção Cristas, em “exoneração do Devedor pelo Passivo Restante”, na Revista THEMIS, 2005 — Edição Especial, Novo Direito da Insolvência — a pág. 171] de exoneração, quer porque ainda o não obteve quer porque o perdeu e, consequentemente, possa não ter, nesse momento, rendimento disponível. Nem se indicia exigência legal da existência de rendimentos de outras proveniências que o trabalho para se beneficiar dessa medida de protecção.

Tem, por isso, pertinência a conclusão firmada em decisório, segundo a qual:

«Neste contexto impõe-se inexoravelmente concluir que foi o insolvente quem, conscientemente (pois sabia em cada momento os rendimentos de que dispunha e as obrigações que por força de cada contrato assumia), se colocou numa situação de insolvência, assumindo sucessivos compromissos financeiros com instituições bancárias sem que dispusesse então ou tivesse perspectivas sérias de no futuro dispor de rendimentos suficientes que lhe permitisse honrá-los até ao termo do plano prestacional de pagamentos por cada um deles previsto/acordado.

Tanto basta para o indeferimento do pedido de exoneração formulado pela insolvente, à semelhança aliás do que foi já decidido pelo Tribunal da Relação de Coimbra (acórdão de 02.11.20 10, disponível no site da dgsi), com o qual concordamos e que passa a citar-se:

 “(...) não se pode permitir que todo e qualquer devedor que, ao endividar-se não pensou duas vezes em o fazer”, designadamente se tinha meios de liquidar as dividas que contraiu, se não agiu com transparência e boa fé, como e para que fins se endividou, possa, agora, contraídas avultadas dívidas, pretender, sem mais, pagar apenas uma parte delas, ao abrigo do regime excepcional do pedido de exoneração do passivo restante. (...). Daqui tem, pois, de se concluir que os requerentes não chegaram à situação em que se encontram por circunstâncias anómalas ou imprevistas. Não. Tal aconteceu porque pura e simplesmente contraíram dívidas para as quais sabiam não ter meios de as pagar, que sabiam estar acima das suas possibilidades económicas, com prejuízo para os seus credores e sem que o seu comportamento revista as características que acima se deixaram referidas, pelo que não podem beneficiar do regime de exoneração do passivo restante, o qual, na nossa óptica, reveste carácter excepcional”».

Quer tudo isto dizer, levando em conta a factualidade expressamente consagrada em probatório e os normativos que se vêm de referenciar que se imporia vinculação jurídica abrangente, susceptível de consubstanciar virtualidades capazes de alteração do veredicto judicial, no caso. O que, circunstancialmente, não acontece, pois que - pelas razões invocadas -, a confiança dos credores da insolvência, neste quadro, sempre saem e sairiam claramente afrontadas (Cf. LUÍS A. CARVALHO FERNANDES - JOÃO LABAREDA, CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS ANOTADO - REIMPRESSÃO - Lisboa, 2009, pp. 783-791).

Consequentemente, o despacho proferido no Tribunal a quo não fez errada interpretação e aplicação do n.° 1 do artigo 18° do C.LR.E. e alínea d) n.° 1 do artigo 238° do C.I.R.E.

O que atribui resposta negativa à questão configurada em 1.

Podendo concluir-se, sumariando, que:

1.

 Os requisitos do indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante, previstos na 2 parte da al. d) do n°1 do art. 238° do CIRE são cumulativos. De resto, até a inexistência de rendimento disponível no momento em que é proferido o “despacho inicial”, previsto no art. 239° do CIRE, não constitui fundamento, só por si, para se indeferir o pedido de exoneração do passivo restante.

2.

Em todo o caso, no mesmo referencial do nº1 do art. 238º CIRE (pedido de exoneração ser liminarmente indeferido), não basta o simples decurso do tempo (seis meses contados desde a verificação da situação de insolvência) para se poder considerar verificado o requisito em análise (pelo avolumar do passivo face ao vencimento dos juros). Tal representaria valorizar um prejuízo ínsito ao decurso do tempo, comum a todas as situações de insolvência, o que não se afigura compatível com o estabelecimento do prejuízo dos credores enquanto requisito autónomo do indeferimento liminar do incidente.

3.

Enquanto requisito autónomo daquele indeferimento liminar, o prejuízo dos credores acresce aos demais requisitos, é um pressuposto adicional, que aporta exigências distintas das pressupostas pelos demais requisitos, não podendo por isso considerar-se preenchido com circunstâncias que já estão forçosamente contidas num dos outros pressupostos. Valoriza-se aqui, como posto em evidência, a conduta do devedor apurar se o seu comportamento foi pautado pela licitude, honestidade, transparência e boa fé, no que respeita à sua situação económica, devendo a exoneração ser liminarmente coarctada caso seja de concluir pela negativa.

4.

 Ao estabelecer, como pressuposto do indeferimento liminar do pedido de exoneração, que a apresentação extemporânea do devedor à insolvência haja causado prejuízo aos credores, a lei não visa mais do que os comportamentos que façam diminuir o acervo patrimonial do devedor, que onerem o seu património ou mesmo aqueles comportamentos geradores de novos débitos (a acrescer àqueles que integravam o passivo que estava já impossibilitado de satisfazer). São estes comportamentos desconformes ao proceder honesto, lícito, transparente e de boa fé, cuja observância por parte do devedor é impeditiva de lhe ser reconhecida possibilidade (verificados os demais requisitas do preceito) de se libertar de algumas das suas dívidas, e assim, conseguir a sua reabilitação económica.

5.

O que se sanciona são os comportamentos que impossibilitem, dificultem ou diminuam a possibilidade de os credores obterem a satisfação dos seus créditos, nos termos em que essa satisfação seria conseguida caso tais comportamentos não ocorressem.

6.

Neste contexto, na situação sub judice, impõe-se inexoravelmente concluir que foi o insolvente quem, conscientemente (pois sabia em cada momento os rendimentos de que dispunha e as obrigações que por força de cada contrato assumia), se colocou numa situação de insolvência, assumindo sucessivos compromissos financeiros com instituições bancárias sem que dispusesse então ou tivesse perspectivas sérias de no futuro dispor de rendimentos suficientes que lhe permitisse honrá-los até ao termo do plano prestacional de pagamentos por cada um deles previsto/acordado. Tanto basta para o indeferimento do pedido de exoneração formulado pela insolvente.

7.

Não se podendo permitir que todo e qualquer devedor que, ao endividar-se não pensou duas vezes em o fazer, designadamente se tinha meios de liquidar as dividas que contraiu, se não agiu com transparência e boa fé, como e para que fins se endividou, possa, agora, contraídas avultadas dívidas, pretender, sem mais, pagar apenas uma parte delas, ao abrigo do regime excepcional do pedido de exoneração do passivo restante. Daqui tem, pois, de se concluir que oa requerente não chegou à situação em que se encontra por circunstâncias anómalas ou imprevistas.

8.

Circunstancialmente, tal aconteceu porque pura e simplesmente contraíram dívidas para as quais sabiam não ter meios de as pagar, que sabiam estar acima das suas possibilidades económicas, com prejuízo para os seus credores e sem que o seu comportamento revista as características que acima se deixaram referidas, pelo que não podem beneficiar do regime de exoneração do passivo restante, o qual, neste contexto, reveste carácter excepcional.

III. A Decisão:

Pelas razões expostas, nega-se provimento ao recurso interposto, confirmando-se a sentença recorrida, mantendo-se, por isso, o despacho de não admissão inicial do pedido de exoneração do passivo restante apresentado pelo devedor.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC.

António Carvalho Martins ( Relator )

Carlos Moreira

João Moreira do Carmo