Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
241/10.2TMCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA DOMINGAS SIMÕES
Descritores: ACÇÃO DE INIBIÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
REQUISITOS
Data do Acordão: 04/29/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 1.º JUÍZO DE TRIBUNAL DE FAMÍLIA E MENORES DA COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 194.º DA OTM E 1915.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I. Competindo aos progenitores zelar pela saúde e segurança dos filhos, prover ao seu sustento e educação e diligenciar pela sua representação, em tudo tendo a sua actuação de se pautar e conformar pelo critério único e fundamental do interesse do filho menor, a inibição das responsabilidades parentais só pode ser decretada quando se perfilar uma situação de violação grave e culposa de algum (ns) do(s) assinalado(s) dever(es), daí resultando prejuízo importante para este.

II. Deste modo, sendo a inibição uma sorte de medida de última “ratio”, ainda a verificar-se uma situação de perigo para a segurança, saúde, formação moral e educação do filho menor -prova que no caso não foi feita- sempre cumprirá indagar se o regime prevenido no art.º 1918.º não constitui remédio adequado, em ordem a preservar no progenitor o exercício das responsabilidades parentais.

Decisão Texto Integral: No 1.º Juízo de Tribunal de Família e Menores da comarca de Coimbra,

A..., casado, residente no Bairro (...), em Coimbra, veio instaurar acção de inibição das responsabilidades parentais nos termos dos artigos 194.º da OTM e 1915.º do Código Civil, sendo requerida B..., com residência na Rua (...), Brasil.

Em fundamento alegou, em síntese, ter celebrado casamento com a requerida no dia 4 de Dezembro de 2007, relacionamento do qual nasceu em 4 de Setembro de 2008 a menor C.... Sucede que a requerida mãe da menor consome estupefacientes, dependência de que nunca se libertou apesar de ter estado internada na ala de psiquiatria dos HUC e Hospital Sobral Cid, nesta cidade de Coimbra, durante o ano de 2008.

Pouco tempo depois do nascimento da menor o agregado familiar deslocou-se para o Brasil, tendo fixado residência na casa da mãe da requerida. Durante a sua permanência naquele país constatou o requerente que a requerida não reunia quaisquer condições para cuidar da menor sua filha, a qual chegou a vender a terceiros para angariar dinheiro para adquirir crack, à semelhança do que ocorria com outros filhos que tinha de anteriores relacionamentos, deixando as crianças entregues a si próprias, com carências até ao nível alimentar.

O requerido regressou a Portugal mas, preocupado com a menor, mantém frequentes contactos telefónicos com a requerida, a quem tem enviado diversas quantias monetárias com a finalidade desta adquirir uma viagem para a filha C... voltar ao nosso país e ingressar no lar paterno, onde o requerente e a companheira se dispõem a acolhê-la. Contudo, até ao momento tal vinda não se concretizou, sendo certo que o requerente não tem meios para se deslocar ao Brasil, a fim de trazer consigo a menor.

Com tais fundamentos pretende seja a menor C... considerada em risco, devendo a requerida ser inibida do exercício do poder paternal e aquela entregue à guarda e cuidados do requerente seu pai.

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Citada a requerida, ofereceu oposição, na qual, reconhecendo ser pobre, alegou contudo que a sua condição financeira nunca constituiu impedimento a que cuidasse da menor C..., a quem sempre dispensou os maiores cuidados, ao contrário do que aconteceu com o requerente, que abandonou o lar conjugal, não mais tendo procurado qualquer contacto com a filha. Mais alegou que a menor se encontra perfeitamente ambientada ao lar materno, sendo a separação da progenitora susceptível de lhe causar danos irreparáveis.

Com tais fundamentos, sustenta a improcedência da acção.

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No âmbito da instrução do processo foram juntos relatórios sociais atinentes ao requerido, datado de Setembro de 2012, e à requerida, datado de Agosto de 2011, complementado com informação recolhida em Março de 2013.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, finda a qual foi proferida sentença que decretou a improcedência da acção.

Inconformado, o requerente apelou da decisão e, tendo apresentado as suas alegações, rematou-as com 19 conclusões (reproduzindo quase integralmente as alegações), das quais se extraem, por relevantes, as seguintes:

1.ª- Face à prova constante dos autos, atendendo nomeadamente ao relatório atinente às condições da requerida, o Tribunal deveria ter dado como assente que:

i. a requerida foi toxicodependente desde 2007 até ao ano de 2012, consumindo cocaína combinada com outros estupefacientes opiáceos;

ii. o comportamento da requerida perante a técnica que a contratou no Brasil indica que a requerida continua a realizar consumos de estupefacientes;

iii. a requerida não aufere rendimentos do trabalho, subsistindo com o auxílio de terceiros;

iv. a requerida vive em condições que não foi possível apurar mas que, mercê das provas carreadas para os autos, são passíveis de caracterizar como bastante precárias;

v. a requerida não promove o salutar desenvolvimento da sua filha menor, nomeadamente a nível físico e psicológico, colocando em causa a sua saúde e bem-estar.

2.ª- É desconhecida em concreto a situação económica e habitacional da requerida; não obstante, resulta das declarações da própria que reside com três crianças menores, todas de pais diferentes, vivendo das pensões de alimentos que os progenitores dos seus filhos lhe fazem chegar, não tendo casa própria, sendo beneficiária do programa Bolsa Familiar, sem que tenha concretizado o valor que recebe de tal benefício;

3.ª- Decorre da experiência comum e do normal acontecer que a vida no Brasil, no que concerne a pessoas com grande precariedade económica, como é o caso da requerida, não é igual ao modo de vida das pessoas com as mesmas condições em Portugal, habitando aquelas por norma em cómodos sem quaisquer condições de salubridade, sem água canalizada nem luz eléctrica, dormindo várias pessoas do mesmo agregado no mesmo cómodo, sem o mínimo capaz de as proteger de doenças várias;

4.ª- Da conjugação dos referidos factos resulta que a requerida não reúne condições para proteger a filha, que se encontra privada de uma alimentação adequada à sua idade, atenta a situação económica daquela;

5.ª- A requerida mantém os consumos de estupefacientes, o que se encontra indiciado pelo comportamento que assumiu perante a técnica dos serviços sociais que elaborou o relatório junto aos autos, tal como consumiu durante a própria gravidez, assim denotando claro e evidente desinteresse pela saúde e bem-estar da filha menor, mesmo na sua fase uterina,

6.ª- Enquanto se encontrar à guarda da requerida, a menor C... encontra-se em situação de perigo, não podendo usufruir de um saudável desenvolvimento físico e psicológico, estando-lhe também vedado o acesso à educação.

Com os aludidos fundamentos, e dando como incorrectamente interpretado o n.º 1 do art.º 1915.º do CC, conclui pela revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que, na consideração dos aludidos factos, declare a requerida inibida do exercício das responsabilidades parentais relativas à menor ou, quando assim se não entenda, e dada a insuficiência da matéria de facto, determine a realização de diligências instrutórias suplementares, a fim de apurar a real situação da requerida, com exame ao local onde reside, avaliação da sua personalidade e sujeição a exames médicos para despiste do consumo de estupefacientes, devendo ainda ser a menor sujeita a exame médico, a fim de se aferir do seu normal desenvolvimento físico e psicológico.

O D. Magistrado do M.P. contra alegou e, destacando que a prova produzida, com destaque para a realização pelas autoridades brasileiras de inquérito social cujo relatório se encontra junto aos autos, não permitiu confirmar uma actual situação de toxicodependência da requerida, nem que a menor esteja em risco junto dela, pugnou pela manutenção do decidido.

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Sabido que o objecto do recurso se define e limita pelas conclusões insertas nas alegações do recorrente, constituem questões submetidas à apreciação deste Tribunal:

- indagar se os elementos probatórios carreados para os autos permitem a consideração como assentes dos factos elencados pelo apelante e, na afirmativa, se os mesmos determinam a revogação da decisão e sua substituição por outra no sentido por si pretendido;

- na improcedência da primeira questão, indagar se se verifica insuficiência da matéria de facto, a determinar a anulação da decisão e a remessa dos autos à 1.ª instância para a realização de instrução suplementar.

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Da modificação da matéria de facto

Resulta efectivamente dos autos -e consta do elenco dos factos assentes- que a requerida foi consumidora de produtos estupefacientes, nomeadamente cocaína (polidependência), o que deu origem ao seu internamento no final do ano de 2007 no serviço de psiquiatria dos HUC, sendo que em 12 de Janeiro de 2008, aquando do seu atendimento nas urgências da mesma instituição hospitalar, se confessou consumidora de heroína e cocaína há cerca de seis meses, mantendo-se todavia abstinente há 10 dias, apresentando então sintomas de privação. A seu pedido foi novamente internada nesse mesmo dia no serviço de toxicodependência do CHU de Coimbra, mas a exigência sua, e contra parecer médico, foi-lhe dada alta no dia imediato com destino à consulta externa de psiquiatria, não havendo registo de que a tenha frequentado.

Decorre ainda dos elementos constantes dos autos que a requerida voltou para o Brasil, aí tendo vivido alguns meses em comunhão com o requerido e a filha, sendo que este retornou entretanto a Portugal, onde permaneceu recluso em cumprimento de pena durante período de tempo não perfeitamente determinado, mantendo-se aquela no seu país natal.

Do inquérito social realizado às condições da requerida, levado a cabo pelo Serviço Social Internacional e datado de Agosto de 2011, de destacar quanto foi observado pela técnica Sr.ª Josilene Soreas quanto às condições de habitabilidade da casa onde aquela então residia com as suas duas filhas, D..., de 6 anos de idade, e a menor C.... A residência foi descrita como sendo de alvenaria (tijolos), com paredes rebocadas e pintadas, piso de cimento liso simples, com quatro cómodos -sala, cozinha, um quarto e banheiro- e embora a requerida dormisse com as filhas numa cama de casal, sendo o mobiliário todo ele muito simples, considerou a Sr.ª técnica que se encontravam reunidas as condições básicas de sobrevivência. Na ocasião a requerida fez questão de mostrar um armário com alimentos, a ilustrar a preocupação que sentia com a alimentação das filhas.

Mais fez consignar a Sr.ª técnica ter sido declarado pela requerida que se encontrava abstinente do consumo de estupefacientes há 6 meses e, embora se trate de declaração da própria, um elemento que foi observado na ocasião corrobora, ainda que de forma indirecta, a afirmação. Com efeito, aquando dos seus internamentos em Portugal, consta da ficha clínica da requerida a anotação de emagrecimento e astenia marcados, com grande degradação física. Sendo este facto irrefutável, constatou aquela técnica, aquando da visita, que a requerida aparentava estar de boa saúde, tendo esta mencionado que pesava 60 Kg, ao invés dos 30 Kg que referenciou ter chegado a pesar. Ora, se o peso da requerida à data da visita da Sr.ª técnica não foi confirmado, a verdade é que nenhuma menção foi feita no relatório quanto à inverosimilhança desta afirmação, antes tendo ficado consignado que aparentava boas condições de saúde, tal como as duas filhas.

De realçar ainda que a requerida mantinha o registo de vacinas da menor actualizado, tendo a técnica observado a existência de laços de afectividade entre os membros daquele pequeno agregado.

É certo, reconhece-se, que a informação que nos chega do centro de referência especializado da segurança social, datada de Março de 2013, se apresenta como mais lacunar e menos tranquilizadora. De todo o modo, a morada indicada pela requerida parece-nos a mesma da primeira visita efectuada pelos serviços sociais, e se é verdade que as subscritoras do relatório (uma assistente social e uma psicóloga) dele fizeram constar que a requerida se expressava muito rápido “e fala de muitos assuntos ao mesmo tempo, o que muitas vezes acaba atropelando algumas indagações que poderiam ser feitas ou até mesmo abordagem de alguns assuntos pertinentes ao caso” e em alguns momentos apresentava até “alguma agressividade nas respostas”, não vislumbramos como é que tal comportamento, por si só, seja indiciador de que a requerida seja actualmente -ou fosse àquela época- consumidora de produtos estupefacientes.

Por outro lado, tendo a requerida declarado na ocasião que se mantinha abstinente há cerca de ano e meio, daqui conclui o apelante -ilação que pretende ver sancionada por este Tribunal- que foi consumidora desde 2007 até pelo menos 2012. Tal conclusão, porém, não a podemos validar. Com efeito, se em Agosto de 2011, data da visita domiciliária relatada no 1.º relatório, a requerida se encontrava abstinente há cerca de 6 meses, o que nos remete, ainda que sem rigor, para o início do ano, em Março de 2013, aquando da visita ao CREAS, a abstinência duraria há cerca de dois anos, e não os 18 meses referidos. Desconhecemos se a requerida teve ou não alguma recaída entre aquelas duas datas ou a menção a ano e meio se deve a mera imprecisão; todavia, o que os elementos referidos seguramente não autorizam é que se dê como assente que foi consumidora de estupefacientes entre 2007 e pelo menos 2012, conforme pretende o apelante.

De salientar ainda que a requerida compareceu com as filhas no CREAS, na sequência da convocatória, e se é facto constar do relatório que, tendo acordado com as Ex.mas técnicas agendar uma visita domiciliária, não efectuou posterior contacto para o efeito nem foi possível contactá-la pelo telefone, o que não é efectivamente um bom indício, não se afigura todavia bastante para, por si só, permitir a conclusão de que se mostra incapaz de prestar à sua filha os cuidados com alimentação, saúde e educação de que esta carece.

Quanto ao trabalho desenvolvido pela requerida e rendimentos que dele aufere, é certo só termos a sua palavra -sendo, contudo de assinalar, ser consistente a informação dada na 2.ª entrevista com aquela que fornecera aquando da 1.ª, tendo em ambas declarado vender legumes de porta em porta, sendo que naquela primeira ocasião referenciou até o local onde os adquiria, e que era conhecido da técnica, o que confere natural verosimilhança à afirmação. Todavia, outro tanto ocorre com o requerido, nada autorizando pois que se dê por assente que a requerida não aufere rendimentos do trabalho.

Finalmente, considerando o teor conclusivo da proposição 5.ª, no sentido da requerida não promover o desenvolvimento saudável e harmonioso de sua filha, é conclusão a extrair (ou não) dos factos apurados.

Duas notas finais, uma para referir que a circunstância da requerida não ter casa própria, vivendo numa casa arrendada, é perfeitamente irrelevante, ponto é que reúna condições de habitabilidade, sendo de todo indiferente o título da ocupação e, bem assim, os métodos construtivos utilizados no Brasil, admitindo embora o nosso desconhecimento quanto à natureza dos materiais ali utilizados, nomeadamente se são diferentes dos utilizados em Portugal e na Europa, conforme afirma o apelante. Depois, não é de modo nenhum facto decorrente da experiência normal que a vida no Brasil para pessoas com condição económica precária seja assim tão diferente da vida das pessoas que, em Portugal, detêm idêntica condição.

Fazendo apelo às regras da experiência, pretende o apelante que o tribunal presuma -presunção judiciária nos termos consentidos pelos artigos 349.º e 351.º do Código Civil- que, sendo a requerida pobre, como refere ser, habita em cómodos sem salubridade, sem água canalizada nem luz eléctrica, sem as mínimas condições de higiene, dormindo várias pessoas no mesmo cómodo, situação que propicia doenças várias, potenciadas pelo clima equatorial do Brasil. A este respeito, não vemos que tais factos sejam revelados pelas regras da experiência -aquele conhecimento corrente e detido pelo comum dos cidadão, adquirido apenas pela vivência do dia a dia- sendo que, no caso em apreço, para lá da circunstância da requerida dormir com as filhas no mesmo quarto, partilhando até o leito -situação que, não sendo a mais conveniente, não se afigura, porém, nociva à menor, dada a sua tenra idade- nenhum dos factos referenciados resultou minimamente comprovado.

Em suma, porque os elementos probatórios em que o apelante alicerçou a sua pretensão de modificação -por aditamento- da matéria de facto não suportam as alterações propugnadas, é a mesma desatendida.

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II Fundamentação

De facto

São os seguintes os factos a considerar, tal como nos chegam da 1.ª instância:

1. O requerente A..., de nacionalidade portuguesa e de etnia cigana, e a requerida, de nacionalidade brasileira, casaram-se civilmente em Coimbra, em 4 de Dezembro de 2007 (cf. doc. de fls. 9);     

2. A menor C..., nascida a 4-09-2008, na Sé Nova – Coimbra, encontra-se registada como filha do requerente e da requerida (fls. 11);

3. Depois do nascimento da filha, quando esta tinha cerca de 3 meses, requerente e requerida foram viver para o Brasil, onde fixaram residência junto da mãe da requerida, que assumia já a guarda dos filhos desta, fruto de anteriores relacionamentos;

4. Depois de alguns meses no Brasil, o requerente voltou só para Portugal;

5. O requerente reside em união de facto desde há cerca de 38 anos com a sua companheira, de quem teve 6 filhos, permanecendo a viver com o casal apenas o mais novo, Ruben Juliano, de 15 anos, tendo-se já autonomizado os outros;

6. A companheira do requerente apoia-o nesta pretensão de querer ficar com a filha;

7. O casal dedica-se à venda ambulante de roupa em feiras, como sempre fez, vivendo dos rendimentos provenientes dessa actividade;

8. Vivem numa habitação social, com condições de conforto e comodidade;

9. Ambos os elementos do casal já tiveram problemas com a justiça, tendo cumprido penas de prisão (na mais longa, o requerente cumpriu mesmo uma pena de cerca de 9 anos; já depois de ter regressado do Brasil, como referido em 4, em 2011, voltou a estar preso), pelo crime de tráfico de estupefacientes;

10. Em 2004/2005, encontrando-se ambos os elementos do casal presos, dois dos filhos menores (Ruben e Ivan), que já apresentavam graves comportamentos de risco, tiveram que ser institucionalizados, o que ocorreu no Porto;

11. Entre Dezembro de 2007 e Janeiro de 2008, a requerida recorreu em situação de Urgência aos HUC Psiquiatria de Mulheres e Sobral Cid, em situação de dependência de substâncias (poli dependência), manifestando vontade em deixar os consumos, sendo que na última situação, encontrando-se grávida da C..., referiu viver na rua e haver sido agredida pelo marido;

12. A requerida tem 5 filhos, encontrando-se a viver consigo três filhas de pais diferentes, de 13, 8 e 4 anos (os outros dois vivem com o respectivo progenitor);

13. A mesma recebe pensão de alimentos dos progenitores das menores, sendo que, no caso da C..., o requerente o faz sem regularidade (normalmente, faz envios de dois em dois meses);

14. Vive em casa arrendada, pagando R$ 100,00 (cem reais) por mês, recebendo apoio do Programa Bolsa Família e vendendo de porta em porta inhame e macacheira; 

15. A menor está matriculada numa escola próxima de casa, que nem sempre frequenta, por chorar e ainda ser pequena, mantendo uma relação muito próxima com a requerida.

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De Direito

O requerido instaurou contra a requerida, seu cônjuge, acção de inibição do exercício da responsabilidades parentais, pretendendo ter esta infringido de modo grave os seus deveres para com a filha menor do casal C..., nascida em 4/9/2008, daqui resultando grave prejuízo para esta.

Consoante dispõe o art.º 1878.º do Código Civil[1] “Os filhos estão sujeitos às responsabilidades parentais até à maioridade ou emancipação”.

Dispondo sobre o respectivo conteúdo, o preceito imediato proclama competir aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens (vide n.º 1 do art.º 1878.º).

Nos termos do art.º 1885.º cabe ainda aos pais, de acordo com as suas possibilidades, promover o desenvolvimento físico, intelectual e moral dos filhos, proporcionando-lhes adequada instrução geral e profissional.

Epigrafado de “Inibição das responsabilidades parentais” prevê o art.º 1915.º que “A requerimento do M.P., de qualquer parente do menor ou de pessoa a cuja guarda ele esteja confiado, de facto ou de direito, pode o Tribunal decretar a inibição do exercício das responsabilidades parentas quando qualquer dos pais infrinja culposamente os deveres para com os filhos, com grave prejuízo destes, ou quando, por inexperiência, enfermidade, ausência ou outras razões, não se mostre em condições de cumprir aqueles deveres” (vide o n.º 1).

Resulta dos preceitos vindos de transcrever que, competindo aos progenitores zelar pela saúde e segurança dos filhos, prover ao seu sustento e educação e diligenciar pela sua representação, em tudo tendo a sua actuação de se pautar e conformar pelo critério único e fundamental do interesse do filho menor, a inibição das responsabilidades parentais só pode ser decretada quando se perfilar uma situação de violação grave e culposa de algum (ns) do(s) assinalado(s) dever(es), daí resultando prejuízo importante para este. Deste modo, sendo a inibição uma sorte de medida de última “ratio”, ainda a verificar-se uma situação de perigo para a segurança, saúde, formação moral e educação do filho menor, cumprirá sempre indagar se o regime prevenido no art.º 1918.º não constitui remédio adequado, em ordem a preservar no progenitor o exercício das responsabilidades parentais.

Com efeito, e atento o princípio com assento constitucional de que “Os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial” (cf. art.º 36.º, n.º 6 da CRP), apenas em situações de extrema gravidade e em que se verifique dolo do progenitor intervêm os mecanismos de limitação e, no limite, de inibição do exercício do complexo dos poderes/deveres que constituem as responsabilidades parentais por lei atribuídas aos progenitores.

Isto dito, e de volta ao caso dos autos:

Não há dúvida, e o elenco dos factos assentes disso dá conta, que a requerida tem tido um difícil percurso de vida, de que a toxicodependência não é o mal menor. Também é facto que enfrenta dificuldades financeiras -é pobre, conforme afirma na oposição que apresentou- mas a pobreza, por si só, implicando naturalmente restrições, não pode servir de fundamento à limitação das responsabilidades parentais, antes cumprindo buscar soluções em ordem a auxiliar o progenitor em dificuldades a cumprir os seus deveres, sendo certo que, nesta hipótese, eventual incumprimento não seria culposo.

Não temos por certo, face à factualidade apurada, que a situação da menor C... junto da mãe seja a ideal -dúvidas que igualmente se suscitariam, refira-se, se se encontrasse à guarda do progenitor e aqui requerente- mas o que não se apurou foi que a requerida tenha violado e de forma culposa os seus deveres de mãe e que daí tenha resultado prejuízo grave para a menor.

É facto que consumiu drogas durante a gravidez -ainda que tenha procurado ajuda médica para cessar os consumos- mas o que importa à decisão agora a proferir é se as consome actualmente, e esta prova não foi feita, tal como não se provou que a menor não seja devidamente alimentada e vestida, que não lhe sejam prestados cuidados de saúde, enfim que se encontre em situação de grave perigo, conforme pretende e afirma o requerente. Não se trata, refira-se, de uma situação de insuficiência dos factos apurados para a decisão, mas antes e só do incumprimento pelo requerente do ónus da prova que sobre si recaía, pelo que não há lugar à anulação da decisão tendo em vista a realização de diligências instrutórias suplementares.

Em suma, não se encontram reunidos os pressupostos de que depende o decretamento, em relação à requerida mãe, da inibição do exercício das responsabilidades parentais, sendo de secundar o juízo nesse sentido feito na sentença apelada, para cuja fundamentação quanto ao mais se remete. Sem embargo, sempre se dirá que não se encontrando regulado, ao que deflui dos autos, o exercício das responsabilidades parentais relativo à menor C..., seria de toda a conveniência que tal regulação tivesse lugar, em ordem a definir regras que permitissem ao progenitor acompanhar de modo mais efectivo o crescimento e desenvolvimento daquela (isto no caso da guarda lhe não ser atribuída), processo no âmbito do qual poderia igualmente ter lugar a intervenção regular, se tal se mostrasse adequado e necessário, do serviço social internacional, visando garantir um melhor e mais efectivo conhecimento/acompanhamento da situação da menor.

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III. Decisão

Em face a todo o exposto, acordam os juízes da 1.ª secção cível deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso, mantendo a sentença apelada.

Custas a cargo do apelante, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que oportunamente lhe foi concedido.

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Maria Domingas Simões (Relatora)
Nunes Ribeiro
Hélder Almeida


[1] Diploma a que pertencerão as demais disposições legais que vierem a ser citadas sem menção da sua origem.