Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
101/08.7FDCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALICE SANTOS
Descritores: CONTRAFACÇÃO
CIRCULAÇÃO
TRANSPORTE
Data do Acordão: 03/30/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 4º JUÍZO CRIMINAL DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 324º DO CÓDIGO DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL
Sumário: Quando o material contrafeito transportado na viatura conduzida pelo arguido é dirigido ao mercado, tem como destino a venda, tendo essa actuação sempre que ser enquadrada no conceito de colocação em circulação.
Decisão Texto Integral:
No processo supra identificado, após a realização de audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que:

a) Condenou o arguido BB… pela prática de um crime de venda, circulação ou ocultação de produtos ou artigos, pp. no artº 324º do Código de Propriedade Industrial, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 5 (cinco euros), o que perfaz a quantia de € 300,00 (trezentos euros).

Desta sentença interpôs recurso o arguido.
São do seguinte teor as conclusões, formuladas na motivação do recurso, interposto pelo arguido:
1. Os factos dados como provados na douta sentença (aliás integralmente confessados) não são todavia suficientes para configurá-los como crime.
2. O crime em questão, punível até 1 ano de prisão, não prevê a punibilidade pela “tentativa” que foi do que se tratou nos presentes autos.
3. O crime de cuja qualificação agora se discorda prevê e pune a a) venda b) a ocultação e c) colocação em circulação de produtos contrafeitos.
4. Os factos dados como provados não contemplam nenhuma destas modalidades de conduta, dado que a colocação em “circulação” a que se refere o artigo é um conceito de cariz enraizadamente económico, no sentido de “transacção” e não um conceito “estradal”, no sentido de circulação/transporte dos produtos contrafeitos.
5. Apenas a consumação de tal crime seria punível, pelo que seria de verificar, pelo menos, a exposição dos produtos contrafeitos com actos conclusivos da intenção de pôr em circulação, como seja a aposição dom preço em bancada ao consumidor ou o uso dos pregões próprios da actividade de feirante.
6. Fora apenas dado conclusivamente como provado que os “artigos iam a caminho da Feira do XX...” não fora provado, porem, que era intenção do arguido vendê-los em tal feira, passe o preciosismo que a linguagem jurídica deve merecer.
7. Ainda que tal fosse dado como provado, o que não se concede, o presente crime é um crime de resultado que pressupõe a efectiva entrada no comércio jurídico (a mera oferta de venda ao público pareceria bastante).
8. O simples facto “os artigos irem a caminho da feira” não integra o conceito de circulação que o mmo juiz a quo interpretou com demasiada longitude.
9. Não pode enjeitar-se a ainda que improvável hipótese, própria de vicissitudes da vida de o arguido de vir a ter um acidente que impedisse a chegada dos artigos ao seu destino, ou até mesmo de vir a arrepender-se no trajecto de tal desiderato.
10. Liquido porem é que não se chegou a violar ou sequer a perigar o bem jurídico em causa dado que se o artº 323º do CPI se reporta à protecção da titularidade da marca (que o arguido ao vem acusado), já o artº 324º, menos condenável, apenas se reporta à afectação da imagem e interesses económicos desse titular no mercado propriamente dito.
11. Manteve-se intocada no circuito comercial quer a imagem que o interesse económico da marca protegida alvo do artigo contrafeito, dado que o produto contrafeito não chegou sequer aos olhos ou pretensões de um qualquer revendedor ou consumidor final.
12. Uma vez que o arguido efectivamente não logrou a entrada de tais artigos no mercado devido à apreensão que entretanto se operou.
13. Por fim e sem prescindir, a medida da pena aplicada, quanto aos dias de multa, foi excessiva, face à efectiva culpa do arguido, minorada pelo arrependimento deste, pela confissão em sede de julgamento e à colaboração em sede de inquérito, onde igualmente confessou os factos.
14. Foram violados os arts 1º nº 1, 23º, 71º, nº 1 do CPenal e artº 324º do Cod. da Propriedade Industrial.
Nestes termos e nos melhores de direito, sempre com superior suprimento de V/Exas,
A) Deve tal decisão ser revogada e substituída por outra que absolva o arguido dos factos de que vem acusado, por estes não constituírem crime.
B) Subsidiariamente, deverá tal decisão ser revogada e substituída por outra que estabeleça uma pena circunscrita á sua efectiva culpa, com todas as consequências legais.

O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo.

Respondeu o Digno Procurador Adjunto, manifestando-se pela improcedência do recurso.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta pela improcedência do recurso.
xxx
Colhidos os vistos legais e efectuada a audiência, cumpre agora decidir.

O recurso abrange matéria de direito sem prejuízo do conhecimento dos vícios constantes do artº 410 nº 2 do CPP.

Da discussão da causa resultaram provados os factos seguintes constantes da decisão recorrida:

I. No dia 15 de Novembro de 2008, pelas 06.30 horas, o arguido seguia na Circular Externa, junto à rotunda da CBA..., nesta cidade, transportando no veículo que conduzia, entre outros, cento e seis pares de calças de ganga que ostentavam os dizeres “Levi´s”.
II. Estes artigos iam a caminho da feira do Bairro do XX... que se ia realizar nessa manhã, como a todos os sábados.
III. O arguido sabia que estes artigos não foram fabricados ou comercializados pela “Levi Strauss”, que também não dera qualquer autorização no sentido de a sua marca registada ser aposta em tais artigos e de que estes assim fossem vendidos.
IV. O arguido estava ciente de que todos aqueles artigos eram contrafeitos e não peças originais daquela marca, nomeadamente a nível da qualidade da etiqueta colocada junto à cintura, da qualidade do metal utilizado nos botões e do tipo de gravação nos mesmos, do tipo de rebites e por não possuírem etiqueta de instruções de lavagem no interior, tudo conforme relatório de fls. 76 e 77 que aqui se dá por reproduzido.
V. O arguido agiu livre e conscientemente, bem sabendo que estava a agir sem a autorização e contra a vontade do legal representante daquela marca e que a sua conduta era lesiva do interesse da mesma e do Estado.
VI. Sabia, igualmente, o arguido que a sua conduta era proibida e punida por lei.
VII. O arguido vende a sucatas ferro velho, no que aufere pelo menos € 150,00 mês, e a esposa é doméstica.
VIII. Têm três filhos menores, sendo um deles doente do foro cardíaco.
IX. Têm ajuda da Segurança Social para este menor no valor de € 200,00 e vivem em casa camarária, pagando de renda € 20,00.
X. Actualmente nada consta no CRC do arguido.
*
Não se provaram outros factos com interesse para a boa decisão da causa.
*
Motivação de facto

Os factos dados como provados assentam na confissão integral e sem reservas do arguido e suas declarações quanto à sua situação económica e familiar.
Valoramos, ainda, o exame pericial junto aos autos a fls. 81.
Por fim, atendemos ao CRC junto aos autos.
*

*
Cumpre, agora, conhecer do recurso interposto.

O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação (Ac do STJ de 19/6/96, no BMJ 458-98).
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar (cfr Germano marques da Silva, in “Curso de Processo penal”, III, pg 335).

Questões a decidir:
- Se se encontram preenchidos os elementos constitutivos do crime de venda, circulação ou ocultação de produtos ou artigos, pp. No artº 324º do Código de Propriedade Industrial;
- Se a pena aplicada peca por excessiva;

Sustenta o recorrente que os factos dados como provados não contemplam nenhuma das modalidades de conduta previstas no artº 324 dado que a colocação em “circulação” a que se refere o artigo é um conceito de cariz enraizadamente económico, no sentido de “transacção” e não um conceito “estradal” no sentido de circulação/transporte dos produtos contrafeitos.
Dispõe o artº 324º do DL nº 36/2003 de 5 de Março que “É punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias quem vender, puser em circulação ou ocultar produtos contrafeitos, por qualquer dos modos e nas condições referidas nos artigos 321º a 323º, com conhecimento dessa situação”.
Resulta dos factos apurados que o arguido transportava no seu veículo, 126 pares de calças de ganga que ostentavam os dizeres “Levi``s” que iam a caminho da feira do Bairro de XX... que se realiza todos os Sábados. Ora, basta-nos socorrer das regras da experiência, para concluirmos que seriam para ali ser vendidas.
O arguido com a sua actuação o que pretendia era vender os artigos que transportava. Queria, portanto, introduzi-los no circuito económico.
Como vem referido no acórdão da relação do Porto de 10/02/2010 no processo 5/06.8FBVRL.P1,“Aliás, bem vistas as coisas esta colocação no mercado não ocorre, ou não ocorre apenas, com a venda a realizar pelo arguido: é anterior e aconteceu, desde logo, quando ele comprou os produtos, pois que a compra foi determinada pela intenção de os vender. Assim podemos afirmar que, pelo menos neste momento, os artigos contrafeitos entraram no giro comercial.
E é precisamente neste mesmo sentido que vai toda a jurisprudência conhecida sobre a matéria. Conforme decidiu a Relação do Porto no processo 0545151, de 29-3-2006 (JTRP00038999, referido no recurso), citando Carlos Codesso o legislador, ao falar em pôr em circulação “produtos ou artigos com marca contrafeita, imitada ou usada”, emprega uma fórmula ampla e genérica, de maneira a abarcar todos os modos possíveis de entrada de mercadorias nos circuitos económico-sociais, tais como expedir pelos CTT, transportar, trazer consigo etc., não restringindo o conceito a um acto específico.
Em sentido concordante vai uma outra decisão da relação do Porto, proferida em 5-2-2007 no processo 0714122, 5-2-2007 (JTRP00040845). Já em 16-12-1998 esta Relação do Porto decidiu, no processo 9640888, punir o agente que transportava em viatura automóvel, para ulterior venda, artigos com etiquetas neles apostas referidas a determinada marca registada, sabendo que tais artigos não eram genuínos dessa marca, com o propósito de obter ganhos económicos e de enganar os eventuais compradores, fazendo-lhes crer que se tratava de produtos genuínos, tudo com conhecimento de que a sua conduta era proibida.
Mais recentemente, em 5-3-2008, esta mesma relação decidiu, no processo 0746287, que comete o crime do art. 324º do CPI o agente que transporta na sua viatura produtos contrafeitos, para venda em feiras.
Mas o certo é que quando o material contrafeito é dirigido ao mercado, tem como destino a venda, esta actuação tem, sempre, que ser enquadrada no conceito de colocação em circulação.

Sustenta o recorrente que a pena aplicada, quanto aos dias de multa, foi excessiva, face à efectiva culpa do arguido.
No que respeita à determinação da medida da pena temos que considerar o que dispõe os arts 40, 70 e 71 do Código Penal.
Dispõe o art 40 que “a aplicação das penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”. Sendo certo que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”, ou seja, a medida da culpa condiciona a própria medida da pena, sendo assim um limite inultrapassável da sua medida.
Como se diz no acórdão desta relação de 17/1/1996 na CJ, Ano XXI, Tomo I, pg 38, (...) a pena há-de ser determinada (dentro dos limites mínimo e máximo fixados na lei) mediante critérios legais, quais sejam, em primeiro lugar, o da culpa do agente, intervindo depois (ao mesmo nível) as exigências de prevenção especial e geral”.
“(...) Na determinação da medida judicial da pena, o julgador terá de se movimentar tendo em atenção, em primeira linha, a culpa do agente, entendida esta no sentido atrás referido, qual seja de que o objecto de valoração da culpa é prevalentemente o facto ilícito praticado.
Por outro lado, o preceito que vimos de analisar (...) manda igualmente que o julgador, proceda à fixação do quantum de pena concreto, tendo em conta considerações de prevenção (geral e especial), concretizadas pelo seu nº 2.
(...) Os critérios legais de fixação da medida da pena a aplicar a cada caso, submetido a julgamento, são a culpa (num primeiro momento) e a prevenção (na fase subsequente, mas ao mesmo nível, consabido que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.
O critério para a escolha da pena, bem como os limites a observar no que respeita ao seu quantum encontram-se fixados nos arts 70 e 71 do Código Penal. O art 70 dá primazia às penas não detentivas; o segundo aponta para a determinação da medida da pena a culpa do agente e as exigências de prevenção bem como, a todas as circunstâncias que não fazendo parte do crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.
“Atribuindo-se à pena um critério de reprovação ética, têm de se levar em conta as finalidades de prevenção geral e especial; fazendo apelo a critérios de justiça, procurar-se-á uma adequada proporcionalidade entre a gravidade do crime e a culpa por um lado e a pena por outro” (CJ, Ano XVII, Tomo I, pg 70).
No caso vertente, a favor do arguido milita o facto de o mesmo não ter registado qualquer antecedente criminal e a confissão. Contudo, há a que considerar que o grau de ilicitude do facto é mediano, que a intensidade do dolo é elevada, porquanto o arguido agiu com dolo directo. Assim, bem andou o tribunal optando pela pena de multa que não nos merece qualquer censura no que respeita ao seu quantum por esta se mostrar adequada, proporcional e equilibrada.

Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juizes do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a douta sentença recorrida.

Custas pelo recorrente fixando-se a taxa de justiça em 4 ucs.


Alice Santos (Relatora)
Belmiro Andrade