Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1393/11.0TBVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA DOMINGAS SIMÕES
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
ILICITUDE
OMISSÃO
Data do Acordão: 01/14/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 2.º JUÍZO CÍVEL DO TRIBUNAL JUDICIAL DE VISEU,
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: N.º 1 DO ART.º 483.º DO CCIVIL
Sumário: I. Cabe ainda na modalidade de ilicitude a que se reporta o n.º 1 do art.º 483.º -violação (mediata) de direito subjectivo alheio- a que resulta da inobservância dos denominados deveres de prevenção do perigo de dano.

II. O acolhimento dos aludidos deveres permite estender a responsabilidade delitual por omissão a todo aquele que, exercendo o domínio de facto sobre uma coisa, móvel ou imóvel, ou determinada actividade, sendo aquela e esta susceptíveis de causação de danos a terceiro, não tome as providências destinadas a evitá-los.

III. Incorre em responsabilidade civil extra contratual a sociedade que procede à limpeza do edifício e cuja colaboradora deixa molhadas e escorregadias as escadas após a conclusão da operação, sem curar de as secar, se, por via dessa omissão, a autora vem a escorregar, sofrendo uma queda da qual resultam lesões com gravidade.

Decisão Texto Integral: No 2.º juízo cível do Tribunal Judicial da comarca de Viseu,

A..., viúva, a residir no Bairro ... em Viseu, instaurou contra:

B... Lda, com sede na Rua ..., Viseu;

C..., Lda. com sede na Av.ª ..., em Viseu, e

D.... SA, com sede na Rua ..., Viseu, acção declarativa de condenação, a seguir a forma ordinária do processo comum, pedindo a final a condenação solidária das RR no pagamento da quantia de € 39 683,05 (trinta e nove mil seiscentos e oitenta e três euros e cinco cêntimos), acrescida dos juros correspondentes, e ainda a suportarem o custo do auxílio que lhe vem sendo prestado por 3.ª pessoa, à razão de € 10,00 por dia, desde a data da entrada da acção em juízo até ao trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida.

Em fundamento alegou, em síntese útil, que no dia 23 de Fevereiro de 2010, pelas 18:00 horas, sofreu uma queda no prédio sito na ..., em Viseu, onde então residia, a qual se ficou a dever ao facto das escadas que faziam a ligação do 3.º ao 4.º pisos, que na ocasião descia, se apresentarem molhadas e com pequenas poças, devido a conduta negligente dos trabalhadores da 2.ª ré que, procedendo à limpeza da mesma, não a enxugaram convenientemente, nem assinalaram o perigo de queda devido ao piso escorregadio.

A demanda da primeira ré justifica-se pelo facto de ser, à data, a administradora do condomínio do prédio, sendo do seu conhecimento que o elevador sofria de avaria -em virtude da qual a demandante se viu obrigada a descer do 4.º piso, onde se deslocara para tentar desencravar o elevador, até ao 3.º piso, no qual residia, e onde a esperava o seu filho deficiente- por cuja reparação não diligenciara, sendo ainda da sua responsabilidade a contratação da 2.ª ré para proceder à limpeza das escadas. À 3.ª ré incumbia assistir e proceder à reparação do elevador, por si instalado, o que veio a ser feito apenas 15 dias após a autora ter sofrido o descrito acidente.

Em consequência da queda a demandante sofreu fractura bimaleolar do tornozelo esquerdo, que foi causa de incapacidade temporária, que a deixou na dependência de terceiros, e que curou com sequelas que a incapacitam de tratar do seu filho como até então fazia, sendo certo que este sofre de paralisia cerebral que lhe afecta predominantemente toda a acção motora, necessitando de mobilização em cadeira de rodas.

Os danos sofridos demandam das responsáveis adequada reparação, encontrando como justos os montantes reclamados.

Regularmente citadas as RR, apresentaram contestação: a D..., Elevadores, SA em peça separada, impugnou, por desconhecida, a factualidade alegada pela autora, tendo suscitado a final a intervenção principal provocada da Companhia de Seguros Ace Europe, para a qual havia transferido a responsabilidade civil emergente de ocorrências originadas nos elevadores por si instalados e assistidos; a ré B..., Lda. excepcionou com a sua ilegitimidade para a causa, uma vez que apenas enquanto administradora do condomínio, e em representação deste, poderia ter sido demandada, e não nos termos em que o foi, mais impugnando ambas as contestantes -aquela ré e também a demandada C..., Lda.- a factualidade alegada pela demandante, enjeitando qualquer responsabilidade no acidente sofrido, por terem sido cabalmente cumpridos os deveres de vigilância e conservação que sobre ambas impendia.

Finalmente, pediram a condenação da autora como litigante de má-fé, por ter feito uso da presente acção para alcançar pretensão cuja falta de fundamento não ignorava.

A autora respondeu à matéria de excepção, esclarecendo ter demandado a 1.ª ré na sua qualidade de administradora do condomínio, como facilmente se apreende do teor da petição, concluindo pela sua improcedência, mais recusando a imputação de litigância de má-fé.

Foi admitido o incidente de intervenção principal da ACE Europe como associada da ré D..., SA, a qual interveio nos autos, declarando fazer seu o articulado apresentado pela assistida (cf. fls. 148).

Dispensada a realização da audiência preliminar, foi proferido despacho saneador, no qual foi julgada improcedente a excepção da ilegitimidade passiva arguida pela ré B..., Lda”, com fundamento no disposto no nº 2 do art.º 1437.º do Código Civil, assim resultando assente ter sido esta demandada na sua qualidade de administradora do condomínio e em representação deste, prosseguindo os autos com selecção dos factos assentes e organização da base instrutória, peças que se fixaram sem reclamação das partes.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, vindo a final a ser proferida sentença que, julgando totalmente improcedente a acção, absolveu as RR do pedido.

Inconformada, veio a autora interpor tempestivo recurso e, tendo apresentado pertinentes alegações, rematou-as com as seguintes necessárias conclusões:

“1 - A douta sentença recorrida julgou improcedente a acção de indemnização para ressarcimento de danos patrimoniais e não patrimoniais presentes e futuros que a Recorrente sofreu, por virtude de uma queda nas escadas do prédio onde residia, à data dos fatos, e cuja administração e serviços de limpeza incumbe às duas primeiras Rés; a queda ficou a dever-se ao fato das escadas estarem molhadas, na sequência da limpeza efectuada pela 2ª Ré, pelo que, salvo o devido respeito, o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” fez uma errada apreciação da matéria de facto.

2 - Veio o douto Tribunal a quo dar como não provados factos que, salvo o devido respeito, face à prova produzida nos Autos, impunham resposta contrária.

3 – Concretamente, da prova produzida nos Autos, merecia decisão diversa da que ora se recorre a resposta aos quesitos 11º e 12º da Base Instrutória, que, salvo melhor opinião, deveriam ter sido julgados provados.

4 - O quesito 17º da Base Instrutória, provado parcialmente, salvo melhor opinião, merecia redacção diferente.

5 - A resposta ao quesito 82º da base instrutória deveria ser, salvo melhor opinião, simplesmente não provado.

6 - A decidir como decidiu, considerando não provados os factos constantes dos quesitos 11º e 12º da base instrutória, a douta sentença proferida padece de erro na valoração e apreciação da prova no que a este aspeto essencial diz respeito.

7 - A decidir como decidiu, considerando provados com a redacção dada ao facto constante do quesito 82º da base instrutória, a douta sentença proferida padece de erro na valoração e apreciação da prova no que a este aspeto essencial diz respeito.

8 - A prova dos referidos quesitos resulta dos depoimentos das testemunhas E... (registado na gravação digital, faixa 1, de 00:00:00 a 00:44:02) e da testemunha F... (registado na gravação digital, faixa 2, de 00:00:00 a 00:39:20).

9 – É inequívoca a prova de que a recorrente caiu nas escadas do prédio por as mesmas se encontrarem molhadas, o que resulta claro do depoimento da testemunha E..., residente no prédio a que se reportam os autos.

10 - Resulta do depoimento desta testemunha, que atestou expressamente e de forma categórica, que no dia em que a Recorrente caiu, a 2ª Ré, tinha feito a limpeza de tarde.

11 - Do depoimento prestado pela testemunha, residente no prédio há já quatro anos, resulta claro e evidente o conhecimento que tem acerca dos fatos dos autos, tendo revelado inequivocamente isenção, clareza, coerência e seriedade, com todo o desprendimento e distanciamento necessários a um depoimento verdadeiro e conducente à descoberta da verdade.

12 - É inequívoca a prova de que a Recorrente caiu porque as escadas estavam molhadas e não húmidas, como refere a Douta sentença.

13 - É inequívoca a prova de que, no dia em que a Recorrente caiu, a 2ª Ré efectuou a limpeza das partes comuns do prédio, tendo efectivamente procedido à lavagem de toda a escadaria do mesmo.

14 - Aliás, bem demonstrado ficou que já era hábito da 2ª Ré, deixar, após a limpeza, as escadas do prédio molhadas (também confirmado pela testemunha F...).

15 - Ficou claro a falta de cuidado com que a 2ª Ré costumava proceder, até porque como referido por E..., já outra pessoa escorregou devido ao fato do chão estar molhado, sendo que esta, felizmente e ao contrário da Recorrente, não teve mazelas.

16 – Ambas as testemunhas da Recorrente depõem de forma coerente, clara, sem dúvidas ou hesitações com conhecimento dos fatos reportados àquela situação concreta.

17 – Aliás, os seus depoimentos revelam até esclarecimentos adicionais, explicando ao Tribunal o motivo porque os fatos se passaram da forma descrita.

18 – Daqui só se pode concluir que o depoimento destas testemunhas assenta no conhecimento directo dos fatos e em regras da experiência, o que os torna lógicos e coerentes.

19 – Muito pelo contrário, dos depoimentos das testemunhas da segunda Ré (G... e H... ) ressalta uma referência constante apenas aos procedimentos gerais da empresa, aquilo que era pré-estabelecido como sequência de trabalho e não um conhecimento do caso concreto.

20 – As afirmações dessas testemunhas mais não passam do que conclusões que se o procedimento estabelecido era aquele, quer quanto ao modus operandi, quer quanto às datas de limpeza, outra coisa não podia ter acontecido naquela situação concreta.

21 – Na verdade, não conseguiram atestar o que quer que fosse quanto à situação concreta reportada nos autos e, para além do mais, importa não esquecer que são trabalhadoras da Recorrida, consequentemente numa situação de dependência que parece aqui revelar-se: o fato de se “agarrarem” sistematicamente ao argumento do “procedimento habitual” da empresa.

22 – Efectivamente, quanto aos fatos precisos de há 3 anos atrás, nada dizem.

23 – Questiona a Recorrente como pôde o Meritíssimo Juiz a quo valorar a prova produzida majorando os depoimentos abstractos das testemunhas das Rés, em detrimento dos depoimentos concretos e com conhecimento de causa das testemunhas da Recorrente.

24 - Daqui se conclui que a Douta decisão de que se recorre padece de erro na valoração e apreciação da prova.

25 - A resposta aos quesitos 11º e 12º não poderia ser outra que não a de “Provado”, ao contrário do doutamente decidido.

26 - A resposta ao quesito 17º, deve ser “Provado que a Autora só escorregou porque as escadas estavam molhadas”.

27 – A resposta ao quesito 82º da Base Instrutória deve ser simplesmente não provado.

28 – De tudo isto resulta que a Recorrente fez a prova que lhe incumbia fazer, cumprindo assim, o ónus que sobre ela impende e como dispõe o artigo o artigo 342º, nº 1 do C.C.

29 - E neste particular importa referir o AC. STJ, 26/02/1992:BMJ, 414-533: “Nas acções de indemnização por facto ilícito, embora caiba ao lesado a prova da culpa do lesante, a posição daquele será frequentemente aliviada por intervir aqui, facilitando-lhe a tarefa, a chamada prova de primeira aparência (presunção simples)”.

30 - Ou seja, se a prova apontar no sentido da culpa do lesante, cabe a este o ónus da contra prova.

31 - O que, quanto a esta última parte não se verificou.

32 - A aqui Recorrente nem sequer consegue compreender a fundamentação da Douta sentença pois, se por um lado o tribunal “a quo” refere “que nem se provou que houve limpeza nas escadas nesse dia”, por outro lado e, mais à frente “Não tenho por absolutamente impossível que o presente caso venha a ter, a final, uma decisão que considere que se autora escorregou nas escadas molhadas foi porque a limpeza foi feita, e mal feita, pelo que a respectiva empresa e a administração que a contratou -aliás sociedades constituídas pelas mesmas pessoas- devem indemnizar”.

33 - O direito substantivo consagra o princípio geral da responsabilidade por factos ilícitos, estatuindo no art. 483º do CC que, aquele que com dolo ou mera culpa violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.

34 - Os pressupostos que habilitam a essa responsabilização cifram-se na violação de um direito ou de interesses alheios, na ilicitude, na imputação do facto ao agente, na existência do dano e no nexo de causalidade entre o facto e o dano.

35 - Existe nexo de causalidade entre o fato das escadas estarem molhadas e a queda. Decorre das regras da experiência que a água torna os pavimentos escorregadios e que as escadas, no caso dos autos em mármore, pela sua própria natureza, se apresentam como locais propícios a quedas.

36 - A queda da Recorrente deu-se numa parte comum do prédio, por causa das escadas ainda estarem molhadas após a limpeza efectuada pela 2ª Ré, sendo que os serviços de limpeza foram incumbidos pela 1ª Ré enquanto administradora do condomínio.

37 - A 1ª e 2ª Ré são responsáveis pelos danos, por existir um nexo de imputação subjectivo.

38 - Verifica-se a existência da obrigação de indemnizar nos termos do 562º do C. C.

39 – Assim sendo, resultando dos meios probatórios analisados decisão diversa da recorrida, quanto aos concretos pontos de facto referidos, igualmente se impunha que o Tribunal recorrido proferisse, a final, sentença diferente daquela que veio a ser proferida nos presentes Autos”.

Com os aludidos fundamentos pretende que, no provimento do recurso, seja proferida decisão que condene os RR.

Contra alegou a apelada C..., Lda, pugnando naturalmente pela manutenção do decidido.
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Questão prévia: delimitação do objecto do recurso

Pede a apelante a final a condenação dos RR/recorridos. Todavia, como resulta claro do teor das alegações, está em causa apenas a responsabilidade das demandadas B..., Lda. e C..., Lda., não questionando a recorrente a absolvição da demandada D..., SA, pelo que com esta restrição se conhecerá do recurso interposto.
*

Assente que pelas conclusões se delimita o objecto do recurso (art.ºs 684.º n.º 3 e n.º 1 do art.º 685.º-A do CPC), as questões colocadas à apreciação deste Tribunal são as seguintes:

i. do erro de julgamento e consequente modificação das respostas dadas aos art.ºs 11.º, 12.º, 17.º e 28.º;

ii. da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil por acto ilícito.
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i. Da impugnação da matéria de facto

A apelante põe em causa as respostas dadas aos art.ºs 11.º, 12.º, 17.º e 82.º da base instrutória matéria que, em seu entender, foi mal ajuizada pelo Tribunal “a quo”, pretendendo que as respostas aos dois primeiros artigos deveriam ter sido positivas, propondo nova redacção para a resposta ao art.º 17.º, no sentido de ser dado como assente que a autora só escorregou porque as escadas se encontravam molhadas, defendendo finalmente que a resposta ao art.º 82.º deveria ser a de “Não Provado”.

A apelada C..., Lda., contrapondo com os testemunhos prestados por G...e H..., defende a manutenção do julgado.

Vem sendo jurisprudência reiterada por banda do STJ a de que o Tribunal da Relação, “ao apreciar os invocados erros de julgamento sobre os pontos da matéria de facto questionados pelo recorrente, está efectivamente vinculado a realizar uma reapreciação substancial da matéria do recurso de apelação, sindicando adequadamente, através de audição do registo ou gravação da audiência que necessariamente acompanha o recurso, a convicção formada pelo tribunal de 1ª instância e formando sobre tais pontos de facto impugnados a sua própria convicção, que pode ou não ser coincidente com a do juiz a quo.

Será, pois, manifestamente inconciliável com a efectividade do duplo grau de jurisdição quanto à matéria de facto, vigente no nosso sistema jurídico desde 1994, (…) uma análise das provas realizada em plano puramente abstracto, com mero apelo a critérios de desrazoabilidade ostensiva ou de flagrante desconformidade com os elementos probatórios documentados nos autos, desfocada de uma apreciação crítica, feita perante a especificidade do caso concreto e com decisivo apelo ao conteúdo casuístico dos vários meios de prova efectivamente produzidos em audiência.

(…) Tal não significa obviamente que deva ter lugar na Relação uma repetição ou renovação dos meios probatórios produzidos na 1ª instância, através de um novo julgamento do caso quanto aos pontos da matéria de facto questionados: o nosso sistema de recursos continua a assentar decisivamente na reponderação da decisão recorrida, não sendo, em princípio, destinados a criar matéria nova ou a realizar novas diligências probatórias (…) mas tão somente a verificar se o juiz a quo julgou ou não adequadamente a matéria litigiosa, face aos elementos a que teve efectivamente acesso e de que podia e devia conhecer”. [1]

Por outro lado, reconhecendo que a apreciação das provas constantes de depoimentos gravados apresenta dificuldades em confronto com a apreciação de primeiro grau no tribunal da 1.ª instância, onde funciona plenamente o princípio da imediação, tendo o juiz ao seu dispor toda uma panóplia de elementos que, estando subtraídos ao colectivo de juízes deste Tribunal, auxiliam à valoração dos testemunhos -vg. reacções ou gestos espontâneos da testemunha, tempos de resposta, hesitações, de inestimável valia na sua creditação- tal não autoriza a Relação a abster-se de formular um juízo probatório sobre os factos cuja reapreciação lhe é pedida, sob pena de se pôr em causa o referido segundo grau de jurisdição. “A efectiva reapreciação da prova implica [pois] a sua análise crítica sem limitações de ordem formal, ou seja, independentemente daquela que foi feita no tribunal recorrido, envolvendo a criteriosa e equilibrada apreciação, com apelo à racionalidade geral e particular do colectivo de juízes e às regras da lógica e da experiência.

Em suma, tal como o deve fazer o juiz que apreciou a prova em primeiro grau, deve o colectivo de juízes da Relação declarar, de entre os factos objecto da impugnação pelo recorrente, quais os que considera ou não provados, analisando criticamente os provas por aquele indicadas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção (artigo 653º, nº 2, do Código de Processo Civil). Isso significa que o colectivo de juízes da Relação deve formar e afirmar, a respeito dos factos em causa, com base nas provas que reapreciou, a sua própria convicção, idêntica ou diversa daquela que foi expressa no tribunal recorrido, a este se substituindo nessa parte”.

Tal é o entendimento que se sufraga, sem embargo de se reconhecer que, conforme justamente o mesmo STJ fez notar, se a Relação apenas é chamada a reapreciar pontos concretos da matéria de facto, com base em certos depoimentos que são indicados pelo recorrente e pelo recorrido, não almejará uma convicção probatória plena, porque não fundada na totalidade da prova produzida em 1.ª instância[2], o que se diz sem prejuízo de entendermos que o Tribunal de recurso, para cabal esclarecimento, tem o poder/dever, de proceder à reapreciação da totalidade da prova.

Isto dito, verificando-se a situação prevista na 2.ª parte da al. a) do n.º 1 do art.º 712.º do CPC, passaremos a reapreciar os pontos da matéria de facto que, no entender da recorrente, foram mal julgados pelo Tribunal “a quo”.

Perguntava-se nos artigos em causa:

11.º- Os funcionários do C..., no dia 23 de Fevereiro de 2010, procederam à limpeza do edifício?

12.º- Tendo feito parte de tal limpeza a lavagem das escadarias do prédio?

17.º- A autora escorregou só porque as escadas estavam molhadas e com pequenas poças de água acumuladas?

82.º- Na ocasião descrita nos autos a ré “ C...” procedeu como descrito de 76.º a 80.º (tais quesitos reportavam-se aos procedimentos adoptados pelas empregadas da limpeza, incluindo, nomeadamente, a colocação de sinalização adequada, contemplando a versão desta demandada).

A tais quesitos respondeu o Tribunal do seguinte modo: negativamente aos dois primeiros; em resposta ao art.º 17.º declarou como “Provado apenas que a autora escorregou e caiu ao pisar parte da escada que estava húmida”; sendo ainda negativa a resposta dada ao art.º 82.º, isto porque, conforme esclareceu, não foi possível apurar se no dia em causa foi ou não levada a cabo a limpeza das escadas.

Sendo estas as respostas dadas, o Mm.º juiz, tendo referenciado, por súmula, os testemunhos perante si produzidos, nomeadamente os que agora vêm indicados pela apelante e pela apelada, sustentou a sua decisão, para o que ora interessa, do seguinte modo:

“Nada permite duvidar da veracidade do facto de a autora, mãe de um jovem com deficiência profunda, ter sofrido uma queda nas escadas, então húmidas, do prédio que habitava, quando se deslocava, a pé, do terceiro para o quarto andar, para desencravar o elevador que, uma vez mais, estava paralisado naquele piso, por acção dos utilizadores dos apartamentos daquele quarto andar.

Daí, derivou um período de total impossibilidade de realizar quaisquer tarefas, situação que evoluiu até à sua consolidação médico-legal, se bem que com um défice permanente, conforme atestam os peritos. A autora sofreu dores e incómodos, realizou despesas, e está afectada para o futuro. No mais, nada de seguro se apurou. Mormente, não é seguro sequer que tenha, nesse dia, sido realizada limpeza das partes comuns do prédio pela empresa para o efeito contratada, bem menos que essa limpeza tenha deixado poças de água nas escadas, facilitando a queda da autora.

(…) Da inspecção realizada, ficou a percepção de um prédio com 20 anos de construção ou mais, tal como os respectivos elevadores. Aparentemente, estão em boas condições, atendendo à idade, e constatou-se que só um dos dois elevadores está em funcionamento, por opção dos condóminos. O elevador pode ficar de porta aberta se o utilizador impedir o fecho ou se a porta não for deixada a fechar automaticamente depois de aberta no mínimo a 45º. Mais se verificou que as escadas são de mármore, pelo que ficam escorregadias se molhadas”.

Verifica-se assim que, face aos depoimentos contraditórios das pela autora indicadas testemunhas E... e F..., por um lado, e, por outro, das testemunhas G...e H..., oferecidas pela ré C..., o Mm.º juiz, preso de dúvidas não sanadas, decidiu contra quem tinha a seu cargo o ónus da prova.

Todavia, ouvida e repetida a audição da prova, não cremos que tal julgamento dos pontos da matéria de facto impugnados deva subsistir.

Em estreita ligação com os princípios da imediação, oralidade e concentração, o nosso direito probatório consagra o princípio da livre apreciação da prova, significando que o julgador deve decidir a matéria de facto da causa segundo a sua íntima convicção, formada no confronto dos diversos meios de prova, cabendo-lhe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que através delas se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas da experiência que forem aplicáveis.[3] No domínio das provas que passam pela formação da convicção judicial, o juiz faz -deve fazer- apelo à sua própria experiência de vida.

E por aqui iniciando a apreciação crítica da prova produzida, haverá desde logo que assinalar que, no confronto das testemunhas oferecidas pela autora e aquelas outras oferecidas pela ré C..., Lda. nos merecem maior credibilidade as primeiras. Com efeito, quer a testemunha G..., supervisora, funções que exerce por conta da ré C... desde há 9 anos, quer H..., trabalhadora da mesma demandada, para quem exerce desde 2007 as funções de empregada de limpeza, tendo precisamente a seu cargo a limpeza do prédio onde ocorreu o acidente, como é natural e conforme à natureza das coisas, se encontravam muito mais comprometidas com os factos por, de algum modo, a versão da autora, a provar-se, permitir questionar o seu desempenho profissional. Ora, assim sendo, como inquestionavelmente é, razões teriam estas -e não as primeiras- para prestar depoimentos no sentido de alijarem a sua eventual responsabilidade na ocorrência do sinistro, conduta esta que, independentemente do juízo de censura que sobre ela se exerça, corresponde àquela que é a primária e quase instintiva reacção do ser humano quando confrontado com situação idêntica.

Por outro lado, e mais relevante, os depoimentos em causa só foram consistentes na negação de qualquer ligação entre o evento e a limpeza das escadas, versão sustentada e mantida por via de duas circunstâncias, afirmadas e reafirmadas: primeiro, a limpeza do prédio ocorreria em dias não coincidentes com aquele em que se deu a ocorrência; depois, as escadas seriam sempre lavadas cerca das 9:00 da manhã, com término da operação pelas 10:00, o que tornaria impossível que se encontrassem ainda molhadas à hora a que se verificou a queda da autora -cerca das 6:00 h da tarde, o que surge corroborado, ainda que indirectamente, pelo facto de ter dado entrada no hospital de S. Teotónio pelas 19:30 desse mesmo dia, conforme se alcança do doc. de fls. 15.

Todavia, temos para nós inequivocamente que nenhum destes factos é absoluto, conforme procuraremos demonstrar.

Assim, ouvida a supervisora G..., apesar de reiterar que, face ao grande movimento que se registava no prédio e que tornava difícil a execução do serviço, o que a levou a determinar que o mesmo fosse feito sempre de manhã, por volta das 9:00 - 9:15 horas, não deixou de referir, um pouco mais à frente, que quando começaram a fazer o serviço, “se por acaso lá iam da parte da tarde” (e este “se por acaso lá iam da parte da tarde”, deita por terra a pela testemunha afirmada existência de uma escala rígida e quase inalterável, que perdurava por um ano) era muito difícil executar o trabalho “porque havia sempre muito pessoal a subir e a descer”. Ou seja, alturas houve em que o trabalho foi efectivamente executado no período da tarde, o que está em linha com os testemunhos prestados pela E... e pela F..., a que voltaremos.

A propósito, não pode ainda deixar de se assinalar que a testemunha H..., logo de entrada, tendo declarado saber ao que vinha, à pergunta da Il. Mandatária da ré C... indagando se era a testemunha quem limpava o prédio em causa, respondeu de rompante “Limpava, por volta das nove menos um quarto, nove horas, era sempre a hora a que chegava para limpar o lote F”, assim tendo declarado de uma vez só, ainda que menos a propósito, porque não perguntado, quanto trazia para dizer.

Por outro lado, e quanto aos dias em que tal limpeza teria lugar, assente que era efectuada duas vezes por semana, declarou a testemunha G... que tal ocorria às 2.ªs e 5.ªs feiras. Mais: acrescentou ter confirmado tal elemento mediante consulta das escalas, a fim de o fornecer à Dr.ª Ana (a Il. Mandatária da contestante), sendo certo que desconhece o actual paradeiro das ditas escalas. No entanto, analisada a contestação da ré C..., Lda., aí tendo sido referido correctamente que o incidente ocorreu numa 3.ª feira (v. art.º 33.º), limitou-se a alegar que a limpeza é feita, por norma, às 2.ªs ou às 5.ªs (são nossos os destaques), afirmando ainda e apenas “ter como provável que às 18:00 horas já não estejam no imóvel as funcionárias da ré C...” (vide art.º 43.º), porquanto o seu horário de serviço decorreria entre as 8:30 e as 17:00 horas. E nenhum documento foi junto em ordem a demonstrar o alegado, nomeadamente aquele a que a testemunha G... terá então acedido. Ora, para lá da estranheza que naturalmente causa a não apresentação de tão relevante elemento probatório, uma outra conclusão ainda se extrai da omissão: se a limpeza fosse efectuada no período da manhã, não teria seguramente a supervisora G... deixado de comunicar tal facto à Il. Mandatária, que o traria certamente ao processo. Tal omissão, aditada do depoimento da mesma testemunha, abrem claramente a porta aos testemunhos prestados pelas indicadas pela autora, as quais declararam de forma inequívoca que a limpeza acontecia, pelo menos, algumas vezes, no período da tarde.

E quanto ao dia da semana?

Não obstante o declarado pela testemunha G... -sem qualquer corroboração, conforme se fez notar- a testemunha H..., inquirida a este respeito, declarou que a limpeza era feita às 3.ªs e 6.ªs, ressalvando possível erro, e só mais tarde, quando confrontada com a divergência entre o seu depoimento e o da sua supervisora é que veio dizer, “emendando a mão”, que já não se lembrava. Ora, considerando que a testemunha efectuou a limpeza durante anos -aquando do depoimento tinha deixado de o fazer há escassos meses- e que, conforme a própria declarou, tem rotinas, afigura-se que a sua primeira e espontânea resposta é de valorar, apontando para que a limpeza do prédio ocorresse efectivamente nos dias que então referenciou. De todo o modo, o que a prova produzida não sustenta, em nosso entender, é a conclusão de que a limpeza se fazia habitualmente, pelo menos à data em que os factos ocorreram, às 2.ªs e 5.ªs feiras, isto sem prejuízo de o facto em causa nem sequer ser determinante, por ser sempre de admitir a possibilidade de ocorrer, ainda que excepcionalmente, em dia diferente.

Também a afirmação da testemunha de que deixava “o pano todo torcidinho”, até porque “a nossa chefe está-nos sempre a dizer para deixarmos tudo seco para não haver problemas” melhor quadra num contexto pós-acidente, e a recomendação só tem razão de ser se dúvidas houvesse quanto à adequação do procedimento antes adoptado. De resto, embora recentemente introduzida, não deixou a testemunha de fazer referência à imposição de uma alteração nos procedimentos, sendo que, actualmente, sendo utilizada uma esfregona para efectuar a limpeza, todas as trabalhadoras têm ordens para efectuarem uma segunda passagem com uma mopa seca, a fim de deixarem o chão seco.

Ao contrário dos depoimentos que deixámos assinalados, mais consistentes e credíveis se apresentaram os das já mencionadas E... e F.... Assim, e desde logo, ambas tomaram conhecimento do acidente aquando da sua ocorrência, tendo auxiliado a autora durante o seu período de incapacidade, tendo assim uma memória referenciada ao facto, ao contrário das anteriores, uma vez que, a fazer fé na contestação, só na sequência da citação para a presente acção o incidente foi conhecido da ré C.... Por outro lado, a verdade é que nenhuma das testemunhas em referência declarou ter visto a empregada da limpeza no prédio naquele preciso dia o que, há-de reconhecer-se, a terem vindo a Tribunal com o propósito de relatarem uma versão inverdadeira em favor da autora, não deixaria de ser afirmado, dada a sua relevância. Mas não, nenhuma delas o afirmou.

A testemunha E..., moradora no prédio desde há quatro anos, precisamente no 3.º esq.º (à época a autora residia no 3.º direito) declarou encontrar-se em casa quando ouviu o barulho provocado pela autora, saiu em seu auxílio e verificou que estava tudo molhado, porque “quando elas fazem a limpeza, deixam tudo molhado, não limpam”. Logo na ocasião a autora declarou que escorregou porque a escada estava molhada, o que a testemunha constatou corresponder à verdade. Acrescentou que no dia da queda a limpeza tinha sido feita à tarde, o que afirmou porquanto, não tendo embora visto a empregada a efectuar a limpeza das escadas, constatou que estava tudo molhado, precisando que “não é molhado que faça poça de água, mas é molhado que dá para escorregar e cair se não tiver cuidado”. Afirmou e reiterou, resistindo às insistências das Il. Mandatária da ré, que quem faz a limpeza não seca o chão “(…) aí é sem dúvida, e se o tempo estiver molhado, chuvoso, fica muito tempo molhado (…) não é molhado com poça de água, é molhado sem secar”.

Mais referiu nunca ter visto qualquer elemento de sinalização de piso escorregadio, nem nas escadas, nem nos corredores -a testemunha H... afirmou que o levava sempre consigo, colocando-o na entrada do prédio, de onde só o recolhia à saída, o que nada nem ninguém corroborou- mais afirmando que a limpeza é feita às vezes de manhã, de outras à tarde e ainda, por vezes, à hora de almoço, sem hora certa portanto.

Mas o essencial do depoimento da referida E... foi a convicção com que ficou, face ao avistamento da escada -em cujos degraus a autora deixou o rasto da escorregadela no molhado, conforme a testemunha viu e reconheceu- que a limpeza tinha sido efectuada, e isto mesmo não tendo avistado a trabalhadora da ré que habitualmente a faz. Ora, a este respeito bem pode a ré C... argumentar que se trata de uma mera suposição quando, na verdade, se trata antes de uma válida presunção. Com efeito, não há modo de confundir entre uma superfície molhada porque nela inadvertidamente (ou não) foi derramado líquido, com aquela outra situação da superfície ter sido lavada (com esfregona ou mopa é, para este efeito, irrelevante), tanto mais que, sendo a testemunha residente no prédio, reconhecia muito naturalmente o aspecto das escadas quando lavadas. Mas se isso não bastasse -e bastava- a verdade é que a testemunha confirmou ter nesse mesmo dia descido pelas escadas até ao rés do chão, tendo constatado que estava tudo molhado até à entrada do prédio, o que arreda irremediavelmente qualquer outra hipótese explicativa fundada em eventual negligência de um passante.

Quanto ao depoimento da testemunha F..., amiga da autora desde há anos e pessoa a quem esta telefonou no próprio dia em que sofreu o acidente, pedindo-lhe que a auxiliasse, uma vez que não podia continuar a cuidar do filho deficiente como até então, tratando-se de um testemunho absolutamente notável de serenidade e isenção, logo declarou que no dia em causa não se tinha deslocado ao prédio, desconhecendo por isso as circunstâncias em que o acidente se tinha dado, sabendo a propósito apenas quanto pela autora lhe fora relatado -e esta relatou ter escorregado nas escadas molhadas, o que teria originado a queda. Não obstante, como, a partir de então, e até que a autora mudou de residência, o que terá ocorrido cerca do mês de Agosto, a testemunha se deslocou diariamente ao prédio, de manhã e mais uma vez à tarde, constatou por diversas vezes que à sua chegada, cerca das 5:30-6:00 horas da tarde, o piso se encontrava molhado, e isto apesar de apenas numa ocasião ter avistado a empregada que procedia à limpeza. Descreveu que nessa ocasião estava a ser utilizada uma esfregona tipo industrial e um carrinho no qual era espremida, descrição que coincide com aquela outra feita pela testemunha H..., embora esta tivesse referido que utilizava uma mopa, só recentemente substituída pela esfregona.

Quanto à existência do sinal avisador do perigo do piso escorregadio, tendo a testemunha F... declarado saber do que se tratava -um sinal amarelo que se abre- por já o ter visto a ser manuseado pela rapariga que faz a limpeza do supermercado onde trabalha, não o viu, seguindo declarou, naquela única ocasião em que, à sua chegada, avistou a empregada da limpeza no hall de entrada a concluir a mesma.

Acresce que, se às 16:30 horas a limpeza do prédio se encontra concluída -o que se refere por apelo ao testemunho prestado pela H..., a qual declarou isso mesmo, explicitando que, por ser uma das poucas trabalhadoras da ré titulares de carta de condução, tem que ir buscar as colegas, sendo que o horário de trabalho é das 8:30 às 17:00 (aqui coincidindo o seu depoimento com o declarado pela testemunha G...)- e às 17:30-18:00 horas as escadas estão ainda e sistematicamente molhadas, tal permite concluir que não são limpas com o cuidado devido, tanto mais que, pelos vistos, se trata de escadas em mármore, reconhecidamente mais custosas de secar. Acresce que, tendo o acidente ocorrido em pleno Inverno, mais demorado seria o processo natural de secagem, conforme a testemunha Lúcia não deixou de referenciar e se mostra conforme às regras da experiência comum.

Em suma, face à análise crítica e concertada dos aludidos depoimentos, sendo incontestado que a autora caiu no lanço de escadas que liga o 3.º ao 4.º pisos, alcança-se a convicção de que nesse mesmo dia e período da tarde as escadas tinham sido limpas pela trabalhadora da ré e, encontrando-se ainda molhadas aquando da sua utilização pela autora, tal esteve na origem desta ter escorregado e caído.

Procedendo assim as conclusões 1.ª a 31.ª do recurso da apelante, modifica-se a matéria de facto vertida nos pontos impugnados, que passarão a ter o seguinte teor:

Art.º 11.º- Provado que no dia 23 de Fevereiro de 2010 a trabalhadora da C..., Lda. procedeu à limpeza do edifício.

Art.º 12.º- Provado.

Art.º 17.º- Provado que a autora caiu porque as escadas estavam molhadas.

Art.º 82.º- Não Provado.

A fim de evitar contradições, impõe-se igualmente a alteração da resposta ao art.º 70.º, cujo teor passará a ser o seguinte: “Quando a autora subiu ao 4.º andar, já as escadas se encontravam molhadas”, impondo-se, pelas razões apontadas, a resposta de não provado ao art.º 75.º.

Ainda que por motivo diverso, também a resposta ao art.º 83.º não pode subsistir. Perguntava-se no artigo em causa se o horário das funcionárias da “ C...” era das 8:30 às 17:00 horas, facto este procedente da alegação da demandada (vide art.º 44.º), ao que o Mm.º juiz respondeu “provado apenas, e esclarecendo, que a funcionária que, regularmente, realizava, à data, a operação de limpeza do edifício, o fazia da parte da manhã”. Ora, para lá do facto, conforme se referiu supra, nem sequer ter sido alegado pelas contestantes, a resposta extravasa claramente o âmbito do quesito formulado, ao que acresce a circunstância -fundamental- de, como vimos, a prova produzida não suportar a asserção de que tal já se verificava à data relevante em que os factos ocorreram. Deste modo, por aplicação analógica do disposto no n.º 4 do art.º 646.º do CPC, há-de tal resposta ter-se por não escrita[4].

Finalmente, e tendo em consideração o disposto no n.º 3 do art.º 653.º do CPC, aplicável aos acórdãos ex vi do preceituado no n.º 2 do art.º 713.º, haverá ainda que atentar no teor do alegado pela autora nos artigos 13.º a 16.º da petição inicial. Aqui relatou que no assinalado dia, pelas 18:00 horas, saiu de casa com o filho e, tendo chamado o elevador, apercebeu-se que o mesmo se encontrava preso no 4.º andar (vide artigos 13.º e 14.º). Deixou o seu filho no 3.º andar, enquanto subiu ao 4.º para desencravar a porta e quando estava a descer as mesmas, escorregou nos últimos degraus e caiu (cf. o alegado em 15.º e 16.º).

O assim alegado foi objecto de discussão e o art.º 16.º, contemplando este último facto, foi respondido restritivamente, tendo o Mm.º juiz feito consignar que “Nesse entretanto, a autora escorregou nas escadas e caiu”.

Ora, para lá da resposta dada não se adequar à prova produzida -consistente no sentido da confirmação de que a queda ocorreu quando a autora descia as escadas- estando mesmo em contradição com o teor da alterada resposta ao art.º 70.º, a verdade é que a alegada circunstância da autora ter caído quando descia as escadas, considerando que as mesmas se encontravam já molhadas aquando da subida ao 4.º andar, tem a natureza do reconhecimento de um facto que lhe é desfavorável, porquanto, tendo-se apercebido ou devendo aperceber-se do estado em que as escadas se encontravam quando as subia, maiores cuidados deveria ter adoptado aquando da descida. Daí que se imponha igualmente a alteração da resposta ao art.º 16.º, de modo a dele passar a constar que “Ao descer as escadas de volta ao 3.º andar, a autora escorregou nas escadas e caiu”.
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II. Fundamentação

De facto

Agora estabilizada a matéria de facto, são os seguintes os factos a considerar:

A- A ré “ B..., Ldª” é administradora do condomínio do prédio sito na Quinta ..., em Viseu, qualidade essa que já possuía no dia 23 de Fevereiro de 2010 (al. A).

B- A ré “ B..., Ldª” dedica-se à gestão de condomínios, sendo no âmbito de tal actividade que faz a gestão do condomínio do prédio sito na ..., sito em Viseu, na freguesia de Coração de Jesus, o que já fazia em 23 de Fevereiro de 2010 (al. H).

C- Por sugestão dos responsáveis da B... Lda – que são os mesmos da C..., Lda. – o condomínio do prédio acordou com esta última empresa a realização dos serviços de limpeza das partes comuns do imóvel (resposta aos art.ºs 9.º e 10.º).

D- A funcionária da C..., Lda. que efectua a limpeza do edifício, antes de a iniciar, sinaliza, com a habitual placa plástica, colocada em local que não foi possível fixar com precisão, o perigo decorrente do piso molhado e escorregadio (resposta ao art.º 77.º).

E- A operação de limpeza inicia-se no piso superior e termina na entrada do edifício (resposta ao art.º 78.º).

F- Concluída a limpeza, é retirada a respectiva placa de sinalização (resposta ao art.º 80.º).

G- A operação de limpeza é efectuada de modo e com a utilização de instrumentos que não permitem a formação de poças de água (resposta ao art.º 81.º).

H- No inverno, o tempo médio de secagem do piso é superior ao que se verifica de verão (resposta ao art.º 84.º).

I- Consta de fls. 87 e ss o acordo denominado “Contrato D...Controlo OC”, celebrado entre o condomínio do edifício da Quinta do Galo F e a D..., Ldª (al. G).

J- Desde a celebração do acordo aludido em G) a ré “ D...” vem efectuando os trabalhos de conservação aí previstos (resposta aos art.ºs 57.º-B e 73.º).

K- Com referência à data de 23 de Fevereiro de 2010 a autora residia, e continuou a residir, até momento que não foi possível concretizar, mas do ano de 2010, no 3.º andar direito do prédio identificado em A) (resposta ao art.º 2.º).

L- No referido dia 23 de Fevereiro de 2010, a autora sofreu uma queda no prédio sito na ..., em Viseu (resposta ao art.º 1.º).

M- Por via da sua estrutura e sistema de funcionamento, a porta do elevador do prédio podia não se fechar automaticamente, mormente se o utilizador assim o pretendesse, manipulando um grampo, o que, por vezes, ocorria no quarto andar do prédio (resposta ao art.º 3.º).

N- O referido na al. anterior era do conhecimento dos representantes e trabalhadores da B... Lda (resposta ao art.º 8.º).

O- Sempre que a autora pretendia utilizar o elevador e ele estava encravado no quarto andar, teria ela que subir, pelas escadas, ao quarto andar, e desencravar a porta, após o que poderia descer no elevador ou retornar, pelas escadas, ao terceiro andar (respostas aos art.ºs 4.º e 5.º).

P- A autora tem um filho menor de idade, que sofre de paralisia cerebral com afectação de toda a acção motora (resposta ao art.º 6.º).

Q- No dia 23 de Fevereiro de 2010 a trabalhadora da C..., Lda. procedeu à limpeza do edifício, tendo feito parte de tal limpeza a lavagem das escadarias do prédio (respostas aos art.ºs 11.º e 12.º).

R- Nesse dia, pelas 18:00h, a autora saiu de casa com o seu filho (resposta ao art.º 13.º).

S- Chamou o elevador e apercebeu-se que o mesmo estava preso no 4º andar (resposta ao art.º 14.º).

T- Deixou ficar o seu filho no 3º andar, enquanto subiu ao 4º andar para desencravar a porta (resposta ao art.º 15.º).

U- Ao descer as escadas de volta ao 3.º andar, a autora escorregou nas escadas e caiu (resposta ao art.º 16.º).

V- A autora escorregou porque as escadas estavam molhadas (resposta ao art.º 17.º).

W- Quando a autora subiu ao 4.º andar já as escadas estavam molhadas (resposta ao art.º 70.º).

X- A autora caiu e o seu filho apercebeu-se dessa queda (resposta ao art.º 18.º).

Y- A autora foi transportada pelo INEM ao Hospital de Viseu (resposta ao art.º 19.º).

Z- Apresentando uma factura bimaleolar no pé esquerdo, com necessidade de imobilização gessada (respostas aos art.ºs 20.º e 21.º).

AA- No Hospital São Teotónio, onde a autora foi transportada pelo INEM após a queda, e por existir contra-indicação, não foi aplicada anestesia geral à autora (resposta ao art.º 85.º).

AB- Desde aquela data e até momento que não foi possível fixar com precisão, a autora submeteu-se a várias consultas de ortopedia e fisiatria (resposta aos art.ºs 22.º, 23.º e 24.º).

AC- Em consulta realizada a 14 de Abril de 2010, a autora apresentava subluxação do tornozelo, tendo-lhe sido retirado o gesso (resposta ao art.º 25.º).

AD- No dia 5 de Maio de 2010, a autora mantinha edema no pé, assim como subluxação da tíbio-társica esquerda (resposta ao art.º 26.º).

AE- Nesta data ainda não conseguia fazer carga sobre o pé (resposta ao art.º 27.º).

AF- Numa primeira consulta de fisiatria, a 24 de Maio de 2010, a autora apresentava dor à palpação no pé e com o movimento (resposta aos art.ºs 28.º e 30.º) .

AG- Até 24 de Maio de 2010, a autora utilizava cadeira de rodas (resposta ao art.º 29.º).

AH- A partir de 24 de Maio de 2010, a autora começou a caminhar com o apoio de duas canadianas (resposta ao art.º 31.º).

AI- Presentemente, utiliza uma canadiana, em termos e condições que não foi possível apurar (resposta ao art.º 32.º).

AJ- A fractura que sofreu deixou-lhe sequelas, tendo a autora tido uma primeira consulta de fisiatria (resposta ao art.º 34.º)

AK- A autora apresenta uma incapacidade temporária desde o dia 23 de Fevereiro de 2010 (resposta ao art.º 36.º).

AL- Presentemente, e desde 12 de Maio de 2011, a autora apresenta um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em onze pontos (resposta aos art.ºs 37.º, 44.º e 55.º).

AM- A autora continua com dores no pé esquerdo (resposta ao art.º 39.º).

AN-O filho da autora dela depende para todas as tarefas do dia a dia, designadamente, tirá-lo da cama, dar-lhe banho, vesti-lo e dar-lhe as refeições (resposta ao art.º 40.º).

AO- Desde o dia em que caiu e durante cerca de noventa dias, a autora esteve totalmente impossibilitada de prestar a necessária ajuda ao seu filho, sendo que, presentemente, essa ajuda ainda lhe impõe um esforço acrescido (resposta ao art.º 41.º).

AP- A autora viu-se obrigada a solicitar os serviços de uma senhora para tratar do seu filho, uma hora de manhã e uma hora à noite, para as tarefas supra descritas (resposta ao art.º 42.º).

AQ- Por vezes, a autora remunerou a pessoa que a ajudou a assistir o seu filho, à razão de € 10,00 por dia (resposta ao art.º 43.º).

AR- A autora deixou de conduzir pelo menos durante noventa dias a partir do dia da queda (resposta ao art.º 48.º).

AS- Tendo-se deslocado de táxi para consultas e tratamentos no hospital, para farmácias e supermercados e ainda para levar o filho a uma consulta a Coimbra (resposta ao art.º 49.º).

AT- Por via da queda que sofreu, e em medicamentos, a autora gastou quantia que não foi possível apurar (resposta ao art.º 50.º).

AU- Por via da queda que sofreu, e em deslocações, a autora gastou quantia que não foi possível apurar (resposta ao art.º 51.º).

AV- A autora irá carecer de acompanhamento médico (resposta ao art.º 52.º).

AX- O filho da autora sempre dependerá de terceiros para o resto da vida (resposta ao art.º 53.º).

AY- Até à data da queda a autora não padecia de qualquer défice funcional permanente da sua integridade físico-psíquica (resposta ao art.º 54.º).

AZ- O facto de ter passado a sentir dores e de ter ficado afectada com um défice funcional permanente, e em especial pelo facto de sentir mais dificuldades no tratamento e auxílio ao seu filho, faz com que a autora se sinta insatisfeita e angustiada (resposta ao art.º 56.º).

BA- As dores no pé esquerdo irão continuar (resposta ao art.º 57.º).

BB- A autora não consegue estar muito tempo em pé e subir e descer escadas sem apoio (resposta ao art.º 57.ºA).

BC- Consta de fls. 38 dos autos, documento datado de 15 de Março de 2011, do qual resulta que a autora aufere uma pensão mensal de € 181,94 (al. B).

BD- Consta de fls. 40 dos autos, documento datado de 15 de Março de 2011, no qual se refere que L ... aufere uma pensão mensal de € 60,65 (al. C).

BE- Consta de fls. 43 dos autos comprovativo de prestação de abono de família para crianças e jovens, titulado por L ..., e recebido por A... relativo a Fevereiro de 2011, no valor de € 5,84 (al. D).

BF- Consta de fls. 44 dos autos, comprovativo de prestação por assistência de terceira pessoa, em benefício do descendente L ... recebido por A..., relativo a Janeiro de 2011, no valor de € 88,37 (al. E).

BG- Consta de fls. 45 dos autos comprovativo da prestação de “bonificação por deficiência” titulado por L..., recebido por A..., relativo a Janeiro de 2011, no valor de € 11,90 (al. F).

BH- Desde Janeiro de 2008 e até 23/2/2010 não houve registo de anomalias com a referida porta do 4º andar (resposta ao art.º 58.º).

BI- A primeira avaria comunicada na porta do quarto andar ocorreu em data posterior àquela em que a autora caiu (resposta ao art.º 59.º).

BJ- Dia esse no qual foi efectuada visita pelo técnico da “ D...” (resposta ao art.º 60.º).

BK- A anomalia foi reparada (resposta ao art.º 63.º).

BL- Em 9/3/2010, o elevador havia sido inspeccionado pelo IEP, não tendo sido anotadas anomalias na porta do 4º andar (resposta ao art.º 64.º).

BM- A 12 de Maio de 2010 foi comunicada uma avaria (resposta ao art.º 65.º).

BN- Foi substituído um amortecedor da porta do quarto andar (resposta ao art.º 66.º).

BO- Um elevador em correcto estado de funcionamento fica imobilizado se o circuito dos contactos eléctricos das portas estiver interrompido (resposta ao art.º 67.º).

BQ- O que acontece quando uma porta está mal fechada (resposta ao art.º 68.º).

BR- Se uma porta estiver mal fechada, impedindo o funcionamento do elevador, e for fechada correctamente, fica restabelecido o contacto eléctrico que permite o funcionamento do elevador (resposta ao art.º 69.º).

BT- É possível reter propositadamente o elevador, puxando, para tanto, o amortecedor existente ao cimo das portas, o que ocorre frequentemente neste prédio por acção de utilizadores do elevador que se dirigem, também, ao quarto andar (resposta ao art.º 71.º).

BU- À data dos factos, o elevador encontrava-se em regular estado de funcionamento (resposta ao art.º 72.º).

BV- Funcionários da B... Lda inspeccionam periodicamente o edifício para verificar se há necessidade de qualquer reparação (resposta ao art.º 75.º).
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De Direito

ii. dos pressupostos da obrigação de indemnizar com fundamento na responsabilidade civil extra-contratual

Arredada da discussão, como vimos, a eventual responsabilidade da demandada D..., Lda, cabe agora indagar se se verificam, em relação às demandadas B..., Lda.- esta na sua qualidade de administradora do condomínio do prédio sito na Quinta ..., em Viseu, e em representação deste, conforme fixado em sede de despacho saneador- e C..., Lda. os pressupostos da responsabilidade civil geradores da obrigação de indemnizar.

Decorre do disposto no art.º 483.º do Código Civil[5] que a obrigação de indemnizar com origem na responsabilidade civil subjectiva depende da verificação cumulativa de determinados pressupostos, a saber: a existência de facto voluntário pelo agente, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Primeiro dos enunciados pressupostos é a existência de um comportamento -que não tem de consistir necessariamente numa acção, podendo traduzir-se numa omissão- posto que seja dominável pela vontade. Todavia, no caso das omissões, e como resulta do disposto no art.º 486.º, a imputação ao agente da conduta omissiva exige que sobre ele recaia o dever de praticar o acto omitido, uma vez que inexiste um dever genérico de evitar a ocorrência de danos. “Daí que para alguém ser responsável por omissão pelos danos sofridos por outrem se exija, para além dos outros pressupostos da responsabilidade delitual, um dever específico, que torne um particular sujeito garante da não ocorrência desses danos”[6]. Tal específico dever pode resultar de contrato, ou ser imposto por lei, como ocorre na previsão dos art.ºs 491.º, 492.º e 493.º, havendo ainda que ter em consideração, neste domínio, os denominados deveres de prevenção do perigo (ou, noutra terminologia, deveres de segurança no tráfico), cujo acolhimento permite estender a responsabilidade delitual por omissão a todo aquele que, exercendo o domínio de facto sobre uma coisa, móvel ou imóvel, ou determinada actividade, sendo aquela e esta susceptíveis de causar danos a terceiro, não tome as providências destinadas a evitá-los[7]. A existência de um dever genérico de prevenção impõe assim ao criador ou mantenedor de uma situação especial de perigo que proceda à sua remoção, sob pena de responder pelos danos provenientes da omissão. Os deveres em causa têm a ver com a prevenção dos perigos em locais privados ou públicos (estradas, edifícios), relacionados com coisas ou actividades perigosas, deles sendo projecção, entre outras, as citadas disposições legais (art.ºs 492.º e 493.º), nelas surgindo a posição do lesante agravada pela presunção de culpa.[8] [9]

Do n.º 1 do art.º 483.º se extraem ainda com clareza as modalidades que a ilicitude pode revestir: violação de direitos subjectivos alheios ou de disposições legais destinadas a proteger interesses alheios, incluindo ainda os assinalados deveres de segurança no tráfico[10], que terão todavia de corresponder a uma norma de conduta cujo desrespeito seja havido como ilícito e cujo conteúdo dependerá da ponderação de diversos factores, como a probabilidade da ocorrência do acidente e efeitos danosos a evitar, das medidas preventivas exigíveis e possibilidade de auto-protecção do lesado, sob pena de “uma ampla construção e admissão de deveres de prevenção do perigo equivaler na realidade à consagração de uma verdadeira responsabilidade pelo risco, que apenas formalmente se ampara nos esquemas da responsabilidade por culpa”[11].

A culpa exprime-se através de um juízo de reprovabilidade pessoal da conduta do agente que, em face das circunstâncias concretas do caso, podia e devia ter agido de modo a evitar o facto ilícito, e a sua apreciação, na ausência de outro critério legal, afere-se pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso, por força do princípio consagrado no art.º 487.º, n.º 2, do CC.

Finalmente, é necessário que do facto ilícito e culposo resulte um dano -o prejuízo, a perda “in natura” que o lesado sofreu, como consequência do facto, nos seus interesses (materiais, espirituais ou morais)- e que interceda um nexo de causalidade entre o facto e o dano.

De volta ao caso dos autos.

Resulta da lei -artigo 1421º, al. c)- que as escadas são partes comuns do prédio constituído em propriedade horizontal, assim pertencendo, em regime de compropriedade, a todos os condóminos, cabendo todavia a sua administração à assembleia de condóminos e a um administrador (cf. art.ºs 1420. n.º 1 e 1430.º, n.º 1), sendo função deste regular o seu uso. Neste amplexo de poderes incluem-se naturalmente os deveres de vigilância e conservação destas partes comuns que, no caso, eram incumbência da demandada B...s, Lda.

Emerge da factualidade apurada que aquela ré, na sua qualidade de administradora do condomínio do prédio onde a autora então residia numa das fracções sita no 3.º andar, havia contratado a ré C..., Lda para proceder à limpeza das partes comuns, incluindo as escadas. Mais se apurou que no referido dia 23 de Fevereiro de 2010 uma trabalhadora por conta desta última havia procedido à limpeza das escadas do prédio, as quais se encontravam molhadas quando a demandante, cerca das 6:00 da tarde, pretendeu sair de casa com o seu filho deficiente. Finalmente, apurou-se que, tendo tido necessidade de subir ao 4.º andar para desencravar o elevador e servir-se do mesmo -o que para a demandante era um imperativo, uma vez que o seu filho se locomove em cadeira de rodas- ao descer as escadas de volta ao 3.º andar, onde este a aguardava, sofreu uma queda, em consequência da qual sofreu as lesões apuradas e que se deixaram descritas.

Pois bem, parece não suscitar grande dúvida que as escadas carecem de ser lavadas e, não sendo lavadas a seco, terão que ser molhadas. Todavia, não pode deixar de se reconhecer, correspondendo a um dado empírico, que o piso molhado fica escorregadio, oferecendo perigo de quedas. Aliás, isso mesmo reconhecem as RR, que não deixaram de alegar o uso, pelas trabalhadoras da segunda demandada que efectuam a limpeza do prédio, de uma placa avisadora, alertando precisamente para os riscos do piso molhado e, por consequência, escorregadio.

Deste modo, estando a ré B...s, Lda. onerada com o dever de vigiar as escadas, tendo a entidade por si contratada para proceder à limpeza criado a fonte do perigo, impunha-se-lhe que tivesse tomado todas as diligências tendentes a evitar a lesão na saúde -direito subjectivo- de quem delas se servisse, sendo certo que, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 493.º citado, se presume a sua culpa.

É certo terem as demandadas logrado provar que a trabalhadora da C..., Lda. que efectua a limpeza do edifício, antes de a iniciar, sinaliza, com a habitual placa plástica, colocada em local que não foi possível fixar com precisão, o perigo decorrente do piso molhado e escorregadio, sinalética que, uma vez concluída a limpeza, retira (als. D) e F). Será tal factualidade suficiente para ilidir a presunção de culpa? Cremos que não. Com efeito, a sinalização com uma placa plástica do perigo decorrente do piso molhado e escorregadio, se não se sabe onde tal placa é colocada, não tem virtualidade para, por si só, garantir que os utilizadores das escadas tomem conhecimento do perigo, a fim de adoptarem, também eles, as precauções destinadas ao evitamento de eventual lesão. Por outro lado, tratando-se de prédio com pelo menos quatro pisos, iniciando-se a operação de limpeza no piso superior e terminando na entrada do edifício, tendo-se apurado que as escadas levam tempo a secar -mais no Inverno- a remoção da placa sinalizadora no termo da operação da limpeza, sem que se diga que em tal momento as escadas já não oferecem perigo -deflui da factualidade apurada que tal operação, pelo menos naquele local, já estava concluída e as escadas estavam ainda molhadas- não é suficiente para prevenir o perigo de dano. Subsiste assim a presunção de culpa que onera a ré B..., Lda. (sempre na sua qualidade de administradora do condomínio, entenda-se).

Já no que respeita à ré C..., Lda., sobre a qual não recai tal presunção, a ilictude da sua conduta decorre directamente da violação dos assinalados deveres de tráfico, com os contornos que se deixaram assinalados e que se têm ainda como incluídos no n.º 1 do art.º 483.º. Com efeito, tendo criado uma situação potencialmente geradora de perigo de dano -consubstanciada no facto de ter deixado as escadas molhadas, estando-se para mais no Inverno, em que a secagem é reconhecidamente mais demorada, assim prolongando a duração do risco- não tomou todas as medidas necessárias a evitar que fosse violado o direito de outrem.

Acresce, suportando o juízo de culpa, o facto de estarmos perante uma sociedade, que exerce a referida actividade de forma organizada e lucrativa, com potencialidade para replicar os procedimentos utilizados em variados locais, assim disseminando uma conduta potencialmente perigosa e com aptidão para provocar danos severos, conforme se verificou no caso vertente, sendo certo que estava claramente ao seu alcance a adopção de uma conduta alternativa, sendo bastante para eliminar ou, pelo menos, reduzir francamente o perigo criado, que a trabalhadora se assegurasse, em cada piso, que deixava o pavimento seco e/ou mantivesse a placa avisadora até que cada lanço de escadas secasse (não terá sido por isso estranha ao acidente dos autos a circunstância de, conforme resultou dos depoimentos prestados pelas colaboradoras da C..., terem actualmente instruções para procederem a uma segunda passagem do piso com uma mopa seca, a fim de o deixarem enxuto). A exigibilidade deste diverso comportamento assenta assim na simplicidade e carácter pouco oneroso da conduta alternativa, tanto mais evidente quando confrontada com o perigo criado, potencialmente gerador de danos graves.

Todavia, e assim tendo concluído pela culpa das demandadas, requisito que acresce à prática do facto e ilicitude do mesmo, não pode, todavia, deixar igualmente de se valorar a conduta da autora, aqui lesada.

Resulta dos factos assentes que subiu ao 4.º andar para desencravar o elevador, altura em que as escadas já se encontravam molhadas, ocorrendo a queda quando descia o mesmo lanço. Ora, se ao subir já tinha -ou pelo menos deveria ter- dado conta de que as escadas estavam molhadas, impunha-se-lhe a adopção de maiores cuidados na sua descida, porquanto, tendo (ou devendo ter) detectado a situação de perigo, também a ela cabia adoptar medidas de evitamento da lesão. Ou seja, estamos perante uma situação em que um facto culposo do lesado contribuiu para a produção do dano o que, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 570.º, afasta a responsabilidade do condomínio, assente que estava em culpa presumida, mas não já a da ré C..., Lda., em relação à qual se verificam os pressupostos da responsabilidade civil, decorrendo a violação do direito da autora, como vimos, da inobservância de um dever genérico de prevenção do perigo de dano, que veio a ocorrer. Todavia, porque se verifica culpa concorrente da autora, entendemos que se justifica, ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.º 570.º, a redução a metade da indemnização que vier a ser arbitrada.
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Do quantum indemnizatório

Dispõe o artigo 563.º que “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”. Este artigo consagra a chamada teoria da causalidade adequada, fazendo-se apelo ao prognóstico objectivo que, ao tempo da lesão (ou do facto), em face das circunstâncias então reconhecíveis ou conhecidas pelo lesante, seria razoável emitir quanto à verificação do dano. Desta forma, o responsável só será obrigado a ressarcir aqueles danos que não se teriam verificado sem que o lesante tivesse praticado aquele facto e que, abstraindo deste, não seria de prever que tivessem ocorrido.

Em matéria de dever de indemnizar, a regra geral estabelecida na lei civil (artigo 566.º) é a da reparação natural, isto é, a reconstituição da situação que existiria não fora o evento danoso. No entanto, sempre que esta não seja possível, não repare totalmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor (responsável), a indemnização é fixada em dinheiro (566.º, nº 1).

Deste modo, e dado que a reparação natural não é possível no caso concreto, a indemnização será computada em dinheiro, nos termos do disposto nos artigos 562.º, 564.º e 566.º, devendo medir-se pela diferença entre a situação real em que o facto deixou o lesado e a situação hipotética em que ele se encontraria sem o dano sofrido -é a nominada teoria da diferença consagrada naquele artigo 562.º.

A autora reclama indemnização no montante de € 39 683,05 (trinta e nove mil seiscentos e oitenta e três euros e cinco cêntimos), acrescida dos juros correspondentes, e ainda a quantia correspondente ao custo do auxílio que lhe vem sendo prestado por 3.ª pessoa, à razão de € 10,00 por dia, desde a data da entrada da acção em juízo até ao trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida.

Estão compreendidos na obrigação de indemnizar os danos causados ao lesado, compreendendo não só o prejuízo causado nos bens existentes na sua titularidade -danos emergentes- como também os benefícios que deixou de obter por causa do facto ilícito, embora ainda não integrados na sua esfera à data da lesão -lucros cessantes, podendo qualquer deles representar danos futuros, desde que previsíveis (artigo 564.º).

No que respeita aos danos emergentes, resultou apurado ter a autora despendido diversas quantias em medicamentos e deslocações, sem que se tivesse logrado apurar o montante em causa. Todavia, uma vez que o dano se encontra demonstrado, com recurso a juízos de equidade, como permite o n.º 3 do art.º 566.º, entende-se fixar em € 300,00 o montante indemnizatório que a este título seria devido.

Apurou-se ainda que, encontrando-se o filho da autora na sua completa dependência, tendo esta permanecido absolutamente incapacitada de lhe prestar os cuidados necessários pelo período de 90 dias, recorreu ao auxílio de terceira pessoa a quem pagou, por vezes, € 10,00 a título de compensação, por dia. Ora, apesar de não se ter demonstrado ter a autora suportado o aludido dispêndio durante todo o período em que se manteve a sua incapacidade[12], não custa aceitar que tal valor -seguramente por defeito- traduzia o valor dos cuidados que dispensava ao filho deficiente constituindo, nesta medida, um dano indemnizável, cujo montante ascende assim a € 900,00.

Evidencia ainda o acervo apurado ter a autora permanecido incapacitada de se locomover pelos seus próprios meios, dependendo de cadeira de rodas até 24 de Maio de 2010, utilizando a partir daqui duas canadianas, sendo certo que, com referência à data do encerramento da discussão da causa, usava ainda uma canadiana. Consolidadas as lesões em 12 de Maio de 2011, ficou portadora de uma IPP de 11%, não conseguindo estar muito tempo em pé ou subir e descer escadas sem apoio, tendo sofrido e continuando a sofrer dores. Finalmente, demonstrado ficou que o facto de ter passado a sentir dores, de ter ficado afectada com um défice funcional permanente e, em especial, por sentir mais dificuldades no tratamento e auxílio ao seu filho, faz com que a autora se sinta insatisfeita e angustiada (cf. a al. AZ dos factos provados).

Tal quadro factual, independentemente da circunstância de, à data, não exercer qualquer profissão remunerada -dedicando-se em exclusivo ao filho, que carece de cuidados permanentes- não inviabiliza o arbitramento de indemnização destinado a compensar a autora pelo dano biológico sofrido, posto que, não padecendo antes de qualquer incapacidade, se vê agora afectada na sua capacidade funcional, apresentando limitações que dificultam e tornam mais penoso o seu dia a dia. Também as dores e o longo período de incapacidade temporária até à consolidação das lesões, com a necessidade de uso a cadeira de rodas, as dores sofridas e que continua a sofrer, aliado ao intenso sofrimento psíquico que a situação vivenciada lhe impõe, constituem dano de natureza não patrimonial que, pela sua gravidade, reclama a tutela do direito. Nestes termos, e apelando aos critérios consagrados nos artigos 494.º e 496.º, entende-se como justo o montante indemnizatório de € 25 000,00, já actualizado com referência à data da presente decisão.

Considerando a repartição de culpas entre a autora lesada e a ré C..., Lda., é esta responsável pelo pagamento da quantia de € 13 100,00 (treze mil e cem euros), sendo devidos juros de mora desde a data da citação sobre a quantia de € 600,00, vencendo-se a partir de agora e até integral pagamento sobre o montante arbitrado (art.ºs 805.º, n.º 3, parte final, 806.º e AUJ n.º 4/2002, de 09/05/2002, publicado no DRI de 27/06/2002).
                                                *
III Decisão
Em face do exposto, e na parcial procedência do recurso interposto pela autora, acordam os juízes da 1.ª secção cível deste Tribunal da Relação em alterar a sentença recorrida, condenado a ré C..., Lda. a pagar à autora A... a título de indemnização, a quantia de € 13 100,00 (treze mil e cem euros), acrescida dos juros de mora vencidos desde a data da citação sobre a quantia de € 600,00, e dos vincendos a partir desta decisão e até integral pagamento sobre o montante arbitrado, no mais mantendo a sentença apelada.
Custas pela autora e pela ré C..., Lda, na proporção dos respectivos decaimentos, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que àquela foi oportunamente concedido.

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Maria Domingas Simões (Relatora)

Nunes Ribeiro

Hélder Almeida


[1] Aresto do STJ 24 de Maio de 2012, Ex.mº Sr. Cons.º Lopes do Rego, proc. 850/07.7 TVLSB.L1.S2, disponível em www.dgsi.pt.
[2] Acórdão do STJ de 24/1/2012, relatado pelo Ex.mº Sr. C.º Fonseca Ramos, proferido no processo n.º 1156/2002.L1.S1, disponível no mesmo sítio, aqui se afirmando mesmo que “O vigente sistema de julgamento da matéria de facto pelas Relações não se compagina com a regra fulcral do art. 515º do Código de Processo Civil (…)”.
[3] Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil - Conceito e Princípios gerais, 2.ª Ed., reimpressão, Coimbra Editora 2009, págs. 171-172.

[4] Emanação do princípio do dispositivo, que enforma toda a nossa lei processual civil, recai sobre as partes o ónus de alegarem os factos principais da causa, a saber, os que integram a causa de pedir e os que fundam as excepções (vide n.º 1 do art.º 264.º do CPC). Daí que o Tribunal só possa fundamentar a decisão nos factos alegados pelas partes, com a ressalva dos factos instrumentais, que poderão ser considerados oficiosamente na decisão de facto, desde que tenham resultado da instrução da causa (vide n.º 2 do mesmo preceito). Por assim ser, as respostas excessivas (e existe excesso de resposta quando o Tribunal dá como provado mais do que é objecto da prova ou algo diverso do que se perguntava -neste sentido Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, CPC anotado, vol. II, 2.ª ed., pág. 663) hão-de ter-se como não escritas, sendo analogicamente aplicável o regime previsto no n.º 4 do art.º 646.º do CPC, conforme vem sendo uniformemente entendido, uma vez que, a entender-se diferentemente, “permitir-se-ia a inclusão de matéria de facto não articulada, em violação do princípio do dispositivo e do contraditório.” (v. arestos da Rel. Lisboa de 30/6/2011, processos n.ºs 1755/08.0 TVLSB.L1 1 e 819/05.6 TBSSB. L1-6, este com recenseamento de diversas outras decisões a propósito proferidas).

No caso vertente, mesmo a considerar-se, como parece que deveria, que o facto era meramente instrumental, ainda assim não deveria ter sido introduzido em resposta a um artigo que perguntava claramente coisa diversa. Por outro lado, atendendo a que, em nosso entender, a prova produzida não permite que se dê o mesmo facto como assente, não poderia o mesmo, ainda que por esta via, ser considerado.

[5] Diploma a que pertencerão as demais disposições legais que vierem a ser citadas sem menção da sua origem.

[6] Menezes Leitão, “Direito das obrigações”, vol. I, 9.ª ed., pág. 296, e também Carneiro da Frada, “Contrato e deveres de protecção”, Coimbra 1994, págs. 163-165. Segundo este autor estão em causa situações em que a violação da propriedade ou da integridade pessoal não resultou de um ataque directo ou imediato a esses bens, ainda que negligente, e sim de uma conduta que só mediatamente a produziu, ou que se traduziu então na não observância de um dever de cuidado que a teria certamente evitado. E foi a propósito destas hipóteses, em que o dano se produziu já para além do quadro do decurso da acção que o originou, ou então por virtude de uma omissão, que se desenvolveram os chamados deveres de segurança no tráfico. Estes deveres cumprem dogmaticamente duas funções: a de assinalar os termos da equiparação à acção no campo da violação dos direitos de outrem, preenchendo assim a previsão delitual, por um lado; e a de proporcionar os quadros de tratamento das chamadas ofensas mediatas dos bens delitualmente protegidos, sobretudo do ponto de vista da fixação do juízo de ilicitude, por outro. Materialmente eles exprimem, quanto a este último aspecto, a reprovação de fazer perigar certas posições jurídicas, impondo àquele que cria ou mantém uma situação especial de perigo a adopção de providências adequadas a prevenir os danos que ela pode ocasionar.  
[7] Menezes Leitão, ob. cit., pág. 297.
[8] Cf. Antunes Varela, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 114.°, págs. 77-79.
[9] Com recurso aos deveres gerais de prevenção do perigo decidiram o STJ em arestos de 11/7/2013, processo n.º 95/08.9 TBAMM.P1.S1, 1.ª secção, de 6/2/2009, processo n.º 560/2001.S1, 6.ª secção (“I- O dever genérico de prevenção do perigo ou dever de segurança no tráfico existe relativamente aos donos de coisas privadas, ainda que imóveis, devendo aferir-se o grau de exigência do obrigado à prevenção do perigo, [na tomada de medidas aptas a evitar o maior ou menor risco de acidente que a coisa representa]  pela maior ou menor probabilidade do risco de acidente; II Quanto mais intenso for o perigo mais intensa é a obrigação de o prevenir adequadamente, e, em caso de omissão, mais exigente deve ser o juízo de censura); a Relação de Lisboa, em acórdão de 16/10/2008, processo n.º 6449/2008-8 (1. A protecção de interesses alheios exige a adopção de condutas que privilegiem os deveres de segurança e de prevenção do perigo. 2. Em matéria de responsabilidade civil a imputação do facto ao agente e a apreciação desse nexo de imputação exprime-se através de um juízo de reprovabilidade pessoal da conduta do agente que, em face das circunstâncias concretas do caso, podia e devia ter agido de modo a evitar o facto ilícito.3. Este juízo de censura pode resultar da infracção de uma norma destinada a proteger interesses alheios produzindo, como consequência necessária, um dano, em princípio indemnizável. E aqui se inclui a violação das normas que visam prevenir, não a produção do dano em concreto, mas sim o simples perigo do dano em abstracto”) e também a Relação do Porto, acórdão de 14/11/2011, processo n.º 5632/07.3 TBMAI.P1, este versando sobre queda em piso escorregadio à saída de um restaurante, todos acessíveis em www.dgsi.pt.

[10] Frada Carneiro, ob. e loc. citados chama a atenção para o facto de, Independentemente da ordenação sistemática  dos deveres de prevenção do perigo na 1.ª parte do n.º 1 do art.º 483.º (que parece preferir) ou antes na 2.ª alternativa (assim os aproximando das disposições de protecção cuja violação acarretaria responsabilidade delitual), no campo das omissões e das ofensas mediatas a direitos de outrem, a ilicitude não ser automaticamente indiciada pela produção (adequada) de uma lesão no direito de outrém, “necessitando antes de ser positivamente determinada pela ponderação de diversos factores, com relevo naturalmente para a perigosidade de um comportamento no confronto com a necessidade de protecção do potencial lesado, para as próprias concepções dominantes no tráfico jurídico, eventualmente até para a utilidade social da actividade portadora de riscos, etc”.
[11] Idem.
[12] O que a pessoa em causa, a testemunha F..., esclareceu ter-se ficado a incapacidade financeira, embora a autora mantenha a promessa de lhe pagar tão logo disponha de meios para o fazer.