Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
550/11.3T2AVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JACINTO MECA
Descritores: MORA
OBRIGAÇÃO PECUNIÁRIA
INÍCIO
Data do Acordão: 02/26/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA – JUÍZO DE GRANDE INSTÂNCIA CÍVEL DE AVEIRO.
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 805º E 806º C. CIV..
Sumário: Estando-se perante uma obrigação pecuniária – artigo 806º do CC – a mora só se constitui nos termos enunciados no artigo 805º do CCiv..
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes que compõem a 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra.

1. Relatório

                L…, Lda. sociedade comercial intentou contra Município de … a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário.

Em síntese alegou que é uma sociedade que se dedica à construção e venda de imóveis e nessa qualidade interveio em 1990, e na sequência de concurso público lançado pela ré para o efeito e do qual a autora saiu vencedora, a autora celebrou com a ré um contrato promessa de compra e venda de um prédio com 50 hectares nas Dunas Florestais de …, tendo pago à ré a título de sinal e conforme combinado a quantia global de € 390.059,95. O terreno em questão destinava-se à implantação de um empreendimento turístico definido nos documentos do concurso público. A escritura do contrato prometido nunca chegou a ser celebrada.

Com efeito, em finais de 1999 e inícios de 2000 a Direcção Geral de Florestas e a Direcção regional de Ambiente emitiram pareceres contra a implantação naquele local de um empreendimento turístico.

Apesar disso, a ré continuou a garantir à autora a possibilidade de construir o empreendimento turístico.

Posteriormente o local passou a estar integrado na Rede Natura 2000.

Em Janeiro de 2009, finalmente, a ré informou a autora de que era muito difícil a conclusão do negócio e propôs a transferência do empreendimento para outro local, mediante determinadas condições impostas pelas entidades administrativas que teriam de dar parecer, mas a autora não tem interesse na modificação do negócio.

O contrato não pode por isso ser celebrado por manifesta impossibilidade legal.

Com tal fundamento, em 30 de Novembro de 2010 a autora resolveu o contrato mediante comunicação à ré.

Na expectativa da celebração do contrato prometido a autora associou-se a outras duas empresas para constituir uma sociedade para construir o empreendimento turístico, mas porque não conseguiu adquirir o terreno para esse fim foi judicialmente condenada a indemnizar essas sociedades, sofrendo o correspondente prejuízo.

Com a elaboração dos projectos e demais diligências desenvolvidas para concretizar o empreendimento a autora despendeu € 92.756,00, os juros sobre o valor do sinal em dobro contados desde 30 de Junho de 2006 ascendem a € 406.943,74; a autora teve de pagar às sociedades referidas com as quais se associou as quantias € 359.806,00 e € 73.860,00; até ao presente pelo financiamento que obteve para pagar o sinal e seu reforço a autora suportou a quantia de € 797.786,66 de juros bancários.

                Concluiu pela procedência das acção e em consequência:

a. Declarar-se resolvido o contrato promessa celebrado entre a ré e a autora.

b. Condenar-se a ré a restituir à autora o sinal em dobro, no valor de € 780.118,00.

c. Condenar-se a ré a indemnizar a autora, por responsabilidade pré-contratual, dos prejuízos que lhe causou nos valores parciais de € 92.576,00, € 406.943,74; € 359.806,00 e € 73.860,00.

d. Condenar-se a ré no pagamento de juros legais desde a citação até efectivo e integral pagamento; Subsidiariamente:

e. Condenar-se a ré a restituir à autora o sinal e seu reforço em singelo no valor de € 390.059,68 acrescido dos respectivos juros na quantia de 797.786,66 € tudo num total de 1.187,846,34 €.


*

                A ré foi regularmente citada.

                A ré apresentou a sua contestação na qual alegou que além do sinal convencionado e pago, a autora entregou-lhe, por conta do preço, o valor que menciona como reforço do sinal mas no processo administrativo não existe nada que corrobore essa afirmação. Foi acordado que a escritura de compra e venda só seria marcada após a desafectação do terreno e que a autora tinha o encargo de elaborar a proposta do plano de pormenor para ser submetido à aprovação da Câmara Municipal, a parecer favorável das diversas entidades e autorização do Governo. As partes sabiam que a escritura pública de compra e venda estava condicionada à aprovação dos projectos por essas entidades e consequente desafectação do terreno, condição que a autora aceitou. O Município de … actuou sempre no sentido de obter essas aprovações e pareceres para o empreendimento poder ser implantado, mas o plano de pormenor apresentado pela autora e assumido pela Câmara Municipal não foi aceite pelas entidades que inviabilizaram o projecto. A ré sempre sugeriu à autora que alterasse a sua proposta para ir de encontro às exigências destas entidades, mas a autora nunca aceitou essa sugestão, inviabilizando a sua aprovação. A autora nunca demonstrou a intenção de realizar a escritura de compra e venda ou requereu tal à Câmara Municipal.

                Concluiu pela procedência da excepção de prescrição e consequente absolvição da instância; caso assim se não entenda deve a acção ser julgada improcedente por não provada, não assistindo à autora o direito de resolver o contrato, em virtude de ter entrada em incumprimento do mesmo, perdendo o direito a reaver o que já foi pago a título de sinal e princípio de pagamento, absolvendo-se o réu do pedido. Caso assim se não entenda deverá a ré ser apenas condenada a restituir em singelo as prestações entregues.


*

                Notificada a autora apresentou réplica na qual defende a inexistência de prescrição, impugna um conjunto de factos alegados na contestação e amplia o pedido, concluindo pela procedência da acção e em consequência:

a. Declarar-se resolvido o contrato promessa celebrado entre a autora e réu.

b. Condenar-se o réu a restituir aos autores a quantia recebida a título de sinal, em dobro, no valor de 780.118,00 €.

c. Condenar-se a ré nos prejuízos causados à autora, decorrentes da responsabilidade pré-contratual nos parciais de 15.000,00 €, 406.943,74 €; 359.806,00 €; 73.860,00 €.

d. Condenar-se a ré nos juros legais desde a citação até integral pagamento.


*

                Por despacho de folhas 140 foi designado dia e hora para a realização de audiência preliminar, que veio a revelar-se infrutífera relativamente à possibilidade das partes se conciliarem – folhas 147.

                Por despacho de folhas 148 foi admita a ampliação do pedido.

                No despacho saneador julgou-se improcedente a excepção da prescrição e no mais julgou-se a instância válida e regular.

                Consignaram-se os factos assentes e elaborou-se a base instrutória. Notificado o réu Município reclamou dos factos assentes e da base instrutória – folhas 164 – que foi indeferida por despacho de folhas 174.

                No decurso da audiência de julgamento o pedido de € 15.000,00 foi ampliado para € 92.576,00. Respeitado o contraditório a ampliação veio a ser admitida por despacho de folhas 196, designando-se dia e hora para a leitura da decisão sobre a matéria de facto controvertida.

                Reaberta a audiência foi lida decisão que incidiu sobre a factualidade vazada na base instrutória que notificada aos ilustres advogados não foi objecto de reclamação.

                Conclusos os autos foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente provada e procedente e, em consequência, condenou a ré a restituir à autora o valor de € 390.059,96 (trezentos e noventa mil e cinquenta e nove euros e noventa e seis cêntimos), acrescido de juros de mora contados desde 14 de Abril de 2009 até integral pagamento, e a pagar à autora a indemnização de € 92.576,00 (noventa e dois mil, quinhentos e setenta e seis euros), acrescida de juros de mora a contar da citação até integral pagamento.

No restante, absolveu a ré do pedido.


*

                Notificada da sentença a autora interpôs recurso que instruiu com as doutas alegações que rematou formulando as seguintes conclusões:

...

                Notificada a ré juntou aos autos as suas doutas contra alegações que finalizou com as seguintes conclusões:

...

                A recorrente atravessou nos autos o requerimento de folhas 373, através do qual e em complemento ao de interposição de recurso de apelação, esclarece que nos termos do art. 684, nº 2 do C. P. Civil limita o âmbito do recurso à parte que respeita à contagem e liquidação dos juros de mora, não pretendendo impugnar a douta sentença, na parte, em que condenou a recorrida no pagamento dos valores de capital de 390.059,96 € e de 92.576,00 €, com que se conforma, como resulta do teor das conclusões do recurso.

                Por despacho de folhas 380, o recurso foi admitido como apelação, com subida imediata e nos autos e efeito devolutivo.

2. Delimitação do objecto do recurso

                As questões a decidir na apelação e em função das quais se fixa o objecto do recurso sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, nos termos das disposições conjugadas do nº 2 do artigo 660º e artigos 661º, 664º, 684º, nº 3 e 685ºA, todos do Código de Processo Civil, são as seguintes:

Ø Data da constituição do Município em mora por referência à quantia de € 390.059,96.

Ø  Data da constituição do Município em mora por referência à quantia de € 92.576,00.


*

                3. Colhidos os vistos, aprecia-se e decide-se

                Como se pode constar da leitura da delimitação do objecto do recurso, as questões que foram colocadas à apreciação do Tribunal esgotam-se na análise e decisão da data em que o recorrido Município de … entrou em incumprimento por impossibilidade de cumprir o contrato promessa que havia celebrado com a recorrente L…, Lda. e da data em que entrou em mora por referência ao pagamento da quantia de € 92.576,00. Delimitada a questão e sem que a matéria de facto tenha sido impugnado, transcrevê-la-emos de modo a conferir unidade ao acórdão.

                4. Matéria de facto provada

...

                5. Data constituição em mora por referência à quantia de € 390.059,96

                Podemos ler nas alegações/conclusões da recorrente, escoradas no parecer do Sr. Prof. João Calvão da Silva: até Fevereiro de 2000 a impossibilidade de cumprimento deve ser imputável a terceiros (…) mas depois da Resolução do Conselho de Ministros nº 76/2000, de 5 de Julho que engloba o terreno prometido vender na Rede Natura 2000, sucedendo que nove anos depois é que a apelada, por carta regista de 20 de Agosto de 2009, informa a apelante que por força do Plano Director Municipal, o empreendimento teria de ser alterado na sua localização para a nova zona turística do Concelho de Vagos. (…). Ao não ter sido feita qualquer diligência por parte da apelada entre a integração do terreno na Rede Natura 2000, então, deve ter-se por não elidida a presunção de culpa – artigo 799º do CC – (…) pelo que a definitiva impossibilidade do cumprimento ocorre com em 5 de Julho de 2000 e não na publicação da consequente alteração do PDM em 14 de Abril de 2009 (…).

                5.1 Transparece com total clareza a entrega, por parte da apelante à apelada e por referência ao contrato-promessa identificado em 5 da matéria de facto provada, a título de sinal da quantia global de € 390.059,95, quantia que integra o pronunciamento decisório que condenou o réu Município no seu pagamento à autora L…, Lda.

                Reclamou a autora juros de mora que liquidou no montante de € 200.543,00, com base na quantia de € 390.059,00 que calculou a partir de 30 de Junho de 2000 – cf. artigos 40º e 43º da petição – e pedido que formulou – alínea e) do nº 1 do artigo 467º e 661º, nº 1 ambos do CPC – considerando o Tribunal a quo que o Município de … só passou a estar em mora, não a partir da data da Resolução que integrou o terreno na Rede Natura 2000, mas sim a partir de 14 de Abril de 2009, data da publicação em Diário da República da nova versão do PDM.

                Vejamos o que nos menciona a matéria de facto.

                Não há dúvidas quanto ao acordo existente entre os promitentes comprador e vendedor que a celebração do contrato prometido estava dependente da aprovação do projecto por entidades terceiras – facto 4 – o que tratando-se de uma impossibilidade temporária assumida por ambos os outorgantes do contrato-promessa e mantendo a apelante o natural interesse na conclusão do negócio – artigo 792º do CC – não se pode falar em mora em virtude desta impossibilidade temporária, como de resto aceita a apelante, ser imputável a terceiros. Também é bom de ver que a actuação do Município, por referência à data da celebração do contrato-promessa – 20 de Novembro de 1990 – estava claramente de boa fé – artigo 227º do CC – já que naquela data nenhum obstáculo legal se opunha à concretização do contrato prometido, na medida em que o PDM de … publicado em 1992 previa a inclusão do empreendimento no local objecto do contrato promessa – facto 10.

                Sucede que em 13 de Julho de 1993 – DR, nº 162 – I Série-B – é publicada a Resolução nº 661/93 que aprova as áreas a integrar e a excluir da Reserva Ecológicas Nacional relativas ao concelho de  (…) é aprovado o Regulamento da Reserva Ecológica Nacional relativo ao Concelho de (…), regulamento que integra obrigatoriamente o regulamento do plano director municipal de … – artigos 1º e 2º/cf. facto 11 – prescrevendo o seu Anexo no ponto 1 que integram-se nesta categoria os espaços que, embora incluídos na Reserva Ecológica Nacional, são designados como «potenciais para as infra-estruturas urbanísticas» (S) a nascente da estrada de acordo com a planta de ordenamento (…).

                Já no ano 2000 o Conselho de Ministros publica a Resolução nº 76/2000, de 5.7 – DR I Série-B – nº 153 – o terreno prometido vender integra a Rede Natura 2000 – Anexo I[1]/facto 17 – mas só em 20 de Agosto de 2009 é que a Câmara Municipal informa a autora que por força do novo PDM, o empreendimento teria que ser alterado na sua localização (…) e caso não concordasse haveria impossibilidade legal de dar cumprimento ao contrato – facto 20.

                Chegados aqui não podemos deixar de perguntar se o Município de … confrontado com a publicação da Resolução do Conselho de Ministros nº 76/2000, de 5.7 deveria ou não ter comunicado à apelante o seu conteúdo e confrontá-la com a clara impossibilidade de outorgar o contrato prometido.

                Nos termos acordados, recaía sobre a Câmara Municipal de … a obrigação de marcação da data, hora e local para outorga da escritura – facto 7 – o que não se verificou – uma vez que o Município/apelado não concretizou a desafectação do terreno e subsequente aprovação dos projectos pelas entidades competentes, realidades estas que eram do conhecimento da apelante como integrantes dos pressupostos à concretização do empreendimento turístico – facto 26 – pese embora as diligências que efectuou junto de diversas entidades visando a desafectação do terreno prometido vender – facto 27.

                Embora numa formulação algo conclusiva, as diligências levadas a cabo pelo Município não estão balizadas temporalmente, não estão identificadas as entidades que foram contactadas e que podiam desanexar o terreno prometido vender, pese embora se possa concluir pela necessidade de uma nova Resolução do Concelho de Ministros que expurgasse da 2ª LISTA NACIONAL DE SÍTIOS as dunas de Mira, Gândara e Gafanha sendo certo e parece que isso ninguém questiona que por via da Portaria nº 661/93, de 13.7 o terreno prometido vender foi incluído na REN, vinculando o Município a integrar obrigatoriamente o Regulamento da Reserva Ecológica no Regulamento do Plano Director Municipal de …, o mesmo é dizer que quando procedesse à revisão do plano municipal do ordenamento do território, o Município de … não podia deixar de respeitar o conteúdo vazado na Portaria nº 661/93, de 13.7.

                Admite-se que até à publicação da Resolução nº 76/2000, de 5.7, o Município de … ainda tivesse fundadas expectativas de cumprir o acordado o que modo se esvaiu quando em 31 de Agosto de 1999 e 14 de Fevereiro de 2000 foi informado dos pareceres negativos da Direcção-geral de Florestas e da Direcção-geral do Ambiente – factos 13 a 15 – o que foi levado ao conhecimento da autora/apelante – facto 16 – sem que esta tivesse reagido através da interpelação do Município para cumprir em prazo razoável, sob pena de resolução do contrato – artigos 808º, 432º e 433º todos do CC.

                Pese a clara constatação de impossibilidade de cumprimento da obrigação, o Município nada fez, impondo-se-lhe, em nossa modesta opinião, a devolução do sinal em singelo, mas a inércia da autora/apelante também não pode ser premiada e nesse sentido nada a opor à constatação de que o Município não havia entrado em mora, até porque não havia sido interpelado para cumprir e a obrigação não tinha prazo certo – artigo 805º do CC/facto 7.

                Sucede que no ínterim que mediou a publicação da Resolução do Conselho de Ministros nº 76/2000 e a publicação do Regulamento da primeira revisão do Plano Director Municipal de …, publicado no Diário da República, 2ª Série – nº 72 – de 14 de Abril de 2009 passaram quase 9 anos sem que os autos documentem qualquer troca de informações entre autora e réu, seguramente porque a autora sempre[2] foi sabedora que a construção do empreendimento turístico naquele local estava dependente de dois requisitos: desafectação e pareceres positivos das entidades competentes – facto 26 – e daí que tenha claramente optado – artigo 349º do CC – por manter a expectativa na resolução do caso ao invés de resolver o contrato com fundamento na impossibilidade de o promitente vendedor cumprir o contrato prometido.

                Esta expectativa não pode deixar de ter consequências ao nível da constituição em mora por parte do apelado já que embora estejamos perante uma obrigação pecuniária – artigo 806º do CC – a mora só se constitui nos termos enunciados no artigo 805º do CC, sendo que a matéria de facto não enuncia nenhuma delas e daí que seja defensável, tal como pretende a apelante, que o momento de constituição em mora seja anterior à data fixada na sentença recorrida, ou seja, em 14 de Abril de 2009, data da publicação da primeira revisão do Regulamento do Plano Director Municipal de …, publicado no Diário da República, 2ª Série – nº 72.

                Competindo à Câmara Municipal de … a elaboração do PDM existiu um momento em que sabendo da impossibilidade de cumprir nada comunicou à autora e só o fez em 20 de Agosto de 2009 – facto 19 – meses depois da publicação daquele instrumento municipal de organização do território, sendo claro que teve conhecimento da impossibilidade de cumprir em data anterior àquela publicação e nada fez para devolver à autora o montante recebido a título de sinal, locupletando-se indevidamente com a remuneração do capital durante tal período – artigos 473º, 474º, 479º e 480º do CC.

Mas como também aqui desconhecemos o tempo durante o qual se verificou tal enriquecimento – artigo 806º do CC – não sendo possível por esta via, tal como pretende a apelante, fazer retroagir os efeitos da mora à publicação da Resolução do Concelho de Ministros nº 76/2000, de 5 de Julho, tanto mais que a autora sempre soube que o cumprimento da obrigação por parte do Município estava dependente da verificação de duas condições – artigo 270º do CC – que a não se verificarem só podiam conduzir à resolução do negócio jurídico celebrado, condições que estavam claramente fora das áreas de competência do Município: desanexação de terreno situado na REN e pareceres positivos das entidades com responsabilidades no licenciamento.

                Salvo o muitíssimo respeito que nutrimos pelo Sr. Prof. João Calvão da Silva não podemos falar em presunção de culpa por parte do Município – artigo 799º do CC – já que a situação de incumprimento definitivo não lhe pode ser imputável na medida em que está fora das suas áreas de competências transpor para o direito português a Directiva que visa proteger a biodiversidade; como está fora das áreas da sua competência a inclusão ou não do terreno prometido vender em área protegida; para além do licenciamento do projecto estar dependente de pareceres a emitir por entidades que fogem da alçada dos poderes camarários.

                Renovando os respeitos devidos, deveria a autora, em face da inexistência de prazo para cumprir a obrigação, e caso perdesse o interesse na prestação, ter interpelado o Município para cumprir em determinado prazo e caso não cumprisse no prazo admonitório razoável – artigo 808º do CC - resolvia o contrato com todas as consequências daí advenientes como se alcança do disposto nos artigos 432º, 433º, 289º e 806º, todos do CC.

                Aceitamos que o Município de … entre a publicação da Resolução de Conselho de Ministros nº 76/2000, de 5.7 e a publicação em 14 de Abril de 2009 do regulamento municipal de organização do território soube que não podia cumprir com o acordado remetendo-se indevida e injustificadamente ao silêncio, ou seja, nada disse à autora, passando sem qualquer causa justificativa a enriquecer à sua conta, obrigando a lei a restituir aquilo com que injustamente se locupletou – artigo 473º do CC – compreendendo a obrigação de restituir tudo aquilo que se tenha obtido à custa do empobrecido – artigo 479º do CC.

                Só que entendemos que não foi por via da Resolução do Conselho de Ministros nº 76/2000, 5.7 que o Município ficou a saber que não podia cumprir em definitivo com o contrato prometido.

Reportando-se a actividade do Município descrita em 27 a data posterior à da publicação da Resolução do Conselho de Ministros, então, só entrou em incumprimento definitivo quando constatou que as suas diligências foram infrutíferas, o que à luz dos princípios da boa-fé deveria ter comunicado à autora, o que claramente não fez. Porém, não conseguimos identificar o momento em que o Município soube da impossibilidade de cumprir o contrato e por isso bem se compreende que o Tribunal tenha ido buscar a data em que com toda a certeza o Município não podia negar o seu conhecimento, ou seja, a data da publicação do Regulamento – 14 de Abril de 2009 – penalizando-se, neste caso, o que consideramos ter sido a inércia da autora que deveria ter agido logo após a publicação daquela Resolução[3] ou no términos das diligências levadas a cabo pelo réu – facto 27 - de modo a poder defender os seus direitos pela via da resolução do contrato com a consequente devolução do sinal acrescido dos juros vencidos desde a data da interpelação do Município e até à efectiva entrega do sinal.

                A Resolução por si só não fez com que o Município entrasse em incumprimento, tanto mais que a autora sempre soube das diligências que estavam a ser levadas a cabo tendo em vista a desanexação do terreno, ou seja a sua exclusão do Anexo I à referida Resolução, o que não logrou conseguir. O Município só entrou em incumprimento definitivo após a publicação da primeira revisão do Regulamento do Plano Director Municipal de …, publicado no Diário da República, 2ª Série – nº 72.

5.2 Data da constituição do Município em mora por referência à quantia de € 92.576,00.

                No que respeita às despesas com a elaboração dos projectos iniciais e de arquitectura e estudo de impacto ambiental e suas alterações, pareceres técnicos e despesas administrativas, sabemos ter a autora suportado a quantia de € 92.576.00.

                A sentença recorrida fixou os juros a partir da data da citação, o que merece a nossa concordância, pese o facto de respigar com total clareza da matéria provada que cabia à adquirente submeter à Direcção-geral do Turismo o projecto de aproveitamento turístico – facto 4 – plano de pormenor elaborado pela autora, aprovado pela Assembleia Municipal de … na reunião de 11 de Dezembro de 1992, que recebeu o parecer favorável da Direcção-geral de Turismo – facto 9 – tal como o PDM do Município de … publicado em Dezembro de 1992 previa o referido empreendimento para aquele terreno – facto 10.

                É claro que o Município soube que por via do contrato promessa a autora tinha que realizar um conjunto de despesas com projectos podendo desconhecer o seu montante e quando publica o PDM – 14 de Abril de 2009 - é sabedora da impossibilidade de cumprir o contrato prometido – artigo 801º do CC – pelo tinha que devolver à autora o que havia recebido a título de sinal e reparar os danos que por essa via lhe tinha causado – artigo 804º do CC. Porém só é interpelada para cumprir a obrigação resultante do pagamento de despesas suportadas pela autora com a citação – artigo 805º, nº 1 do CC.

                Em conclusão:

I. O Município só entrou em incumprimento definitivo após a publicação da primeira revisão do Regulamento do Plano Director Municipal de Vagos, publicado no Diário da República, 2ª Série – nº 72, e não aquando da publicação da Resolução do Conselho de Ministros nº 76/2000, de 5.7[4] que incluía no seu Anexo I o terreno objecto do contrato prometido, já que esta se limitou a aprovar a segunda fase da lista nacional de sítios a proteger.

II. O Município de … entre a publicação da Resolução de Conselho de Ministros nº 76/2000, de 5.7 e a publicação em 14 de Abril de 2009 do regulamento municipal de organização do território soube que não podia cumprir com o acordado remetendo-se indevida e injustificadamente ao silêncio, ou seja, nada disse à autora, passando sem qualquer causa justificativa a enriquecer à sua conta, obrigando a lei a restituir aquilo com que injustamente se locupletou – artigo 473º do CC – compreendendo a obrigação de restituir tudo aquilo que se tenha obtido à custa do empobrecido – artigo 479º do CC.

III. Só que não foi por via da Resolução do Conselho de Ministros nº 76/2000, 5.7 que o Município ficou a saber que não podia cumprir definitivamente o contrato prometido.

IV. Reportando-se a actividade do Município referida em 27 a data posterior à da publicação da Resolução do Conselho de Ministros, então, só entrou em incumprimento definitivo quando constatou que as suas diligências foram infrutíferas, o que à luz dos princípios da boa-fé deveria ter comunicado à autora, o que claramente não fez – artigo 227º do CC.

V. Ao não se identificar o momento em que o Município soube da impossibilidade de cumprir o contrato, bem se compreende que o Tribunal a quo tenha ido buscar a data em que com toda a certeza o Município não podia negar o seu conhecimento, ou seja, a data da publicação do Regulamento – 14 de Abril de 2009 – penalizando-se, neste caso, o que se considera ter sido a inércia da autora que deveria ter agido logo após a publicação daquela Resolução ou no términos das diligências levadas a cabo pelo réu – facto 27 - de modo a poder defender os seus direitos pela via da resolução do contrato com a consequente devolução do sinal acrescido dos juros vencidos desde a data da interpelação do Município e até à efectiva entrega do sinal.

                Decisão

                Nos termos e com os fundamentos expostos acorda-se em negar provimento ao recurso e consequentemente mantém-se a decisão recorrida.

                Custas pela apelante – artigo 446º do CPC.

                Notifique.

               


Jacinto Meca (Relator)

Falcão de Magalhães

Sílvia Pires



[1] Este Anexo integra as Dunas de Mira, Gândara e Gafanha – cf. facto 2
[2] Advérbio de tempo.
[3] Ou no limite quando tomou conhecimento que as diligências do Município, para desanexar o terreno prometido vender e os necessários licenciamentos, tinham sido infrutíferas.

[4] Resolução que aprovou a 2ª fase da lista nacional de sítios, a que se refere o nº 1 do artigo 4º do DL nº 140/99, de 24 de Abril. Que constitui anexo I da presente resolução e dela faz parte integrante. Por sua vez, o nº 1 do artigo 4º do DL nº 140/99, de 24.4 declara: Além dos sítios já aprovados pela Resolução de Conselho de Ministros n.º142/97, de 28 de Agosto, compete ao ICN a elaboração de novas propostas de sítios a incluir na lista nacional de sítios, indicando os tipos de habitats naturais do anexo B-I e as espécies do anexo B-II que tais sítios incluem, de acordo com os critérios previstos no anexo B-III ao presente diploma, que dele faz parte integrante.