Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
135/20.3T8SEI-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA CATARINA GONÇALVES
Descritores: INSOLVÊNCIA CULPOSA
ACTOS DE DISPOSIÇÃO DE BENS DO DEVEDOR
INDEMNIZAÇÃO
CRITÉRIOS DE QUANTIFICAÇÃO
Data do Acordão: 02/15/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE SEIA DO TRIBUNAL DA COMARCA DA GUARDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 186.º, N.º 2, ALÍNEA D), 189.º, N.º 2, ALÍNEAS B), C) E E), E N.º 4, DO CIRE DO CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESA (DL N.º 53/2004, DE 18 DE MARÇO).
Sumário: I – O proveito obtido por via de actos de disposição de bens do devedor que releva para efeitos do art.º 186.º, n.º 2, alínea d) do CIRE, corresponde a um benefício que não seja devido e que não corresponda à satisfação de um direito ou a um benefício que, apesar de devido, não deveria ter sido atribuído e concedido nas concretas circunstâncias em que o foi porque, nessas circunstâncias, ele devia pertencer a outrem.

II – Não releva, por regra, para os efeitos referidos em I), a satisfação de um crédito vencido efectuada pelo devedor a determinado credor por meios usuais no comércio jurídico, mesmo que já exista uma situação de insolvência.

III – A satisfação do direito de um credor por via de uma dação em cumprimento de imóveis da devedora e cessão de crédito emergente da venda de bens móveis anteriormente efectuada constituirá acto de disposição de bens em proveito do credor que, como tal, determina a qualificação da insolvência como culposa, não só quando o valor dos bens/direitos entregues seja superior ao valor do crédito, mas também quando seja realizada num momento em que o devedor já se encontra em situação de insolvência e quando o produto da venda desses bens que viesse a ser efectuada no âmbito da insolvência devesse reverter (no todo ou em parte) para a satisfação dos direitos de outros credores.

IV – A quantificação da indemnização a que se reportam a alínea e) do n.º 2 e o n.º 4 do art.º 189.º do CIRE é feita atendendo ao concreto dano a indemnizar, correspondente ao valor total ou parcial dos créditos que não sejam satisfeitos por causa da conduta que determinou a qualificação da insolvência, e de acordo com os critérios a fixar pelo juiz que, tendo em conta as circunstâncias do caso, se revelem adequados para apurar a medida e o valor desse dano.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I.

No âmbito dos autos de insolvência referentes a Q..., Ld.ª, cuja insolvência foi declarada por sentença proferida em 17/04/2020, a credora G..., Ld.ª veio requerer que a insolvência fosse qualificada como culposa, alegando, em resumo:

- Que a Insolvente não cumpriu o dever de se apresentar à insolvência;

- Que celebrou negócios de “Dações em cumprimento com cessão de créditos” em benefício de uma das suas credoras – a C... – e em benefício do casal AA e sua mulher BB;

- Que essas condutas integram a previsão da alínea d) do n.º 2 e da alínea a) do n.º 3 do art.º 186.º do CIRE, sendo ainda possível que preencham a previsão da alínea f) do n.º 2 dadas as relações demasiado estreitas, seja com a C..., seja com o casal AA e sua mulher BB.

A Administradora da Insolvência apresentou o seu parecer onde conclui que a insolvência deve ser qualificada como culposa nos termos peticionados pela credora e ao abrigo das disposições legais por ela citadas, devendo ser afectado por essa qualificação o gerente CC.

O Ministério Público propôs também que a insolvência fosse qualificada como culposa por existirem condutas que integram a previsão das alíneas a), d), e), f) e h) do n.º 2 do art.º 186.º e da alínea a) do n.º 3 da mesma disposição legal.

A Insolvente e o respectivo gerente vieram deduzir oposição, alegando em resumo:

- Que a dação em pagamento dos imóveis à C... – que detinha hipotecas sobre os mesmos – foi efectuada por valor muito superior ao seu real valor de mercado;

- Que os bens móveis mais significativos estavam dados em penhor à C... e a sua venda foi efectuada por valor correspondente a mais de 40% do seu real valor de mercado;

- Que, dadas as garantias de que gozava a C..., esse negócio foi o mais vantajoso possível para a Insolvente e não beneficiou quem quer que fosse em prejuízo de outrem;

- Que é totalmente alheio à transmissão que a credora C... efectuou posteriormente a AA e BB;

- Que sempre procurou actuar de forma diligente e cuidada, nunca pondo qualquer interesse pessoal na frente dos interesses sociais;

- Que a insolvência não foi criada nem agravada em consequência da sua actuação;

- Que nunca actuou com dolo ou culpa grave, tendo apenas procurado resolver os problemas com que se debatia a entidade a que geria, designadamente acções judiciais, acordos de pagamento, inclusive com entidades públicas, os quais foi cumprindo até ao limite do que lhe era exigível;

- Que o dever de apresentação à insolvência foi cumprido, sendo certo que, em face do curso dos acontecimentos e das legítimas expectativas comerciais, apenas a partir da segunda quinzena de Fevereiro de 2020 se poderá falar na existência desse dever.

Concluem pedindo que a insolvência seja qualificada como fortuita.

Foi proferido despacho saneador, foi fixado o objecto do litígio e foram delimitados os temas da prova.

Realizadas as diligências probatórias que se consideraram pertinentes (designadamente prova pericial – avaliação) e realizada a audiência, foi proferida sentença onde se decidiu qualificar a insolvência como culposa.

Mais se decidiu:

a) Declarar afectado pela qualificação de insolvência culposa o seu gerente CC declarando-o inibido para administrar patrimónios de terceiros, para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa, durante o período de 3 (três) anos.

b) Determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos por CC condenando-se o mesmo a restituir bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos.

c) Condenar CC a indemnizar os credores da devedora insolvente no montante dos créditos não satisfeitos até às forças do seu património, em montante a liquidar em execução de sentença, a quantificar de harmonia com os seguintes critérios: valor dos créditos julgados verificados (no apenso respectivo) não satisfeitos através dos pagamentos a efectuar no processo de insolvência; a diferença entre o valor real dos veículos apreendidos à data da declaração da insolvência e o valor da sua venda; o grau [significativo] de culpa dos gerentes afectados.

Inconformado com essa decisão, o Requerido CC veio interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:


(…)

II.

Questões a apreciar:

Atendendo às conclusões das alegações do Apelante – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – são as seguintes as questões a apreciar e decidir:

· Saber se deve ser alterada a decisão proferida sobre a matéria de facto nos termos propostos pelo Apelante;

· Saber se há razões para qualificar a insolvência como culposa – com afectação do gerente da Insolvente – analisando especificamente a questão de saber se os actos praticados (dação em cumprimento de dois imóveis à C... e venda dos bens móveis com subsequente cessão à referida credora do crédito resultante dessa venda) correspondem a actos de disposição em proveito de terceiros para os efeitos previstos na alínea d) do n.º 2 do art. 186.º do CIRE;

· Em caso de qualificação da insolvência como culposa, impõe-se a analisar a questão de saber se o período de três anos de inibição – que foi fixado nos termos das alíneas b) e c) do n.º 2 do art.º 189.º – é excessivo e se, em face das circunstâncias do caso, deve ser reduzido para dois anos;

· Apurar os critérios que devem nortear a fixação da indemnização a que se reportam a alínea e) do n.º 2 e o n.º 4 do art.º 189.º.


/////

III.

Matéria de facto

(…)

A matéria de facto provada – com as alterações agora introduzidas – será, portanto, a seguinte:

1. “Q..., Lda.”, pessoa colectiva nº ..., encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial ..., sob o mesmo número de matrícula, com sede em ..., ..., tendo por objecto a feitura e o comércio de queijo artesanal, nos termos constantes da certidão da Conservatória do Registo Comercial junta aos presentes autos com a referência n.º ..., cujo teor se dá por integralmente reproduzida e na qual se lê, designadamente, o seguinte:

(…)

Inscrições – Averbamentos – Anotações

Insc. 1 – AP.02/...05- CONTRATO DE SOCIEDADE E DESIGNAÇÃO DE MEMBRO(S) E DESIGNAÇÃO DE ÓRGÃO(S) SOCIAI(S)

(…)

SÓCIOS E QUOTAS

TITULAR: CC

(…)

TITULAR: DD

(…)

ÓRGÃO(S) DESIGNADO(S):

GERÊNCIA:

CC

Cargo: gerente.

DD

Cargo: gerente.

(…)

AV. 1-AP 156/20... (…) CESSAÇÃO DE FUNÇÕES DE MEMBRO(S) DO(S) ÓRGÃOS(S) SOCIAL(AIS) (ONLINE)

GERÊNCIA: (…) DD

(…)

Causa: renúncia

(…)”.

2. A C..., C.R.L.”, identificada como segunda outorgante, e a “Q..., Lda”., representada pelo seu gerente CC identificada como mutuária, acordaram os termos do documento epigrafado “MÚTUO COM HIPOTECA E FIANÇA”, datado de 4 de Junho de 2018, cuja cópia se mostra junta com a Oposição, como “documento n.º 2” onde a mutuária declara, designadamente, que, para garantia do empréstimo no valor de 120.000,00€ que lhe foi concedido pela segunda outorgante (bem como juros e despesas), constitui a favor desta hipoteca sobre os imóveis ali identificados e que, “(…) para garantia de todas e quaisquer quantias que vierem a ser devidas no âmbito do presente contrato, em nome da sua representada, dá de penhor, a favor da C... os seguinte bens: Cuba de Cuajar Doble O Cerrada CDT – 3000, a que atribuem o valor de quarenta e dois mil duzentos e dez euros; Moldeadora Multiformat MOD 4 TPI, a que atribuem o valor de cinquenta e sete mil seiscentos e sessenta euros (…)

2-A. “C..., C.R.L.”, identificada como primeira contraente, e a “Q..., Lda.”, representada pelo seu gerente CC identificada como mutuária acordaram nos termos do documento epigrafado “CONTRATO DE MÚTUO COM AVAL E PENHOR” datado de 29 de Julho de 2019, cuja cópia se mostra junta com a contestação, como “documento n.º 1” e cujo teor aqui se dá por reproduzido e no qual se pode ler o seguinte:

PRIMEIRA (…)

1. Por este contrato, a C... concede ao MUTUÁRIO, a seu pedido e no seu interesse, um empréstimo no montante de € 150.000,00€ (cento e cinquenta mil euros). (…)

OITAVA (penhor mercantil)

1. O MUTUÁRIO constitui primeiro penhor, nos termos dos artigos 669º e seguintes do Código Civil (…) a favor da C..., sobre os bens constantes da relação reportada ao número seguinte, livres de quaisquer ónus, encargos e obrigações, de qualquer natureza, abrangendo as respectivas partes componentes, benfeitoras e direitos, bem como as indemnizações e quaisquer outras quantias que lhes respeitem.

2. RELAÇÃO dos bens objecto do penhor, com o correspondente valor que lhes é atribuído, existentes e/ou situados nos resistivos locais, como se indica:

- Bens existentes no edifício da fábrica, do MUTUÁRIO, no topo norte, situado em ..., ...:

a) Uma máquina de refrigeração com as seguintes identificações: Um quadro com especificações técnicas com o nome “GENERATORE DI VAPORE – “CALDEIRA DE VAPOR” com a inscrição Babcok Wanson, um quadro com as letras SKK em cor amarela, com a referência 7783, identificação QECP, fabricante SKK, data de fabrico JUL 2011 (…) com o valor indicativo de €150.000,00 (cento e cinquenta mil euros) (…)”

3. Após a cessação do contrato celebrado entre a “Q..., Lda.” e a “M..., em Agosto de 2019, o qual representava cerca de 35% das vendas da empresa, o Requerido CC em representação da Q..., Lda., contactou várias sociedades por forma a substituir a posição ocupada pela “M..., não logrando sucesso devido à falta de viabilidade económica dessas propostas de fornecimento

4. A partir de Agosto de 2019, o Requerido CC em representação da Q..., Lda., contactou diversos investidores de capital, no sentido da entrada destes nos capitais ou venda da empresa, e interessados na aquisição do património imobiliário e mobiliário da Q..., Lda., daí não existindo interesse quanto à primeira opção e não encontrando ofertas superiores a 800.000,00 Euros, quanto à segunda

5. A sociedade “Q..., Lda.” encerrou a sua actividade laboral, pelo menos, a 28 de Novembro de 2019.

6. A 28 de Novembro de 2019, a “Q..., Lda.” cessou o contrato de trabalho com todos os trabalhadores da sociedade.

7. CC outorgando por si e na qualidade de sócio gerente e em representação da “Q..., Lda.”, e mulher DD – identificados como primeiros outorgantes – e EE e FF, outorgando na qualidade de administradores e em representação da “C..., C.R.L.” – identificados como segundos outorgantes – acordaram nos termos do documento intitulado “DAÇÕES EM CUMPRIMENTO COM CESSÃO DE CRÉDITO”, datado de 14 de Fevereiro de 2020, lavrado no Cartório Notarial ... cuja cópia se encontra junta aos autos com o parecer juntos aos autos pela Sr.ª Administradora de Insolvência como “documento n.º4”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e no qual se lê, designadamente, o seguinte:

DISSE O PRIMEIRO OUTIRGANTE MARIDO NA QUALIDADE DE REPRESENTANTE DA SOCIEDADE:

Que a sociedade sua representada é devedora à representada dos segundos outorgantes da quantia de UM MILHÃO CINQUENTA E SETE MIL TREZENTOS E UM EUROS E TRINTA E NOVE CÊNTIMOS”, provenientes de diversos empréstimos, devidamente formalizados, concedidos por aquela instituição de crédito.

Que para pagamento parcial, no montante de SEISCENTOS E OITENTA E CINCO MIL TREZENTOS E UM EUROS E TRINTA E NOVE CÊNTIMOS, dessa dívida,

i) Os primeiros outorgantes, por si, dão à representada dos segundos outorgantes os seguintes imóveis (…)

ii) O primeiro outorgante marido, em nome da representada, dá também, à representada dos segundos outorgantes os seguintes imóveis (…):

TRÊS – PRÉDIO RÚSTICO, composto de terra de cultura e oliveira, sito em ... (…) inscrito na respectiva matriz sob o artigo ... (...) e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número duzentos e cinquenta e um (…).

(…)

QUATRO – PRÉDIO URBANO, composto de edifício destinado a fábrica de lacticínios, sito a ..., no lugar de ... (…) inscrito na matriz sob o artigo ... (…) descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número seiscentos e cinquenta e cinco (…).

(…)

PELOS SEGUNDOS OUTORGANTES FOI DITO NA INDICADA QUALIDADE:

Que, para a sua representada, aceitam o presente contrato, nos termos exarados e em consequência declaram parcialmente extinta, na referida proporção, a mencionada dívida.

MAIS DECLAROU O PRIMEIRO, NA QUALIDADE DE REPRESENTANTE DA SOCIEDADE:

- Que a sua representada detém sobre a sociedade comercial por quotas E..., Lda. (…) um crédito, já vencido, proveniente da fatura um nove A um barra mil trezentos e sessenta e três, no valor de trezentos e setenta e dois mil euros.

- Que para pagamento parcial, no montante de TREZENTOS E SETENTA E DOIS MIL EUROS, da referida dívida, o primeiro outorgante, na qualidade de representante da sociedade, dá, à representada dos segundos outorgantes, o referido direito de crédito.

- PELOS SEGUNDOS OUTORGANTES FOI DITO NA INDICADA QUALIDADE:

- Que, para a sua representada, aceitam o presente contrato, nos termos exarados e em consequência declaram, assim, completamente extinta, a mencionada dívida no referido montante de um milhão cinquenta e sete mil trezentos e um euros e trinta e nove cêntimos. (…)”

8. GG, outorgando na qualidade de procurador e em representação da “C..., C.R.L.” – identificado como primeiro outorgante – e AA e mulher BB, outorgando por si e ainda na qualidade de únicos sócios e gerentes e em representação da “Q..., Lda.” e actuando o outorgante marido ainda na qualidade de gerente, com poderes para o acto e em representação da sociedade por quotas “E..., Queijariam Lda.”– identificados como segundos outorgantes – acordaram nos termos do documento intitulado “COMPRA E VENDA E MÚTUO COM HIPOTECA, PENHOR E FIANÇA”, datado de 30 de Abril de 2020, lavrado no Cartório Notarial ..., cuja cópia se encontra junta aos autos principais e no apenso “E” com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e no qual se lê, designadamente, o seguinte:

(…)

DISSE O PRIMEIRO OUTORGANTE NA INDICADA QUALIDADE:

--Que pelo preço de SEISCENTOS E DEZANOVE MIL EUROS, já recebido, vende, livre de ónus ou encargos, à representada dos segundos outorgantes “Q..., Lda.”, o seguinte imóvel (…)

UM – PRÉDIO URBANO, composto de edifício destinado a fábrica de lacticínios, sito a ... (…) inscrito na matriz sob o artigo ... (…) descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número seiscentos e cinquenta e cinco (…).

DISSERAM OS SEGUNDOS OUTORGANTES NA Q..., Lda.”:

-- Que para a sua representada aceitam este contrato nos termos exarados. (…)

9. “Q..., Lda.”, pessoa colectiva nº ..., encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial, sob o mesmo número de matrícula, com sede em ..., ..., tendo por objecto a produção de diversos tipos de leite, queijo e produtos frescos ou conservados derivados do leite, o comércio por grosso de leite e seus derivados incluindo as atividades auxiliares correspondentes tais como o corte/fatiado, a embalagem, o acondicionamento e a etiquetagem, a produção de produtos derivados do leite (queijo) e comércio, importação, a exportação, distribuição e representação de produtos alimentares, nos termos constantes da certidão da Conservatória do Registo Comercial junta aos presentes autos com a referência n.º ..., cujo teor se dá por integralmente reproduzida e na qual se dê, designadamente, o seguinte:

Insc.(…) AP. 33/20200219 ...12:55:18 UTC - CONSTITUIÇÃO DE SOCIEDADE, DESIGNAÇÃO DE MEMBRO(S) DE ÓRGÃO(S) SOCIAL(AIS).”

(…)

SÓCIOS E QUOTAS

TITULAR: BB

(…)

TITULAR: AA.

10. “E..., Lda.”, pessoa colectiva nº ..., encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial ..., sob o mesmo número de matrícula, com sede em ..., O..., tendo por objecto a indústria de lacticínios, comércio de queijos e seus derivados; comércio de produtos alimentares, charcutaria, pão, bebidas, mel, azeite, frutos secos e tabaco, nos termos constantes da certidão da Conservatória do Registo Comercial junta aos presentes autos com a referência n.º ..., cujo teor se dá por integralmente reproduzida e na qual se dê, designadamente, o seguinte:

(…)

Insc.1 Ap.01/...27 - CONSTITUIÇÃO DE SOCIEDADE E DESIGNAÇÃO DE MEMBRO(S) DE ORGÃO(S) SOCIAL(AIS)

SÓCIOS E QUOTAS

TITULAR: AA

(…)

TITULAR: HH

Insc.2 AP. 2 e 3/20... 16:06:38 UTC - ALTERAÇÕES AO CONTRATO DE SOCIEDADE E DESIGNAÇÃO DE MEMBRO(S) DE ORGÃO(S) SOCIAL(AIS)

(…)

GERÊNCIA:

AA

(…)

BB (…)

11. O documento factura com o número ...63, referido no documento descrito em 7., cuja cópia se mostra junta aos autos com o parecer juntos aos autos pela Sr.ª Administradora de Insolvência como “documento n.º 3” e cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido, com o valor global de 372.000,00€, foi emitida a 13 de Fevereiro de 2020 pela “Q..., Lda.” a favor da “E..., Lda.”.

12. O prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ... tem o valor de mercado de 661.124,00€

13. O prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ... tem o valor de mercado de 19.687,00€

14. Os bens móveis elencados na factura referida em 11. têm o valor de mercado global de 247.324,90€.

15. Por requerimento entrado em juízo nos autos principais a 18 de Março de 2020, “Q..., Lda.” veio requerer a sua declaração como insolvente.

16. Por sentença proferida nos autos principais a 13 de Abril de 2020, transitada em julgado, foi declarada a insolvência de “Q..., Lda.”.

17. Por sentença proferida no apenso de reclamação de créditos (apenso B”) a 29 de Outubro de 2020, transitada em julgado, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, foram verificados os créditos reclamados, mais se ordenando o pagamento dos mesmos através do produto do único bem da massa insolvente relacionado da seguinte forma: 1.º - Dar-se-á pagamento aos créditos reclamados pelo Ministério Público, em representação da Fazenda Nacional referentes ao IRS e IRC e respectivos juros de mora (com a limitação dos 12 meses a que se fez referência no que aos juros concerne): 2.º - Do remanescente, dar-se-á pagamento ao crédito do Instituto da Segurança Social, I.P. (com a limitação dos 12 meses a que se fez referência) e ao crédito do Instituto do Emprego e da Formação Profissional (com a limitação dos 12 meses a que se fez referência).;3.º - Do remanescente, dar-se-á pagamento aos créditos comuns; 4.º - Do remanescente, dar-se-á pagamento aos créditos subordinados.

18. A 31 de Janeiro de 2020, a Insolvente tinha perante a “C..., C.R.L.”, as responsabilidades constantes do documento junto com o parecer junto aos autos pela Sr.ª Administradora de Insolvência como “documento n.º 19”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e no qual se lê, designadamente, o seguinte:

19. O prédio sito em ..., composto por fábrica de lacticínios, encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ..., Freguesia de ..., sob o n.º ... nos termos constantes da certidão junta com o parecer junto aos autos pela Sr.ª Administradora de Insolvência como “documento n.º 16”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e no qual se lê, designadamente, o seguinte:

(…)

AP. ...07 de 2011/03/15 (…) Hipoteca Voluntária

(…)

CAPITAL: 750.000,00 Euros

MONTANTE MÁXIMO ASSEGURADO: 1.050.000,00 Euros

SUJEITO(S) ATIVO(S):

C..., C.R.L.

(…)

SUJEITO(S) PASSIVO(S):

Q..., LDA.

(…)

AP. ...5 de 2017/12/29 (…) Hipoteca Voluntária

(…)

CAPITAL: 300.000,00 Euros

MONTANTE MÁXIMO ASSEGURADO: 429.000,00 Euros

SUJEITO(S) ATIVO(S):

C..., C.R.L.

(…)

SUJEITO(S) PASSIVO(S):

Q..., LDA.

(…)

20. O prédio sito em ..., composto por terra de culturas e oliveiras, encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ..., Freguesia de ..., sob o n.º ... nos termos constantes da certidão junta com o parecer junto aos autos pela Sr.ª Administradora de Insolvência como “documento n.º 15”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

21. Por carta datada de 9 de Julho de 2020, cuja cópia se mostra junta aos autos com as petições iniciais oferecidas nos apensos “E” e “F” e cujo teor aqui se dá por reproduzido, a Sr.ª Administradora de Insolvência resolveu, em beneficio da massa insolvente, os seguintes negócios jurídicos:

- A dação do prédio rústico inscrito na respectiva matriz sob o artigo ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...;

- A dação do Prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...;

- A Cessão do crédito detido pela sociedade Q..., Lda., a que se refere a Factura nº ...63, emitida pela Q..., Lda., a favor da sociedade E..., Lda., a 13.02.2020, no montante de 372,000,00 €.

22. Por requerimentos entrados em Juízo a 9 de Outubro de 2020, 10 de Outubro de 2020 e 4 de Novembro de 2020, “C..., C.R.L.”, “Q..., Lda.” e “Q..., Lda.,”, respectivamente, vieram impugnar a resolução em beneficio da massa insolvente referida em 21., nos termos constantes das acções declarativas que correram termos nos apensos “E”; “F” e “G”.

23. Por sentença proferida no apenso “E”, a 1 de Junho de 2021, transitada em julgado, foi homologada a transacção constante do aí requerimento entrado em juízo a 6 de Maio de 2021 (cfr. referência n.º ...), que aqui se dá por integralmente reproduzida.

24. Por sentença proferida no apenso “F”, a 1 de Junho de 2021, transitada em julgado, foi homologada a transacção constante do aí requerimento entrado em juízo a 6 de Maio de 2021 (cfr. referência n.º ...), que aqui se dá por integralmente reproduzida.

24-A. Por sentença proferida no apenso “G”, a 1 de Junho de 2021, transitada em julgado, foi homologada a transacção constante do aí requerimento entrado em juízo a 6 de Maio de 2021 (cfr. referência n.º...), que aqui se dá por integralmente reproduzida e do qual consta, designadamente, que:

1. Considerando que os negócios a que aludem os apensos supra epigrafados, foram objecto de resolução pela Administradora de Insolvência, e que os aqui Autores vieram no exercício do direito que lhes assiste impugnar a declaração de resolução, peticionando a manutenção da validade desses mesmos negócios, as partes decidem por acordo, e de modo a por termo à discussão e sujeição à decisão judicial acerca da manutenção dos mesmos, que os referidos negócios se manterão plenamente válidos e eficazes nos precisos termos em que foram celebrados, ficando assim sem efeito todas as resoluções operadas pela Sra. Administradora de Insolvência.

25. Na sequência das transacções referidas em 23. e 24., a “C..., C.R.L.” entregou à Massa Insolvente da “Q..., Lda.” a quantia de 120.000,00€.

26. No âmbito dos autos de insolvência da “Q..., Lda.” foi apreendido o bem imóvel, concretamente, o prédio composto de pinhal e mato descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ..., com o valor patrimonial de 52,43€; estão inventariadas as Marcas Nacionais Registadas com os números ...80, 512881 e 512883 e foram transferidos para a Massa saldos bancários nos valores de 12.626,20€ e 1.000,00€.

27. Entre os dias 12 de Junho de 2021 e 13 de Julho de 2021 decorreu, no portal E-Leilões, o leilão para venda do prédio descrito em 26., pelo valor mínimo de 3.049,80€, aí tendo sido realizadas propostas de compra pelo valor de 1.811,94€.

28. Entre os dias 17 de Setembro de 2021 e 21 de Outubro de 2021, encontra-se a decorrer novo leilão no portal E-Leilões para venda do prédio descrito em 26., pelo valor mínimo de 2.592,33€.


/////

IV.

Fixada a matéria de facto, analisemos as restantes questões.

A decisão recorrida qualificou a insolvência como culposa e declarou afectado por essa qualificação o gerente da insolvente CCCC declarando a sua inibição para administrar patrimónios de terceiros, para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa, durante o período de 3 (três) anos. Mais se decidiu condenar CC “…a indemnizar os credores da devedora insolvente no montante dos créditos não satisfeitos até às forças do seu património, em montante a liquidar em execução de sentença, a quantificar de harmonia com os seguintes critérios: valor dos créditos julgados verificados (no apenso respectivo) não satisfeitos através dos pagamentos a efectuar no processo de insolvência; a diferença entre o valor real dos veículos apreendidos à data da declaração da insolvência e o valor da sua venda; o grau [significativo] de culpa dos gerentes afectados”.

Discordando dessa decisão, sustentam os Apelantes que a insolvência deve ser julgada fortuita. Subsidiariamente e para o caso de a insolvência ser considerada culposa, sustentam que a inibição aplicada deve ser fixada no limite mínimo e que a condenação constante da alínea c) deve ser reformulada no sentido de ser expurgada da referência a veículos automóveis e no sentido de o afectado responder apenas na medida em que o prejuízo possa/deva ser atribuído ao acto determinante da sua culpa.

Analisemos então essas questões.

Qualificação da insolvência

Comecemos por analisar a questão referente à qualificação da insolvência.

Para fundamentar essa decisão, considerou a decisão recorrida que os actos de venda e dação em cumprimento (vertidos na matéria de facto) – praticados por CC em representação da Insolvente – se incluem no âmbito de previsão da alínea d) do n.º 2 do art.º 186.º do CIRE, na medida em que, por via deles, o aludido gerente dispôs da esmagadora maioria do património em favor e benefício da C... e em detrimento dos demais credores.

Sobre esta matéria, argumentam os Apelantes:

· Que os actos praticados não correspondem a qualquer disposição em proveito pessoal ou de terceiros;

· Que o crédito da credora C... estava especialmente garantido por via de hipotecas e penhores sobre os bens que constituíam o património da Insolvente;

· Que, com os actos praticados – dação em cumprimento dos referidos imóveis e cessão de crédito, emergente da venda de bens de equipamento – a Insolvente extinguiu as suas responsabilidades bancárias no valor de 1.057.301,39€, o que não aconteceria caso os bens fossem vendidos no âmbito da insolvência, tendo em valor que o valor pelo qual os bens e crédito foram cedidos é superior ao valor de mercado dos bens e, consequentemente, ao valor que poderia ser obtido pela sua venda na insolvência;

· Que, se aqueles negócios não tivessem sido celebrados, a venda insolvencial não chegaria sequer para total satisfação dos créditos do credor garantido;

· Que a insolvência resultou da conjuntura económica, não tendo sido criada ou agravada por actuação do Recorrente, pelo que deve ser julgada fortuita.

Dispõe o art. 186º, nº 1, do CIRE que “a insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência”.

A qualificação da insolvência como culposa pressupõe, pois, de acordo com a norma citada: que a situação de insolvência tenha sido criada ou agravada por determinada conduta ou actuação do devedor ou dos seus administradores; que tal actuação seja dolosa ou gravemente culposa e que esta actuação tenha ocorrido nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência.

Estabelecem-se, no entanto, nos nºs 2 e 3 do citado art.º 186.º um conjunto de presunções que facilitam a qualificação da insolvência por via da verificação objectiva das situações ali mencionadas.

Deixando, por ora, de lado a previsão do n.º 3 (que não está em causa no presente recurso), temos como indiscutível que as situações previstas no n.º 2, correspondem a presunções absolutas ou inilidíveis da existência de insolvência culposa. Ou seja, a verificação de qualquer uma dessas situações determina, por si só, a qualificação da insolvência como culposa, presumindo o legislador – sem admitir prova em contrário, como decorre da expressão “considera-se sempre” – que em tais situações a insolvência é sempre culposa, sem que seja necessária a efectiva constatação de que existiu dolo ou culpa grave do devedor ou dos seus administradores e de que existiu um nexo causal entre a actuação (dolosa ou gravemente culposa) do devedor ou dos seus administradores e a criação ou agravamento da situação de insolvência. Como refere Luís Manuel Menezes Leitão[1], “verificados alguns destes factos, o juiz terá assim que decidir necessariamente no sentido da qualificação da insolvência como culposa. A lei institui consequentemente no art. 186º, nº 2, uma presunção iuris et de iure, quer da existência de culpa grave, quer do nexo de causalidade desse comportamento para a criação ou agravamento da situação de insolvência, não admitindo a produção de prova em sentido contrário”.

Assim, e tendo em conta que a decisão recorrida qualificou a insolvência como culposa por ter considerado verificada a situação prevista na alínea d) do referido n.º 2, o que importa saber é se, em face da matéria de facto provada, se deve ter (ou não) como verificada essa situação. Se ela se verificar, a insolvência terá que ser qualificada como culposa.

A citada alínea reporta-se às situações em que o administrador tenha disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros” e a situação de facto que resultou provada e que, segundo a decisão recorrida, integra essa previsão normativa corresponde aos negócios referidos nos pontos 7 e 11 da matéria de facto – celebrados em Fevereiro de 2020 – por via dos quais a Insolvente vendeu os bens móveis a E..., Ld.ª e procedeu à dação em cumprimento à C... – para pagamento de um crédito que esta detinha no valor de 1.057.301,39€ – de dois imóveis, além de lhe ter cedido o crédito que detinha sobre E..., Ld.ª resultante da venda dos bens móveis.

Esclareça-se que, na prática, todos esses bens – móveis e imóveis – reverteram para pagamento do crédito da C..., uma vez que, apesar de os bens móveis terem sido vendidos pela Insolvente a uma outra sociedade, o crédito correspondente ao preço devido por esse negócio foi também cedido à C....

Refira-se ainda que esses negócios – efectuados um mês antes da apresentação à insolvência – envolveram a quase totalidade do património da Insolvente, sendo certo que, no âmbito da insolvência, apenas foi apreendido um imóvel com o valor patrimonial de 52,43€ (estando em curso o leilão para proceder à respectiva venda pelo valor mínimo de 2.592,33€) e saldos bancários no valor de 13.626,20€ (existindo ainda três Marcas Nacionais Registadas cujo valor se desconhece).

Não há dúvida que os actos em questão são actos de disposição de bens do devedor. Mas, para que se verifique a situação prevista na citada alínea, é necessário ainda que essa disposição tenha sido efectuada em benefício ou proveito do próprio administrador ou de terceiros.

O proveito exigido para efeitos de preenchimento da previsão da citada alínea corresponderá, por regra, a um benefício que não seja devido e que não corresponda à satisfação de um direito, ou seja, um benefício adquirido pelo administrador ou por terceiro sem qualquer contrapartida ou benefício para a sociedade insolvente, ou, pelo menos, sem uma contrapartida que seja justa e adequada. Tal proveito poderá ainda corresponder ao benefício que, apesar de devido, não deveria ter sido atribuído e concedido nas concretas circunstâncias em que o foi porque, nessas circunstâncias, ele devia pertencer a outrem (situação que assume particular relevância nas situações de favorecimento de credores que analisaremos mais adiante). O que ali se pretendeu incluir – enquanto atitude censurável que se considera relevante para efeitos de qualificação de insolvência – foi a situação anómala em que o benefício emergente da disposição dos bens não reverte em favor da pessoa que, naquelas circunstâncias, dele deveria beneficiar, mas sim em favor de outrem, seja ele o administrador da pessoa colectiva a quem pertencem os bens, seja um terceiro.

À luz dessas considerações, podemos afirmar, desde já, que nada permite afirmar que o negócio de venda dos bens móveis tenha sido efectuado em proveito da sociedade adquirente; a venda foi efectuada mediante um determinado preço que foi acordado e que a adquirente se obrigou a pagar (preço que, aliás, foi bem superior ao valor de mercado dos bens que se julgou provado e que reverteu a favor da Insolvente) e, portanto, a transmissão da propriedade desses bens não corresponde a qualquer benefício ou proveito que tenha obtido, correspondendo apenas à prestação a que legitimamente tinha direito em face do negócio celebrado.

Assim, e porque também não resultou provado qualquer facto em função do qual se possa concluir que o gerente/administrador da Insolvente tenha tirado qualquer proveito pessoal daqueles actos (tais actos destinaram-se a pagar um débito da própria Insolvente), o que importa saber é se eles foram (ou não) praticados em benefício da credora C..., tendo em conta, como se referiu, que eles foram praticados com vista ao pagamento de um crédito que esta detinha sobre a Insolvente.

À partida, poder-se-á dizer que o pagamento a credores não corresponderá, por regra, a um qualquer benefício que lhes seja concedido, ao ponto de se considerar que existe um acto praticado em proveito dos credores que, como tal, seja susceptível de conduzir à qualificação da insolvência como culposa. E não há benefício ou proveito concedido a esses credores porque eles não estão a receber nada que não lhes seja devido; estão apenas a receber aquilo a que, legitimamente, têm direito (o pagamento/satisfação do seu crédito).

A situação pode, no entanto, assumir contornos diferentes quando os pagamentos a credores são efectuados num momento em que a sociedade já está em situação de insolvência. Com efeito, ainda que, em situação normal, o devedor não esteja obrigado a observar qualquer ordem ou prioridade na satisfação dos direitos dos seus credores, quando se encontra em situação de insolvência, o pagamento a alguns dos credores – fora, portanto, do concurso de credores que deve ter lugar em caso de insolvência – pode ser visto como favorecimento de uns credores em relação a outros em violação do princípio da igualdade dos credores que impera no âmbito da insolvência. Note-se, apesar de tudo, que, mesmo em situação de insolvência, o devedor não perde inteira liberdade para proceder ao pagamento dos créditos que entender, como se depreende do disposto no art. 121.º, n.º 1, alíneas f) e g) do CIRE, onde apenas se determinou a resolução (incondicional) em benefício da massa dos pagamentos efectuados no momento temporal ali referido quando estejam em causa créditos cujo vencimento fosse posterior ao início do processo de insolvência ou quando estejam em causa pagamentos efectuados em termos não usuais no comércio jurídico e que o credor não pudesse exigir.

Pensamos, portanto, que, ainda que o devedor já esteja em situação de insolvência, o benefício concedido a determinados credores – em detrimento de outros – por via do pagamento que lhes foi efectuado de créditos já vencidos, não se insere, por regra, no âmbito de previsão da referida alínea d) e não releva autonomamente para efeitos de qualificação de insolvência, porque daí não resulta para os credores o proveito exigido pela norma citada. O pagamento/satisfação do direito de um credor só poderá ser visto como um acto relevante para efeitos de preenchimento da situação prevista na citada alínea se as concretas circunstâncias em que ele foi efectuado evidenciarem a atribuição ao credor de um benefício ou proveito que não lhe era devido (como acontecerá nos casos em que a satisfação do crédito é feita por via da entrega de bens – dação em cumprimento – que excedem claramente o valor do crédito, tendo em conta que o excesso em questão corresponde a um efectivo proveito obtido pelo credor na medida em que não lhe era devido) ou quando a satisfação do direito, nas circunstâncias em que foi efectuada, implica um favorecimento daquele credor (em relação aos demais) que não seja aceite e seja considerado irregular ou ilícito pela ordem jurídica em termos de se poder concluir que existe um proveito obtido por aquele credor porque, apesar de ter recebido apenas aquilo a que tinha direito, naquelas circunstâncias,  esse proveito não lhe devia pertencer – pelo menos exclusivamente – por dever ser atribuído e repartido por todos os credores em função das garantias dos respectivos créditos.

Vejamos se é esse o caso dos autos.

Conforme se referiu supra, estão aqui em causa actos de disposição da quase totalidade do património da Insolvente – dação em cumprimento de dois imóveis e cessão do crédito emergente da venda dos móveis efectuada a outra sociedade – que se destinaram a satisfazer e extinguir um crédito que a C....

De acordo com as declarações constantes do documento que titulou esses actos, o crédito da C... que foi satisfeito – e ficou extinto – por via daqueles actos de disposição do património da Insolvente ascendia ao valor de 1.057.301,39€, importando notar, no entanto, que nos presentes autos – cfr. requerimento inicial dos apensos F e J – a referida credora alega que o seu crédito ascendia, à data daqueles actos, ao valor global de 1.029.587,24€.

Conforme resulta da matéria de facto (cfr. pontos 12 a 14), os bens da Insolvente que foram utilizados para pagamento desse crédito – seja por via da respectiva dação em cumprimento, seja por via da venda com subsequente cessão do crédito emergente deste negócio – tinham, no total, o valor de mercado de 928.135,90€; tais bens tinham, portanto, um valor de mercado inferior ao valor da dívida que com eles foi satisfeita. É certo que, conforme resulta da respectiva escritura, além desses bens, também foram entregues – para satisfação do mesmo débito – dois prédios rústicos pertencentes ao gerente da Insolvente. Todavia, desconhecendo-se o valor destes imóveis, não será possível afirmar que o valor da globalidade dos bens que reverteram para pagamento daquele crédito seja superior ao valor deste.

Em face dessas considerações, importa extrair uma primeira conclusão: não há prova de que a referida credora – a C... – tenha recebido algo, por via daqueles actos, que não lhe fosse devido e que ultrapassasse o valor do crédito a cuja satisfação tinha direito. Não existe, portanto, nessa perspectiva, qualquer proveito para a referida credora que seja relevante para preenchimento da previsão da alínea d) do n.º 2 do art.º 186.º do CIRE.

Resta saber se a satisfação do direito, nas circunstâncias em que foi efectuada, implicou um favorecimento daquele credor (em relação aos demais) que não seja aceite e seja considerado irregular pela ordem jurídica.

Para esse efeito, coloca-se, desde logo, a questão de saber quando é que a satisfação de um direito ou crédito implica um favorecimento daquele credor que não é aceite pela ordem jurídica.

Conforme se referiu supra, o devedor não está, por regra, obrigado a observar qualquer ordem ou prioridade na satisfação dos direitos dos seus credores. A situação assume, no entanto, contornos diferentes quando o devedor já se encontra em situação de insolvência – e, em particular, quando tem o dever/obrigação legal de se apresentar à insolvência – na medida em que o pagamento a um credor, nessas circunstâncias, poderá corresponder a um tratamento preferencial e de favor desse credor relativamente aos demais num momento em que já deveria estar aberto o processo de insolvência onde os credores seriam pagos no âmbito do concurso de credores e de acordo com as regras a que está submetido. De qualquer forma, mesmo nessa situação, o pagamento/satisfação do direito de um dos credores nem sempre é um acto censurado e não consentido pela ordem jurídica.

E quando é que o é?

Tendo em conta o disposto nas alíneas f) e g) do n.º 1 do art.º 121.º do CIRE, poderemos afirmar que o pagamento ou satisfação do direito de um credor não será consentido pela ordem jurídica (pelo menos sem reservas) quando, sendo efectuado nos seis meses anteriores ao início do processo de insolvência, se reporte a obrigações ainda não vencidas e cujo vencimento fosse posterior ao início do processo de insolvência ou quando seja efectuado em termos não usuais no comércio jurídico e que o credor não pudesse exigir. Com efeito, se a lei faculta a possibilidade de resolução desses actos em benefício da massa insolvente sem dependência de quaisquer outros requisitos, tal não poderá deixar de significar que a ordem jurídica não consente e não aceita o favorecimento daquele credor que possa resultar desses actos e o prejuízo que daí possa resultar para os demais credores. À mesma conclusão chegamos perante o disposto no art.º 229.º do Código Penal onde se preceitua que “O devedor que, conhecendo a sua situação de insolvência ou prevendo a sua iminência e com intenção de favorecer certos credores em prejuízo de outros, solver dívidas ainda não vencidas ou as solver de maneira diferente do pagamento em dinheiro ou valores usuais, ou der garantias para suas dívidas a que não era obrigado, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias, se vier a ser reconhecida judicialmente a insolvência”. Com efeito, se a lei tipifica e qualifica como ilícito penal a conduta do devedor que, sabendo estar em situação de insolvência – actual ou iminente – (e desde que actue com a intenção ali especificada), pague dívidas ainda não vencidas ou as satisfaça de maneira diferente do pagamento em dinheiro ou valores usuais, tal não poderá deixar de significar que a lei não consente e considera ilícito e irregular o eventual favorecimento de um credor que possa resultar desses actos (por isso o qualifica como ilícito penal desde que acompanhado do elemento subjectivo – dolo – ali exigido).

Em face das citadas normas, poderemos, portanto, concluir não ser admissível e aceite pela ordem jurídica o favorecimento de um credor que possa resulta resultar da satisfação de dívidas não vencidas ou que resulte da satisfação de dívidas (vencidas ou não) por meios não usuais no comércio jurídico e que o credor não poderia exigir, num momento em que o devedor já sabe estar em situação de insolvência actual ou iminente. Poder-se-á, portanto, dizer que o acto de disposição – praticado pelo devedor ou respectivo administrador quando já existe situação de insolvência e nas condições descritas – por via do qual é satisfeito o direito de um credor corresponderá a um acto de disposição em proveito desse credor, para os efeitos previstos na alínea d) do n.º 2 do art.º 186.º, se tal implicar a obtenção pelo credor de um proveito que, apesar de lhe ser devido por corresponder à satisfação de um direito de que é titular, não lhe devia pertencer exclusivamente por dever ser atribuído e repartido por todos os credores em função das garantias dos respectivos créditos.

Analisemos então a situação dos autos sob esta perspectiva.

Pensamos não haver dúvida que, à data da prática dos actos aqui em causa – Fevereiro de 2020 – a sociedade já se encontrava em situação de insolvência, sendo certo que, em Novembro de 2019, já havia encerrado a sua actividade laboral e já havia cessado o contrato de trabalho com todos os trabalhadores da sociedade. E tanto é assim que um mês depois veio a apresentar-se à insolvência. Ainda que não estivesse já em situação de insolvência, ela resultaria, necessariamente, dos actos praticados por via dos quais se “desfez” do imóvel onde laborava e dos respectivos móveis e equipamentos, caso em que seria evidente a culpa na criação da situação de insolvência para os efeitos previstos no n.º 1 do art.º 186.º do CIRE.

Impõe-se referir, por outro lado, que – conforme resulta do ponto 18 da matéria de facto – a maior parte do crédito da C... (que foi satisfeito por via dos actos aqui em causa) não estava ainda vencido.

Por outro lado, a satisfação do crédito em questão foi feita em termos que não se podem considerar usuais no comércio jurídico e que a respectiva credora não podia exigir, tendo em conta que foi efectuada por via de uma dação em cumprimento de imóveis e cessão de um crédito emergente da venda dos bens anteriormente efectuada. Com efeito, ainda que a dação em cumprimento seja um meio normal e legal de extinção das obrigações (cfr. art.º 837.º do CC), ela não pode, por regra, ser vista como meio usual no comércio jurídico e, correspondendo à prestação de coisa diversa da que era devida, também não pode, por regra (ressalvando eventual disposição contratual em contrário) ser exigida pelo credor.

Está em causa, portanto, a satisfação do direito de um credor (não integralmente vencido) que foi efectuada pela devedora (através do seu gerente) num momento em que já se encontrava em situação de insolvência e que foi concretizada por meios não usuais no comércio jurídico que o credor não podia exigir.

Resta saber se tal implicou um efectivo proveito para a referida credora, o que equivale a saber se obteve (ou não) por via desses actos algo que, apesar de lhe ser devido (por corresponder à satisfação de um direito de que era titular), não lhe devia ter sido atribuído naquelas circunstâncias por dever ser atribuído a outros credores no âmbito do concurso a realizar no âmbito de processo de insolvência.

E pensamos que sim.

Vejamos.

É certo – como diz o Apelante – que o crédito daquela credora estava, de forma considerável, garantido pelo património da Insolvente que esteve envolvido naqueles actos.

Isso não significa, no entanto, que aqueles actos não tenham implicado prejuízo para os demais credores e, consequentemente, um favorecimento ilícito daquela credora.

Relativamente aos imóveis da Insolvente envolvidos nos actos em questão (descritos na Conservatória do Registo Predial sob os números ...) importa referir o seguinte:

· De acordo com o alegado pela credora (cfr., designadamente, o requerimento inicial do apenso F) – que é corroborado por documentos juntos aos autos – o imóvel descrito sob o n.º 655 garantia (por força de hipoteca sobre eles constituída) uma parte do crédito da C... no valor global de 724.448,09€ e o imóvel descrito sob o n.º 251 garantia (também por força de hipoteca) uma outra parte do crédito no valor de 110.979,50€;

· Julgou-se provado que o prédio descrito sob o n.º 655 tem o valor de mercado de 661.124,00€ e que o prédio descrito sob o n.º 251 tem o valor de mercado de 19.687,00€, pelo que, sendo expectável que os imóveis viessem a ser vendidos no âmbito da insolvência por esses valores, o produto da venda seria inferior ao valor do crédito da C... que por eles estava garantido;

· Importa notar, no entanto, que – conforme se reconheceu, aliás, na sentença de verificação e graduação e créditos oportunamente proferida nos autos – o crédito laboral de II gozaria, nos termos do art.º 333.º do Código de Trabalho, de privilégio imobiliário especial sobre o imóvel onde prestava a sua actividade e, tendo em conta a interpretação que vem sendo adoptada da referida norma, tal privilégio não incide apenas sobre o concreto imóvel onde o trabalhador presta a sua actividade e abrange todos os imóveis da entidade patronal que estejam afectos à sua actividade empresarial e, à qual, os trabalhadores estejam funcionalmente ligados, independentemente da localização do seu posto de trabalho[2]; nessas circunstâncias, tal crédito gozaria desse privilégio relativamente ao imóvel descrito sob o n.º 655 (uma vez que, sendo uma unidade fabril, estava afecto à actividade empresarial da entidade patronal) e, portanto, tendo em conta o disposto no art.º 751.º do CC seria pago com preferência sobre o crédito da C... se, ao invés de ter sido entregue a esta credora, o imóvel tivesse sido apreendido e vendido no processo de insolvência.

No que toca aos bens móveis – que também reverteram, nos termos assinalados para pagamento do crédito da C... – importa referir o seguinte:

· Os créditos da referida credora que estavam garantidos por penhor – conforme alega a própria credora (cfr. designadamente, o requerimento inicial do apenso F) – tinham o valor global de 265.402,88€;

· Conforme resultou provado, o valor de mercado dos bens móveis que reverteram para pagamento do crédito da C... (por força da venda efectuada e subsequente cessão àquela credora do crédito emergente dessa venda) era de 247.324,90€;

· Tendo em conta a diferente descrição dos bens que consta dos títulos onde os penhores foram constituídos e da factura referida nos pontos 7 e 11, não dispomos de elementos bastantes para apurar quais os concretos bens que constam da factura e que haviam sido objecto de penhor; em todo o caso, parece ser claro que alguns desses bens (utilizados para satisfação do crédito da C...) não estavam abrangidos pelo penhor e, portanto, se fossem apreendidos no processo de insolvência, o produto da sua venda reverteria para pagamento de outros credores (em função das respectivas garantias) ao invés de reverter exclusivamente para pagamento do crédito da C..., como sucedeu por força dos actos praticados;

· Ainda que todos os bens constantes daquela factura estivessem abrangidos pelo penhor, existiria uma grande probabilidade de o seu valor não reverter integralmente para pagamento do crédito da C..., caso os mesmos fossem apreendidos no processo de insolvência, tendo em conta que, de acordo com determinada posição jurisprudencial (que nós subscrevemos[3]), o crédito da Segurança Social seria pago com preferência sobre o crédito da C... (garantido por penhor), por força do privilégio mobiliário que lhe assistia nos termos do nº 2 do artigo 204º da Lei nº 110/2009.

Concluimos, portanto, em face de tudo o exposto que há razões para considerar – como se considerou na decisão recorrida – que os actos aqui em causa correspondem a actos de disposição de bens da devedora em proveito de terceiros (no caso, a credora C...) para os efeitos previstos na alínea d) do n.º 2 do art.º 186.º e que, como tal e força do disposto nessa norma, a insolvência deve ser qualificada como culposa.

Na verdade, a satisfação do crédito da C... – realizada através dos referidos actos de disposição de bens – ocorreu num momento em que a devedora já se encontrava em situação de insolvência e em circunstâncias que determinaram um favorecimento ilícito (não consentido pela ordem jurídica) daquela credora em prejuízo dos demais credores, sendo certo que, além de o crédito não estar integralmente vencido, a sua satisfação foi efectuada por meios não usuais no comércio jurídico que a credora não podia exigir (dação em cumprimento de imóveis e cessão do crédito emergente da venda de bens móveis), determinando para a referida credora um proveito que, apesar de lhe ser devido (por corresponder à satisfação de um direito de que era titular), não lhe devia ter sido atribuído naquelas concretas circunstâncias por dever ser atribuído a outros credores no âmbito do concurso a realizar no âmbito de processo de insolvência.

Período da inibição

O Apelante contesta também – a título subsidiário e para o caso de o recurso improceder no que toca à qualificação da insolvência (como, de facto, acontece) – a decisão que fixou em três anos o período de inibição para administrar patrimónios de terceiros, para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa.

Sustenta o Apelante que tal inibição deve ser graduada em função da gravidade do comportamento do afectado e da sua relevância na situação de insolvência, não devendo, no caso, ultrapassar o mínimo legal de dois anos.

De acordo com o disposto nas alíneas b) e c) do n.º 2 do art.º 189.º do CIRE, a qualificação da insolvência como culposa implica que as pessoas afectadas por essa qualificação (no caso, o Apelante) fiquem inibidas, por um período de 2 a 10 anos, para administrarem patrimónios de terceiros, para o exercício do comércio e para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa.

Apesar de a lei não determinar os critérios orientadores para a fixação da medida concreta dessa inibição, pensamos dever ser tomada em consideração a gravidade da concreta conduta que determinou a qualificação da insolvência como culposa, bem como o grau de intensidade da culpa e as consequências que daí resultaram para os credores e para a criação ou agravamento da situação de insolvência[4], sem perder de vista que tal inibição, além de revestir um carácter sancionatório, traduz também uma medida de protecção da actividade mercantil e do património de terceiros que é motivada pela desconfiança (no bom desempenho dessas actividades) suscitada pela conduta concretamente adoptada e que determinou a qualificação da insolvência.

No caso em análise, não poderemos deixar de ponderar que os actos praticados pelo Apelante, não obstante tenham determinado uma drástica redução do activo da sociedade (na medida em que envolveram a disposição de quase todo o seu património), também determinaram uma ampla redução do seu passivo, importando notar que, por via desses actos, ficou extinta uma dívida à C... no valor de 1.057.301,39€ (ou 1.029.587,24€, como se referiu supra), quando é certo que, atendendo ao seu valor de mercado, esse património seria, com grande probabilidade, vendido no processo de insolvência por preço inferior. Assim, aqueles actos extinguiram uma parte do passivo que, com grande probabilidade, é superior àquela que, globalmente, seria satisfeita pelo produto da venda no âmbito da insolvência.

Por outro lado, também não poderemos deixar de ponderar que aquele crédito – da C... – estava, em grande parte, garantido por hipotecas e penhores constituídos sobre os referidos bens e, como tal, uma parte considerável desse crédito sempre seria paga pelo produto da venda daqueles bens no processo de insolvência dada a preferência resultante daquelas garantias.

Mas, não obstante essas circunstâncias, não poderemos olvidar que – conforme se referiu supra – aqueles actos causaram prejuízo aos demais credores, uma vez que, como se referiu supra e pelas razões aí assinaladas, uma parte do produto da venda desses bens teria revertido para pagamento de outros créditos, ao invés de ter revertido exclusivamente – por força daqueles actos – em benefício de um único credor.

É certo que esse prejuízo foi reduzido ou minorado pela entrega à Massa Insolvente do valor de 120.000,00€ por força da transacção efectuada nos apensos referentes à impugnação da resolução daqueles actos em benefício da massa insolvente. Mas esse facto é irrelevante para a decisão da questão que estamos a analisar, uma vez que aquilo que releva para este efeito é a gravidade e as consequências resultantes da conduta do Apelante, independentemente da posterior reparação dos prejuízos que ela causou.

De todo o modo e sem prejuízo de tudo o exposto, não nos podemos esquecer que a medida abstracta da inibição fixada na lei vai de dois a dez anos, pelo que uma medida de inibição de três anos (correspondente à fixada na decisão recorrida) é uma medida que se aproxima do limite mínimo (e anda longe do limite máximo) e que, como tal, já inclui a ponderação de todos os factores a que fizemos referência, revelando-se, na nossa perspectiva, ajustada e proporcionada em face da conduta do Apelante e das consequências que dela resultaram.

 Entendemos, portanto, em face do exposto, não haver razões válidas para alterar essa decisão.

Indemnização aos credores

O Apelante impugna também a decisão que o condenou “…a indemnizar os credores da devedora insolvente no montante dos créditos não satisfeitos até às forças do seu património, em montante a liquidar em execução de sentença, a quantificar de harmonia com os seguintes critérios: valor dos créditos julgados verificados (no apenso respectivo) não satisfeitos através dos pagamentos a efectuar no processo de insolvência; a diferença entre o valor real dos veículos apreendidos à data da declaração da insolvência e o valor da sua venda; o grau [significativo] de culpa dos gerentes afectados”.

Além de pedir a eliminação do segmento onde se alude a veículos automóveis – por não se adequar ao caso dos autos e não encontrar suporte na matéria de facto provada –, sustenta o Apelante que os critérios aí elencados, além de ambíguos, estão em colisão com o critério legal e o critério jurisprudencial atendido no Acórdão da Relação do Porto de 25/03/2021, onde se diz: “(…) Entendemos que a indemnização devida não pode ser fixada em montante igual ao dos créditos reconhecidos no processo de insolvência e que não obterão pagamento, mas fazendo apelo a um juízo equitativo, ponderando a culpa do afectado, que deverá responder apenas na medida em que o prejuízo possa/deva ser atribuído ao acto ou actos determinantes dessa culpa”.

No que diz respeito ao segmento decisório onde se alude a veículos automóveis, assiste razão ao Apelante. A inclusão desse segmento ter-se-á ficado a dever a lapso, uma vez que nos autos não é feita referência a qualquer veículo automóvel. Acresce que, mesmo com referência a outros bens, a alusão que ali é feita à diferença entre o seu valor real à data da declaração da insolvência e o valor da sua venda não é um critério de apuramento da indemnização que se compatibilize com a situação dos autos, tudo indicando que se tratou de lapso. Elimina-se, portanto, esse segmento.

Quanto ao mais:

O segmento condenatório em questão prende-se com o disposto na alínea e) do n.º 2 do art.º 189.º do CIRE, onde se determina que, na sentença que qualifique a insolvência como culposa, o juiz deve “Condenar as pessoas afetadas a indemnizarem os credores do devedor declarado insolvente no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças dos respetivos patrimónios, sendo solidária tal responsabilidade entre todos os afetados”. Refira-se que, em relação a tal condenação, determina ainda o n.º 4 que, ao aplicar o disposto naquela alínea, “… o juiz deve fixar o valor das indemnizações devidas ou, caso tal não seja possível em virtude de o tribunal não dispor dos elementos necessários para calcular o montante dos prejuízos sofridos, os critérios a utilizar para a sua quantificação, a efetuar em liquidação de sentença”.

Antes de mais, importa chamar a atenção para a dificuldade de conciliar as disposições contidas nas normas citadas (a alínea e) do n.º 2 e o n.º 4 do referido art.º 189.º). Com efeito, aquilo que – aparentemente – resulta da alínea e) é que a indemnização em causa corresponderá ao montante dos créditos não satisfeitos (ou seja, o valor dos créditos que não possam ser satisfeitos pela liquidação do património do insolvente no âmbito do processo de insolvência), tendo apenas como limite máximo as forças dos patrimónios das pessoas afectadas pela qualificação da insolvência e, por isso, condenadas a tal indemnização. Mas, a ser assim, se a indemnização corresponde (sempre) ao montante dos créditos não satisfeitos, parece que o único critério relevante para o apuramento da indemnização seria esse mesmo (o valor desses créditos que viesse a ficar apurado), não se compreendendo, por isso, o disposto no n.º 4 quando, determinando ao juiz que fixe os critérios a utilizar para a quantificação da indemnização, admite a utilização de outros critérios e, consequentemente, uma indemnização que poderá não corresponder à totalidade do valor dos créditos não satisfeitos.

No sentido de tentar a harmonização das duas normas em questão, Catarina Serra[5] sustenta que a alínea e) consagraria uma presunção de que a conduta da pessoa afectada pela qualificação causou um dano de valor equivalente ao montante dos créditos não satisfeitos e o n.º 4 reflectiria o facto de o afectado poder ilidir essa presunção, demonstrando que o dano resultante da sua conduta é inferior ao valor daqueles  créditos.

Luís Carvalho Fernandes e João Labareda[6] apontam num sentido próximo, admitindo que o significado relevante do n.º 4 possa ser o de permitir ao juiz referenciar factores que, em razão das circunstâncias do processo, devam mitigar o recurso, puro e simples, a meras operações aritméticas de passivo menos resultado do activo, como seria o caso, por exemplo, de se demonstrar que a conduta determinante da qualificação da insolvência como culposa causou um prejuízo inferior ao valor dos créditos não satisfeitos.

 A jurisprudência também bem adoptando, no geral, um entendimento semelhante, dizendo que, na fixação da indemnização, o juiz deve ponderar a especifica conduta que determinou a qualificação da insolvência como culposa, atendendo ao grau de ilicitude e de culpa e atendendo à medida em que ela contribuiu para a criação ou agravamento da situação da insolvência e ao concreto prejuízo que daí resultou para os credores[7].

Refira-se, em primeiro lugar, que a noção de indemnização é, por regra e por princípio, associada a um prejuízo concreto e, nessa medida, mal se compreenderia que a referida alínea e) – que expressamente se reporta a uma indemnização – pretendesse estabelecer um valor indemnizatório que correspondesse – sempre e de forma automática – ao valor dos créditos não satisfeitos independentemente de qualquer outro facto ou circunstância. E, na nossa perspectiva, o n.º 4 aponta no sentido de que não foi exactamente essa a pretensão do legislador, sendo certo que admitiu a fixação de outros critérios para apuramento dos prejuízos sofridos e da respectiva indemnização.

Ainda que se entenda que essa indemnização tem também um cariz sancionatório, não se compreenderia – e seria profundamente injusto, claramente excessivo e manifestamente desproporcionado – que o afectado fosse obrigado a satisfazer um passivo elevadíssimo (não satisfeito no âmbito da insolvência), apesar de se demonstrar que o acto (por ele praticado) que determinou a qualificação da insolvência envolveu um valor e um concreto prejuízo para os credores de valor irrisório ou insignificante quando comparado com o valor global dos créditos não satisfeitos.

Como ponto de partida, poder-se-á dizer que, existindo uma actuação culposa que determinou a criação da situação de insolvência, o prejuízo daí resultante para os credores corresponderá, em princípio, ao valor dos créditos que não foram satisfeitos. Com efeito, se não existisse situação de insolvência, os credores obteriam, em princípio, a integral satisfação dos seus créditos e, portanto, se, por força da insolvência não obtêm essa satisfação e se a situação de insolvência foi determinada por actuação culposa de determinada pessoa (o afectado pela qualificação), impor-se-á concluir que o valor dos créditos não satisfeitos corresponderá, em regra, ao prejuízo causado aos credores pela conduta do afectado que determinou a criação da insolvência. E essa afirmação/conclusão assume especial relevância nos casos em que o tipo de conduta ou actuação que está subjacente à qualificação da insolvência não permite apurar a exacta medida em que ela prejudicou os credores.

Mas nem sempre é assim.

Pode, de facto, suceder que a concreta conduta que determinou a qualificação da insolvência permita delimitar a medida em que ela contribuiu para a criação ou agravamento da situação de insolvência e, consequentemente, o valor dos créditos que não foram satisfeitos por causa e em consequência dessa conduta e, nessas situações, não haverá razões válidas para estender a indemnização além daquele que foi o concreto e efectivo prejuízo dos credores que resultou daquela conduta. Com efeito, se a conduta que determina a qualificação da insolvência consiste apenas na ocultação, dissipação ou disposição de um determinado bem, o prejuízo daí emergente para os credores corresponderá ao valor desse bem que, por força daquela conduta, não reverteu para pagamento dos seus créditos, não se justificando, por isso, que o afectado pela qualificação seja responsável pelo pagamento de todos os créditos não satisfeitos (que podem ter um valor muito elevado) quando é certo que, mesmo em caso de insolvência fortuita, eles nunca seriam satisfeitos.

Pensamos, portanto, que a indemnização em questão terá que ser fixada (como qualquer outra indemnização que visa reparar um dano) tendo em conta o concreto prejuízo que se pretende indemnizar e que, de acordo com as regras fixadas nos artigos 562.º e 563.º do CC e no citado art.º 189.º do CIRE, corresponderá ao valor dos créditos que não foram satisfeitos por causa e em consequência da concreta conduta do afectado que determinou a qualificação da insolvência. Tal prejuízo poderá corresponder à globalidade dos créditos que não sejam satisfeitos ou poderá corresponder apenas a uma parte deles.

Pensamos, portanto, em face do exposto, que – apesar de a sua redacção não primar pela clareza – a alínea e) do n.º 2 do citado art.º 189.º não terá pretendido regular a fixação do valor da indemnização – fazendo-a corresponder (sempre e automaticamente) ao valor integral dos créditos não satisfeitos –, pretendendo apenas delimitar o tipo de danos a que tal indemnização se reporta e que correspondem apenas ao valor dos créditos não satisfeitos na insolvência (não havendo lugar à indemnização de outros danos ou prejuízos); o valor dos créditos não satisfeitos funcionará, portanto, como limite máximo da indemnização. A medida ou quantificação dessa indemnização terá que ser feita, de acordo com os critérios gerais, em função do dano concreto que foi determinado/causado pela conduta do afectado pela qualificação e que poderá corresponder à totalidade dos créditos não satisfeitos ou apenas a uma parte deles; e é no apuramento do dano e da quantificação da respectiva indemnização que releva o disposto no n.º 4, cabendo ao juiz fixar o valor da indemnização, se dispuser de elementos para tal, ou determinar os critérios que, em função das circunstâncias concretas do caso, se revelem os adequados para apurar o efectivo valor do dano sofrido pelos credores e, consequentemente, o valor da indemnização devida.

Note-se, aliás, que foi com esse sentido que o legislador veio, recentemente, alterar a redacção da referida alínea e) – cfr. Lei n.º 9/2022 de 11/01/2022 que ainda não entrou em vigor – onde se passou a dispor que o juiz deve “Condenar as pessoas afetadas a indemnizarem os credores do devedor declarado insolvente até ao montante máximo dos créditos não satisfeitos, considerando as forças dos respetivos patrimónios, sendo tal responsabilidade solidária entre todos os afetados”. Com essa redacção, fica agora claro que o valor dos créditos não satisfeitos é apenas o limite máximo da indemnização a fixar; a medida e quantificação da indemnização será feita – conforme dissemos – atendendo ao concreto dano a indemnizar (o valor dos créditos que não são foram satisfeitos por causa e em consequência da conduta que determinou a qualificação da insolvência) e de acordo com os critérios que, tendo em conta as circunstâncias do caso, se revelem adequados para apurar a medida e o valor desse dano.

No caso em análise, a conduta que determinou a qualificação da insolvência como culposa corresponde – como acima se mencionou – aos actos de disposição de dois imóveis e de bens móveis da Insolvente que reverteram para pagamento do crédito da C... e, portanto, tendo em conta as considerações acima mencionadas, o dano causado por essa conduta corresponderá ao valor dos créditos que não venham a ser satisfeitos no processo de insolvência e que seriam satisfeitos caso aqueles bens tivessem sido apreendidos e liquidados nestes autos.

Para o apuramento desse dano importa ter presente, antes de mais, o valor de mercado do património envolvido naqueles actos (o valor global de 928.135,90€). Sendo esse o valor que era expectável obter com a liquidação dos bens na insolvência, o dano a indemnizar não será superior a esse valor.

Mas importará também ter em conta que, ainda que esses bens fossem apreendidos e vendidos na insolvência, uma parte significativa desse valor sempre reverteria para pagamento do crédito da C... – tendo em conta as garantias dos seus créditos que incidiam sobre aqueles bens (hipotecas e penhor) – e, portanto, esse valor (que sempre reverteria para a C...) não representa um dano para os demais credores porque os seus créditos nunca seriam pagos à sua custa.

O dano a indemnizar corresponderá, portanto, em linhas gerais, ao valor dos bens móveis – a identificar oportunamente – que não estavam abrangidos pelo penhor constituído a favor do crédito da C... (valor que reverteria para pagamento dos demais credores) e ao valor dos créditos que gozavam de privilégio prevalecente sobre a hipoteca ou sobre o penhor (como seria o caso, conforme referimos supra, do crédito laboral relativamente ao imóvel descrito sob o n.º 655 e como seria o caso do crédito da Segurança Social relativamente aos bens móveis).

No apuramento do valor da indemnização a pagar pelo Apelante, importará ainda ter em conta que uma parte do dano já foi reparado por via da reposição (à Massa Insolvente) da quantia de 120.000,00€.

Assim, o valor da indemnização a pagar (eventualmente) pelo Apelante (afectado pela qualificação da insolvência) deverá ser quantificada em posterior liquidação de acordo com os seguintes critérios e operações (que nos parecem ser adequados para apurar – pelo menos em termos aproximados – o efectivo valor do dano resultante da conduta do Apelante, ou seja, o valor dos créditos que não são satisfeitos por causa e em resultado dessa conduta):

1. Apuramento do valor dos créditos verificados no processo de insolvência que não obtenham satisfação;

2. Identificação dos bens móveis – e apuramento do respectivo valor – que não estavam abrangidos pelo penhor constituído a favor da C...;

3. O valor da indemnização (eventualmente) devida corresponderá ao valor dos bens móveis não abrangidos pelo penhor, acrescido do valor do crédito laboral e do crédito da Segurança Social e com dedução do valor de 120.000,00€ (que já foi reposto);

4. Se o valor apurado nos termos do n.º 3 for superior ao valor dos créditos verificados que não obtenham satisfação, o valor da indemnização corresponderá a este último valor.


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(…)


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V.
Pelo exposto, concede-se parcial provimento ao presente recurso e, em consequência, decide-se:
Ø Confirmar a decisão recorrida no segmento em que qualificou a insolvência como culposa e nos segmentos – constantes das respectivas alíneas a) e b) – em que: declarou afectado pela qualificação de insolvência culposa o gerente CC; declarou a inibição do referido gerente, pelo período de três anos, para administrar patrimónios de terceiros, para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa; determinou a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos por CC condenando-se o mesmo a restituir bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos (importando esclarecer que este último segmento não foi visado no recurso;
Ø Alterar o segmento decisório constante da alínea c) que passará a ser o seguinte:
Condena-se CC a indemnizar os credores da devedora insolvente, até às forças do seu património, no valor a apurar em posterior liquidação e que, eventualmente, venha a resultar da aplicação dos seguintes critérios e operações:
1. Apuramento do valor dos créditos verificados no processo de insolvência que não obtenham satisfação;
2. Identificação dos bens móveis – e apuramento do respectivo valor – que não estavam abrangidos pelo penhor constituído a favor da C...;
3. O valor da indemnização (eventualmente) devida corresponderá ao valor dos bens móveis não abrangidos pelo penhor, acrescido dos valores (verificados) do crédito laboral e do crédito da Segurança Social e com dedução do valor de 120.000,00€ (que já foi reposto);
4. Se o valor apurado nos termos do n.º 3 for superior ao valor dos créditos verificados que não obtenham satisfação, o valor da indemnização corresponderá a este último valor.

Custas a cargo do Apelante e da Massa Insolvente na proporção de ¾ para o primeiro e ¼ para a segunda.
Notifique.

                              Coimbra,

                                             (Maria Catarina Gonçalves)

                                                  (Maria João Areias)

                                                       (Helena Melo)                    


[1] Direito da Insolvência, 2013, 5ª ed., pág.248.
[2] Cfr., designadamente, os Acórdãos do STJ de 27/11/2019 (processo nº 7553/15.7T8VIS-G.C1.S2), de 30/05/2017 (processo nº 4118/15.7T8CBR-B.C1.S1), e de 23/02/2016 (processo nº 1444/08.5TBAMT-A.P1.S1-A), disponíveis em http://www.dgsi.pt.
[3] Cfr. Acórdão desta Relação de 28/05/2019 (processo n.º 3810/17.6T8VIS-B.C1), disponível em http://www.dgsi.pt.  e a jurisprudência aí citada
[4] Cfr. Acórdão da Relação de Coimbra de 28/05/2019 (processo n.º 3647/09.6TJCBR-A.C1) e Acórdão da Relação do Porto de 08/03/2019 (processo n.º 2538/15.6T8AVR-D.P1), disponíveis em http://www.dgsi.pt.
[5] Lições de Direito da Insolvência, 2018, pág. 167.
[6] Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª edição, 2015, pág. 698.
[7] Vejam-se o Acórdão do STJ de 22/06/2021 (processo n.º 439/15.7T8OLH-J.E1.S1) e os Acórdãos da Relação do Porto de 13/04/2021 (processo n.º 252/20.0T8AMT-A.P1), 23/03/2021 (processo n.º 1879/20.5T8OAZ-B.P1), 11/03/2021 (processo n.º 299/14.5T8AVR-A.P1) e 22/10/2020 (processo n.º 72/18.1T8AVR-C.P1), disponíveis em http://www.dgsi.pt.