Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
8186/16.6T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: RAMALHO PINTO
Descritores: LICENÇA PARENTAL
DIREITO AO TRABALHO
TRABALHO A TEMPO PARCIAL
REGRAS PROCESSUAIS A OBSERVAR
Data do Acordão: 03/31/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUÍZO DO TRABALHO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 35º, Nº1, AL. O), 55º, NºS 1 E 2, E 57º DO C.T./2009 ; ARTº 50º, Nº 1, AL. B) DA CRP; DIRECTIVA 2010/18/EU DO CONSELHO, DE 8 DE MARÇO DE 2010; ARTº 3º DO DEC. LEI Nº 76/2012, DE 26/03.
Sumário: I – A Directiva 2010/18/EU do Conselho, de 8 de Março de 2010, que aplica o Acordo – Quadro revisto sobre licença parental, afirmou a necessidade de garantir que ‘o acesso a disposições flexíveis de trabalho facilita aos progenitores a conjugação das responsabilidades profissionais e parentais e a sua reintegração no mercado de trabalho, especialmente quando regressam do período de licença parental’.

II – O direito ao trabalho a tempo parcial é reconhecido ao trabalhador com filhos menores de 12 anos, que com ele vivam em comunhão de mesa e habitação – artº 55º, nº 1 do CT/2009.

III – O que resulta claramente do artº 57º do CT, designadamente dos seus nºs 3, 5 e 8, al. c), é que ocorrendo, seja qual for o seu fundamento, a recusa do empregador em conceder o trabalho a tempo parcial, e a consequente apresentação da apreciação pelo trabalhador, a lei impõe a intervenção do C.I.T.E., para efeitos de emissão do respectivo parecer, considerando-se que o empregador aceita o pedido do trabalhador se o processo não for submetido a apreciação de tal entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres.

IV – Ainda que o empregador recuse, com base no fundamento de que o horário a tempo parcial se não destina à finalidade pretendida e prevista na lei, a pretensão do trabalhador, ainda assim está obrigado a submeter o processo à apreciação do CITE.

V – O Empregador tem sempre a possibilidade legal, no caso de parecer desfavorável do CITE, de intentar ação judicial com vista a reconhecer motivo justificativo para a recusa – nº 7 do artº 57º do CT.

Decisão Texto Integral:                        

           


            
                        Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
                                  

                         A... veio intentar a presente providência cautelar não especificada contra CP- COMBOIOS DE PORTUGAL, E.P.E., formulando o seguinte pedido:

                        “a) Deve o presente procedimento cautelar comum ser julgado procedente por provado, e em consequência, ser a requerida condenada a organizar o trabalho do requerente em regime de tempo parcial, em três dias por semana, no período de 22 de agosto de 2016 a 23 de agosto de 2019, tudo com as legais consequências;

                        b) Deve, ainda, o requerente ser dispensado do ónus de propositura da acção principal, nos termos do art. 369.º do CPC, reconhecendo-se, desde já, a existência do direito ao trabalho em regime de tempo parcial”.

                        Alegou, para o efeito e em síntese:

                        O requerente é pai de um filho menor de 12 anos.

                        Observando todos os requisitos legais, solicitou junto da requerida, mediante boletim de pedido interno, autorização para trabalhar a tempo parcial, nos termos do artº 55º do Código do Trabalho.

                        Por carta enviada em 19 de Agosto e recebida em 22 de Agosto de 2016, a requerida recusou tal pedido, considerando que o mesmo não cumpria “os requisitos legais para a atribuição do pedido de trabalho a tempo parcial”.

                        Consequentemente, o requerente apresentou uma apreciação nos termos do artº 57º, nº 4, do CT.

                        Contudo, a requerida não cumpriu o procedimento obrigatório de enviar o processo para apreciação pela entidade competente na área da igualdade de oportunidade entre homens e mulheres (no caso, para a CITE), nos termos do artº 57º, nº 5, do CT.

                        Tal acarreta prejuízos pessoais e patrimoniais ao requerente que são de difícil reparação.

                        Mais apresentou o requerimento de inversão do contencioso, previsto no artº 369º, nº 1, do CPC, por aplicação do artº 373º, nº 1, do CPC e do artº 32º, nº 1, do CPT, dispensando-se o requerente do ónus de propositura da acção principal.
                        A requerida apresentou oposição, sustentando, também em síntese, que não se verificam os pressupostos do trabalho tempo parcial pretendido pelo requerente, sendo que este apenas pretende, com o mesmo, levar a cabo actividades relacionadas com a sociedade que detém, juntamente com a sua mulher.

     Concluiu pela improcedência da providência.

     Realizada a audiência final, foi proferida decisão, que transcrevemos:

                        “Por todo o atrás exposto, julga-se totalmente procedente a presente providência cautelar comum inominada, em consequência:

                        1) Condena-se a requerida – “CP – Comboios de Portugal, E.P.E” -, a organizar o trabalho do requerente – A... – em regime de tempo parcial, em três dias por semana, com início no dia seguinte ao trânsito em julgado da presente decisão até ao dia 23 de agosto de 2019.

                        2) Dispensa-se o requerente – A... -, do ónus de propositura da ação principal.

                        3) Custas a cargo da requerida, com taxa de justiça que se fixa em 3 Uc’s – cfr. art. 7.º n.º 4 e Tabela II do RCP.

                        Valor da providência cautelar: o indicado no requerimento inicial.

                                                                       *

                        Após transito em julgado da decisão, cumpra-se o disposto no art. 371.º, n.º 1 do C.P.C, sendo a requerida notificada, com a advertência de que, querendo, deve intentar a ação destinada a impugnar a existência do direito acautelado nos 30 dias subsequentes à notificação, sob pena de a providência decretada se consolidar como composição definitiva do litígio”.

                                                                      x

A requerida, não se conformando com tal decisão, dela interpôs o presente  recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

[…]     

            O requerente apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção do julgado.
                        Foram colhidos os vistos legais, tendo o Exmº PGA emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.

                                                                       x
                        Definindo-se o âmbito do recurso pelas suas conclusões,  temos, como questões em discussão:
                        - a reapreciação da matéria de facto;
                        - se se verifica a insuficiência da matéria de facto para o decretamento da providência;
                        - se se deve manter este decretamento.
                                                                  x
                        A 1ª instância deu como indiciariamente provada a seguinte factualidade:
                        […]

                                                                       x

                        - a impugnação da matéria de facto:

                        Pretende a recorrente que se aditem os seguintes pontos à matéria de facto dada como provada na 1ª instância:

                        - “Provado que a ora Recorrente entendeu que não estava preenchido um requisito essencial para a atribuição do horário parcial ao abrigo desse regime legal, particularmente que o mesmo não se enquadrava na finalidade a que se destina.”

                        - “Provado que a Recorrente considerou que inexistia e inexiste a obrigação de o remeter à CITE, e que o pedido não era subsumível no regime legal invocado, e como tal, não deveria ser sequer apreciado, recusado e ou remetido á CITE, pois não estaria abrangido pelo regime do artigo 57º nº 2 do Código do Trabalho. “

                        - “Provado que para o Recorrido o horário pretendido era o de tempo parcial, mas que podia ser outro qualquer que a Recorrente entendesse, conforme as suas conveniências.”

                        Por outro lado, propugna pela alteração da redacção do facto 9 para a seguinte:

                        “Uma vez que foi notificado da não atribuição do horário parcial requerido, o requerente apresentou uma apreciação nos termos do artigo 57.º n.º4 do CT”

                                Isto dentro da posição da recorrente de que “existiam factos e indícios fortes e suficientes de que o Recorrido desenvolvia uma actividade incompatível com a assistência à menor, estando por isso afastado um requisito essencial para a atribuição do horário parcial ao abrigo desse regime legal, e que não recusou o pedido, outrossim considerou que o mesmo não se enquadrava na finalidade a que se destina, e como tal, inexistia e inexiste a obrigação de o remeter á CITE, pois simplesmente o pedido não era subsumível no regime legal invocado”.

                        Vejamos:

                        No que toca à matéria que a apelante pretende que seja acrescentada, importa, em primeiro lugar, dar razão ao apelado quando afirma nas suas contra-alegações, que o que a requerida vem trazer é a sua interpretação acerca do direito ao trabalho a tempo parcial de trabalhador com responsabilidades familiares, refugiando-se na argumentação de que o que fez não foi recusar o pedido do trabalhador, mas sim considerar que o pedido não se enquadrava na finalidade a que se destina.

                        Ora a interpretação que deve prevalecer é, necessariamente, a que será efectuada pelo Tribunal, com base na factualidade dada como provada.

                        Em segundo lugar, e de modo a não serem praticados actos inúteis, proibidos por lei – artº 130º do CPC, só devem ser objecto de apreciação pelo tribunal de recurso, em sede de impugnação factual, os factos essenciais à solução jurídica da causa e, logo, à decisão do recurso.

                        Ora, como iremos desenvolver mais adiante, o que legalmente impõe o parecer da CITE, nos termos do nº 5 do artº 57º do CT, é a recusa do empregador do pedido – nºs 2 a 4 do mesmo artigo, independentemente do fundamento dessa recusa, nomeadamente a opinião do empregador de que se não encontram preenchidos os requisitos para concessão do horário de trabalho a tempo parcial, e o consequente pedido de apreciação pelo trabalhador- nºs 4 e 5 desse artigo.

                        Por outras palavras: qualquer recusa do empregador, fundada em qualquer razão ou ordens de razões, desde que acompanhada desse pedido de apreciação, acarreta a obrigação do envio do processo para  a CITE.

                        Assim sendo, essa factualidade proposta pela apelante carece de qualquer sentido útil para a apreciação da questão, já que é inquestionável que não ocorreu esse envio e, consequentemente, a emissão de parecer pela CITE.

                        Quanto à alteração proposta ao facto 9, também não pode ser atendida: independentemente dos fundamentos expressos na comunicação, dúvidas não há de que ocorreu uma recusa da requerida- apelante em conceder o horário de trabalho a tempo parcial ao requerente- cfr. facto 8, recusa essa que constitui matéria de facto, por ser um termo corrente do dia-dia e facilmente perceptível pelo homem médio, e também por ser esse o termo empregue pela requerida em tal comunicação.

                        Improcede, assim, a impugnação da matéria de facto.
                        - as segunda e terceira questões - a insuficiência da matéria de facto para a decisão e o decretamento da providência:

                        Na linha da sua argumentação expendida em sede de reapreciação da matéria de facto, vem a apelante sustentar que a 1ª instância não dispunha de todos os elementos de factos indispensáveis à decisão da providência cautelar, uma vez que não cuidou de apurar o por ela alegado nos pontos 9, 10 e 12 da sua oposição, nomeadamente que o requerente é, juntamente com a sua mulher, sócio gerente de uma sociedade que explora vários estabelecimentos, entre eles o bar da estação de comboios de Coimbra, sendo para esse efeito que pretende o trabalho a tempo parcial.

                        Vejamos o que foi dito na sentença recorrida:

                        “Preceitua o art. 368.º n.º 1 do CPC: “A providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão” .

                        Não se nos colocam dúvidas, a admissibilidade em termos gerais do recurso a uma providência cautelar inominada, para defesa, desde logo, do horário de trabalho (como é o caso da pretensão requerida nos autos).

                        Porém, para além, dessa genérica admissibilidade, há que se mostrar preenchido o restante quadro normativo definido no art. 362.º n.º 1 do CPC, uma vez que, o art. 32.º n.º 1 do CPT é expresso ao admitir o recurso subsidiário às normas que no CPC regulam o procedimento cautelar comum.

                        Como se sabe, os procedimentos cautelares são um instrumento processual privilegiado para proteção eficaz de direitos subjetivos ou de outros interesses juridicamente relevantes.

                        Representam uma antecipação ou garantia de eficácia relativamente ao resultado do processo principal e assentam numa análise sumária ("summaria cognitio") da situação de facto que permita afirmar a provável existência do direito ("fumus boni juris") e o receio justificado de que o mesmo seja seriamente afetado ou inutilizado se não for decretada uma determinada medida cautelar ("periculum in mora").

                        Assim, o fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável é o motivo que pode justificar o acesso a medidas cautelares inespecíficas. Desde que a situação de "periculum in mora" o exija, justifica-se a adoção de medidas tendentes a superar essa situação e a evitar a consumação do risco.

                        O deferimento de providências não especificadas está dependente assim da verificação dos seguintes requisitos:

                        a) Probabilidade séria da existência do direito invocado;

                        b) Fundado receio de ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável na esfera do requerente;

                        c) Adequação da providência à situação de lesão iminente;

                        d) Inexistência de providência específica que acautele a concreta situação de perigo.

                        Conforme salienta, António Abrantes Geraldes, in Suspensão de Despedimento e outros Procedimentos Cautelares no Processo do Trabalho, pág. 125.º do PP, não sendo o interessado tutelado contra toda e qualquer situação de perigo, as situações suscetíveis de cobertura cautelar genérica devem caracterizar-se por lesões graves e irreparáveis ou de difícil reparabilidade, excluindo-se as lesões sem gravidade ou de gravidade reduzida ou lesões que, sendo graves, sejam reparáveis. Com efeito, só lesões graves e dificilmente reparáveis têm a virtualidade de permitir ao tribunal, mediante solicitação do interessado, a tomada de decisão que previna a previsível lesão - veja-se ainda, os Ac's da RL de 23-05-2007, proc. n.º 575/2007-4, e de 24-06-2009, proc. n.º 3703/05.0TTLSB-E.L1-4, in www.dgsi.pt.

                        O trabalhador requerente solicitou junto da sua entidade empregadora, ao abrigo do disposto no art.º 55.º do Código do Trabalho, a concessão de horário de trabalho a tempo parcial.

                        Nos termos da alínea o) do n.º 1 do art. 35.º, o trabalho a tempo parcial de trabalhador com responsabilidades familiares é um direito atribuído, que materializa a proteção na parentalidade (daí se entender estarem preenchidos os requisitos contidos no citado art. 362.º n.º 1 do CPC – lesão grave e dificilmente reparável, uma vez que, a manutenção de um horário de trabalho a tempo completo obstaculiza o exercício de tal proteção).

                        Nos termos do n.º 1 da citada disposição legal, o trabalhador com um filho menor de 12 anos, ou independentemente da idade, filho com deficiência ou doença crónica que com ele viva em comunhão de mesa e habitação tem direito a trabalhar a tempo parcial.

                        Sendo que, nos termos do n.º 1 do art. 150.º considera-se trabalho a tempo parcial o que corresponda a um período normal de trabalho semanal inferior ao praticado a tempo completo, em situação comparável.

                        Para poder beneficiar do regime de trabalho a tempo parcial de trabalhador com responsabilidades familiares, o trabalhador deve cumprir o procedimento fixado no art.º 57.º do Código do Trabalho, designadamente no seu n.º 1, nas suas diversas alíneas aí exaradas, alíneas a) a c).

                        Por seu turno, no n.º 2 do citado art.º 57.º, o empregador apenas pode recusar o pedido com fundamento em exigências imperiosas do funcionamento da empresa, ou na impossibilidade de substituir o trabalhador se este foi indispensável.

                        No caso em apreço, o pedido da concessão de tal horário de trabalho a tempo parcial formulado pelo requerente foi indeferido pela sua empregadora (cfr. facto provado em 08), apresentando, por seu turno, o trabalhador uma apreciação no prazo de 5 dias a partir da receção da decisão de recusa do empregador, nos termos da parte final do n.º 4 do citado art. 57.º (cfr. factos provados em 09) e 10)).

                        Ora, a lei prescreve que, nos cinco dias subsequentes ao fim do prazo para a apreciação pelo trabalhador, o empregador envia o processo para apreciação pela entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, com cópia do pedido, do fundamento da intenção de o recusar e da apreciação do trabalhador – n.º 7 do art. 57.º do CT.

                        Deflui do facto provado em 11) que a requerida empregadora não solicitou previamente tal parecer ao C.I.T.E (Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego, entidade esta que tem por objetivo promover a igualdade e não discriminação entre homens e mulheres no trabalho, no emprego e na formação profissional, a proteção da maternidade e da paternidade e a conciliação da atividade profissional com a vida familiar, no sector privado e no sector público), vindo a reiterar a sua recusa, negando o deferimento tácito (vide, o facto dado por provado em 12)).

                        Todavia, o Código do Trabalho, no seu n.º 8, al. c) do citado art. 57.º, comina a ausência de tal parecer, nos seguintes moldes: “Considera-se que o empregador aceita o pedido do trabalhador nos seus precisos termos: al. c) – Se não submeter o processo à apreciação da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres dentro do prazo previsto no n.º 5”.

                        Destarte, e em consequência da ausência desse parecer e o cominatório supra citado há que julgar totalmente procedente o procedimento cautelar (existe a probabilidade séria do direito invocado, e o fundado receio da sua lesão – art. 368.º n.º 1 do CPC)”.

                        Nada temos a censurar a este entendimento.

           Estamos no âmbito de uma providência cautelar que, como referia Calamandrei “não é um fim mas um meio; não se propõe dar realização directa e imediata ao direito substancial, mas tomar medidas que assegurem a eficácia duma providência subsequente, esta destinada à actuação do direito material”. Com efeito, qualquer procedimento cautelar, pela sua própria natureza, visa apenas alcançar uma solução provisória tendente a evitar prejuízos que a demora da resolução da acção principal de que constitua dependência possa ocasionar ao requerente. Basta, portanto, a verificação da aparência ou da probabilidade, embora séria, da existência do direito por este invocado – o que leva a exigir do julgador uma análise da prova que lhe permita alcançar, não um juízo de certeza mas um juízo de mera probabilidade ou verosimilhança quanto á existência desse direito – a par da verificação de um fundado e, nessa medida, objectivo receio de ameaça de lesão do mesmo, não verificada ou já iniciada, mas de continuação ou repetição iminente, para que se justifique a adopção de medidas adequadas a acautelar esse direito durante o período de natural demora de resolução da acção principal em que o mesmo se discuta em toda a sua plenitude.

           Lê-se no artº 362º, nº 1,  do CPC que "sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado."

                        Daqui resulta que são requisitos da providência cautelar não especificada:

                        1- Não estar a providência a obter abrangida por qualquer dos outros processos cautelares previstos na Lei;

                        2- A existência de um direito;

                        3- O fundado receio de que esse direito sofra lesão grave e de difícil reparação;

                        4- A adequação da providência solicitada para evitar a lesão.

           Passando ao caso dos autos, temos que  a Directiva 2010/18/EU do Conselho, de 8 de Março de 2010, que aplica o Acordo – Quadro revisto sobre licença parental, afirmou a necessidade de garantir que "o acesso a disposições flexíveis de trabalho facilita aos progenitores a conjugação das responsabilidades profissionais e parentais e a sua reintegração no mercado de trabalho, especialmente quando regressam do período de licença parental".

            Como refere o apelado, o direito ao trabalho a tempo parcial é reconhecido ao trabalhador com filhos menores de 12 anos, que com ele vivam em comunhão de mesa e habitação - artº 55º, nº 1, do CT. Este regime concretiza o direito dos trabalhadores à conciliação da actividade profissional com a vida familiar, direito que vem contemplado no artº 59º, nº 1, alínea b), da CRP.

            Assim, e para concretização de tal  princípio constitucional  e sob a epígrafe “trabalho a tempo parcial de trabalhador com responsabilidades familiares”, prevê o citado artº 55º o direito do trabalhador, com filho menor de doze anos, a trabalhar a tempo parcial, depois da licença parental complementar, em qualquer das suas modalidades.

           Como refere Eduarda Castro, in http://revolucionarparaflexibilizar.blogspot.pt/2011/06/direito-ao-trabalho-tempo-parcial.html, este regime retrata uma modalidade de trabalho atípica, válida não só para empregador mas também para os pais, que de forma voluntária e reversível dispõem de um instrumento que pode fazer toda a diferença na qualidade e quantidade da disponibilidade para o acompanhamento do crescimento dos seus filhos numa fase crucial da vida deles, bem como na conciliação da sua vida profissional com a vida pessoal e familiar.

                        Dispõe esse artº 55º, nos seus nºs 1 e 2:

                        “1 - O trabalhador com filho menor de 12 anos ou, independentemente da idade, filho com deficiência ou doença crónica que com ele viva em comunhão de mesa e habitação tem direito a trabalhar a tempo parcial.

                        2 - O direito pode ser exercido por qualquer dos progenitores ou por ambos em períodos sucessivos, depois da licença parental complementar, em qualquer das suas modalidades”.

           Por sua vez, estabelece-se no artº 57º, também do CT e na parte que para aqui interessa:

                        “1 - O trabalhador que pretenda trabalhar a tempo parcial ou em regime de horário de trabalho flexível deve solicitá-lo ao empregador, por escrito, com a antecedência de 30 dias, com os seguintes elementos:

                        a) Indicação do prazo previsto, dentro do limite aplicável;

                        b) Declaração da qual conste:

                        i) Que o menor vive com ele em comunhão de mesa e habitação;

                        ii) No regime de trabalho a tempo parcial, que não está esgotado o período máximo de duração;

                        iii) No regime de trabalho a tempo parcial, que o outro progenitor tem actividade profissional e não se encontra ao mesmo tempo em situação de trabalho a tempo parcial ou que está impedido ou inibido totalmente de exercer o poder paternal;

                        c) A modalidade pretendida de organização do trabalho a tempo parcial.

                        2 - O empregador apenas pode recusar o pedido com fundamento em exigências imperiosas do funcionamento da empresa, ou na impossibilidade de substituir o trabalhador se este for indispensável.

                        3 - No prazo de 20 dias contados a partir da recepção do pedido, o empregador comunica ao trabalhador, por escrito, a sua decisão.

                        4 - No caso de pretender recusar o pedido, na comunicação o empregador indica o fundamento da intenção de recusa, podendo o trabalhador apresentar, por escrito, uma apreciação no prazo de cinco dias a partir da recepção.

                        5 - Nos cinco dias subsequentes ao fim do prazo para apreciação pelo trabalhador, o empregador envia o processo para apreciação pela entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, com cópia do pedido, do fundamento da intenção de o recusar e da apreciação do trabalhador.

                        6 - A entidade referida no número anterior, no prazo de 30 dias, notifica o empregador e o trabalhador do seu parecer, o qual se considera favorável à intenção do empregador se não for emitido naquele prazo.

                        7 - Se o parecer referido no número anterior for desfavorável, o empregador só́ pode recusar o pedido após decisão judicial que reconheça a existência de motivo justificativo.

                        8 - Considera-se que o empregador aceita o pedido do trabalhador nos seus precisos termos:

                        a) Se não comunicar a intenção de recusa no prazo de 20 dias após a recepção do pedido;

                        b) Se, tendo comunicado a intenção de recusar o pedido, não informar o trabalhador da decisão sobre o mesmo nos cinco dias subsequentes à notificação referida no n.º 6 ou, consoante o caso, ao fim do prazo estabelecido nesse número;

                        c) Se não submeter o processo à apreciação da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres dentro do prazo previsto no nº 5.

           No caso dos autos, o requerente tem uma filha menor de 12 anos.

           Não é posto em causa pela recorrente que  o recorrido observou todos os requisitos do nº 1 do artº 57º do CT.

           Face à recusa da requerida em lhe conceder o trabalho a tempo parcial, o requerente apresentou apreciação nos termos do nº 4 do artº 57º.

           Como já adiantámos, o que resulta claramente do artº 57º do CT, designadamente dos seus nºs 3, 5 e 8, al. c), é que, ocorrendo, seja qual for o seu fundamento, a recusa do empregador em conceder o trabalho a tempo parcial, e a consequente apresentação da apreciação pelo trabalhador, a lei impõe a intervenção do CITE, para efeitos de emissão do respectivo parecer, considerando-se que o empregador aceita o pedido do trabalhador se o processo não for submetido a apreciação de tal entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres.

           Ou seja, ainda que o empregador recuse, com base no fundamento de que o horário a tempo parcial se não destina à finalidade pretendida e  prevista na lei, a pretensão do trabalhador, ainda assim está obrigado a submeter o processo à apreciação do CITE.

                        Entidade esta  a quem cabe, nos termos do artº 3º do Decreto-Lei n.º 76/2012, de 26 de Março:

                         “(…)

                        c) Emitir parecer prévio no caso de intenção de recusa, pela entidade empregadora, de autorização para trabalho a tempo parcial ou com flexibilidade de horário a trabalhadores com filhos menores de 12 anos (…)”.

                        É a essa entidade que cabe apreciar os pressupostos de aplicação do direito ao trabalho a tempo parcial definidos por lei:

                        “Cumpre a esta Comissão ponderar: i) da submissão do pedido de autorização aos pressupostos e requisitos legais do regime de trabalho a tempo parcial, nomeadamente aferir a observância do pedido quanto aos requisitos legais; ii) se foi observada pela entidade empregadora a tramitação legalmente consagrada para os pedidos; iii) se os fundamentos para a intenção de recusa do pedido invocados pela entidade empregadora assentam em exigências imperiosas do funcionamento da empresa ou na impossibilidade de substituir o trabalhador se este for indispensável (cfr. Parecer N.º 25/CITE/2013, publicado em http://www.cite.gov.pt/). 

           A empregadora tem sempre a possibilidade legal, no caso de parecer desfavorável do CITE, de intentar acção judicial com vista a reconhecer motivo justificativo para a recusa- nº 7 do artº 57º do CT.
                        Por outro lado, a lei apenas exige ao trabalhador que observe os descritos  requisitos dos nºs 1 e 2 do artº 55º e do nº 1 do artº 57º, não lhe impondo que demonstre antecipadamente, perante a entidade empregadora ou o tribunal, que o regime de trabalho a tempo parcial se destina à finalidade tida em vista por essas disposições legais e não a outra que nada tenha que ver com aquela outra.
            O que se passa é que durante ”o período de trabalho em regime de tempo parcial, o trabalhador não pode exercer outra actividade incompatível com a respectiva finalidade, nomeadamente trabalho subordinado ou prestação continuada de serviços fora da sua residência habitual”- nº 5 do artº 55º do CT (realce nosso).

                        Assim, a entidade empregadora tem a sempre a possibilidade de um controle a posteriori da situação, nos casos previstos em tal disposição, avaliando  a incompatibilidade com a finalidade do trabalho a tempo parcial, no período em que o trabalhador já está a trabalhar naquele regime, e não antes.

                        Não se verifica, pois, a alegada insuficiência da matéria de facto, assim como bem andou a Srª Juíza ao decretar a providência.      
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                        Decisão:

                        Nos termos expostos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

                        Custas  do recurso pela apelante.

                                                                       Coimbra, 31/03/2017


Relator: Ramalho Pinto
Adjuntos: Felizardo Paiva
                Paula do Paço