Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
36/10.3PTCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FREDERICO CEBOLA
Descritores: PRISÃO SUBSIDIÁRIA
NOTIFICAÇÃO VIA POSTAL SIMPLES
TERMO DE IDENTIDADE E RESIDÊNCIA
Data do Acordão: 05/15/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 2.º JUÍZO CRIMINAL DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMAÇÃO
Legislação Nacional: ARTIGO 49.º DO CP; ARTIGOS 113.º, N.º 1, AL. C) E 196.º, DO CPP
Sumário: A lei processual penal não impossibilita, antes permite, a notificação ao condenado, de despacho que, nos termos do disposto no artigo 49.º, n.ºs 1 e 4, do CP, determina o cumprimento, pelo mesmo, de prisão subsidiária, por via postal simples, na morada indicada no TIR.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

No processo n.º 36/10.3PTCBR do 2º Juízo Criminal de Coimbra, veio o arguido A... interpor recurso do despacho de 21/01/2013 (fls. 171 a 173), em que o Tribunal determinou que o condenado cumprisse a pena de prisão subsidiária, por não ter dado cumprimento à condição de suspensão da sua execução, e ordenou a sua notificação, com cópia desse despacho, para a morada constante do TIR, por entender que ao caso se aplicava o acórdão de fixação de jurisprudência n.º 6/2010, em tudo semelhante ao caso em apreço, publicado no DR, 1ª Série, nº 99, de 21/05/2010.

E para tal o recorrente apresentou as seguintes conclusões:

«•  A pena de multa a que o arguido fora condenado foi convertida em 34 dias de prisão subsidiária.

No despacho do tribunal “a quo” que converte a pena de multa, ordena-se ainda a notificação do aqui recorrente para a morada constante do T.I.R. prestado no momento da sua constituição como arguido.

Tal ordem de notificação teve por base a orientação jurisprudencial plasmada no Ac. Uniformizador de Jurisprudência nº 6/2010 (que decidiu apenas sobre os casos de suspensão da execução da pena de prisão), não coincidente nem aplicável ao caso em apreço.

A decisão condenatória de pena de multa está, há muito, transitada em julgado, pelo que nos termos da al. e) do nº1 do art. 214º do CPP tal T.I.R. prestado extinguiu-se.

Não se pode considerar que o arguido seja regularmente notificado para a morada daí constante, pois, o mesmo tem, extinto aquele TIR, de ser notificado pessoalmente da conversão da pena de multa em prisão subsidiária.

A situação “in casu” é diferente da questão constante do referido acórdão: enquanto que no caso “sub judice” está em causa a notificação ao arguido de despacho que converte a pena de multa em prisão subsidiária, naquele estava em causa despacho que revogava a suspensão da execução da pena de prisão, partindo do pressuposto que naqueles casos de suspensão (e não no presente) se mantêm as obrigações decorrentes do TIR.

Ora, extinto o T.I.R. e afastado tal acórdão, fica o arguido desobrigado das obrigações dele decorrentes, pelo que outra notificação que não a pessoal não constitui meio idóneo para a notificação do arguido.

Uma vez que a decisão de conversão da pena de multa diz respeito à sentença, a mesma deve ser pessoalmente notificada ao arguido, de modo a assegurar o contraditório do mesmo.

Foram violados os arts. 113º, nº 9, 214º, nº 1, al. e) e art. 61º, nº 1, al. b), todos do Código de Processo Penal e art. 32º da Constituição da República Portuguesa.

Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via do mesmo, declarar-se a nulidade da parte do despacho que ordena a notificação do arguido para o TIR após o trânsito em julgado da decisão, substituindo-se por outro que ordene a notificação pessoal do arguido relativamente à conversão da pena de multa em prisão subsidiária, para os efeitos e prazos daí decorrentes.»

O Ministério Público apresentou resposta ao recurso interposto, concluindo:

«1 - Ao contrário do que alega o arguido, o despacho recorrido não procedeu à conversão em prisão subsidiária da multa fixada na sentença condenatória, nos termos do disposto no art.º 49º, nº 1, do CP, tendo sido tal conversão operada em anterior despacho;

2 - O despacho recorrido - que, em obediência ao disposto no art.º 49º, nºs 3 e 4, do mesmo diploma lega, ordenou o cumprimento da prisão subsidiária, revogando a suspensão da sua execução, por incumprimento culposo da condição da suspensão dessa execução - foi regularmente notificado ao arguido, atendendo a que tal notificação lhe foi feita por via postal simples, com prova de depósito, para a morada por si indicada para esse efeito e constante do termo de identidade e residência prestado e através do seu Ilustre Defensor.

3  - Os fundamentos invocados no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº
6/2010, de 21-05-2010 - que fixou jurisprudência obrigatória - têm aqui aplicação, pois o
termo de identidade e residência está condicionado à existência da qualidade de arguido,
a qual, de acordo com o disposto no art.º 57º, nº 2 do CPP, se
conserva durante todo o
processo, decorrendo daí que o arguido se encontra vinculado,
até ao final do processo,
às obrigações decorrentes do termo de identidade e residência prestado nos autos.

4  - Pelo exposto, tem de concluir-se que o douto despacho recorrido não violou
quaisquer disposições legais - designadamente os artºs 113º, nº 9, 214º, nº 1, al. e) e
61º, nº 1, al. b), todos do CPP e o art.º 32º, da CRP - e não merece qualquer reparo,
devendo ser mantido.

Termos em que, deverão Vas Exas. negar provimento ao recurso, mantendo o douto despacho recorrido, assim se fazendo JUSTIÇA.»

O recurso foi admitido por despacho de fls. 192.

Neste Tribunal da Relação o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu o douto parecer de fls. 199/199 verso, no sentido da improcedência do recurso.

Cumprido o n.º 2 do art.º 417.º do Código de Processo penal, não foi apresentada resposta.

Efectuado o exame preliminar determinou-se que, ao abrigo do disposto no art.º 419.º, n.º 3, al. b), do Código de Processo Penal, o recurso fosse julgado em conferência.

Colhidos os vistos legais e tendo os autos ido à conferência cumpre apreciar e decidir.


II – Fundamentação

Conforme pacificamente é entendido, o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam as de nulidade da sentença (art.º 379.º, n.º 2, do Código de Processo Penal) e dos vícios previstos no art.º 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal – v. art.º 412.º, n.º 1, do mesmo Código, e a jurisprudência fixada pelo acórdão do Plenário da Secção Criminal do STJ n.º 7/95, de 19/10/1995, publicado in D.R. I-A Série de 28.12.1995 e, ainda, entre outros, acórdão do STJ de 13.05.1998, em BMJ n.º 477, pág. 263; acórdão do STJ de 25.06.1998, em BMJ n.º 478, pág. 242; acórdão do STJ de 03.02.1999, em BMJ n.º 484, pág. 271; e Simas Santos/ Leal-Henriques, in “Recurso em Processo Penal”, a pág. 48.
Tendo presente as conclusões do recorrente, a questão a apreciar por este Tribunal consiste em saber se a notificação ao arguido do despacho que ordenou o cumprimento da prisão subsidiária, revogando a suspensão da sua execução, deve ser feita pessoalmente, ou se basta a notificação para a residência constante no TIR.

O despacho recorrido é do seguinte teor:

«Como se extrai pela consulta dos autos, por despacho de 19.01.2012 foi decidido suspender a pena de prisão subsidiária (50 dias) que o arguido A... deveria cumprir (por força do disposto no art.49º nº1 do C.P.) com a condição de o arguido prestar 50 horas de trabalho comunitário.

Sucede que, volvido todo este tempo, o arguido não cumpriu integralmente a condição que lhe foi imposta.

Por diversas vezes se alheou do processo mantendo uma atitude de “...não adesão” - cfr. informação da DGRS de fls. 164.

Sob a epígrafe “Conversão da multa não paga em prisão subsidiária” dispõe o artigo 49.º do Código Penal:

1 - Se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, ainda que o crime não fosse punível com prisão, não se aplicando, para o efeito, o limite mínimo dos dias de prisão constante do n.º 1 do artigo 41.º.

2 - O condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado.

3-Se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de 1 a 3 anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro. Se os deveres ou as regras de conduta não forem cumpridos, executa-se a prisão subsidiária: se o forem, a pena é declarada extinta.

4 - O disposto nos n.os 1 e 2 é correspondentemente aplicável ao caso em que o condenado culposamente não cumpra os dias de trabalho pelos quais, a seu pedido, a multa foi substituída. Se o incumprimento lhe não for imputável, é correspondentemente aplicável o disposto no número anterior.

Sendo aqueles os factos e este o direito, verificamos estarem preenchidos todos os pressupostos legais de que depende a aplicação da norma.

Com efeito o arguido não cumpriu integralmente os deveres que lhe foram impostos (in casu serviço comunitário).

Como assim, e nos termos do disposto no artigo 49º nº1 e 3 do Código Penal determino que o condenado cumpra a pena de 34 dias de prisão subsidiária à pena de multa que lhe foi imposta nos presentes (34 = 50 dias de prisão subsidiária com o desconto de 16 horas de trabalho prestado).

Notifique o arguido para a morada constante do T.I.R. (com cópia do presente despacho) e a sua I. Mandatária/Defensora - a respeito da notificação ao arguido e defensor seguimos aqui a orientação plasmada no douto Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 6/2010, em situação em tudo idêntica à dos autos.

Após trânsito em julgado do presente despacho, caso o arguido persista no não cumprimento da pena e nada diga a tal respeito, emita os competentes mandados para cumprimento da pena com a menção expressa a que alude o nº2 do art. 49º Código Penal e o art. 491º A do CPP e com a indicação de que por cada dia ou /ração em que o/a arguido/a estiver detido/a dever-se-á descontar na pena de multa a quantia correspondente a 9 euros- cfr. art. 491ºA, 49ºe 80ºdo C.P.P.»

Apreciando.

Ao contrário do referido pelo recorrente, não está em causa a conversão da multa em prisão subsidiária, na medida em que esta questão foi abordada num outro despacho, o de fls. 117 a 119, o que efectivamente se coloca em apreço neste recurso e é essa a questão que tem que ser abordada, é a de fls. 171 a 173, ou seja, a de saber se o conteúdo do despacho que determinou o cumprimento da prisão subsidiária deve ser notificado pessoalmente ao arguido como parece entender o recorrente, ou se pelo contrário tem aplicabilidade ao caso a doutrina fixada no Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 6/2010, publicado no DR, 1ª Série, nº 99, de 21/05/2010.

Temos para nós que a situação factual em apreço se enquadra na doutrina defendida no Acórdão de Fixação de Jurisprudência já citado, na medida em que como é dito, e bem, nesse acórdão o TIR é “uma medida de coacção enquanto fonte de restrições à liberdade do arguido, ao desaparecer enquanto medida de coacção com o trânsito em julgado da condenação, o que desaparecem são aquelas restrições à liberdade, mas não necessariamente o resto; a partir do momento em que alguém assumiu a condição de arguido, enquanto ela se mantiver (como arguido indiciado,

acusado, pronunciado ou condenado), ou seja até ao fim do processo (15), ele sabe que as notificações serão para a última morada que indicou exactamente com esse propósito; daí ser perfeitamente possível sustentar que a última morada (não modificada) constante do TIR, continua a ser aquela para onde deve ser notificado, mesmo que, aquilo que de medida de coação existia no TIR, se tivesse extinto; e porque a revogação da suspensão da execução da pena se integra ainda, apesar de tudo, num procedimento de notificação da sentença, é para aí que o arguido deve ser notificado e por via postal simples»”, pois só assim se compreende o teor do decidido nesse Acórdão de Fixação de Jurisprudência.

                Aliás, no caso em apreço não se vislumbra qualquer despacho onde se diga expressamente que os efeitos do TIR deixaram de existir.

                Se é verdade que o art.º 214.º, nº 1, al. a), do Código de Processo Penal refere que o TIR se extingue após o trânsito em julgado, não é menos verdade que a leitura deve ser no sentido que se extingue como uma fonte de restrições à liberdade.

Aliás, temos para nós no seguimento do defendido pelo Exmo. Procurador – Geral Adjunto, no seu parecer de fls. 199, que as recentes alterações ao Código de Processo Penal vêm fixar de forma que nos parece seguidora a doutrina do Acórdão de Fixação de Jurisprudência, no que concerne à notificação da revogação da suspensão da execução da pena.

Ora, no caso dos autos o arguido foi notificado do despacho de fls. 117 a 119, onde se estipulou a suspensão da pena de prisão subsidiária com a condição de o mesmo cumprir 50 horas de trabalho a favor da comunidade na Junta de Freguesia de Arcos, conforme plano delineado no relatório da DGRS, de fls. 99 a 102.

E, posteriormente, face ao incumprimento deste despacho foi proferido um novo, de fls. 171 a 173, de onde se recorre, que revogou a suspensão.

Assim sendo, dúvidas não existem quanto a nós de que a doutrina fixada no Acórdão de Fixação de Jurisprudência já citado se aplica ao caso, razão pela qual não vemos que o despacho recorrido tenha violado qualquer norma legal, designadamente quando ordena a notificação do arguido para a morada constante do TIR, referindo, e bem quanto a nós, que a situação era em tudo idêntica à do Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 6/2010.


III – Decisão

Nos termos expostos, julga-se improcedente o recurso ora interposto mantendo-se a decisão recorrida.

Custas pelo requerente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC’s.

Frederico João Lopes Cebola (Relator)

Jorge Jacob