Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
565/11.1T4AVR.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: RAMALHO PINTO
Descritores: REMISSÃO DE PENSÃO
REMISSÃO PARCIAL
INCAPACIDADE
Data do Acordão: 02/21/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA – JUÍZO DO TRABALHO DE AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 75º, Nº 2 DA NLAT (LEI Nº 98/2009, DE 04/09) E 148º DO C.P.TRABALHO.
Sumário: Conjugando a redacção dos nºs 1 e 2 do artº 75º da NLAT é de admitir a remição parcial de pensões correspondentes a incapacidades inferiores a 30% e cujo valor seja superior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida e desde que esteja preenchido o requisito da al. a) do nº 2 desse preceito.
Decisão Texto Integral:                         Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
                                                          

                        No Juízo do Trabalho de Aveiro –Comarca do Baixo Vouga,  correu seus termos a presente acção especial emergente de acidente de trabalho, em que é sinistrado A... e entidade responsável B... - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A,

                        O sinistrado foi considerado afectado de uma IPP de 24,45%  e foi-lhe atribuída a pensão anual de € 4.029,41 desde o dia imediato ao da alta – 15/12/2011, que passou, a partir de 1 de Janeiro de 2012, para o montante de € 4.174,47.

                        A fls. 98, veio o sinistrado requerer a remição parcial dessa pensão.

                        Que mereceu o seguinte despacho:

                        “Nestes autos foi atribuída ao sinistrado A...uma IPP de 24,45% (correspondente a 16,3% com aplicação do factor de bonificação 1,5), e foi atribuída uma pensão anual e vitalícia da responsabilidade da “Companhia de Seguros B..., SA”.

                        Veio o sinistrado requerer nos termos dos arts. 148º ss do Código de Processo do Trabalho a remição parcial dessa pensão vitalícia fixada nos autos.

                        Tendo o acidente ocorrido em 07.06.2010 é aplicável Lei nº 98/2009, de 04.09 (NLAT).

                        Estabelece o artº 75º, nº 2 da NLAT que pode ser parcialmente remida (...) a pensão anual vitalícia correspondente a incapacidade igual ou superior a 30% ou a pensão anual vitalícia de beneficiário legal, desde que cumulativamente:

                        a) a pensão anual sobrante não pode ser inferior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida em vigor à data da autorização da remição;

                        b) o capital de remição não pode ser superior ao que resultaria de uma pensão calculada com base numa incapacidade de 30%.

                        Deste modo, no caso sub judice, sendo a incapacidade inferior a 30% não estão reunidos os pressupostos para a remição da pensão anual vitalícia.

                        Pelo exposto indefere-se o requerido.

                        Sem custas por haver isenção do sinistrado”.
                                                                       x
                        Inconformado, veio o Autor, patrocinado pelo MºPº, interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
[…]
                       
                        Não foram apresentadas contra-alegações.

                        Foram colhidos os vistos legais,.

                                                                       x
                        Definindo-se o âmbito do recurso pelas suas conclusões,  temos, como única questão em discussão, a de saber se é admissível a remição parcial da pensão dos autos.
                                                                  x
                        Como circunstancialismo relevante temos o descrito no relatório do presente acórdão.

                                                                       x
                        Tendo o sinistrado requerido a remição parcial da sua pensão, tal pretensão foi objecto de indeferimento pelo despacho recorrido, com o fundamento de que a incapacidade de que padece o sinistrado é inferior a 30%, não cabendo, assim, na previsão do nº 2 do artº 75º da  Lei nº 98/2009, de 4/9 (NLAT).
                        Com tal entendimento se não conformou o sinistrado, que veio argumentar que o legislador da NLAT não exclui, nesse artº 75º, as remições parciais de pensões fixadas em resultado de uma IPP inferior a 30%, mas de valor superior a seis vezes a retribuição          mínima mensal garantida.
                        E, salvo melhor opinião, assiste-lhe razão:
                        Tendo o acidente ocorrido em 7/6/2010, é aplicável o regime dessa Lei 98/2009.
                        Foi fixada ao sinistrado a pensão anual de € 4.029,41 desde 15/12/2011 – dia imediato ao da alta, que foi actualizada, a partir de 1 de Janeiro de 2012, para o montante de € 4.174,47.
                        Dispõe o artº 75º da NLAT, nos seus nºs 1 e 2:
                        “1 - É obrigatoriamente remida a pensão anual vitalícia devida a sinistrado com incapacidade permanente parcial inferior a 30 % e a pensão anual vitalícia devida a beneficiário legal desde que, em qualquer dos casos, o valor da pensão anual não seja superior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta ou da morte.

                        2 - Pode ser parcialmente remida, a requerimento do sinistrado ou do beneficiário legal, a pensão anual vitalícia correspondente a incapacidade igual ou superior a 30 % ou a pensão anual vitalícia de beneficiário legal desde que, cumulativamente, respeite os seguintes limites:
                        a) A pensão anual sobrante não pode ser inferior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida em vigor à data da autorização da remição;
                        b) O capital da remição não pode ser superior ao que resultaria de uma pensão calculada com base numa incapacidade de 30 %”.
                        Temos assim, que, numa interpretação meramente literal desta norma, o sinistrado deste autos não tem, por força do nº 1, direito à remição obrigatória da sua pensão, por esta ultrapassar o montante correspondente a “seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta”, nem tão pouco à remição parcial prevista no nº 2, por a incapacidade ser inferior a 30%.
                        Só que é legítima a interrogação de se, numa interpretação conjugada desses nºs 1 e 2 e com a consideração das razões inerentes à previsão legal da faculdade da remição parcial, e caso se não verificasse o juízo de inconstitucionalidade que adiante referiremos, não seria de aceitar essa possibilidade de remição, para os casos, como o presente, em que, sendo a incapacidade inferior a 30%, a pensão é superior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida.
                        No domínio da Lei nº 2127, as pensões eram facultativamente remíveis desde que a incapacidade em causa fosse inferior a 20%.
                        Com a Lei nº 100/97, de 13/9 (LAT) e seu regulamento – DL 143/99, de 30/4 (RLAT), estabeleceu-se, no artº 56º desse DL, a obrigatoriedade da remição das pensões correspondentes a incapacidades inferiores a 30%, independentemente do montante- al. b) do nº 1, ou das pensões que não fossem superiores a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada à data da fixação da pensão- al. a) desse nº 1.
                        Por outro, consagrou-se, no nº 2, a faculdade da remição parcial, permitindo-se mais amplamente a remição de pensões, mas salvaguardando sempre um mínimo através do qual a pensão continuasse a ser paga sob a forma de renda, mês a mês, certamente na ideia de prevenir a imprevidência dos sinistrados que, recebendo duma só vez o capital da totalidade da pensão, poderiam aplicá-lo de forma não avisada e ficarem desprovidos do mínimo de existência.
                        Ou seja, o legislador da Lei 100/97 e do DL 143/99 alargou significativamente a possibilidade de remição das pensões, mas continuou a privilegiar o pagamento de uma pensão ao longo da vida do sinistrado por razões que se prendem com a protecção do sinistrado contra si próprio.
                        É que no que diz respeito aos sinistrados afectados com uma IPP igual ou superior a 30%, não deixou o legislador de ter em conta que os mesmos ficam com uma capacidade de ganho bastante reduzida, com os frequentes e consequentes reflexos no seu agregado familiar, que conta com o contributo regular daquele,  constituindo esse contributo, em muitos desses casos, o seu único suporte em termos económico-financeiros.
 Nessas situações, a pensão tem a natureza de uma prestação de carácter alimentício, que nalguns casos funcionará como um complemento aos meios de subsistência do sinistrado e do seu agregado, podendo dar-se o caso, não tão raro quanto isso, de a pensão ser o principal ou o único meio de que dispõem para assegurar a sua subsistência com o mínimo de dignidade.    
                        Assim,  havendo remição parcial, pretendia-se a existência de um desejado equilíbrio entre a faculdade de remição e a legítima necessidade de garantir o pagamento de uma pensão ao longo da vida do sinistrado.
                        Como se refere no Ac. do Tribunal Constitucional nº 34/2006, proc. 884/2005, publicado no DR I Série A, de 8 de Fevereiro, de 2006, a própria teleologia da remição implica que nos casos de incapacidade absoluta ou elevada, só a subsistência de uma pensão vitalícia poderá precaver o sinistrado contra o destino, eventualmente aleatório, do capital resultante da remição obrigatória”. Ou seja, a reparação justa dos acidentes de trabalho deve acautelar a subsistência dos sinistrados em condições adequadas próximas da que tinham antes da perda da capacidade de ganho.
                        Essas mesmas preocupações foram tidas em conta com o artº 75º da NLAT. Com uma importante diferença: enquanto no regime anterior as pensões correspondentes a incapacidades inferior a 30% eram sempre obrigatoriamente remíveis, independentemente do seu valor, agora elas só o serão se forem de montante não superior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta
                        Por outro lado, mantiveram-se as exigências prescritas, para a remição parcial, no nº 2 do artº 56º do DL 143/99, integralmente transpostas para o nº 2 do artº 75º da NLAT.
                        Contudo, a redacção adoptada pelo legislador para os nºs 1 e 2 desse artº 75º contém uma zona cinzenta, precisamente a que se refere às pensões correspondentes a incapacidades inferiores a 30% mas em que a pensão é superior ao valor prescrito no seu nº 1. O que, numa interpretação baseada exclusivamente na letra da lei, conduziria a que as pensões superiores ao máximo aí previsto, calculadas com base numa incapacidade inferior a 30%, nem fossem obrigatoriamente remíveis nem pudessem ser objecto de remição parcial.
                        Todavia, não nos pareceria descabido, mesmo não existindo o juízo de inconstitucionalidade que se irá referir, considerar que, conjugando a redacção desses nºs 1 e 2 do artº 75º, e se se permite a remição parcial das pensões referentes a incapacidades iguais ou superiores a 30%, por maioria de razão, e porque são exactamente os mesmos os motivos e as preocupações - acima expostos - que presidem a essa possibilidade de remição parcial, a única interpretação possível, e que não fosse contra o princípio da igualdade do artº 13º da CREP, seria a de se admitir essa faculdade de remição parcial a essas pensões correspondentes a incapacidades inferiores a 30%, cujo valor seja superior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida e desde que esteja preenchido o requisito do al. a) do nº 2 desse artº 75º (e uma vez que o da al.b) está observado por natureza). Parece-nos manifesto que nunca foi intenção do legislador retirar aos sinistrados nesta últimas condições a faculdade de remição parcial da pensão.
                        E valor da pensão dos autos permite a remição parcial, observada que seja a limitação da al. a) do nº 2 do artº 75º, sendo que o da al. b) está por definição salvaguardado.      
                        Contudo, a questão fica, quanto a nós, e tendo em conta a respectiva fundamentação, para a qual remetemos, resolvida face ao decidido pelo Tribunal Constitucional, que, pelo seu recentíssimo acórdão nº 79/2013, de 31/1/2013 e disponível em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos, veio “julgar inconstitucional, por violação do artigos 13.º, n.º 1, da Constituição, a norma contida no artigo 75.º n.º 2, da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, na parte em que impede a remição parcial de pensões anuais vitalícias correspondentes a incapacidade inferior a 30%, não remíveis obrigatoriamente nos termos do n.º 1 do mesmo preceito por serem superiores a seis vezes a retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta, mesmo quando o sinistrado assim o requeira”.      
                        Procede, assim, o recurso.

                                                                       x

                        Decisão:

                        Nos termos expostos, acorda-se em julgar a apelação procedente, revogando-se o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que, dentro do condicionalismo previsto nas als. a) e b) do nº 2 do artº 75º da Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro, autorize a remição parcial da pensão.

                        Sem custas.

Ramalho Pinto (Relator)

                                                          

 Azevedo Mendes

Joaquim José Felizardo Paiva