Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
157/18.4GDCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: PENA ACESSÓRIA E DISPENSA DE PENA
ESCOLHA E MEDIDA DA PENA
Data do Acordão: 03/20/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (JL CRIMINAL – J3)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIME
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 70; 71; 74, DO CP
Sumário: I – A dispensa de pena só está prevista para as penas principais de prisão e de multa pelo que, a sua aplicação às penas acessórias, designadamente, à pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, consubstanciaria uma violação do princípio da legalidade.

II - O critério legal de escolha da pena consiste na prevalência da pena de multa sobre a pena de prisão, previstas em alternativa na norma incriminadora, sempre que a aplicação daquela realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

III – A medida da pena determina-se, tendo em conta a moldura penal abstracta aplicável, e ponderando as exigências de prevenção geral e especial, a medida da culpa do arguido e todas as circunstâncias que, não sendo típicas, militem contra e a seu favor.

IV - São aplicáveis às penas acessórias os critérios legais de determinação das penas principais, sem todavia esquecer que a finalidade a atingir com esta última é mais restrita, pois visa, essencialmente, prevenir a perigosidade do agente.

Decisão Texto Integral:




Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra

 

I. RELATÓRIO

No Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra – Juízo Local Criminal de Coimbra – Juiz 3, o Ministério Público requereu o julgamento em processo especial abreviado do arguido , com os demais sinais nos autos, imputando-lhe a prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 69º, nºs 1, a) e 2 e 292º, nº 1, ambos do mesmo código.

Por sentença de 4 de Outubro de 2018 [depositada a 10 de Outubro de 2018] foi o arguido condenado, pela prática do imputado crime, na pena de setenta dias de multa à taxa diária de € 5, perfazendo a multa global de € 350, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de quatro meses.


*

Inconformado com a decisão, recorreu o arguido, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

1. O presente recurso tem como objeto a matéria de Facto e Direito da sentença proferida nos presentes autos, a qual condenou o Arguido na pena de 70 (setenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), o que perfaz a quantia de € 350,00 (trezentos e cinquenta euros) e ainda na pena acessória de inibição de conduzir por 4 (quatro) meses.

2. O tribunal a quo deu, designadamente por provado que:

- O arguido se encontra social, profissional e familiarmente integrado;

- O arguido demonstrou sincero arrependimento;

- O arguido demonstrou elevado sentido de censurabilidade pela sua actuação;

- Que o arguido não tem antecedentes criminais.

3. A condenação proferida pelo Tribunal a quo resulta numa condenação excessiva e exagerada, quer na escolha quer na medida da pena aplicada, isto porque:

4. O Tribunal a quo não considerou todas as circunstâncias atenuantes da atuação do arguido nos presentes autos;

5. Nomeadamente, se considerarmos que as exigências de prevenção especial e geral não justificação a aplicação de tal pena;

6. O arrependimento manifestado e demonstrado pelo Arguido em audiência de discussão e julgamento, arrependimento que convenceu o Tribunal a quo;

7. O seu sentido de culpabilidade, censurabilidade e autocrítica manifestada pelo seu comportamento.

8. Tais circunstâncias deveriam ter sido consideradas para a aplicação ao arguido de pena diferente da aplicada pelo Tribunal a quo;

9. Tendo o mesmo tomado decisão que se requer seja substituída por outra que aplique ao arguido pena mais leve ao arguido;

10. O tribunal a quo aplicou ao arguido a pena acessória de quatro meses de proibição de conduzir veículos motorizados.

11. De acordo com o princípio do carácter não automático dos efeitos das penas, expressamente consagrado no at. 65.º, nº 1 do Cod. Penal, “nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de direitos civis, profissionais ou políticos”.

12. Assim, para que se justifique a aplicação duma pena acessória, é necessário “que o juiz comprove, no facto, um particular conteúdo do ilícito, que justifique materialmente a aplicação em espécie da pena acessória”, Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime”, Aequitas, Editorial Noticias, 1993, p. 158.

13. No caso concreto e uma vez que o grau de ilicitude do facto e a censurabilidade da conduta do arguido foram reduzidas, não existe justificação para a pena acessória aplicada.

14. O arguido tem 64 anos de idade e não tem antecedentes criminais.

15. Sendo que o crime que lhe foi imputado foi episódio único na sua vida.

16. O arguido nunca cometeu nenhuma contra-ordenação grave ou muito grave, sendo, por isso um condutor exemplar.

17. O arguido está inserido profissional e socialmente.

18. Sem prescindir sempre se diga que, face à matéria dada como provada, o pedido de 4 meses aplicado é manifestamente excessivo.

19. A pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, prevista no art. 69.º, nº 1 do Cod. Penal, apresenta uma moldura variável entre um limite mínimo e um limite máximo (período fixado entre três meses e três anos).

20. A sua determinação deve ter por base as circunstâncias do caso concreto, a culpa do agente e as exigências de prevenção. (art. 71.º Cod. Penal).

21. Ora, in casu, para além dos factos supra referidos, convém ter em linha de conta que o arguido é trabalhador de uma empresa de telecomunicações, utilizando o automóvel como instrumento de trabalho.

22. Acresce que, não tendo possibilidades económicas para contratar um motorista, a pena aplicada causar-lhe-á inúmeros prejuízos, que podem coloca-lo numa situação de absoluta carência económica, atentos os encargos e despesas básicas do seu agregado familiar que tem a seu cargo, o que certamente provocará sérios problemas na sua vida profissional e pessoal.

23. Paralelamente, é de notar que o período de 4 meses aplicado não é sustentada nos mesmos argumentos que o Tribunal invocou para a determinação da pena principal, designadamente a ilicitude do facto (reduzida), a inexistência de antecedentes criminais, as condições pessoais do arguido e a sua situação económica e profissional.

24. Por outro lado, as exigências de prevenção especial e geral também não justificam tal medida.

25. Assim, a medida da pena acessória deve ser dispensada;

26. Ou, caso assim não se entenda, ser a mesma reduzida para o seu limite minino, isto é, 3 meses.

27. Porquanto o Tribunal a quo violou, entre outros, os art. 65.º, 69.º e 71.º, todos do Cod. Penal.

Termos em que e nos demais de direito, sempre com o douto suprimento de v. exas. deverá:

a) Ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogada a sentença recorrida e em consequência:

b) Ser aplicada ao arguido pena inferior à pena de 70 (setenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), o que perfaz a quantia de € 350,00 (trezentos e cinquenta euros);

c) Ser o arguido absolvido da pena acessória aplicada ou, subsidiariamente;

d) Ser a mesma reduzida para o seu limite mínimo.

Fazendo-se assim a habitual e necessária justiça!


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            Respondeu ao recurso a Digna Magistrada do Ministério Público, formulando no termo da contramotivação as seguintes conclusões:

            1. Atendendo à moldura penal abstracta do crime de condução de veículo automóvel em estado de embriaguez, aos critérios constantes nos artºs 40º, 70º e 71º, do CP e verificando-se que são concretamente elevadas as exigências de prevenção geral, que o dolo é direto, a ilicitude da conduta é elevada, verificamos que a pena aplicada é justa e adequada à satisfação das finalidades de prevenção geral positiva ou de integração, à culpa do arguido pelos factos e às exigências de prevenção especial de socialização.

2. Na determinação da medida concreta da pena acessória, tem o Tribunal de atender aos mesmos critérios gerais previstos, embora a sua finalidade tenha um âmbito mais restrito, pois enquanto a pena principal visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, a proibição de conduzir visa principalmente censurar a perigosidade do agente e contribuir para a sua emenda, ainda que se lhe assinale também um efeito de prevenção geral de intimidação, a funcionar exclusivamente dentro do limite da culpa.

3. Analisada a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, verifica-se que, o Tribunal não podia deixar de condenar o arguido na pena acessória, pois a condução de um veículo automóvel com uma TAS tão elevada, nas circunstâncias de tempo e de lugar mencionadas no auto de notícia é uma conduta especialmente censurável;

4. Acresce que o Tribunal a quo valorou, na determinação da medida das penas, principal e acessória, a sua confissão integral e sem reservas do arguido (que, in casu, não se reveste de grande relevo), o seu arrependimento, a falta de antecedentes criminais e todas as circunstâncias sócio-económicas mencionadas nas suas declarações.

5. De facto, o Tribunal fixou o quantum das penas, principal e acessória muito próximo do limite mínimo legalmente previsto.

6. Pena mais baixas do que as fixada pelo Tribunal seriam manifestamente insuficientes para cumprir as finalidades que o ordenamento jurídico-penal lhes confere.

7. Pelo exposto, afigura-se-nos que a decisão do Tribunal a quo é justa e adequada, que não violou quaisquer disposições legais e que não merece qualquer censura, devendo ser mantida.

Termos em que, deverão Vªs Exas. negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida, assim fazendo, JUSTIÇA


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Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, subscrevendo a resposta do Ministério Público, afirmando a falta de fundamento quanto à pretendida dispensa da pena acessória e a correcta determinação da medida das penas, e concluiu pela improcedência do recurso.

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            Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.

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            Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

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            II. FUNDAMENTAÇÃO

Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são:

- A de saber se a pena acessória pode ou não ser dispensada;

- A de saber se a medida das penas é ou não excessiva.


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                        Para a resolução destas questões, importa ter presente o que de relevante consta da sentença recorrida. Assim:

            A) Nela foram considerados provados os seguintes factos, por nós numerados [após audição do registo gravado da audiência de julgamento, uma vez que a sentença foi proferida oralmente]:

            “ (…).

            1. No dia 7 de agosto de 2018, cerca das 16:30 horas, na Rua dos Leitões, Carvalhais de Baixo, Santa Clara e Castelo Viegas, Coimbra, o arguido conduziu o veículo automóvel ligeiro de matrícula ….

2. Nessas circunstâncias de tempo e lugar o arguido foi fiscalizado pela GNR – Posto de (...) .

3. Ao ser-lhe efectuado o teste de pesquisa de álcool no sangue através do alcoolímetro da marca DRAGER, modelo 7110 MK III P, o arguido apresentou uma taxa de álcool de 2,138 gramas por litro de sangue, deduzido o erro máximo admissível.

4. Ao proceder conforme o descrito tinha o arguido perfeito conhecimento de que não podia circular, na via pública, conduzindo o mencionado veículo, sob a influência do álcool, mas não obstante essa cognição, ingeriu, antes de iniciar a condução, bebidas alcoólicas necessárias e suficientes para acusar a supra referida taxa de alcoolemia.

5. O arguido agiu sempre de modo livre, deliberado e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e criminalmente punida.

6. O arguido confessou os factos integralmente e sem reservas.

7. O arguido mostrou arrependimento e teve postura contrita e educada.

8. O arguido não tem antecedentes criminais.

9. O arguido reside em Portugal e em França, trabalha como técnico de comunicações com o vencimento mensal líquido de € 1200, e tem cinco filhos que ajuda economicamente.

10. O arguido não foi interveniente em acidente de viação.

(…)”.

B) Quanto à determinação da medida concreta das penas, principal e acessória, resulta da audição do mesmo registo gravado da audiência de julgamento ter a Mma. Juíza a quo ponderado, quanto à pena principal, a TAS bastante acima do limiar da punibilidade, a confissão integral e sem reservas, a inexistência de antecedentes criminais, a assunção da responsabilidade pelo arguido e a sua inserção laboral, familiar e comunitária, retirando da concreta TAS a necessidade de a pena concreta se situar acima do ponto médio da moldura abstracta aplicável, e quanto à pena acessória, a sua imposição pelas exigências de prevenção geral e especial, e o desconhecimento da possibilidade da sua dispensa.          


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            Da dispensa da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor

            1. Alega o recorrente – conclusões 23 a 25 – que tendo o tribunal a quo invocado na determinação da medida concreta da pena acessória os mesmos argumentos invocados para a determinação da medida concreta da pena de multa designadamente, a reduzida ilicitude do facto, a inexistência de antecedentes criminais, as condições pessoais e a inserção económica e profissional, e uma vez que as exigências de prevenção não a justificam, deve a pena acessória ser dispensada.

            Com ressalva do devido respeito, entendemos carecida de fundamento a pretensão do recorrente.

            Com efeito, a dispensa de pena só está prevista para as penas principais de prisão e de multa (art. 74º, nº 1) pelo que, a sua aplicação às penas acessórias, designadamente, à pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, consubstanciaria uma violação do princípio da legalidade.


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            Da excessiva medida das penas

            3. Alega o recorrente – conclusões 3 a 9 – que a sua condenação na pena de setenta dias de multa foi excessiva, pois o tribunal a quo não considerou todas as circunstâncias atenuantes designadamente, o seu provado arrependimento, e o seu sentido de culpabilidade e de autocrítica, manifestado pelo seu comportamento, pelo que, deveria ter sido sancionado com pena mais leve.

            Vejamos.

Como é sabido, a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (art. 40º, nº 1 do C. Penal) mas, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (nº 2 do mesmo artigo) pois que esta, exprimindo a responsabilidade individual do agente pelo facto, é o fundamento ético daquela. Concordantemente, estabelece o art. 71º, nº 1 do C. Penal que, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

Assim, prevenção – geral e especial – e culpa são os factores a ter em conta na aplicação da pena e determinação da sua medida, reflectindo a primeira a necessidade comunitária da punição do caso concreto e constituindo a segunda, dirigida ao agente do crime, o limite inultrapassável da pena (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, pág. 214 e ss.). E por isso, toda a pena que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa é uma pena justa (Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª Edição, 2ª Reimpressão, 2012, Coimbra Editora, pág. 84).

O critério legal de escolha da pena encontra-se previsto no art. 70º do C. Penal e consiste na prevalência da pena de multa sobre a pena de prisão, previstas em alternativa na norma incriminadora, sempre que a aplicação daquela realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

In casu, a punição do crime praticado pelo recorrente é feita, em alternativa, pela aplicação de pena de prisão ou de pena de multa. A escolha da pena não integra o objecto do recurso mas sempre diremos, no entanto, que a opção tomada pela 1ª instância foi correcta.

O critério legal da determinação da medida da pena encontra-se previsto no art. 71º do C. Penal. Nos termos do disposto nos seus nºs 1 e 2, tal determinação, tendo em conta a moldura penal abstracta aplicável, é feita ponderando as exigências de prevenção geral e especial, a medida da culpa do arguido e todas as circunstâncias que, não sendo típicas, militem contra e a seu favor designadamente, as enunciadas naquele nº 2.

Dito isto.

Na sentença recorrida, para a determinação da medida concreta da pena de multa foram ponderadas, como supra se deixou referido, a TAS de que o recorrente era portador e o seu distanciamento do limiar da tipicidade, a confissão integral e sem reservas, a assunção da culpa, a inexistência de antecedentes criminais, e a sua inserção laboral, familiar e comunitária.

Contrariamente ao afirmado pelo recorrente o grau de ilicitude do facto não é reduzido, nem tal consideração é feita na sentença pois que a TAS de que era portador de 2,138 g/litro, em muito excede o valor de 1,20 g/litro, mínimo previsto para a prática do crime. Por outro lado, a inexistência de consequências para terceiros da conduta do recorrente pouco relevo têm, por estarmos perante um crime de perigo abstracto.

A confissão integral e sem reservas têm um valor atenuativo pouco significativo na medida em que o recorrente confessou o que não podia ser negado, dado ter sido detido em flagrante delito.

O arrependimento que o tribunal a quo considerou como provado, ainda que não expressamente mencionado na operação, não deixou de nela estar presente, quando se refere que o recorrente assumiu a sua responsabilidade ou seja, interiorizou a sua culpa.

Em todo o caso, existindo um relativo equilíbrio entre as circunstâncias agravantes e as circunstâncias atenuantes, e sendo elevadas as exigências de prevenção geral, dada a frequência com que o crime de condução de veículo em estado de embriaguez vem sendo praticado, a fixação da pena de multa ligeiramente acima do ponto médio da moldura abstracta aplicável mostra-se proporcionada, adequada e plenamente suportada pela medida da culpa do recorrente, pelo que deve ser mantida a pena se setenta dias multa decretada pela 1ª instância.

4. Alega o recorrente – conclusões 11 a 22 e 26 – que sendo reduzido o grau de ilicitude do facto e a censurabilidade da conduta, tendo 64 anos de idade, não tendo antecedentes criminais, não tendo cometido contra-ordenações graves ou muito graves, sendo um condutor exemplar e estando inserido social e profissionalmente, não existe justificação para a aplicação da pena acessória, e ainda que, carecendo de utilizar veículo automóvel para o exercício da sua actividade profissional e não tendo possibilidades de contratar um motorista, a aplicação da pena causar-lhe-á prejuízos e sérios problemas na sua vida profissional e pessoal pelo que, deve a mesma ser reduzida ao mínimo legal.

Vejamos.

Como é sabido, são penas acessórias as que só podem ser decretadas na sentença conjuntamente com uma pena principal.

É condição necessária da sua aplicação, a condenação do agente numa pena principal mas já não, sua condição suficiente, pois que, como ensina Figueiredo Dias, torna-se, porém, sempre necessário ainda que o juiz comprove, no facto, um particular conteúdo do ilícito, que justifique materialmente a aplicação em espécie, da pena acessória (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, pág. 197). É que, como decorre do princípio geral estabelecido no art. 65º, nº 1 do C. Penal, nenhuma pena envolve, como efeito necessário a perda de direitos, civis, profissionais ou políticos.

O C. Penal prevê as penas acessórias no Livro I, Título III, Capítulo III, mas não estabelece um regime específico para a sua determinação. Pressupondo elas, conforme já referido, a condenação do arguido numa pena principal [prisão ou multa], são verdadeiras penas criminais e por isso, estão também ligadas à culpa do agente e são justificadas pelas exigências de prevenção (cfr. Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, 1ª Edição, 2013, Coimbra Editora, pág. 34).

São pois aplicáveis às penas acessórias os critérios legais de determinação das penas principais o que vale dizer que, em princípio, deve ser observada uma certa proporcionalidade entre a medida concreta da pena principal e a medida concreta da pena acessória, sem todavia esquecer que a finalidade a atingir com esta última é mais restrita, pois visa, essencialmente, prevenir a perigosidade do agente. Mas a conveniência na observação desta relação de proporcionalidade não significa que a medida concreta da pena acessória tenha que ser fixada, quase que por cálculo aritmético, na exacta proporção da medida concreta da pena principal.

O art. 69º, nº 1 do C. Penal prevê um período de três meses a três anos para a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor.

Para o efeito de que agora cuidamos, na sentença recorrida foi entendido que as exigências de prevenção impunham a aplicação da pena acessória. Pois bem.

Consta da Relatório da sentença recorrida [acta da audiência de julgamento de fls. 76 a 77 verso] que o arguido nasceu a 7 de Agosto de 1964 pelo que tem, hoje, 54 anos de idade, e não, 64, como consta da motivação. Acontece que não consta dos factos provados da sentença recorrida qualquer referência aos seus antecedentes contra-ordenacionais rodoviários, qualquer referência à qualidade condutor exemplar, nem qualquer referência à necessidade da carta de condução para o exercício da sua profissão, sendo certo que no recurso não foi impugnada a decisão da 1ª instância proferida sobre a matéria de facto.    

Assim, estas circunstâncias invocadas pelo recorrente, são inaproveitáveis, para a questão em análise. Quanto ao mais.  

Tendo como pano de fundo o critério legal estabelecido no art. 71º, nº 1 do C. Penal e as circunstâncias a ponderar, nos termos do nº 2 do mesmo artigo, perante uma TAS de 2,138 g/litro, a inexistência de consequências da conduta [não obstante estarmos perante um crime de perigo abstracto], o arrependimento, a inexistência de antecedentes criminais e a inserção social, considerando ainda as elevadas exigências de prevenção geral, resulta inequivocamente comprovado no facto, o particular conteúdo do ilícito, que justifica materialmente a aplicação da pena acessória ao arguido, face à necessidade comunitária de prevenir a sua perigosidade enquanto condutor de veículos com motor.

Por outro lado, situando-se a medida concreta da pena acessória fixada pela 1ª instância, muito ligeiramente acima [um mês] do limite mínimo, ela é seguramente benévola pelo que, carece de fundamento a pretendida redução.

Deve pois, ser mantida a pena acessória fixada pela 1ª instância.


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III. DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça, em 4 UCS. (arts. 513º, nº 1 do C. Processo Penal e 8º, nº 9 do R. das Custas Processuais e tabela III, anexa).


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Após baixa dos autos, uma vez que se mantém a pena acessória de proibição de conduzir, a 1ª instância diligenciará pela notificação do arguido para proceder, no prazo de dez dias, à entrega, da sua licença de condução na secretaria do tribunal ou em qualquer posto policial, com a legal cominação (AUJ do STJ n.º 2/2013, DR n.º 5, I-S, de 08.01.2013).       


Coimbra, 20 de Março de 2019


Acórdão integralmente revisto por Vasques Osório – relator – e Helena Bolieiro – adjunta.