Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
9/11.9TBTCS-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HENRIQUE ANTUNES
Descritores: ACÇÃO DE PREFERÊNCIA
VALOR DA CAUSA
RECONVENÇÃO
VALOR
Data do Acordão: 11/26/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE TRANCOSO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 311º, Nº 1 DO CPC DE 1961; 302º, Nº 1 DO NCPC; 306º, Nº 2, 1ª PARTE, DO CPC DE 1961 E 297º, Nº 2, 1ª PARTE, DO NCPC.
Sumário: I – Como consequência da vinculação do tribunal ad quem à impugnação do recorrente, é proibida ao tribunal superior a reformatio in mellius e, portanto, este tribunal não pode conceder a esta parte mais do que ela pede no recurso interposto.

II - O valor processual da acção de preferência é, realmente, o correspondente ao preço pelo qual a coisa foi vendida, e não o valor dela.

III - Na reconvenção que tenha por fim valer o direito real de propriedade sobre uma coisa, o valor desta coisa determinará o valor da reconvenção.

IV - Se o processo não contiver os elementos necessários e suficientes para determinação do valor da coisa objecto do pedido reconvencional, que será o da reconvenção, deverá ordenar-se as diligências adequadas para determinar o valor dela, designadamente o arbitramento por único perito.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

1. Relatório.
J… e cônjuge, Z…, propuseram, no Tribunal Judicial da Comarca de Trancoso, contra M… e cônjuge, A…, … acção declarativa de condenação, com processo comum, a que atribuíram o valor de € 1.050,00, pedindo:
a) O reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o prédio rústico, localizado na freguesia de …;
b) O reconhecimento do seu direito de preferência sobre o prédio rústico, localizado na mesma freguesia e Município, com a área de 850 m2, matricialmente inscrito sob o artigo … e a sua substituição, na escritura de compra e venda, aos réus …;
c) A condenação dos réus no reconhecimento de tal direito e na entrega do prédio, livre e desocupado;
                d) Se ordene o cancelamento de todos os registos que os réus … hajam feito a seu favor em consequência da compra do prédio.
                Fundamentaram estas pretensões no facto de serem proprietários do prédio rústico matricialmente inscrito sob o artigo…, por o haverem adquirido por usucapião, aquisição que se encontra registada a seu favor, no registo predial, com o qual confina, a poente, o prédio rústico matricialmente inscrito sob o artigo…; de, por escritura pública, outorgada no dia 13 de Abril de 2010, os três primeiros réus, sem lhes dar conhecimento, terem vendido aos últimos, por € 1.000,00, este prédio, e de terem o direito de preferir na venda, pelo que irão depositar o preço devido, acrescido de € 50,00 de IMT.
                Os réus … defenderam-se por impugnação e por excepção peremptória e, em reconvenção – a que atribuíram o valor de € 4.000,00 - pediram a declaração de que adquiriram, por usucapião, o prédio rustico matricialmente inscrito sob o artigo …, e o reconhecimento do seu direito real de propriedade sobre ele, e subsidiariamente – para o caso de entender que aos autores assiste o direito de preferir – que o preço não é o constante da escritura pública de 13 de Abril de 2010, mas sim o de 1.150 contos, pagos à data de 1988, o que, na presente data, atento o coeficiente de desvalorização monetária e a conversão do escudo em euros, é de € 27.400,00.
                No despacho saneador fixou-se em € 5.000,00 o valor da causa.
                É precisamente esta decisão que os autores impugnam no recurso ordinário de apelação, no qual pedem que ao seu pedido seja atribuído o valor de € 1.050,00 ou, caso assim se não entenda, o valor atribuído pelos réus ao prédio e não o valor dado à reconvenção.
Os recorrentes condensaram a sua alegação nas conclusões seguintes:

Não foi oferecida resposta.
2. Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso.
Os factos que relevam para o conhecimento do objecto do recurso são os que o relatório documenta.
3. Fundamentos.
3.1. Delimitação do âmbito objectivo do recurso.
                Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (artº 684 nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC de 1961, e 635 nºs 2, 1ª parte, e 3 do NCPC).

Nas conclusões da sua alegação, é lícito ao recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso (artº 684 nº 2 do CPC de 1961 e 635 nº 2 do NCPC).

 Tendo em conta a finalidade da impugnação, os recursos ordinários podem ser configurados como um meio de apreciação e de julgamento da acção por um tribunal superior ou como meio de controlo da decisão recorrida.

No primeiro caso, o objecto do recurso coincide com o objecto da instância recorrida, dado que o tribunal superior é chamado a apreciar e a julgar de novo a acção: o recurso pertence então à categoria do recurso de reexame; no segundo caso, o objecto do recurso é a decisão recorrida, dado que o tribunal ad quem só pode controlar se, em função dos elementos apurados na instância recorrida, essa decisão foi correctamente decidida, ou seja, se é conforme com esses elementos: nesta hipótese, o recurso integra-se no modelo de recurso de reponderação[1].

No direito português, os recursos ordinários visam a reapreciação da decisão proferida, dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento.

A função do recurso ordinário é, no nosso direito, a reapreciação da decisão recorrida e não um novo julgamento da causa. O modelo do nosso sistema de recursos é, portanto, o da reponderação e não o de reexame[2].

Do modo como é construída a função do recurso ordinário, decorre uma dupla proibição: a da reformatio in melius e in pejus, cuja violação, por importar o conhecimento pelo tribunal ad quem de matéria que não se inscreve na sua competência decisória, determina a nulidade, por excesso de pronúncia, do acórdão – ou da decisão singular do relator - correspondente (artºs 668 nº 1 d), 2ª parte, 716 nº 1, 732, 752 nº 3 e 762 nº 1 do CPC de 1961, 615 nº 1 d), 2ª parte, 666 nº 1 e 685 do NCPC).

A decisão do tribunal ad quem não pode ser mais desfavorável ao recorrente de que a decisão recorrida: é nisto que consiste exactamente a reformatio in peius (artº 684 nº 4 do CPC de 1961 e 635 nº 4 do NCPC). A proibição de reformatio in melius tem o seguinte enunciado: como o objecto do recurso é delimitado pelo recorrente, esta parte não pode alcançar pelo recurso mais do que a revogação e eventual substituição da decisão recorrida. Portanto, como consequência da vinculação do tribunal ad quem à impugnação do recorrente, esse tribunal não pode conceder a esta parte mais do que ela pede no recurso interposto.

Note-se que esta proibição de reformatio – tanto in peius como in melius – se mantém mesmo quando o tribunal de recurso tem de apreciar matéria de conhecimento oficioso.

Nestas condições, a questão concreta controversa que importa resolver é a de saber se à causa corresponde o valor de € 5.050,00, correspondente à soma do valor pedido dos recorrentes e da recorrida ou, subsidiariamente, o de € 28.400,00, equivalente à adição do valor pedido dos apelantes - € 1.000,00 - e do valor do prédio objecto da reconvenção – € 27.400,00 – que, segundo os apelantes, é o valor que os recorridos atribuem a esse mesmo prédio.

A resolução deste problema vincula, naturalmente, à exposição, ainda que leve, dos critérios, gerais e especiais, de aferição do valor processual da causa.

3.2. Critérios gerais e especiais de fixação do valor processual da causa.

A toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, que representa a utilidade económica imediata do pedido, e ao qual se atende para determinar a competência do tribunal, a forma do processo de execução comum e a relação da causa com a alçada do tribunal (artº 296 nºs 1 e 2 do NCPC). Ao tempo da proposição da acção e do proferimento da decisão impugnada, aquele valor era também atendível para determinar a forma de processo – declarativo – comum (artº 305 nº 2 do CPC de 1961).

Todavia, o valor da causa tem ainda outro efeito importante: condiciona a taxa de justiça e alguns encargos tributários que acrescem a esta taxa.

Com efeito, os processos cíveis estão, em regra, sujeitos a custas, que compreendem a taxa de justiça e os encargos (artº 1 nº 1 do RCP, 447 nºs 1 e 2 do CPC de 1961 e 529 nºs 1 e 2 do CPC do NCPC). Ora a taxa de justiça é constituída por uma percentagem sobre o valor do processo (artº 6 nº 1 do RCP).

Importa, contudo, notar que o valor da causa para os efeitos processuais apontados – competência, forma de processo e recursos – nem sempre coincide com o valor para o efeito da contagem das custas. Para efeito de custas, o valor determina-se em conformidade com as regras do respectivo Código, embora a regra seja hoje a de que a base tributável para efeitos de taxa de justiça é a correspondente ao valor processual da causa (artºs 305 nº 3 do CPC de 1961 e 296 nº 3 do NCPC e 11 nº 1 do RCP).

Os critérios aferidores do valor da causa podem ser gerais ou especiais. Os critérios gerais determinam que o valor da causa é o valor da quantia certa em dinheiro que se pretende obter ou, quando se pretende obter um benefício diverso, o valor da quantia em dinheiro correspondente a esse benefício (artº 306 nº 1 do CPC de 1961 e 297 nº 1 do NCPC).

                Maneira que critério geral é o seguinte: o valor da causa há-de representar a utilidade económica que pela acção se pretende obter (artºs 305 nº 1 e 306 nº 1 do CPC de 1961 e 296 nº 1 e 297 nº 1). O princípio fundamental é, portanto, este: o valor da causa é igual ao valor do pedido expresso em moeda legal.

                Os critérios especiais aferem o valor da acção sempre que o objecto do processo não seja uma quantia monetária ou algo equivalente. Dos vários critérios especiais salienta-se, designadamente, o respeitante à fixação do valor quando o objecto for um direito de propriedade ou outro direito real (artº 311 do CPC de 1961 e 302 nº 1 do NCPC).

                Efectivamente, nas acções que tenham por fim valer o direito real de propriedade sobre uma coisa, o valor desta coisa determinará o valor da acção (artº 311 nº 1 do CPC de 1961 e 302 nº 1 do NCPC)[3]. É claro que se está em causa, não a totalidade da coisa, mas uma fracção ou parte dela, o valor da acção há-de determinar-se pelo valor da fracção sobre que versa o litígio[4]. Neste caso, e em casos semelhantes, o pedido tem que ser posto em relação com a causa de pedir e o valor da causa será o que resultar da conjunção dos dois elementos[5].

                No caso de pluralidade de pedidos, há que fazer um distinguo entre os pedidos cumulados, os pedidos alternativos e os pedidos subsidiários.

                Cumulando-se na mesma acção vários pedidos, o valor será a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles (artº 306 nº 2, 1ª parte, do CPC de 1961 e 297 nº 2, 1ª parte, do NCPC).

No caso de pedidos alternativos atende-se, para determinar o valor da causa, apenas ao pedido de maior valor, o que se compreende já que, não se sabendo qualquer das prestações alternativas será satisfeita, não se podia, em tal caso, mandar somar o valor das duas (artº 306 nº 3, 1ª parte, do CPC, 297 nº 3, 1ª parte, do CPC). Se o valor económico de cada um dos pedidos alternativos for igual, o problema não se coloca, visto que é indiferente atender a um o outro.

                No caso de pedidos subsidiários, a lei de processo manda, para a determinação do valor da causa, atender unicamente ao pedido principal (artº 306 nº 3, 2ª parte, do CPC de 1961 e 297 nº 3, 2ª parte).

                O valor da causa é determinado unicamente pelo valor do pedido primário ou principal. Porquê?

Porque o pedido subsidiário é deduzido somente para a eventualidade de não ser atendido o pedido primário. No caso de pedido primário ou principal e pedido subsidiário não há rigorosamente uma acumulação de pedidos, porque essa parte não pretende que sejam satisfeitos cumulativamente, nem podem sê-lo; não seria por isso razoável que se somasse o valor de ambos. A ter de se atender somente a um deles, está naturalmente indicado que se tome em conta o pedido formulado em primeira linha, pois esse é o pedido que a parte quer, de preferência, fazer valer[6].
Este regime vincula, naturalmente, à distinção cuidadosa entre os pedidos alternativos e os pedidos subsidiários. Entre uns e outros pedidos há realmente um ponto de contacto: é que quer os primeiros quer os segundos aparecem deduzidos sob a forma alternativa: pede-se uma coisa ou outra. Mas essa é a única semelhança, dado que no tocante aos pedidos subsidiários essa alternativa é meramente aparente[7]: na realidade não há alternativa, porque falta a característica típica da obrigação alternativa: a equivalência das prestações. De outro aspecto, ao contrário do que sucede nos pedidos alternativos, o réu tem a faculdade de escolher uma das prestações ou um dos pedidos. Diversamente, nos pedidos subsidiários a procedência de uma ou de outra pretensão do autor, não depende da vontade do demandado: o pedido é formulado somente para a hipótese de o tribunal não acolher o pedido principal.

No tocante ao momento atendível para determinação do valor da causa, o princípio é este: atende-se ao que se passava na data da propositura da acção, portanto, do recebimento pela secretaria judicial da petição inicial (artº 308 nº 1 do CPC de 1961 e 299 nº 1 do NCPC).

No tocante ao valor processual da causa, o princípio geral é, assim, o da imutabilidade do valor, fixado em atenção ao momento da proposição da acção. Dito doutro modo: irrelevância das alterações resultantes de factos posteriores à proposição da acção. O que conta, quer quanto ao tempo, quer quanto aos factos, é a situação existente naquela data (artº 308 nº 1 do CPC de 1961 e 299 nº 1 do NCPC).

Todavia, o réu pode deduzir contra o autor pedidos reconvencionais. Esta ocorrência reflecte-se, naturalmente, na utilidade económica da acção, que, por essa via, pode ser aumentado[8]. Compreende-se, por isso, que quer a lei de processo, e correspondentemente, a lei de custas, mandem somar o valor do pedido reconvencional com o pedido formulado na petição inicial, embora só quando aquele seja distinto deste, dado que só neste caso a reconvenção faz aumentar a utilidade económica da acção e, correspondentemente, o seu valor (artºs 308 nº 2 do CPC de 1961 e 299 nº 2 do NCPC, e 11 nº 1 do RCP).

                Há casos em que a reconvenção pode ser deduzida a título eventual, quer dizer, para a hipótese de a acção ser julgada procedente. É o que sucede nos casos em que o réu visa, com o seu pedido, obter, mas em seu benefício o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter, ou se propõe obter a compensação ou tornar efectivo o seu direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida (artº 274 nºs 1 e 2 b) e c) do CPC de 1961 e 266 nºs 1 2 b) e c) do NCPC). No tocante a benfeitorias nem o pedido reconvencional pode ser deduzido de outra maneira[9]. Embora a regra seja é de que reconvenção não é meramente eventual e que a eventualidade quando possível se não presume, a verdade é que naquele caso, o carácter condicional ou subsidiário da reconvenção é a único modo admissível da sua dedução (artº 296 nº 2 do CPC e 286 nº 2 do NCPC).

                Todavia, mesmo neste caso, tanto a lei de processo como a de custas são terminantes em declarar, em uníssono, que o valor da reconvenção se soma ao valor do pedido ou pedidos do autor (artºs 308 nº 2 do CPC de 1961 e 288 nº 1 do NCPC, e 11 nº 1 do RCP). Portanto, quer a reconvenção tenha sido deduzida a título principal ou primário, quer tenha sido formulada a título meramente eventual, o seu valor soma-se sempre ao do pedido do autor.

                Não desmente o acerto desta proposição a regra disposta na lei a propósito dos pedidos subsidiários.

                Como se notou, no caso de pedidos subsidiários, o valor da causa é determinado unicamente pelo valor do pedido primário ou principal.              

Mas esta regra só vale para os pedidos subsidiários formulados por uma mesma parte seja ela o autor ou o réu, e não já também para os casos em que a reconvenção é deduzida somente para a eventualidade de o réu reconvinte não ser absolvido do pedido ou de alguns dos pedidos deduzidos pelo autor. Neste caso, há, verdadeiramente, uma cumulação real de pedidos e, portanto, ao contrário do que sucede no caso de dedução de pedidos por uma mesma parte ligados por uma relação de subsidiariedade, pode haver lugar à satisfação cumulativa dos pedidos do autor e do pedido reconvencional do réu: dado que ambos os pedidos podem, do mesmo passo, ser tomados em conta pelo tribunal é inteiramente razoável que a lei mande somar o valor dos dois.

                Este viaticum habilita, com suficiência, à resolução    da questão concreta controversa objecto do recurso.

                3.3. Concretização.

A observação da realidade judiciária tornava patente a generalizada indiferença do juiz no tocante ao valor processual da causa, cuja fixação era, não raras vezes, abandonado, por inteiro, ao acordo expresso ou tácito das partes - ordenado, pelo propósito de garantir, de um aspecto, o recurso ordinário e, de outro, um valor tributário reduzido - manifestamente contrastante com a realidade.

De resto, nem é outra a finalidade do recurso. Nitidamente os recorrentes visam, com a impugnação, a fixação à causa de um valor apenas suficiente para lhes assegurar o direito ao recurso ordinário – mas não de um valor que corresponda, realmente, à utilidade económica imediata tanto dos seus pedidos como da reconvenção, e à base tributária que verdadeiramente compete ao processo.

Isto explica que, em 2007, o legislador tenha vinculado explicitamente o juiz a um dever de proceder à verificação do valor processual da causa (artº 315 nº 1 do CPC de 1961, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, e 306 nº 1 do NCPC). A finalidade da imposição deste dever é clara: impedir a manipulação pelas partes tanto do valor processual como do valor tributário da causa, com o fito de assegurar, do mesmo passo, quer o direito ao recurso e um valor o mais diminuto possível da taxa de justiça e dos encargos devidos pela prestação do serviço de justiça.

No caso, o tribunal de que provém o recurso cumpriu, no momento e na sede processual adequada, aquele dever de verificação do valor processual da causa. Resta saber se o cumpriu bem.

A simples leitura da petição inicial mostra que os autores se propõem fazer valer simultaneamente contra os demandados vários pedidos ou várias pretensões: o de reconhecimento de que são titulares do direito de propriedade sobre um prédio; o reconhecimento de que são titulares do direito de preferir na aquisição de outro. Portanto, apesar de o caso ser de simultaneidade ou multiplicidade de pretensões, os autores deram à causa o valor corresponde a um só dos pedidos cumulados: o pedido relativo à preferência real que a lei reconhece aos proprietários de terrenos confinantes com área inferior à unidade de cultura (artºs 1380º, nº 1 do Código Civil e 18º, nº 1 do Decreto-Lei 384/88, de 25 de Outubro).

Todavia, é claro que o valor da acção deveria corresponder a soma dos dois pedidos.

Os autores atribuíram ao pedido que tem por objecto a preferência real, o valor de € 1.050,00, correspondente ao valor do preço convencionado na escritura de compra e venda, outorgada em violação da preferência de que se dizem titulares - € 1.000,00 – acrescido da quantia de € 50,00, relativo ao IMT, devido pela transmissão, pago pelos adquirentes.

A decisão recorrida, porém, fixou aquele pedido apenas do valor de € 1.000,00, equivalente ao preço pago pelo adquirente do prédio.

O valor processual da acção de preferência é, realmente, o correspondente ao preço pelo qual a coisa foi vendida, e não o valor dela[10]. E o preço da coisa vendida não é, neste contexto, outra coisa senão o benefício económico satisfeita pelo adquirente do bem ao vincula à preferência e o adquirente, como contrapartida da alienação do bem.

O preferente está vinculado a um ónus: o de depositar o preço devido nos 15 dias seguintes ao da proposição da acção real de preferência (artº 1410 nº 1, in fine, do Código Civil).

Discute-se o que lei quer dizer com a locução preço devido. Trata-se de saber se o termo preço é aqui usado em sentido técnico – a contrapartida em dinheiro pela transmissão de uma coisa – ou se compreende todas as despesas efectuadas pelo adquirente por causa da aquisição – as despesas de escritura, de IMT, de registo da aquisição, e eventualmente – porque não? - da comissão paga ao mediador imobiliário, da remuneração paga ao advogado ou solicitador, etc.

Encurtando razões, tem-se por doutrina preferível a de que o termo preço designa, no contexto apontado, o valor em dinheiro a pagar pelo preferente como contrapartida da aquisição do bem sujeito a preferência, valor esse que corresponde ao benefício económico ajustado entre o sujeito vinculado à preferência e o adquirente, como contrapartida da alienação do bem[11].

Sendo isto exacto, há que concluir pela correcção da decisão impugnada no segmento em que fixou ao pedido dos autores referido ao direito de preferência, o valor correspondente ao preço convencionado no contrato de compra e venda concluído em violação do direito real de aquisição alegado pelos recorrentes.

A esse valor deve somar-se o valor da reconvenção, dado que os pedidos reconvencionais são distintos dos formulados pelos recorrentes. A reconvenção compreende, porém, dois pedidos: o de declaração que os reconvintes são titulares de um direito de propriedade sobre o prédio, por o haverem adquirido por usucapião; o de que o preço convencionado, por força do coeficiente de desvalorização monetária e da taxa irrevogável de conversão do escudo em euros, corresponde a € 27.400,00. Qualquer destes pedidos não constituem um puro reverso dos já formulados pelos autores, mas antes pretensões autónomas e, correspondentemente, verdadeira reconvenção, que dá lugar a um cruzamento, no mesmo processo, de acções[12].

Os reconvintes, porém, imprimiram a este último pedido nítida feição subsidiária, não relativamente ao outro pedido reconvencional, mas no tocante à eventual procedência da acção.

Realmente, este pedido reconvencional é nitidamente um pedido subsidiário ou condicional, dado que a sua apreciação foi condicionada, pelos demandados, ao sentido do julgamento do pedido dos autores: aquele pedido é subsidiário relativamente à procedência de um dos pedidos dos recorrentes: só no caso de procedência da acção de preferência é que aquele pedido será apreciado.

Mas pelas razões apontadas, o valor deste pedido do réu soma-se – ou deveria somar-se - tanto para efeitos processuais como para efeitos tributários, tanto ao outro pedido reconvencional – o de reconhecimento da aquisição do direito real de propriedade sobre o prédio por usucapião - como ao valor dos pedidos dos recorrentes.

Os reconvintes atribuíram ao pedido reconvencional o valor de € 4.000,00, valor que foi aceite pela decisão recorrida.

Os recorrentes sustentam, porém, na sua alegação, a decisão recorrida aceitou o valor atribuído pelos réus ao seu pedido, ao arrepio do artº 311 nº 1 do CPC, dado que o valor que os réus atribuem ao prédio não é de € 4.000,00 – mas muito superior.

Esta última alegação dos recorrentes não é exacta: os réus não atribuíram ao prédio o valor de € 27.400,00 - nem aliás qualquer outro. O que os réus sustentam é, isso sim, que o preço pago, no ano de 1988, pela aquisição desse prédio – 1.150 contos - sujeito à correcção monetária e à taxa irrevogável de conversão do escudo em euros corresponde, actualmente, a € 27.400,00.

Maneira que, a aplicação ao caso, dos critérios gerais e especiais, convocáveis para a aferição do valor processual da causa, à acção deveria fixar-se o valor corresponde à soma do valor dos pedidos dos autores de reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o prédio – cujo valor se ignora – e de reconhecimento do seu direito de preferir na alienação – correspondente ao valor do preço convencionado no negócio de alienação - e à reconvenção deveria fixar-se o valor equivalente à adição do valor do pedido de reconhecimento do seu direito real sobre o prédio alienado – que se ignora – e do pedido relativo ao preço, correspondente à diferença entre o preço nominal pago e montante desse mesmo preço depois de sujeito à correcção monetária.

À causa deveria, em consequência, fixar-se, globalmente, o valor equivalente à soma dos valores da acção e da reconvenção.

A esta luz, a decisão recorrida ao fixar à acção o valor correspondente a apenas um dos pedidos formulados pelos autores – o que tem por objecto o direito de preferir – e à reconvenção o valor de um só dos pedidos formulados pelos réus contestantes – o reconhecimento do direito de propriedade alegado pelos réus – não é juridicamente exacta.

Mas apesar desse evidente erro, a esta Relação está vedada a sua reforma. Razão: a proibição da reformatio in melius.

Uma vez que, como consequência da vinculação do tribunal ad quem à impugnação do recorrente, esse tribunal não pode conceder a esta parte mais do que ela pede no recurso interposto, a esta Relação não é lícito fixar à causa um valor superior ao da soma dos pedidos dos autores relativo ao direito de real de preferência – correspondente ao preço da alienação – e do pedido reconvencional de declaração da aquisição pelos réus, por usucapião, do direito real de propriedade sobre o prédio alienado.

O valor do primeiro daqueles pedidos encontra-se determinado. Mas, comprovadamente, o mesmo não sucede com o segundo.

Quando as partes não tenham chegado a acordo sobre o valor da causa ou juiz o não deva aceitar por estar em manifesta desconformidade com a realidade, ou esse valor não possa determinar-se em face dos elementos disponibilizados pelo processo, deve o juiz ordenar as diligências indispensáveis e depois fixar esse valor (artº 317 do CPC de 1961, e 308 nº 1 do NCPC). E tais diligências, dado o carácter limitado da sua finalidade – a fixação do valor processual da causa - devem, naturalmente fazer-se sem demora nem complicações de formalismo.

Uma das diligências de que pode ser preciso lançar mão é o arbitramento, que é feito por um único perito, nomeado pelo juiz, não podendo realizar-se segundo arbitramento (artº 318 do CPC de 1961 e 309 do NCPC).

No caso, devendo fixar-se à reconvenção o valor do prédio relativamente ao qual se pretender fazer declarar o direito real de propriedade, a verdade é que não se encontram no processo elementos bastantes para fixar esse valor.

Como o processo não contém os elementos necessários e suficientes para determinação do valor do pedido reconvencional, há que colher esses elementos, ordenando as diligências necessárias e adequadas. E uma diligência que, decerto, deve considerar-se indispensável e adequada para o fim em vista é, decerto, o arbitramento por único perito.

Nestas condições, sem prejuízo da fixação definitiva do valor do pedido dos autores, importa revogar a decisão recorrida e ordenar a sua substituição por outra que ordene as diligências necessárias e adequadas – com por exemplo, a perícia singular de avaliação – para determinar o valor do prédio alienado e, consequentemente, o do pedido reconvencional correspondente, que adicionado ao valor do apontado pedido dos autores, dará o valor processual da causa.

Síntese recapitulativa:

a) Como consequência da vinculação do tribunal ad quem à impugnação do recorrente, é proibida ao tribunal superior a reformatio in mellius, e, portanto, este tribunal não pode conceder a esta parte mais do que ela pede no recurso interposto.

b) O valor processual da acção de preferência é, realmente, o correspondente ao preço pelo qual a coisa foi vendida, e não o valor dela;

c) Na reconvenção que tenha por fim valer o direito real de propriedade sobre uma coisa, o valor desta coisa determinará o valor da reconvenção;

d) Se o processo não contiver os elementos necessários e suficientes para determinação do valor da coisa objecto do pedido reconvencional, que será o da reconvenção, deverá ordenar-se as diligências adequadas para determinar o valor dela, designadamente o arbitramento por único perito.

As custas deste recurso serão satisfeitas pela parte que sucumbir a final no incidente da verificação do valor processual da causa e na exacta medida dessa sucumbência (artº 527 nºs 1 e 2 do CPC).

4. Decisão.

Pelos fundamentos expostos, julgando parcialmente procedente o recurso:

a) Mantém-se a decisão impugnada no segmento em que decidiu fixar à acção o valor de € 1.000,00;

b) Revoga-se, no mais, a decisão impugnada e determina-se a substituição por outra que ordene as diligências necessárias e adequadas para a determinação do valor do prédio rústico relativamente ao qual é pedido pelos apelados, …, a declaração da sua aquisição por usucapião;

c) Declara-se que o valor que for fixado ao prédio referido em b) será o valor da reconvenção e que o valor processual da causa corresponderá à soma do valor da acção indicado em a), com o valor do pedido reconvencional referido em b).

Custas pela parte que sucumbir, a final, no incidente da verificação do valor da causa, e na medida dessa sucumbência.

                                                                                                              13.11.26

                                                                                                              Henrique Antunes - Relator

                                                                                                              José Avelino Gonçalves

                                                                                                              Regina Rosa


[1] Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Lex, Lisboa, 1994, pág. 138 e ss., e Recursos em Processo Civil, Reforma de 2007, Coimbra, 2009, págs. 50 e 51, Freitas do Amaral, Conceito e Natureza do Recurso Hierárquico, Coimbra, 1981, pág. 227 e ss.
[2] Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Reforma de 2007, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, pág. 81.
[3] Ac. da RP de 20.10.76, CJ, I, III, pág. 655.
[4] Acs. da RC de 20.03.84, CJ, IX, I, II, pág. 43 e de 12.05.07, BMJ nº 367, pág. 582.
[5] Salvador da Costa, Os Incidentes da Instância, Almedina, Coimbra, 1999, pág. 18.
[6] Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3º. Coimbra, 1946, pág. 640.
[7] João de Castro Mendes, Direito Processual Civil, II, Volume, AAFDL, 1977/78, pág. 319.
[8] Aumento que se produz independentemente de decisão que admita a reconvenção: Ac. da RP de 29.03.07, Lopes Cardoso, Manual dos Incidentes da Instância, Livraria Petrony, Lisboa, 1992, págs. 35 e 36, e Salvador da Costa, Os Incidentes da Instância, 3ª edição, Almedina, Coimbra, pág. 34.
[9] Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, Coimbra, 1979, pág. 153 e nota 2.
[10] Acs. da RG de 24.05.11, www.dgsi.pt, do STJ de 17.05.68, BMJ nº 177, pág. 209, da RP de 16.05.91, CJ, XVI, III, pág. 235, da RC de 09.12.86, BMJ nº 362, pág. 605, e José Lebre de Freitas/João Redinha/Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1º, Coimbra Editora, Coimbra, 1999, pág. 551.
[11] Cfr., por todos, Agostinho Cardoso Guedes, O Exercício do Direito de Preferência, Teses, Porto, 2006, Publicações Universidade Católica, págs. 651 a 664. Trata-se, aliás, segundo nos informa o Ac. do STJ de 10.01.08 - www.dgsi.pt – da posição do Supremo, afirmação que é reiterada pelo Ac. do STJ de 19.02.03 – www.dgsi.pt – de harmonia com o qual trata de jurisprudência quase unânime ou no mínimo predominante do Supremo.

[12] Miguel Mesquita, Reconvenção e Excepção no Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2009, págs. 99 e 100.