Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4127/18.4TBVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO CARVALHO MARTINS
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
CONTRATO DE INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
VALORES MOBILIÁRIOS
DEVERES DE INFORMAÇÃO
ILICITUDE
CULPA GRAVE
ÓNUS DA PROVA
PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 03/17/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - VISEU - JC CÍVEL - JUIZ 3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 227, 236, 309, 342, 563, 762, 799 CC, 7, 304, 312, 314 CVM
Sumário: 1.-Em função dos princípios norteadores da actividade dos intermediários financeiros, consagrados no art. 304 do CVM, que constituem verdadeiros deveres gerais de conduta dos intermediários financeiros, neles incluindo obviamente os deveres de informação.

2.- Trata-se de um quadro negocial a que seguramente não é alheio todo o relacionamento contratual de confiança existente entre os Autores e o banco Réu, desenvolvido ao longo dos anos e que, num contexto negocial do tipo do que vem provado, à própria luz do art. 236 nº 1 do CPC, não pode deixar de ser interpretado como um compromisso contratual, por parte do banco réu para com os autores/recte, o decesso, traduzido, precisamente, naquele compromisso de garantir o reembolso do capital que foi aplicado na aquisição dos identificados activos financeiros.

3.- Estamos no domínio da responsabilidade contratual feito em nome do relacionamento anterior de clientela existente entre os autores e o banco Réu e nessa perpectiva o banco réu tem assumir contratualmente o reembolso do capital investido (cfr. art. 798 e segs. do C. Civil).

4.- Embora a comercialização de produto financeiro com informação de ter capital garantido responsabilize em primeira linha a entidade emitente do produto, não significa que essa responsabilidade não se estenda também ao intermediário financeiro, se no relacionamento contratual que desenvolve com o cliente, assumir, em nome desse relacionamento contratual, também, o reembolso do capital investido.

5.- Esta realidade negocial configura também o exercício por banda do banco Réu o exercício de intermediação financeira, só que a sua execução violou de forma ostensiva os mais elementares princípios orientadores dessa actividade consagrados no citado art. 304 do CVM, como sejam os ditames da boa fé, exigentes padrões de diligência , lealdade e transparência, os deveres de informação a que estava adstrito por força do relacionamento contratual existente os referenciados no art. 312 nº1 do CVM

6.- Nessa o Banco, intermediário financeiro, incorreu também na responsabilidade, a que alude o art. 314 nº1 do CVM, ao estatuir expressamente que “os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitante ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.

7.- O art. 304 nº2 do CVM introduziu um novo padrão de aferição da culpa que transcende na sua exigência, o do bom pai de família constante do art. 487 nº2 do CC ex vi do art. 799 nº2 do C Civil, já que, nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

8.- O art. 304º, nº2 estabelece, com efeito, um padrão de diligentíssimus pater famílias, em que, para efeitos de definição da forma de conduta negligente, estão em causa os cuidados especiais que só as pessoas muito prudentes observam.

9.- As modalidades de responsabilidade civil, aqui em causa, são, assim, tudo visto, abrangentes da própria responsabilidade civil pré-contratual ou culpa in contrahendo (art. 227.º do CC), porque nos preliminares do contrato o Banco informou o autor que estava garantido o retorno, e a responsabilidade civil contratual porque o Banco violou o compromisso assumido no acordo feito com o cliente (garantia de restituição do capital), violando os deveres de boa fé (art. 762.º do CC).

10.- A qualificação da culpa do banco como grave constitui uma exceção ao prazo curto fixado no art. 324.º, n.º 2 do CVN, e remete-nos para o prazo geral de prescrição mais alargado (art. 309.º do CC).

Decisão Texto Integral:

Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A Causa:

Os autores C (…), M (…), , A(…) e F (…) na qualidade de herdeiros e representantes da Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de A (…) instauraram a presente ação comum contra o réu Banco B (…), SA.

Para tanto, alegaram os autores serem os únicos herdeiros de A (…), falecido no dia 7 de maio de 2018, tendo todos aceite a respetiva herança.

Sucede que o falecido A (…) era cliente do B(…) e foi abordado pelo gerente do réu da agência de (…) que lhe propôs uma aplicação igual a um depósito a prazo, com capital garantido pelo próprio banco e rentabilidade assegurada. Tendo anuído em tal aplicação, subscreveu então uma obrigação SLN Rendimento Mais 2004, no valor de € 50.000,00, desconhecendo a natureza de tal produto. Porém, mais tarde, quando reclamou o reembolso do capital, o mesmo foi-lhe negado, o que lhe causou, até à data do óbito, grande preocupação e ansiedade.

Concluíram os autores solicitando a condenação do réu:

- a reconhecer que os autores são herdeiros da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de A (…);

- a restituir à herança o capital de € 50.000,00, acrescido de juros à taxa legal de 4 % desde a data da citação até efetivo e integral pagamento; 

Subsidiariamente:

- ser declarada a ineficácia da aquisição da obrigação SLN Rendimentos Mais 2004 por A (…);

- ser o réu condenado a restituir à herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de A (…) o capital de € 50.000,00, acrescido de juros à taxa legal de 4 % desde a data da citação até efetivo e integral pagamento;

Em qualquer das hipóteses, requereram ainda os autores:

- a condenação do réu pagar-lhes a quantia de € 2.000,00 a título de dano não patrimonial.

*

Pessoal e regularmente citado, o réu apresentou contestação, na qual se defendeu por exceção, arguindo a incompetência em razão do território deste tribunal, e ainda a prescrição do direito de que se arrogam os autores, por terem decorrido mais de dois anos sobre a conclusão da operação pelo seu subscritor que, desde esse momento, soube que efetuou um negócio onde investiu o seu dinheiro.

O réu defendeu-se ainda por impugnação, considerando que, à data, a obrigação constituía um produto conservador, com um risco reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente. Assim, o réu considerou ter prestado a informação adequada, além de que agiu de acordo com as instruções e a vontade do subscritor da obrigação que, ao longo do tempo, foi recebendo os juros respetivos, sem qualquer reclamação.

Concluiu o réu considerando que deveriam ser julgadas procedentes as exceções por si arguidas, com as legais consequências ou, caso assim não entenda que a ação deveria ser julgada improcedente, com a sua consequente absolvição do pedido.

*

Exercendo contraditório sobre as exceções arguidas, o autor apresentou o articulado com a referência 30903427, pugnando pela competência territorial do presente tribunal, considerando ainda que o prazo prescricional a ponderar é o previsto no artigo 324°, n° 2, CVM, por o réu ter agido com dolo ou culpa grave.

Concluiu o autor que as exceções deduzidas deveriam ser julgadas improcedentes.

 

*

Foi dispensada a realização da audiência prévia, e proferido despacho que julgou improcedente a exceção de incompetência em razão do território e relegou a apreciação da prescrição para momento ulterior.

Afirmada a validade e a regularidade da instância, foi enunciado o objeto do litígio, bem como os temas de prova, por despacho que não mereceu reclamação.

*

Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento com respeito pelo legal formalismo.

*

A instância mantém-se válida e regular.

*

Oportunamente, foi proferida decisão onde se consagrou que:

«Pelo exposto, julgo procedente a presente ação, instaurada pelos autores (…), na qualidade de herdeiros e representantes da Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de A (…), contra o réu Banco B (…), e, em consequência, condeno o réu:

- no pagamento aos autores da quantia (capital) de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, contados desde o dia 21 de setembro de 2018 até efetivo e integral pagamento;

- no pagamento aos autores da quantia de € 2.000,00 (dois mil euros), a título de indemnização de danos não patrimoniais.

Custas pelo réu - cfr. artigo 5270 CPC.

Notifique e registe.

13/10/2019».

*

Banco B (…), Réu nos autos de processo comum à margem referenciados, não se conformando com o teor de Sentença de que foi notificado, veio dela interpor recurso RECURSO DE APELAÇÃO, alegando e concluindo que:

(…)

*

Legal e tempestivamente notificados, para o efeito, (…) autores e apelados nos autos à margem referenciados, vieram apresentar as suas CONTRA-ALEGAÇÕES, por sua vez concluindo que:

(…)

*

II. Os Fundamentos:

Colhidos os Vistos legais, cumpre decidir:

Matéria de Facto assente na 1ª Instância e que consta da sentença recorrida:

5. Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:

5.1 - No dia 7 de maio de 2018, faleceu, sem testamento ou qualquer disposição de última vontade, na freguesia de (…), concelho de (…), A (…) no estado de casado no regime da comunhão de adquiridos com C (…) (artigos 1°,2°,4° da petição inicial);

5.2 - Do casamento de A (…) com C (…), nasceram três filhos: - M (…) casada no regime da comunhão de adquiridos com P (…); - A (…), casado no regime da comunhão de adquiridos com C (..)  e F (…), solteiro (artigo 3° da petição inicial);

5.3 -Todos os herdeiros de A (…)aceitaram a herança aberta por seu óbito, que continua indivisa, da qual é cabeça de casal C (…) (artigos 5°, 6°, 7° da petição inicial);

5.4 - O  (…), SA, enquanto sociedade incorporante e o B (…) SA, como sociedade incorporada, procederam à sua fusão mediante transferência do património do Banco B (…) para o B (…) (artigo 8° da petição inicial, artigo 43° da contestação);

5.5 - O B (…) na sequência de tal operação de fusão registada na Conservatória do Registo Comercial tem atualmente a denominação de B (…), SA, mantendo na sua titularidade todos os direitos e obrigações daquele (artigo 9° da contestação);

5.6 – A (…) era cliente do B(…), na sua agência de  (...), com a conta à ordem n° (…) onde depositava e movimentava dinheiro, constituía poupanças e efetuava pagamentos (artigo 10° da petição inicial);

5.7 - Após a fusão supra referida a conta de que A (…) era titular no B(…)passou a corresponder no B (…) ao número de identificação bancário (…), NIB que se mantém (artigo 11 ° da petição inicial);

5.8 - No dia 25 de outubro de 2004, A (…) foi abordado pelo gerente do B(…) da agência de  (...), que lhe transmitiu existir uma aplicação igual a um depósito a prazo, com capital garantido pelo B(…), com rentabilidade semestral garantida, sem qualquer risco, por estar garantido o reembolso do capital e dos juros (artigos 18°, 19°, 45° da petição inicial);

5.9 - Nessa ocasião, o gerente da agência do B(…) de  (...) transmitiu ainda a A (…) que, não obstante tratar-se de uma aplicação a 10 anos, era possível levantar o capital e os juros quando o desejasse, bastando avisar a agência com antecedência de alguns dias, como se de um depósito a prazo se tratasse (artigos 20°, 21 °,46°, 47° da petição inicial); 

5.10 - À data, o B(…) era uma instituição que oferecia total confiança ao investidor (artigo 22° da petição inicia);

5.11 - Quando lhe transmitiu tal informação, o funcionário do B(…) não ignorava que A (…) não possuía conhecimentos, formação e qualificação técnicas ou experiência adquirida que lhe permitissem conhecer e diferenciar os diversos tipos de produtos financeiros, avaliar os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem (artigo 23° da petição inicial);

5.12 – A (…), à data da subscrição, tinha 61 anos e idade, dedicava-se, além do mais à pirotecnia, não era uma pessoa letrada e revelava um perfil conservador das suas poupanças, sendo que, até essa data, sempre as aplicara em depósitos a prazo, nunca tendo tido intenção de investir em produtos de risco, o que era do conhecimento do gerente e dos funcionários do réu (artigos 25°, 39°, 52° da petição inicial);

5.13 - O gerente não informou A (…) que estava a realizar uma operação não adequada a seu perfil, que ao adquirir aquela obrigação perdia o controlo sobre o dinheiro investido, que não o podia movimentar, levantar ou gastar até 25 de outubro de 2014, data do termo de maturidade, a não ser que solicitasse o seu resgate antecipado, e que tal aplicação comportava um empréstimo à SLN (artigos 24°, 48°, 49°, 50° da petição inicial)

5.14 - Confiando nessas informações, e dado que confiava nos funcionários do réu, A (…) aceitou então aplicar € 50.000,00, limitando-se a assinar sem qualquer outra explicação o papel comercial de subscrição "SLN Rendimento Mais 2004" em papel timbrado do B (...) cuja cópia consta de fls 18 v destes autos, o que fez convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura com as caraterísticas de um depósito a prazo, de capital garantido juros remuneratórios convencionados, garantido pelo B (...), desconhecendo que estava a subscrever a referida obrigação (artigos 12°, 26°, 27°, 28°, 35°, 52° da petição inicial);

5.15 - Tal papel subscrito por A (…) foi previamente preenchido por funcionário do réu (artigo 29° da petição inicial);

5.16 - O produto "SLN Rendimento Mais 2004" subscrito por A (…)constitui uma obrigação ao portador, sob a forma escritural, com o valor nominal de € 50.000,00, com data de liquidação financeira de 25 de outubro de 2004, com o prazo de emissão a dez anos (artigos 13 0, 51 ° da petição inicial);

5.17 - A remuneração de tal obrigação envolvia o pagamento de juros semestral e postecipadamente (artigo 14° da petição inicial);

5.18 – A (…) desconhecia a natureza da obrigação SLN Rendimento Mais 2004 e estava convicto de que tinha feito uma aplicação do capital de € 50.000,00 cuja liquidez estava assegurada com retomo garantido do capital e juros pelo banco B(…), atualmente B(…), como se tratasse de um depósito a prazo, seguro e sem qualquer risco como lhe foi explicado, com restituição do capital e juros à data do vencimento ou quando solicitado (artigos 15°, 16°, 17°,39°,52° da petição inicial);

5.19-0 pagamento tempestivo de juros manteve-se até ao semestre terminado em maio de 2015, reforçando a confiança de A (…) que tinha investido num produto credível e seguro (artigo 30° da petição inicial);

5.20 - Porém, desde então, o B(…) não procedeu ao pagamento de mais nenhuns juros e negou o reembolso do capital, remetendo a responsabilidade para a SLN (artigos 31 ° e 32° da petição inicial);

5.21 -No decurso do mês de fevereiro de 2017, a ré, através dos seus funcionários, entregou a A (…), no balcão da agência de (…) , uma minuta de uma reclamação a pedir o reembolso do capital, que aquele apresentou sem que réu lhe tivesse restituído a quantia em causa (artigos 33° e 34° da petição inicial);

5.22 - Caso A (…) tivesse percebido que estava a dar uma ordem de compra de obrigações SLN Rendimento mais 2004, produto em que o capital não era garantido pelo B (...), não autorizaria tal subscrição (artigos 36°, 53° da petição inicia);

5.23 - Para A (…)a denominação SLN Rendimento Mais 2004 correspondia a uma conta a prazo (artigo 37° da petição inicial);

5.24 - As orientações e comunicações internas existentes no B(…) transmitidas aos seus comerciais e balcões, consistiam em afirmar reiteradamente a segurança, solidez, rentabilidade do produto em causa e de que o banco cobriria sempre a sua solvabilidade, como se de um depósito a prazo se tratasse (artigos 40° e 41 ° da petição inicial); 

5.25 - Na execução de tais diretivas, o réu e os seus funcionários empenharam-se na colocação de tais produto, assegurando a inexistência de qualquer risco quanto ao reembolso do capital e dos juros, como se de um depósito a prazo se tratasse (artigo 42° da petição inicial);

5.26 - Nunca o gerente ou funcionários do B(…) leram ou explicaram a A (…) o que eram as obrigações em causa, agindo convencidos de acordo com as orientações e comunicações superiores que receberam, que as referidas obrigações constituíam um produto seguro, sem qualquer risco para os subscritores (artigos 43° e 44° da petição inicial);

5.27 - Até ao momento, nem A (…), nem os seus herdeiros, foram reembolsados de qualquer quantia correspondente ao capital aplicado, reembolso esse que lhe foi negado em carta do réu de 2 de novembro de 2017, em resposta à reclamação por aquele subscrita em fevereiro de 2017 (artigo 55° da petição inicial);

5.28 - Até à data do seu óbito em 7 de maio de 2018, A (…) viveu num estado permanente de preocupação, ansiedade e tristeza por ter sido desapossado das suas economias e perante a indefinição da possibilidade de poder reaver o seu dinheiro (artigos 60°, 61 °,62° da petição inicial);

5.29 - A operação supra-mencionada (5.14) constituiu um ato em que o réu intermediou a aquisição do produto financeiro em causa - Obrigações SLN 2004 - (artigo 12° da contestação);

5.30 - No mês seguinte a tal operação, A (…) recebeu por correio o aviso de débito correspondente à operação efetuada, bem como recebeu os avisos de crédito a cada seis meses relativos aos juros, assim como recebia extratos mensais periódicos, onde apareciam discriminadas as suas aplicações financeiras, de forma separada em relação aos depósitos a prazo, o que nunca suscitou da sua parte qualquer reclamação (artigos 13°, 14°,15°,65°,66°,67°,68° da contestação);

5.31 - O risco de uma obrigação está indexado à solidez financeira da entidade emitente (artigo 27° da contestação); 

5.32 - As obrigações SLN 2004 foram emitidas pela "S (…), SA", sociedade titular de 1 00 % do capital social do banco B (…) até 2008, altura em que foi nacionalizado, sendo o banco um garante de solvabilidade de tal sociedade por ser um dos principais ativos do seu património (artigos 28° e 43° da contestação);

5.33 - À data da subscrição supra mencionada, o Fundo de Garantia de Depósitos era de € 25.000,00 por conta bancária (artigo 54° da contestação);

5.34 - À data da subscrição em causa era comum e rápido endossar as Obrigações SLN Rendimento Mais a terceiros porque tais títulos tinham elevada procura, atenta a sua rentabilidade (artigo 76° da contestação);

5.35 - A presente ação foi instaurada no dia 13 de setembro de 2018, e o réu foi citado no dia 21 de setembro de 20 18 (artigo 19° da contestação e aviso de receção de fls 28v factos provados documentalmente nos termos do disposto no artigo 607°, n° 4, CPC).

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Não resultou provada a factualidade alegada nos artigos:

- 25°(parcialmente), 54°, 62° (parcialmente) da petição inicial;

- 12°, 19° (parcialmente),27° (parcialmente), 30°, 33°, 34°, 35°, 36°, 37°, 43° (parcialmente), 44°, 45°, 46°, 47°, 52°, 53°, 55°, 56°, 57°, 58°, 59°, 60°, 61 0, 62°, 63°, 69°, 70°, 71 0, 72, 73°, 75°, 77°, 78°, 79°, 80° da contestação;

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Não se responde à matéria alegada nos artigos:

- 56° a 60°,63° a 78°, da petição inicial;

 - 1° a 11º, 16°, 17°, 18°,20° a 26°,31°,32°,38° a 42°,48° a 51°,64°, 81°, 82° da contestação;

- alegação constante do articulado de resposta às exceções.

 

Por ser matéria repetida, de direito, conclusiva, inócua para a decisão da causa, reconduzir-se a mera impugnação ou constituir remissão para meios de prova.

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Nos termos do art. 635º do NCPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas alegações do recorrente, sem prejuízo do disposto no art. 608º do mesmo Código.

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Das conclusões de Recurso - ressaltam as seguintes questões elencadas, na sua formulação originária, de parte, a considerar na sua própria matriz holística:

I.

6. Entende o Recorrente que os factos dados como provados nos números 5.8, 5.12, 5.14, 5.18, 5.22 e 5.24 não deveriam constar do corpo da Sentença nos termos ali propostos, em face da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento. Nestes termos, é o Banco Apelante de pugnar pela alteração de tais números, de acordo com a redação adiante proposta.

12.    Assim, o facto vertido no n.º 5.8 da Sentença, deveria ter a seguinte redação "5.8 No dia 25 de outubro de 20041 A (…) foi abordado pelo gerente do B (...) da agência de (…) , que lhe transmitiu existir uma aplicação semelhante a um depósito a prazo, com capital qarantido, com rentabilidade semestral qorantido, sem qualquer risco, por estar garantido o reembolso do capital e dos juros;.

13.    Adiante, o facto n.º 5.14 deveria ter a seguinte redação "5.14 Confiando nessas irformoções, e dado que confiava nos funcionários do ré A (…) aceitou então aplicar 50.0001001 limitando-se a assinar sem qualquer outra explicação o papel comercial de subscrição SLN Rendimento Mais 20041Zl em papel timbrado do B (...) cuja cópia consta de fls 18 v destes autos, o que fez convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura com as caraterísticas de um depósito a prazo, de capital garantido juros remuneratórios convencionados;

14.    Depois, o facto n.º 5.18 deveria ter a seguinte redação: "5.18 A (…) desconhecia a natureza da obrigação SLN Rendimento Mais 2004 e estava convicto de que tinha feito uma aplicação do capital de 50.000100 cuja liquidez estava assegurada com retorno garantido do capital e juros, como se tratasse de um depósito a prazo, seguro e sem qualquer risco como lhe foi expticodo, com restituição do capital e juros à data do vencimento ou quando solicitado";

15.    Da mesma forma, o facto n.º 5.22, também deveria ter redação diferente: "5.22 Caso A (…) tivesse percebido que estava a dar uma ordem de compra de obrigações SLN Rendimento mais 20041 produto em que o capital não era qorantido, não autorizaria tal subscrição;

16. Por fim, e com igual merecimento de redação diferente, o facto provado n.º 5.24.: "5.24 As orientações e comunicações internas existentes no B(…) transmitidas aos seus comerciais e balcões. consistiam em afirmar reiteradamente a segurança, solidez, rentabilidade do produto em causa, como se de um depósito a prazo se tratasse.".

17.    Quanto ao conhecimento do decesso no que toca a outros produtos financeiros, a ideia confirmou que o mesmo teria subscrito já Fundos de Investimento B (...) Conservador e Fundos de Investimento B(…) Tesouraria. Assim, se devidamente concatenado com o extrato bancário junto aos autos, resulta meridiana mente provado que, tendo subscrito, a par da Obrigação em crise, outros produtos financeiros, não se pode afirmar, porque é errado, e muito menos dar como provado, que o decesso tenha SEMPRE aplicado as poupanças em depósitos a prazo. Diga-se, aliás, que este é o pensamento que parece decorrer da fundamentação da Sentença quanto a esta temática. Veja-se, a fls., quando se refere: "Por fim, referiu ser possível que A (…)tivesse subscrito fundos de investimento ... ",

18.    E, por isso, deve o facto 5.12 ser alterado nessa conformidade, com a redação que adiante se propões: "5.12 – A (…), à data da subscrição, tinha 61 anos e idade, dedicava-se, além do mais à pirotecnia, não era uma pessoa letrada e revelava um perfil conservador das suas poupanças, sendo que, até essa data, as aplicara em depósitos a prazo e noutro produtos como Fundos de investimento, o que era do conhecimento do gerente e dos funcionários do réu;" 

19.    De notar, ainda, na senda de tudo quanto vem dito, que ainda que se conceba que o produto tenha sido vendido como semelhante a um depósito a prazo, em lado algum dos depoimentos ou dos documentos juntos se pode retirar que o decesso, à data da subscrição, ou mesmo em momento posterior, estaria convencido que a denominação SLN Rendimento Mais 2004 poderia corresponder a uma conta a prazo ...

20.    Assim o facto 5.23 ("5.23 Para A (…) a denominação 5LN Rendimento Mais 2004 correspondia a uma conta a prazo (artigo 370 da petição inicial):") não deveria constar do elenco dos factos dados como provados.

Apreciando, diga-se - por confronto -, serem os factos em causa os seguintes:

5.8 - No dia 25 de outubro de 2004, A (…) foi abordado pelo gerente do B(…) da agência de  (...), que lhe transmitiu existir uma aplicação igual a um depósito a prazo, com capital garantido pelo B(…), com rentabilidade semestral garantida, sem qualquer risco, por estar garantido o reembolso do capital e dos juros (artigos 18°, 19°, 45° da petição inicial);

5.12 – A (…), à data da subscrição, tinha 61 anos e idade, dedicava-se, além do mais à pirotecnia, não era uma pessoa letrada e revelava um perfil conservador das suas poupanças, sendo que, até essa data, sempre as aplicara em depósitos a prazo, nunca tendo tido intenção de investir em produtos de risco, o que era do conhecimento do gerente e dos funcionários do réu (artigos 25°, 39°, 52° da petição inicial);

5.14 - Confiando nessas informações, e dado que confiava nos funcionários do réu, A (…) aceitou então aplicar € 50.000,00, limitando-se a assinar sem qualquer outra explicação o papel comercial de subscrição "SLN Rendimento Mais 2004" em papel timbrado do B (...) cuja cópia consta de fls 18 v destes autos, o que fez convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura com as caraterísticas de um depósito a prazo, de capital garantido juros remuneratórios convencionados, garantido pelo B (...), desconhecendo que estava a subscrever a referida obrigação (artigos 12°, 26°, 27°, 28°, 35°, 52° da petição inicial);

5.18 – A (…) desconhecia a natureza da obrigação SLN Rendimento Mais 2004 e estava convicto de que tinha feito uma aplicação do capital de € 50.000,00 cuja liquidez estava assegurada com retomo garantido do capital e juros pelo banco B(…), atualmente B(…), como se tratasse de um depósito a prazo, seguro e sem qualquer risco como lhe foi explicado, com restituição do capital e juros à data do vencimento ou quando solicitado (artigos 15°, 16°, 17°,39°,52° da petição inicial);

5.22 - Caso A (…) tivesse percebido que estava a dar uma ordem de compra de obrigações SLN Rendimento mais 2004, produto em que o capital não era garantido pelo B(…), não autorizaria tal subscrição (artigos 36°, 53° da petição inicia);

5.24 - As orientações e comunicações internas existentes no B(…) transmitidas aos seus comerciais e balcões, consistiam em afirmar reiteradamente a segurança, solidez, rentabilidade do produto em causa e de que o banco cobriria sempre a sua solvabilidade, como se de um depósito a prazo se tratasse (artigos 40° e 41 ° da petição inicial); 

Sendo que, para o efeito - como sai consignado em decisório -, lhe serviu de esteio o se haver ponderado:

«(…) o acordo colhido dos articulados das partes, designadamente no que se reporta à matéria que não foi objeto de impugnação.

Foi ponderada a seguinte prova documental:

- Procedimento Simplificado de Habilitação de Herdeiros e Regists de fls 13;

- certidão de assento de óbito de fls 14;

- requerimento de registo comercia de fls 15 e ss;

- declaração de titularidade da obrigação em causa nos autos (fls 18);

- documento de fls 18v pela qual a obrigação em causa nos autos foi subscrita,

elemento que permitiu apurar quer a data dessa subscrição, quer o facto de a mesma ser transacionada como um próprio produto do B(…) cuja identificação aí aparece em destaque, contrariamente ao que sucede relativamente à identificação da sociedade emitente;

- cópia de bilhete de identidade (fls 19);

- emails de fls 19v e 20, esclarecedores da intenção do B(…) de incentivar junto dos

clientes a compra de obrigações SLN, e ainda de que tal produto era equiparado a um depósito a prazo. É certo que um dos emails datado de julho de 2008, reporta-se a produto diverso (SLN Valor). Porém, a prova produzida, designadamente a testemunhal, inculcou ao tribunal a convicção segura de que também as obrigações SLN Rendimento Mais 2004 eram transacionadas como um investimento seguro em produto do próprio banco, similar a um depósito a prazo, sendo fortemente incentivada a sua colocação junto dos clientes do B (…) o que aliás resulta reafirmado do teor do email de 9 de julho de 2009, comprovativo da forma como os funcionários do réu comercializaram tal produto;

- extratos juntos a fls 36 v e ss que, por si, não permitiram apurar que o falecido A (…), anteriormente tivesse subscrito fundos de investimento;

- nota informativa de fls 39 v e ss.

*

Aferindo, de imediato, se diga, após verificação adrede, que, a imanência e a consequência da prova documental referenciada se revela de absoluta compatibilidade ao assim consagrado. Com efeito, em função do que se consagra no art. 376º Código Civil (força probatória), desde que o documento se limita a provar que o seu autor fez as declarações que dele constam, não prova que essas declarações correspondam à vontade do declarante; e desde que os factos compreendidos na declaração se consideram provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante, não está excluído que o interessado se valha dos meios gerais de impugnação da declaração. O declarante pode provar que a sua declaração não correspondeu à sua vontade ou que foi afectada por algum vício do consentimento (art. 35.°) (Cf. RLJ, 110.º-85). Tanto mais que o documento particular só faz prova plena quanto aos factos compreendidos nas declarações atribuídas ao seu autor, na medida em que contrárias aos interesses dos declarantes; nessa medida, o documento pode ser invocado, como prova plena, pelo declaratário, contra o declarante; em relação a terceiros, tal declaração não tem eficácia plena, valendo apenas como elemento de prova a apreciar livremente (Cf. Ac. STJ, 22-6-1982: BMJ, 318.°,415).

Por sua vez, incontornavelmente, é admissível a impugnação das declarações constantes de documento reconhecido como verdadeiro através de testemunhas (Cf. Ac. RL, de 11-5-1970:JR, 16.°- 439). Ora, como foram, igualmente, “ponderados os depoimentos testemunhais produzidos”, nos termos preditos, cumpre proceder ao seu cotejo específico. Assim:

P (…), actualmente desempregado, foi gerente do Balcão do B (…)de  (...), funções que interrompeu em 2009, retomou em 2011 até 2013, data em que cessou tal vínculo laboral, por despedimento coletivo (…) disse, no que se tem por expressivamente relevante:

«Haver sido quem, na qualidade referida, vendeu “este produto”;

confirmou que A (…) subscreveu o papel cuja cópia consta de fls 18, o qual foi, previamente, preenchido por outra funcionária do banco;

Foram-lhe apresentadas as condições do produto, designadamente que se tratava de um investimento a 10 anos muito embora pudesse ser mobilizado anteriormente;

A (…) tinha um perfil conservador e o depoente não lhe explicou o que era uma obrigação;

As ordens superiores que existiam no banco eram de que aqueles produtos tinham que ser comercializados como um depósito a prazo; referindo, mesmo, a existência de uma ordem interna que afirmava que se tratava de produto com 100% do capital garantido;

Assim, não explicou a A (…) os riscos de subscrever uma “obrigação subordinada”, precisamente por causa dessa nota interna;

Convenceu-o, dizendo tratar-se de um produto muito seguro, com rentabilidade acima da média;

O A (…) não era pessoa letrada, era comerciante de pirotecnia e optava por poupanças seguras, confiando plenamente na testemunha, que conhecia do tempo em que fora cliente da C…), onde o depoente trabalhou.

O cliente não sabia quem era a S (…) tanto mais que na altura nem se colocava a questão da distinção entre tal entidade e o banco e ficou convencido que estava a fazer um depósito a prazo, que a rentabilidade estava assegurada, e não havia risco associado. Caso conhecesse as caraterísticas do produto, não o teria subscrito.

Sabe que o cliente reclamou quando se viu impossibilitado de usar o dinheiro.

Por fim, referiu “considerar possível” que A (…) tivesse subscrito fundos de investimento, que eram um produto muito conservador e que recebia extratos em que os produtos apareciam discriminados!...».

Elementos conjugados - tendo em conta a sua essencialidade e rigor de reprodução -, que se revelam rigorosos, suficientes e, por isso, adequados -, à sua consagração, nos termos utilizados. Revelando-se, do mesmo modo, efluentes e confluentes os depoimentos essenciais de da testemunha P (…)  genro de A (…), casado com a Autora M (…) e da testemunha M …) funcionário do B(…) e, anteriormente, do B(…), nos termos verificados de correspondência ao que se explana, consagrando, a fls.  94 e 94 v., dos Autos.

 No circunstancialismo assim revelado, pois, nada, nem mesmo a pretexto de qualquer tipo de “reparo” final que lhe vem dirigido, é susceptível de abalar tal esquisso de configuração.

Em tais termos, pois que - excurso empreendido -, sem embargo, “não bastará uma qualquer divergência na apreciação e valoração da prova para determinar a procedência da impugnação, sendo necessário constatar um erro de julgamento” (cf. Ac. da Rel. de Coimbra de 17-04-2012. proc. n° 1483/09.9TBTMR.C 1. acessível em www.dgsi.pt/jtrc; no mesmo sentido, veja-se A. ABRANTES GERALDES in “Julgar’, n° 4, Janeiro/Abril 2008, Reforma dos Recursos em Processo Civil, páginas 74 a 76 e o Ac. do S.TJ. de 15-09-2010, proferido no proc. n°241/05ATTSNT.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt/stj.)

E, assim, se configura, em atenção ao entendimento de que a efectiva garantia do duplo grau de jurisdição, em matéria de facto (consignado no art. 662° do NCPC), impõe que o Tribunal da Relação, depois de reapreciar as provas apresentadas pelas partes, afirme a sua própria convicção acerca da matéria de facto questionada no recurso, não podendo limitar-se a verificar a consistência lógica e a razoabilidade da que foi expressa pelo tribunal recorrido.

É este, afinal, o verdadeiro sentido e alcance que deve ser dado ao princípio da liberdade de julgamento fixado no art. 607°, n°5 do NCPC. Assim consumado e, por isso, determinante da decisão firmada.

O que, após empreender a repetição integral da prova produzida, mormente a que de outiva foi prestada, o Tribunal da Relação também e na mesma dimensão verificou, comprovando. Com o próprio alcance dos depoimentos nos Autos, a não contrariar, quer na sua especificidade individualizada, quer na sua revelada panorâmica holística.

Consequentemente, alinhados e aferidos os elementos de prova com interesse para o esclarecimento do caso -, na relação intra-diegética dos Autos e no binómio verdade material/verdade real intra-processual, impõe-se, a tal pretexto, em função do que se apreciou, validar a decisão relativamente às respostas consubstanciadas nos pontos em causa, que vêm questionados.

Assim respondendo, de forma negativa, às questões em I.

*

II.

33.    Parece-nos por demais evidente que a disposição do art. 312º nº 1 alínea e) relativa aos "riscos especiais nas operações a realizar" em nada se relaciona com a matéria em crise nos presentes autos pois o que é invocado na P.I. é a prestação de uma informação falsa quanto ao instrumento financeiro em si e esta disposição, como vimos, diz respeito à prestação de informação acerca do negócio de intermediação ou de cobertura.

35.    O investimento efetuado foi feito em obrigações da SLN que é um instrumento do mercado monetário (art.º 1 alínea b) do CdVM). Não é um investimento sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título. Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso!

41.    Ou seja, e em conclusão, A VIOLAÇÃO DO DEVER DE INFORMAÇÃO NÃO IMPLICA QUALQUER PRESUNÇÃO DE ILICITUDE! E, portanto, tinha que ser o Autor a alegar e provar que concretas informações é que o Banco Réu deveria ter dado, que não deu! Não o tendo feito, tem a presente ação necessariamente que claudicar!

42.    Não está alegado, e muito menos provado, que se tenha tornado impossível receber (total ou parcialmente) o montante investido pelo decesso na Obrigação. Daí resulta, portanto, que a condenação do Banco Réu no pagamento da integralidade do valor desembolsado pelo Autor é manifestamente excessiva e não cumpre com o critério teoria da diferença prevista no art. 566º nº 2 do cc.

44.    Não há qualquer matéria provada que permita a conclusão que o comportamento R. foi decisivo e causal na produção dos danos, pois que foi com base na informação que foi transmitida ao decesso, que deu o seu acordo na aquisição da Obrigação SLN Rendimento Mais 2004 - numa primeira e segunda fase, respetivamente. Num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou. Num segundo momento é necessário provar que aquele negócio produziu um dano. E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objetiva ao tempo da lesão.

A este respeito, convocando tópica de Calvão da Silva, in Direito Bancário, pag. 335, refira-se - tal como no Ac. RC., no Proc. nº 787.16.9T8GRD.C1, deste TRC, o mesmo Colectivo de Juízes Desembargadores, que, aqui, decide, lá, o fez consignar -, alumbrando, que:

« “a relação de clientela é uma relação obrigacional complexa e duradoura, iniciada nas negociações de um primeiro contrato e desenvolvida continuamente por subsequentes e repetidas ou renovadas operações de negócios firmadas pelas partes , muitas quais novos contratos, em que, a par de prestações primárias (ou secundárias) surgirão obrigações acessórias de cuidado ou deveres de protecção cominados por acordo dos contraentes, pela lei ou pela boa fé, para satisfação do interesse do credor.

Deste modo, a relação de clientela não é um (único) contrato geral, mas uma relação contínua e duradouro de negócios, assente em ligações especiais de confiança e lealdade mútua das partes, cuja violação na negociação conclusão, execução ou pós- extinção de uma operação financeira acarreta responsabilidade contratual”.

No caso em apreço, a operação aqui em causa, insere-se precisamente no relacionamento predominantemente de confiança existente entre o banco réu e o decesso, que, sublinhando, se desenvolveu nos termos consagrados, desde logo, quanto aos factos destacados, em decisório.

  E num quadro e contexto negocial do tipo que vem provado, a operação em causa (aplicação em activos financeiros) consubstancia, da parte do banco, o exercício de uma actividade de intermediação financeira.

   A propósito da responsabilidade do intermediário financeiro, assinale-se, por remissão inter-textual expressiva - como no Ac. STJ de 10.01.2013, Proc. nº 89.10.4 TVPRT.P1.S1. Relator: Tavares de Paiva -, a referenciar, sobre o ponto, Menezes Leitão in Direitos dos Valores Mobiliários, Vol II, Coimbra Editora, 2000 pag. 45, ao considerar:

«haver de “ponderar, confrontando os seus pressupostos, se se deve efectuar o seu enquadramento no âmbito da responsabilidade delitual, por violação de direitos absolutos ou disposições legais de protecção (art. 483 e segs. Do C. Civil) ou obrigacional, pelo incumprimento das obrigações arts. 798 e sgs. do Código Civil, ou se deve ainda inseri-la no âmbito das categorias de responsabilidade que têm contribuído para abalar a rigidez da repartição entre estas duas categorias, como a da responsabilidade pré-contratual, a responsabilidade por informações e a responsabilidade civil do gestor de negócios, em relação às quais se tem falado na esteira de Canaris de uma terceira via de responsabilidade civil.

 O regime da responsabilidade civil do intermediário financeiro está agora consagrado no art. 314 do CVM, que no seu nº1 estatui:

“Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua actividade, que lhes seja imposta por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública:”

O nº2 do citado normativo estabelece uma presunção de culpa do intermediário financeiro quando aí, expressamente, se estabelece:

“A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito das relações contratuais ou pré- contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação”.

Quanto aos princípios norteadores da actividade dos intermediários financeiros, estão eles consagrados no art. 304 do CVM, constituindo verdadeiros deveres gerais de conduta dos intermediários financeiros, neles incluindo, obviamente, os deveres de informação.

E em que se traduziu essa actividade de intermediação no caso dos autos?

No que respeita à matéria de facto que resultou provada, ficou a mesma já supra transcrita, na sua essencialidade, aqui se dando, igualmente, por reproduzida. Dela resultando - tal como assinalado em decisório (fls. 98) -, que:

“7.4 - Certo é que se apurou que em outubro de 2004, o gerente da agência de  (...) do então B(…) abordou A (…), propondo-lhe uma aplicação igual a depósito a prazo, no montante de € 50.000,00, com capital e juros garantidos sem qualquer risco associado.

Mais se apurou que nunca foi lida documentação sobre tal produto, nem explicado ao subscritor as suas caraterísticas, sendo certo que os funcionários do réu conheciam o seu perfil conservador, assim como o se propósito de apenas constituir/investir em depósitos a prazo.

7.5 - Tal factualidade evidencia que, no que se reporta à subscrição dos produtos financeiros em causa, o autor da herança não foi cabalmente informado da sua natureza e caraterísticas, o que resultou da violação dos deveres de informação supra enunciados por parte dos funcionários do réu”.

Sem se poder arredar que, não obstante a actuação do funcionário do Banco Réu, o certo é que, ficou, sem dúvida, demonstrado, como não poderia deixar de ser, que a sua actuação foi em representação e no interesse do Banco, seguindo, aliás, as suas orientações, sendo que, e enquanto funcionários de uma agência bancária, ocorre uma relação de subordinação do funcionário à respectiva entidade bancária, sendo apenas na esfera jurídica desta que se repercutem todos os efeitos da actuação.

Trata-se - de novo no referencial do citado Ac. STJ de 10.01.2013 -,

«de um quadro negocial, a que seguramente não é alheio todo o relacionamento contratual de confiança existente entre os Autores/recte, o decesso e o banco Réu, desenvolvido no contexto negocial do tipo do que vem provado, à própria luz do art. 236 nº 1 do CPC, não pode deixar de ser interpretado como um compromisso contratual por parte do  banco réu para com os autores traduzido precisamente naquele compromisso de garantir o reembolso do capital que foi aplicado na aquisição dos identificados activos financeiros.

E como qualificar, num quadro deste tipo, a informação de capital garantido, para efeitos de aquisição do identificado activo financeiro, que o Banco Réu prestou ao decesso?

Como escreve Agostinho Cardoso Guedes, in A Responsabilidade do Banco  por informações à Luz do art. 485 do Código Civil in Revista de Direito e Economia , Ano XIV , 1988 a pags. 138 e 139 “… o problema da responsabilidade por informações como problema autónomo, coloca-se, principalmente, quando o dador aparece, perante o destinatário, portador de qualidades específicas que o habilitam a fornecer tais informações, as quais induzem o mesmo destinatário a nelas fazer fé. No caso do banco, o cliente presume competência e organização, uma profissionalização específica , que os bancos objectivamente possuem. Portanto, e no que concerne à responsabilidade extra-contratual por informações, não se pode dispensar a mesma tutela jurídica a um destinatário de uma informação, quando esta provenha de alguém especificamente qualificado para a fornecer (como um banco) ou quando provenha de um leigo, colocando-se a questão do nível da ilicitude e não da culpa”.

 Também Menezes Cordeiro, in Manual do Direito Bancário, Almedina, 1998 considera “ a informação bancária distingue-se da comum por ser - tendencialmente -, técnico jurídica, simples directa e eficaz”.

Isto, para dizer, também, a pretexto dos arts. 73 a 76 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (DL 298/ 92 de 31/12), que se exige às instituições de crédito, em todas as actividades que exerçam. Assegurando aos seus clientes, elevados níveis de competência técnica, dotando a sua organização empresarial com os meios materiais e humanos necessários para realizar condições apropriadas de qualidade e eficiência (cfr.art. 73º).

 Também segundo o art. 74, se exige que, nas relações com os clientes, os administradores e empregados das instituições de crédito procedam com diligência, lealdade e respeito, consciencioso dos interesses que lhe são confiados.

Para além de que, na subordinação ao art. 76, os seus administradores e membros dos órgãos de administração, devem proceder com diligência de um gestor criterioso e ordenado, de acordo com princípio da repartição dos riscos e segurança das aplicações e tendo em conta os interesses dos depositantes, dos investidores e demais credores.

As instituições de crédito devem informar os clientes sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos prestados por aqueles (cfr. art. 75 nº1).

Do mesmo modo, Agostinho Cardoso Guedes, ob cit. Pags. 147 e 148  refere: Sempre que alguém se dirige a um banco para com ele celebrar um contrato (um depósito bancário, um empréstimo, a compra de títulos da sociedade proprietária do banco, um desconto, um empréstimo hipotecário, depósito de títulos etc. e se inicie «uma actividade comum dos contraentes destinada à análise e elaboração do projecto de negócio» não parece restar qualquer dúvida que qualquer dos contraentes fica imediatamente vinculados aos deveres resultantes do art. 227 e consequentemente o banco pode ser obrigado a prestar informações ou conselhos ou, quando tal dever não surja por força do dever de agir com boa fé, responsabilizado, ainda assim, por informações ou conselhos inexactos “desde que, com esse comportamento, se violem outros deveres de conduta, tal como acontecia com os deveres laterais de origem contratual de que resultem danos”.

A este propósito Menezes Leitão, in Informação Bancária e Responsabilidade, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Inocêncio Galvão  Telles , Volume II, Direito Bancário, Almedina , 2002, a pag.230 considera “que mesmo nos casos em que o banco presta conselhos ou recomendações sobre negócios (consultoria em relação a decisão de investimento, intermediação em operações sobre valores mobiliários , etc.), mesmo neste âmbito , sempre que a informação prestada tenha um cariz objectivo , se deve presumir a culpa do banco nos termos do art. 799 do CC que «como entidade especializada na matéria se compromete á prestação de informações exactas, cabendo a ele ilidir sempre essa presunção com a demonstração de que o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua”.

No caso dos autos, foi com base na “informação de capital garantido” que o decesso deu o seu acordo na aquisição dos mencionados títulos, sendo certo, como, também, diz Sinde Monteiro, in Responsabilidade Por Conselhos e Recomendações ou Informações, Almedina, 1999 a pag. 49, sem essa informação, o referido decesso dificilmente daria o seu acordo na aquisição dos   identificados activos financeiros.

 Toda esta série de normas visa proteger a confiança dos clientes dos bancos nas informações que estes lhes prestam, aquando das conversações e ou contactos preliminares à celebração de um acto/contrato bancário, a ponto de, se essas informações se mostrarem inexactas, incompletas ou falsas e forem determinantes na celebração de um acto ou contrato com o banco, este poderá ser responsabilizado pelos danos que causar, quer pela via contratual quer extracontratual (cfr. neste sentido, também, Ac.da  Relação de Coimbra de 9.10.12 acessível via www.dgsi.pt)».

Traçado o quadro em que se move a responsabilidade bancária por conselhos e informações, importa fazer o confronto com a realidade negocial que vem provada.

 E, neste domínio, haverá, do mesmo modo, que destacar, como se faz ressumar em decisório (fls.98v-99):

«(…) no caso presente, o réu, na qualidade de intermediário financeiro, comercializou o produto em questão, tendo prestado as informações que levaram à sua aquisição pelo autor. Deveria pois norteado a sua conduta pelos princípios de boa fé, diligência, lealdade, transparência e de informação a que se encontrava vinculado, nos termos dos artigos 304°, 7°, 312°, CVM, deveres esses para os quais se mostra estabelecida uma presunção legal de culpa no artigo 314° CVM que, de todo o modo, sempre decorreria do disposto no artigo 799°, CC - cfr. Ac RL de 15/91201510

Tal atuação dos funcionários do réu, por consubstanciar violação dos deveres de informação, constitui comportamento ilícito. Ilicitude essa que decorre da violação do dever de informação já analisado.

De todo o modo, a propósito do pressuposto da ilicitude inerente à responsabilidade contratual invocada pelos autores, afigura-se que a mesma também decorre do facto de o réu ter assumido o reembolso do capital investido.

Efetivamente, resulta da factualidade apurada que o autor da herança desconhecia a natureza do investimento em causa, assim como desconhecia que não era o réu a entidade emitente de tais obrigações, tendo anuído no investimento proposto na pressuposição de que se tratava de um depósito a prazo, que beneficiava das inerentes garantias de restituição. Ou seja, estava em causa um investimento efetuado na agência do réu, dele dependendo o reembolso do produto de tal investimento. Como se refere no Ac. STJ de 17/31201611:

"Embora a comercialização de produto financeiro com informação de ter capital garantido responsabilize em primeira linha a entidade emitente do produto, não significa que essa responsabilidade não se estenda também ao intermediário financeiro, se no relacionamento contratual que desenvolve com o cliente, assumir em nome desse relacionamento contratual também o reembolso do capital investido (. . .) e os juros".

Assim, tal ilicitude decorre também da circunstância de o réu ter violado tal compromisso de garantia de restituição dos juros e do capital.

Acresce que o réu não afastou a presunção de culpa que o onera - cfr. artigos 798° e 799°, CC - devendo afirmar-se o nexo entre o facto e o dano, pelo que incorreu em responsabilidade contratual.

Consequentemente, apurado tal comportamento ilícito e culposo, forçosa é a conclusão de que o réu incorreu em responsabilidade civil contratual».

-

Estamos, pois, aqui no domínio, seguramente, da responsabilidade contratual, em nome de relacionamento (até, anterior) de clientela, existente entre o decesso e o banco réu, e, nessa perspectiva, tal banco tem de assumir, em função do contratualmente assumido, o reembolso do capital investido (cfr. art. 798 e segs. do Código Civil).

Embora a comercialização de produto financeiro, com informação de ter capital garantido responsabilize, em primeira linha, a entidade emitente do produto, não significa que essa responsabilidade não se estenda, também, ao intermediário financeiro, nomeadamente, se no relacionamento contratual com o investidor (cliente) assumir, do mesmo modo, o pagamento do valor nominal dos títulos financeiros adquiridos, conforme aconteceu no caso em apreço.

Acontece, ainda, que o banco réu pode, igualmente, ser responsabilizado pela via extra-contratual. Efectivamente, esta realidade negocial configura, da mesma maneira, por banda do banco Réu, o exercício de intermediação financeira, só que a sua execução violou de forma ostensiva os mais elementares princípios orientadores dessa actividade consagrados no citado art. 304  do CVM, como sejam os ditames da boa fé,  exigentes padrões de diligência, lealdade e transparência, os  deveres de informação a que estava adstrito por força do relacionamento contratual existente os referenciados no art. 312 nº1 do CVM.  Nessa medida, incorreu, também, na responsabilidade, a que alude o citado art. 314 nº1 do CVM, estatuindo expressamente que “os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitante ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública”.

Sublinhe-se, neste particular, que o art. 304 nº2 do CVM introduziu um novo padrão de aferição da culpa que transcende na sua exigência, o do bom pai de família constante do art. 487 nº2 do CC ex vi do art. 799 nº2 do C Civil.(cfr. Gonçalo André Castilho dos Santos in a Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro perante o cliente pag.208 e segs).

 O citado nº2 do art 304 prescreve: “nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência”.

Com o referido autor a referir que o art. 304 nº2 “estabelece, com efeito, um padrão de diligentíssimus pater famílias, em que, para efeitos de definição da forma de conduta negligente, estão em causa os cuidados especiais que só as pessoas muito prudentes observam”.

Por sua vez, o art. 312 nº1 do CVM, no que concerne à observação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação, é bem explícito quando estatui:

”O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes:

a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar;

b) Qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço prestado ou a prestar;

c) Existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de protecção equivalente que abranja os serviços a prestar;

d) O custo do serviço a prestar”.

A revelar encontrar-se, subjacente a tão exaustivo elenco de deveres informativos, a propalada protecção dos investidores.

No dizer, ainda, de Sofia Nascimento Rodrigues, este princípio nuclear deve ser dividido em três grandes pilares que se complementam entre si. O interesse público, a segurança nos mercados e a igualdade entre os vários agentes de mercado (cfr. Sofia Nascimento Rodrigues, a Protecção dos investidores em Valores Mobiliários, Almedina Coimbra 2001 pp. 23 e segs.)

Fazendo o confronto de abrangência com a factualidade circunstancialmente provada, dela resulta (fls. 94v.-95) que:

«a conjugação dos meios de prova enunciados inculcou ao tribunal a convicção segura de que ao falecido A (…) não foram prestados quaisquer esclarecimentos relativos à natureza do produto financeiro em discussão nos autos. Efetivamente, as obrigações SLN Rendimento Mais 2004 eram, à data, apresentadas como um autêntico depósito a prazo, não sendo os clientes informados de quaisquer riscos inerentes à sua subscrição, desconhecendo sequer a sua emissão por entidade alheia ao banco. E o certo é que o autor da herança não dispunha de condições que lhe permitissem apreender a natureza e concretas condições do investimento efetuado, tanto mais que, como referi a testemunha Pedro Lacerda, não era uma pessoa letrada, situação agravada pelo facto de a subscrição não ter sido rodeada da prestação de informações minimamente esclarecedoras. Aliás, tais deficiências de informação radicaram na própria atitude dos funcionários do réu que, de harmonia com as orientações superiores que recebiam, apresentavam o produto em causa como um depósito a prazo. Acresce que se apurou que acatava as sugestões de investimento que lhe eram feitas pelos funcionários do réu, que estavam bem cientes que este recusava quaisquer investimentos arriscados, apenas aceitando fazer depósitos a prazo.

Em síntese, dir-se-á que a circunstância de o produto ser apresentado como um depósito a prazo, não poderá ter tido outro sentido senão o de cativar investidores não qualificados e sem preparação académica e financeira necessária para efetuar tais investimentos de forma esclarecida e responsável».

Permitindo, desse modo, perante tal revelação, em conclusão, firmar, pois, que:

1- Embora a comercialização de produto financeiro com informação de ter capital garantido responsabilize em primeira linha a entidade emitente do produto, não significa que essa responsabilidade não se estenda também ao intermediário financeiro, se no relacionamento contratual que desenvolve com o cliente, assumir, em nome desse relacionamento contratual, também, o reembolso do capital investido.

2- Assim, se havendo provado, no caso em apreço, o que se vem de referir, o banco é responsável pelas obrigações contratuais assumidas, como seja, o reembolso do capital investido nessa aquisição dos identificados activos financeiros.

3- Além desta responsabilidade contratual nos termos descritos existe também responsabilidade extra-contratual por parte do banco réu, em consequência da violação dos deveres não só do exercício da sua actividade de intermediário financeiro, nomeadamente os princípios orientadores consagrados no art. 304 do CVM, como sejam, não só os ditames da boa fé,  elevado padrão de diligência, lealdade e transparência , como também  da violação dos mais elementares deveres de informação a que aludem os art.s 7º nº1 e 312 nº1 ambos do CVM, fazendo, assim, incorrer o banco réu na responsabilidade, a que alude  o  art. 314 nº1 do CVM. Sendo certo, do mesmo modo, que o banco Réu não ilidiu a presunção legal de culpa do nº2 do citado art. 314,  constituindo-se por essa via, de igual maneira, na obrigação de indemnizar os danos causado aos  autores» (Cf. citado Ac. STJ de 10.01.2013, Proc. nº 89.10.4 TVPRT.P1.S1. Relator: Tavares de Paiva).

O que, neste condicionalismo, também, acarreta, inexoravelmente, resposta negativa para as questões em II.

III.

47.    Ainda que se censure a conduta do Banco Réu (o que não se concede), essa censura NUNCA poderá ser reconduzível a um dolo ou a uma culpa grave. De facto, lida e relida a matéria de facto, a sensação que fica é que nenhum dos funcionários envolvidos do Banco Réu sequer concebeu a possibilidade de estar a faltar ao dever de informação acerca da aplicação financeira e que, com essa falta, poderia estar a determinar o investimento do cliente num produto que este não quereria se estivesse devidamente informado.

48.    A ideia que perpassa é que os funcionários do Banco Réu estavam absolutamente convencidos da segurança do investimento e da adequação do mesmo ao perfil de investidor do decesso. Terá havido, portanto (e quando muito) uma indução do decesso em erro, sem que por parte dos funcionários do Banco Réu houvesse intenção ou consciência de o fazer - trata-se, portanto, de uma indução negligente em erro.

49.    Tal conduta apenas pode ser reconduzível à mais leve das formas de negligência - a negligência inconsciente. Esta graduação da culpa do intermediário financeiro tem particular interesse, sobretudo em sede da prescrição (art. 324º do CdVM).

Considerando aqui reproduzido o que se vem de explanar, mais se diga que, como elemento prodrómico de caracterização, aqui também em análise, não poder deixar de se convocar - como feito no Ac. STJ de 9.09.2014, Proc- nº 5146/10.4TBCSC.L1.S1, Relatora: MARIA CLARA SOTTOMAYOR -, que

«contratos de intermediação financeira são aqueles negócios jurídicos celebrados entre um intermediário financeiro e um cliente (investidor) relativos à prestação de actividades de intermediação financeira. Representam “contratos de empresa” na medida em que são quase exclusivamente celebrados por empresas constituídas sob a forma de instituições de crédito (art. 2.º do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, com as alterações subsequentes, designado por RGIC ou regime geral das instituições de crédito e sociedades financeiras), de empresas de investimento (art. 293.º, n.º 2 do CVM) e de sociedades gestoras de fundos de investimento mobiliário (art. 29.º do Decreto-Lei n.º 252/2003, de 17 de Outubro, agora revogado pelo Decreto-lei 63-A/2013, de 10 de Maio, designado por NRJOIC ou regime jurídico dos organismos de investimento colectivo).

Quanto aos respectivos sujeitos, estes contratos caracterizam-se por ser necessariamente concluídos, em regra, entre intermediários financeiros (art. 289.º, n.º 2 do CVM), sem prejuízo da sua representação por “agentes vinculados” em determinadas actividades (arts. 292.º, b), 294.º -A a 294.º-D do CVM) e da sua conclusão excepcional por outras pessoas singulares ou colectivas (“maxime”, as contempladas no art. 289.º, n.º3 do CVM) – e investidores ou clientes – os quais se podem agrupar grosso modo em duas grandes categorias, os investidores qualificados e não qualificados (art. 30.º do CVM) [Cf. Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, Almedina, Coimbra, 2009, pp. 575-576.].

Estes contratos têm por objecto imediato a prestação de serviços de intermediação, sendo por isso reconduzíveis, na sua maioria, ao mesmo “macrotipo negocial” (prestação de serviço) e profundamente tributários da disciplina geral da intermediação financeira (arts. 289.º e ss do CVM). Têm por objecto mediato, não apenas os tradicionais valores mobiliários (acções, obrigações, unidades de participação, direitos destacados, etc.), mas, genericamente, qualquer tipo de instrumento financeiro, incluindo ainda instrumentos monetários».

No caso dos autos - volte a se dizer -, foi consagrada a matéria de facto, na oportunidade, supra referida, mais se destacando, sob esta abrangência, que:

«7.4 - Certo é que se apurou que em outubro de 2004, o gerente da agência de  (...) do então B (…) abordou A (…), propondo-lhe uma aplicação igual a depósito a prazo, no montante de € 50.000,00, com capital e juros garantidos sem qualquer risco associado.

Mais se apurou que nunca foi lida documentação sobre tal produto, nem explicado ao subscritor as suas caraterísticas, sendo certo que os funcionários do réu conheciam o seu perfil conservador, assim como o se propósito de apenas constituir/investir em depósitos a prazo.

7.5 - Tal factualidade evidencia que, no que se reporta à subscrição dos produtos financeiros em causa, o autor da herança não foi cabalmente informado da sua natureza e caraterísticas, o que resultou da violação dos deveres de informação supra enunciados por parte dos funcionários do réu».

O que, necessariamente, também - face ao tipo de relação estabelecida inter-partes -, se haverá de acobertar na circunstância - também superiormente chancelada no Ac. STJ de 17.03.2016, Proc. nº 70/13.1TBSEI.C1.S1,Relatora: MARIA CLARA SOTTOMAYOR) -, respeitante a:

«uma modalidade de responsabilidade civil que se situa numa zona intermédia entre a responsabilidade contratual e a extracontratual, e que aqui qualificamos como responsabilidade contratual, aplicando-se em consequência o regime do art. 799.º do CC.

O art. 77.º, n.º 1 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras dispõe o seguinte:

«As instituições de crédito devem informar com clareza os clientes sobre a remuneração que oferecem pelo fundos recebidos e os elementos caracterizadores dos produtos oferecidos, bem como sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos a suportar pelos clientes».

A culpa na responsabilidade contratual presume-se, nos termos do art. 799.º do CC. Esta norma, segundo Menezes Cordeiro, contém uma dupla presunção de ilicitude e de culpa. «Perante a falta de cumprimento, presume-se que: o devedor não cumpriu, violando as normas jurídicas que mandam cumprir – ilicitude; o devedor incorre no correspondente juízo jurídico de censura – culpa”» (cf. Menezes Cordeiro, Direito Bancário, 5.ª Edição revista a atualizada, Almedina, Coimbra, 2014, pp. 431-432).

Na presença de um acordo entre o banqueiro e o seu cliente, a «falta do resultado normativamente prefigurado implica presunções de culpa, de ilicitude e de causalidade» (cf. Menezes Cordeiro, Direito Bancário, ob. cit., p. 432).

Assim, numa situação de tipo obrigacional, a mera falta de informação do beneficiário responsabiliza, automaticamente, o obrigado. O responsabilizado só se liberará se lograr provar que, afinal, prestou a informação ou se beneficiou de alguma causa de justificação ou de escusa (cf. Menezes Cordeiro, Direito Bancário, ob. cit., p. 433).

No domínio do direito bancário, a relação entre o Banco e o cliente é uma relação particular, em que as partes são levadas a confiar uma na outra. Sobretudo, o sujeito que se encontra na posição de cliente não profissional, e que não tem formação nem experiência na área financeira, baixa as suas defesas naturais por conferir à instituição bancária uma total competência para cuidar dos seus investimentos, depositando nela uma especial confiança, tornando-se, por isso, ainda mais vulnerável, sobretudo, se as primeiras aplicações produziram rendimentos e ele é assim induzido a confiar ainda mais no produto. Gera-se, assim, uma situação em que os envolvidos descuram a preocupação de obter informações, pelos seus próprios meios. Esta realidade humana deve ser tutelada pelo Direito e, por isso, se cria uma situação que dá azo a obrigações específicas de informar, a cargo do Banco, fruto de responsabilidade obrigacional, no caso de inobservância.

Estas questões começaram a progressivamente, a partir da crise de 2008, a fazer parte da produção jurisprudencial, devido ao aumento da atividade bancária e à consciencialização crescente, por parte dos pequenos clientes, dos seus direitos.

Valendo, deste modo, por insistir que o art. 304.º do CVM determina que os intermediários financeiros estão obrigados a orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado (n.º 1). Além disso, devem conformar a sua atividade aos ditames da boa fé, agindo de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência (n.º 2).

O art. 304.º-A, aditado ao CVM pelo DL n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro, dispõe o seguinte:

«1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.

2 – A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação».

O art. 312.º contém os princípios gerais ao nível dos deveres de informação.

«1 - O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes:

(…)

d) Aos instrumentos financeiros e às estratégias de investimento propostas;

e) Aos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar».

Nos termos do n.º 3 do art. 312.º,

«A circunstância de os elementos informativos serem inseridos na prestação de conselho, dado a qualquer título, ou em mensagem promocional ou publicitária não exime o intermediário financeiro da observância dos requisitos e do regime aplicáveis à informação em geral».

No caso concreto, estamos, como ficou claro, perante investidores não qualificados, devendo, portanto, a informação ser apresentada de modo a ser compreendida pelo destinatário médio e de modo a não ocultar ou subestimar elementos, declarações ou avisos importantes (art. 312.º - A, n.º 1, als. c) e d) do CVM), como será o caso do risco associado à operação, o que resulta também do art. 312.º-E, n.º 1 do mesmo Código, segundo o qual «O intermediário financeiro deve informar os investidores da natureza e dos riscos dos instrumentos financeiros, explicitando, com um grau suficiente de pormenorização, a natureza e os riscos do tipo de instrumento financeiro em causa» e referindo-se no n.º 2 aos elementos que a descrição dos riscos deve incluir.    

A informação deve ser prestada com a antecedência suficiente à vinculação a qualquer contrato de intermediação financeira ou, na pendência de uma relação de clientela, antes da prestação da atividade de intermediação financeira proposta ou solicitada (art. 312.º -B, n.º 1, do CVM)».

Neste sentido também se orientou - no que se persiste -, o Acórdão do Supremo Tribunal, de 10-01-2013, (proc. n.º 89/10.4TVPRT.P1.S1), relatado pelo Conselheiro Tavares de Paiva, segundo o qual «(…) trata-se de um quadro negocial, a que seguramente não é alheio todo o relacionamento contratual de confiança existente entre a autora (autores) e o banco Réu desenvolvido ao longo dos anos e que num contexto negocial do tipo do que vem provado, à própria luz do art. 236 nº 1 do CPC, não pode deixar de ser interpretado como um compromisso contratual por parte do banco réu para com a autora (autores) traduzido precisamente naquele compromisso de garantir o reembolso do capital que foi aplicado na aquisição dos identificados activos financeiros).

A confiança do cliente, investidor não qualificado, nestas informações, deve ser protegida pela ordem jurídica, sob pena de se minar o valor coletivo da segurança jurídica.

  Neste caso, sendo o prestador das informações um Banco, a questão da responsabilidade coloca-se com mais acuidade. O dador aparece, perante o destinatário, portador de qualidades específicas que o habilitam a fornecer tais informações e que induzem o mesmo destinatário a nelas fazer fé, pois o cliente presume uma competência e organização, uma profissionalização específica, que os bancos objetivamente possuem (Agostinho Cardoso Guedes, «A Responsabilidade do Banco por informações à luz do art. 485 do Código Civil», Revista de Direito e Economia, Ano XIV, 1988, pp. 138 e 139).

As modalidades de responsabilidade civil aqui em causa reconduzem-se, deste modo, pois, em específica dimensão, a responsabilidade civil pré-contratual ou culpa in contrahendo (art. 227.º do CC), porque, nos preliminares do contrato, o Banco informou o autor que estava garantido o retorno, e a responsabilidade civil contratual porque o Banco violou o compromisso assumido no acordo feito com o cliente (garantia de restituição do capital).

-

Segundo afirma a doutrina (cf. Agostinho Cardoso Guedes, ob. cit., pp. 147 e 148), «Sempre que alguém se dirige a um banco para com ele celebrar um contrato (um depósito bancário, um empréstimo, a compra de títulos da sociedade proprietária do banco, um desconto, um empréstimo hipotecário, depósito de títulos etc.) e se inicie uma actividade comum dos contraentes destinada à análise e elaboração do projecto de negócio não parece restar qualquer dúvida que qualquer dos contraentes fica imediatamente vinculado aos deveres resultantes do art. 227.º».

Não se podendo pressupor, pois, sequer, que não se verifica o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano – a perda do capital –, por se entender que a causa da desvalorização dos títulos é a crise financeira global de 2008 e não a informação enganosa…

O nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano causado ao autor (art. 563.º do CC) deve ser analisado através da demonstração, que decorre, por evidência, da matéria de facto, de que se tais deveres de informação tivessem sido cumpridos, os autores/recte, o decesso não teria investido naquela aplicação, mas noutra, que lhe garantisse um retorno seguro, condição para fazer o investimento. Tal como na presente situação, em análise, e, conforme se vem de apreciar - remissão feita para a matéria de facto considerada provada, subsumida aos normativos referidos -, em perfil abrangente de consumação e compatibilidade.

O que determina, inexoravelmente, resposta negativa para as questões em III.

IV.

50.    Parece-nos evidente e manifesto que o decesso conheceu os termos em que o negócio foi concluído, designadamente a inexistência de garantia de capital e juros e a subordinação da obrigação aquando da receção dos extratos bancários no seu domicílio, ou pelo menos em novembro de 2008, data da nacionalização do Recorrente! Não obstante, a ação apenas foi proposta em Setembro de 2018! E, portanto, já se encontrava prescrita qualquer putativa responsabilidade do Banco Réu!

Tal questão, aqui, nesta sede e geografia processual, se aprecia, a pretexto da sistemática utilizada nas próprias conclusões de recurso apresentadas, pois - inexoravelmente -, sempre haveria (haverá) de se perfilar a sua análise, em termos de objectiva pressuponência e postulação antecipatória!, e rigor processual determinante. Como quer que seja, para firmar que:

Em termos gerais, pode dizer-se que o prazo de prescrição começa a correr no momento em que o direito puder ser exercido. É o princípio que se contém na primeira parte do nº1 do art. 306º Código Civil - início do curso da prescrição) (Cf. L.A. Carvalho Fernandes, Teoria Geral, 1983, 2º-559).

Com este alcance, é fora de dúvida, que se mostra em sua conformidade o se haver, no caso concreto, em função da factualidade considerada assente por provada, apreciado adequadamente que:

«Nos termos do artigo 324°, n° 2, do Código dos Valores Mobiliários:

"Salvo dolo ou culpa grave, a responsabilidade do intermediário financeiro por negócios em que haja intervindo nessa qualidade, prescreve decorridos dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respetivos termos".

Para efeitos de apuramento do prazo prescricional, julgamos que, à partida o negócio deve considerar-se executado na data do vencimento/reembolso do capital. Efetivamente, em princípio é a partir dessa data que o investidor está em condições de exercer o seu direito, nos termos do disposto no artigo 306°, n° 1, CC.

Da factualidade apurada resulta que a data de vencimento do produto financeiro em questão era 25/10/2014.

Porém, afigura-se que ao réu deve ser atribuída uma culpa grave, quer no processo negocial apurado, quer na própria execução do contrato, por evidenciar a violação de forma grave e temerária das obrigações a que se encontrava vinculado, enquanto intermediário financeiro. A esse propósito, basta ter presente que o A (…), manifestamente investidor não qualificado, se vinculou contratualmente desconhecendo a racionalidade própria das obrigações subscritas, designadamente o risco de perdas financeiras que as mesmas envolviam, por não ter sido informado de tal risco. Consequentemente, haverá que concluir que o réu agiu com culpa grave, o que implica que não se considere o prazo prescricional de dois anos previsto no artigo 324°, n° 2, CVM, mas sim o prazo ordinário de 20 anos, consagrado no artigo 309°, CC. Reitera-se o já exposto quanto à omissão de informação relevante, que está na origem da anuência ao investimento em causa e quanto à análise de tal omissão à luz dos padrões consagrados nos artigos 304°, n° 2, e 312°, n° 2, CVM.

Assim, tal prazo prescricional não se mostrava decorrido quando o réu foi citado para a ação em 21 de setembro de 2018, pelo que o réu não demonstrou que o direito de que se arrogam os autores se encontra extinto por prescrição - cfr. artigo 342°, n° 2, CC».

Ou seja, sem poder deixar de considerar como inderrogável o direito de indemnização por responsabilidade contratual prescrever (apenas) no prazo de 20 anos, previsto no art. 309º do Código Civil (o prazo ordinário é de vinte anos); Ac. RL, de 21.1.1992: BMJ, 413º-605).

Na estrita conformidade a que (art. 306º - início do curso da prescrição), “(1.) o prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido; se, porém, o beneficiário da prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo tempo sobre a interpelação, só findo esse tempo se inicia o prazo da prescrição; (2.) a prescrição de direitos sujeitos a condição suspensiva ou termo inicial só começa depois de a condição se verificar ou o termo se vencer”, assim se delimitando horizonte de consideração, onde “o princípio geral é o de que o prazo só começa a correr quando o direito puder ser exercido. O início pode, porém, ter lugar depois da interpelação (havendo lugar a ela), se isso tiver sido estipulado, ou resultar da lei. O mesmo acontece, nos termos do n.º 2, se a prestação estiver sujeita a uma condição suspensiva ou a um termo inicial, só no momento da verificação da condição, ou do vencimento do termo, se começa a contar o prazo para a prescrição” (Cf. Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 1967, p.198.

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Em um outro referencial de convergência, mais se diga - em absoluto inarredável e, por isso, de persistência -, dispor o art. 324.º, n.º 2 do CVM que «salvo dolo ou culpa grave, a responsabilidade do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo nessa qualidade prescreve decorridos dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respetivos termos». Importando, pois, definir, para o efeito da aplicação desta norma, a partir de que momento se começa a contar o prazo de prescrição e o que se entende por dolo ou culpa grave como exceção que provoca a desaplicação do prazo curto previsto no CVM e o recurso ao prazo geral de prescrição de 20 anos consagrado no Código Civil para responsabilidade contratual.

O prazo de prescrição tem por fundamento a segurança jurídica do devedor e a penalização da negligência do credor, que não foi lesto na defesa dos seus interesses, criando expectativas no credor de que não exerceria o direito.

O ónus da prova do decurso do prazo prescricional impende sobre o réu, ao abrigo do disposto no n.º 2 do art. 342.º do CC.

Não resultando dos factos provados, recte «não havendo o Réu provado que o decesso teve conhecimento dos exactos termos e condições da aplicação, nas datas da subscrição, tal falta de prova só pode funcionar contra aquele que invocou o prazo da prescrição».

Ou, como adequadamente e com particular ênfase, ainda (e, mais uma vez), se refere na decisão, sobre o ponto:

«(…) assim, tal prazo prescricional não se mostrava decorrido quando o réu foi citado para a ação em 21 de setembro de 2018, pelo que o réu não demonstrou que o direito de que se arrogam os autores se encontra extinto por prescrição - cfr. artigo 342°, n° 2, CC».

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Nesta sede temática, volta, pois, a assumir perfil, a questão, no caso sub judice, de saber se nos encontramos perante uma atuação com dolo ou culpa grave do intermediário financeiro, em face da natureza particularmente intensa dos deveres legais de informação que sobre este impendem, nomeadamente, quanto aos riscos especiais nas operações a realizar e quanto à informação prévia a disponibilizar para permitir a tomada de uma decisão consciente.

Ora, para definir o que se entende por dolo ou culpa grave no domínio da exceção ao prazo curto de prescrição previsto no art. 324.º, n.º 2 do CVM, temos que ter em conta a ponderação de interesses inerente à norma; as características da relação entre o banco e o cliente – a confiança especial depositada por este na instituição bancária; e os deveres de informação, lealdade, cuidado com valores alheios e boa fé do Banco em relação ao cliente.

A graduação do grau de negligência (grave, leve e levíssima) terá de aferir-se pelo padrão de culpa consagrado no art. 304.º, n.º 2 do CVC, segundo o qual «nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência».

Esta norma consagra um padrão de culpa que transcende o critério fixado no n.º 2 do art. 487.º, n.º 2 do CC, que tem como referência uma pessoa média, mas consiste antes no sujeito diligentissimus, em virtude de serem exigíveis a estas instituições os cuidados especiais que só as pessoas muito prudentes observam (cf. Gonçalo André Castilho dos Santos, A responsabilidade civil do intermediário financeiro, Almedina, 2008, p. 201). Devem ter-se, também, em conta os deveres de informação previstos no art. 312.º, n.º 1 do CVM, relativamente ao período anterior à formação do contrato, destinados a garantir uma “tomada de decisão esclarecida e fundamentada” quanto aos “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”. Dispondo esta norma que a extensão da obrigação de informar será tanto maior quanto menor o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.

O Código de Valores Mobiliários contém inúmeras normas de proteção ao investidor não qualificado, impondo ao intermediário financeiro o dever de obter informações acerca dos conhecimentos e experiência do cliente, com o objetivo de possibilitar efetivamente a avaliação de que o “cliente compreende os riscos envolvidos”, para então formar seu juízo acerca da adequação do investimento para o cliente, informando-o em conformidade (art. 314.º). Salienta-se também a imposição de que as informações previstas no n.º 1 do art. 312.º sejam prestadas por escrito, imposição que se estende à advertência a efetuar ao cliente de que determinada operação não é adequada ao seu perfil (art. 314.º, n.º 2).

No caso presente, encontramo-nos - ainda -, «perante o recurso a técnicas de venda agressivas, mediante a utilização de informação enganosa ou ocultando informação, com o intuito de obter a anuência do cliente a determinados produtos de risco que nunca subscreveria se tivesse conhecimento de todas as características do produto, nomeadamente se soubesse que nem sequer o capital investido era garantido».

A qualificação da culpa do banco como grave constitui uma exceção ao prazo curto fixado no art. 324.º, n.º 2 do CVN, e remete-nos para o prazo geral de prescrição mais alargado (art. 309.º do CC), pelo que, também por este motivo, não prescreveu o direito do autor» (Cf. Ac. STJ de 17.03.2016, Proc. nº 70/13.1TBSEI.C1.S1, Relatora: MARIA CLARA SOTTOMAYOR).

A este respeito, e com esta vinculação, no caso dos Autos, em circunstância alguma se pode postergar a ênfase que a decisão não deixou de assinalar quanto, também a este pretexto, na orientação firmada. Daí que, na circunstância, se persista, nos termos expostos, estar perante uma situação de imputação de danos decorrente de, pelo menos, culpa grave do intermediário financeiro, no caso do Banco Réu, pelo que deixará de se aplicar o prazo prescricional de dois anos, antes de aplicando o prazo de geral de prescrição, mais alargado, pelo que sempre haveremos, igualmente, de concluir que não prescreveu o direito do decesso, por não ter decorrido o respectivo prazo prescricional.

Consequentemente, não pode deixar de ser julgada improcedente a excepção da prescrição invocada pelo Banco Réu.

Daí se configurar como negativa a resposta às questões em IV.

*

V.

51.    Não havendo declaração negocial, bem ou mal emitida, não pode haver obrigação jurídica - seja ela qualquer for - de fonte contratual, pelo que não pode, em qualquer circunstância, entender-se que o Banco assumiu uma obrigação de reembolso ou que a afiançou!

52.    Não estaria certamente na mente do Banco Recorrente prescindir do direito de ficar subrogado nos direitos do credor, por qualquer pagamento que porventura fizesse em prol do emitente das Obrigações, se tivesse assumido a dívida deste.

53.    Em lado algum invocam os AA. a existência de uma garantia e exige o cumprimento da mesma! Logo uma tal condenação sempre seria nula por violação do  disposto no art. 615º nº 1 alínea e) do CPC.

A este respeito - e perante tal tipo de argumentação -, haverá de se considerar, depois de tudo o que se deixou dito, e aqui se considera reproduzido, com o mesmo alcance, que as nulidades da sentença ou do acórdão sendo as taxativas ou tipologicamente enunciadas no art. 615º, nº 1 do NCPC (2013), as quais constituem um numerus clausus que não admite analogia ou interpretação extensiva, impõem considerar que a própria qualificação jurídica de um contrato, na perspectiva da definição do seu regime, é uma questão jurídico-normativa, consistente na tarefa de subsunção da factualidade convencionada entre as partes (Cf. Ac. STJ, de 12.3.2015, Proc. 52/2000:Sumários, 2015, p. 155).

Com este alcance, a própria e putativa existência de erro de julgamento, já antes ensaiada (de resto, não acontecida no caso!), não se confunde com qualquer tipo de contradição silogística entre os fundamentos e a decisão, esta sim, causa de nulidade da decisão (Cf. AC. STJ, de 15.4.2015, Proc. 267/2001: Sumários, 2015, p. 194).  Consequentemente, a discordância quanto ao direito aplicável ou o erro de julgamento não se incluem nas nulidades da decisão, cuja enunciação taxativa consta do art. 615º, do nº1 do NCPC (2013) (Cf. Ac. STJ, de 5.11.2015, Proc. Nº565/05, Sumários, 2015, p.651).

É certo que, não podendo o juiz conhecer de causas de pedir não invocadas, nem de exceções não deduzidas na exclusiva disponibilidade das partes (art. 608-2), é nula a sentença em que o faça. É também nula a sentença que, violando o princípio do dispositivo na vertente relativa à conformação objetiva da instância, não observe os limites impostos pelo art. 609-1, condenando ou absolvendo em quantidade superior ao pedido ou em objeto diverso do pedido (Cf. José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 3ª Edição, 2014, p. 737).

Tal, no entanto, pelas razões indicadas, não acontece circunstancialmente!

Em todo o caso, sempre, sem que se possa olvidar que o objecto da acção, considerando o princípio da substanciação, é definido pelo pedido e pela causa de pedir, sendo que este objecto encerra, ele próprio, os limites da sentença, nos termos do art. 661º CPC (609º NCPC – limites da condenação), que se não mostram ultrapassados. Com efeito, “não basta que haja coincidência ou identidade entre o pedido e o julgado; é necessário, além disso, que haja identidade entre a causa de pedir (causa petendi) e a causa de julgar (causa judicandi)” (Alberto dos Reis, CPC anotado, 3º-353) - Vide, sobre o preceito, Vaz Serra, RLJ, 109º-308, e Antunes Varela, RLJ, 122º-233 e ss.). O que, do mesmo modo, não sai postergado.

É, por isso, negativa a resposta às questões em V.

*

*

Podendo, deste modo, concluir-se, sumariando (art. 663º, nº 7, NCPC), que:

1.

O prazo de prescrição tem por fundamento a segurança jurídica do devedor e a penalização da negligência do credor, que não foi lesto na defesa dos seus interesses, criando expectativas no credor de que não exerceria o direito. O ónus da prova do decurso do prazo prescricional impende sobre o réu, ao abrigo do disposto no n.º 2 do art. 342.º do CC. Não resultando dos factos provados, recte, «não havendo o Réu provado que os Autores tiveram conhecimento dos exactos termos e condições da aplicação nas datas da subscrição, tal falta de prova só pode funcionar contra aquele que invocou o prazo da prescrição».

2.

No caso presente, encontramo-nos - ainda -, «perante o recurso a técnicas de venda agressivas, mediante a utilização de informação enganosa ou ocultando informação, com o intuito de obter a anuência do cliente a determinados produtos de risco que nunca subscreveria se tivesse conhecimento de todas as características do produto, nomeadamente se soubesse que nem sequer o capital investido era garantido». A qualificação da culpa do banco como grave constitui uma exceção ao prazo curto fixado no art. 324.º, n.º 2 do CVN, e remete-nos para o prazo geral de prescrição mais alargado (art. 309.º do CC), pelo que também por este motivo não prescreveu o direito do autor».

-

3.

Só a falta absoluta de fundamentação - que, aqui não acontece -, constitui o fundamento de nulidade a que se reporta a al, b) do n.º 1 do art. 668.º do CPC (615º NCPC); e as questões a que se reporta a sua al. d) são os pontos de facto e ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções. O que a decisão não deixou de abordar.

-

4.

Não bastará uma qualquer divergência na apreciação e valoração da prova para determinar a procedência da impugnação, sendo necessário constatar um erro de julgamento, circunstancialmente não acontecido. E assim o é em atenção ao entendimento da efectiva garantia do duplo grau de jurisdição em matéria de facto (consignado no art. 662° do NCPC). Consequentemente, alinhados e aferidos os elementos de prova com interesse para o esclarecimento do caso, na relação intra-diegética dos Autos e no binómio verdade material/verdade real intra-processual, impõe-se, a tal pretexto, em decorrência do que se apreciou, validar a decisão relativamente às respostas consubstanciadas nos pontos em causa que vêm questionados.

-

5.

Em função dos princípios norteadores da actividade dos intermediários financeiros, consagrados no art. 304 do CVM, que constituem verdadeiros deveres gerais de conduta dos intermediários financeiros, neles incluindo obviamente os deveres de informação, trata-se, circunstancialmente, de um quadro negocial, a que seguramente não é alheio todo o relacionamento contratual de confiança existente entre os Autores e o banco Réu, desenvolvido ao longo dos anos e que, num contexto negocial do tipo do que vem provado, à própria luz do art. 236 nº 1 do CPC, não pode deixar de ser interpretado como um compromisso contratual, por parte do banco réu para com os autores/recte, o decesso, traduzido, precisamente, naquele compromisso de garantir o reembolso do capital que foi aplicado na aquisição dos identificados activos financeiros.

6.

   No caso dos autos, foi com base na “informação de capital garantido” que os Autores/o decesso deram o seu acordo na aquisição dos mencionados títulos, sendo certo que, sem essa informação, aquele decesso dificilmente daria o seu acordo na aquisição dos identificados activos financeiros.

7.

Estamos, aqui, sem dúvida, no domínio da responsabilidade contratual feito em nome do relacionamento anterior de clientela existente entre os autores e o banco Réu e nessa perpectiva o banco réu tem assumir contratualmente o reembolso do capital investido (cfr. art. 798 e segs. do C. Civil). Muito embora a comercialização de produto financeiro com informação de ter capital garantido responsabilize em primeira linha a entidade emitente do produto, não significa que essa responsabilidade não se estenda também ao intermediário financeiro.

8.

Esta realidade negocial configura também o exercício por banda do banco Réu o exercício de intermediação financeira, só que a sua execução violou de forma ostensiva os mais elementares princípios orientadores dessa actividade consagrados no citado art. 304  do CVM, como sejam os ditames da boa fé,  exigentes padrões de diligência , lealdade e transparência, os  deveres de informação a que estava adstrito por força do relacionamento contratual existente os referenciados no art. 312 nº1 do CVM  e nessa medida incorreu também na responsabilidade, a que alude o citado art. 314 nº1 do CVM, ao estatuir expressamente que  “os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitante ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.

9.

Neste particular, o art. 304 nº2 do CVM introduziu um novo padrão de aferição da culpa que transcende na sua exigência, o do bom pai de família constante do art. 487 nº2 do CC ex vi do art. 799 nº2 do C Civil, já que, nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência. O art. 304º, nº2 estabelece, com efeito, um padrão de diligentíssimus pater famílias, em que, para efeitos de definição da forma de conduta negligente, estão em causa os cuidados especiais que só as pessoas muito prudentes observam”. Sendo o citado art. 312 nº1 do CVM, no que concerne à observação pelo intermediário financeiro explícito quanto aos deveres de informação a observar. O que está subjacente a tão exaustivo elenco de deveres informativos é a protecção dos investidores.

10.

As modalidades de responsabilidade civil, aqui em causa, são, assim, tudo visto, abrangentes da própria responsabilidade civil pré-contratual ou culpa in contrahendo (art. 227.º do CC), porque nos preliminares do contrato o Banco informou o autor que estava garantido o retorno, e a responsabilidade civil contratual porque o Banco violou o compromisso assumido no acordo feito com o cliente (garantia de restituição do capital), violando os deveres de boa fé (art. 762.º do CC).

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Em conclusão, pois:

1- Embora a comercialização de produto financeiro com informação de ter capital garantido responsabilize em primeira linha a entidade emitente do produto, não significa que essa responsabilidade não se estenda também ao intermediário financeiro, se no relacionamento contratual que desenvolve com o cliente, assumir, em nome desse relacionamento contratual, também,  o reembolso do capital investido.

2- Assim, se havendo provado, no caso em apreço, como se vem de referir, o banco é responsável pelas obrigações contratuais assumidas, como seja, o reembolso do capital investido nessa aquisição dos identificados activos financeiros.

3- Além desta responsabilidade contratual nos termos descritos existe também responsabilidade extra-contratual por parte do banco réu, em consequência da violação dos deveres não só do exercício da sua actividade de intermediário financeiro, nomeadamente os princípios orientadores consagrados no art. 304 do CVM, como sejam os ditames da boa fé,  elevado padrão de diligência, lealdade e transparência , como também  da violação dos mais elementares deveres de informação a que aludem os art.s 7º nº1 e 312 nº1 ambos do CVM, fazendo, assim, incorrer o banco réu na responsabilidade, a que alude  o  art. 314 nº1 do CVM , sendo certo também que o banco Réu não ilidiu a presunção legal de culpa do  nº2 do citado art. 314,  constituindo-se por essa via também na obrigação de indemnizar os danos causado aos  autores».

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III. A Decisão:

Pelas razões expostas, nega-se provimento ao recurso interposto, confirmando-se a decisão proferida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 UC.

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Coimbra,   17 de Março de 2020.

António Carvalho Martins ( Relator)

Carlos Moreira

Moreira do Carmo