Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
113/12.6GBALD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ELISA SALES
Descritores: CONVERSÃO DA PENA DE MULTA EM PRISÃO SUBSIDIÁRIA
NOTIFICAÇÃO PESSOAL DO CONDENADO
SUBSTITUIÇÃO DA PENA DE MULTA POR PTFC
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PRISÃO SUBSIDIÁRIA
Data do Acordão: 06/29/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: GUARDA (ALMEIDA – INST. LOCAL – SEC. COMP. GEN. – J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA, PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ART. 49.º, N.ºS 1 E 3, DO CP; ART. 113.º, N.º 10, 2.ª PARTE, DO CPP
Sumário: I - Não é exigível a notificação pessoal do condenado e, bem assim, a sua audição pessoal, para se pronunciar sobre a possibilidade da conversão da pena de multa em prisão subsidiária.

II - Por força do disposto no n.º 1 do artigo 49.º do CP, a substituição da pena (principal) de multa por prestação de trabalho a favor da comunidade é, necessariamente, prévia à conversão daquela pena em prisão subsidiária.

III - Nos termos e para os efeitos previstos no n.º 3 do artigo 49.º do CP, releva a situação do condenado à data da imposição da prisão subsidiária.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I - RELATÓRIO

A... , arguido nos autos, veio interpor recurso da decisão proferida, em 18-2-2016, que converteu a pena de multa que lhe foi aplicada em 93 dias de prisão subsidiária.

A razão da sua discordância encontra‑se expressa nas conclusões da motivação de recurso onde se refere que:

1. O Recorrente viu, por força da Decisão que antecede, convertida a pena de multa que lhe foi aplicada (Sentença transitada) em 93 dias de prisão subsidiária; É desta decisão que apresenta recurso;

2. No caso presente: -o arguido não efectuou o pagamento da multa em que foi condenado, mas -requereu a sua substituição por dias de trabalho, bem assim, -são conhecidos bens susceptíveis de penhora; -a capacidade económica actual do Arguido não é de molde ao pagamento da multa em que foi condenado;

3. Salvo o devido respeito, estando em causa a liberdade, antes de ser proferida decisão que a retire por via da substituição de pena não detentiva por pena detentiva, deve o visado ser informado para se poder pronunciar sobre essa possibilidade, querendo ­notificação, que tem que ser por contacto pessoal - bem assim, deve o visado pronunciar-se pessoalmente sobre essa possibilidade,

4. Não tendo sido feita esta notificação por contacto pessoal, nem o Arguido ouvido pessoalmente sobre a dita possibilidade: formalidade essencial, cuja violação gera nulidade, de conhecimento oficioso, nos termos do art. 119º, al. c), do C.P.P., por violação do art. 61º, n.º 1, al. b) do mesmo Diploma.

5. Destarte, deve ser revogada/a Decisão/despacho recorrido, devendo ser substituída/o por outra/o que, previamente à conversão da pena de multa em prisão subsidiária, determine a notificação do arguido por contacto pessoal para se pronunciar pessoalmente em Juízo.

6. No caso dos Autos não foi efectuada a ponderação sobre a possibilidade da cobrança coerciva, destarte: violação do disposto no art. 49º, n.º 1 do Código Penal; é que, opinião comum, este normativo legal não impõe que se intente efectivamente uma tal cobrança coerciva, antes apenas demanda que se aquilate de tal viabilidade. O que, salvo melhor opinião, não foi feito pelo Tribunal a quo: pelo contrário, o que vem consignado na Decisão ora em crise, outrossim, salvo melhor opinião, é que o Arguido "deixou claro nos autos que só não pagou por sua exclusiva vontade"; "no ano em que foi condenado, apresentou rendimentos de € 63.289,30 (sessenta e três mil euros, duzentos e oitenta e nove euros e trinta cêntimos), em muito superiores à média de qualquer português e que são incompatíveis com uma situação económica precária"; "o arguido tem registado, em seu nome, um automóvel “Fiat Punto”, de 1994, com várias penhoras" - cf. a Decisão ora em crise;

7. O arguido está desempregado; não recebe qualquer subsídio social; foi vítima de um grave acidente de viação, e apenas agora foi considerado apto para o trabalho; face ao exposto não paga por razões que não lhe podem ser imputáveis, requerendo que lhe seja deferido a substituição da multa por trabalho a favor da comunidade;

8. ora, se os elementos constantes dos autos permitirem concluir que os seus proventos económicos não são suficientes para o pagamento da multa, não deve o condenado ver-lhe negada a suspensão da execução da prisão subsidiária, prevista no n.º 3, do referido artigo 49º.

9. E, para o efeito o que interessa é a situação que o arguido mantém na época em que se lhe impõe a prisão subsidiária, pois só a sua capacidade económica nesta altura releva para a suspensão da execução da prisão subsidiária.

10. O Arguido, de há meses a esta parte, desespera com a sua situação económica e financeira; a prisão subsidiária de multa não paga, considerando as consequências jurídicas do crime, implica problemas de constitucionalidade (adequação, proporcionalidade, sob pena de prisão por dívidas), salvo melhor opinião;

11. Pelo que é ilegal a conversão em prisão subsidiária da multa, mostrando-se violado o disposto no artigo 49.º do Código Penal.

Termos em que e nos demais de Direito deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogada a Decisão recorrida, com as legais consequências.


*

Respondeu a Magistrada do MºP° junto do tribunal recorrido, defendendo a improcedência do recurso, rematando a sua resposta nos seguintes termos:

“ 1. O arguido A... recorreu do douto despacho que converteu a pena de multa aplicada em sentença em 93 dias de prisão subsidiária;

2. Face à postura do arguido nas duas vezes que solicitou a prestação de trabalho a favor da comunidade, sendo que nessas duas ocasiões, se remeteu ao silêncio após solicitação do Tribunal para esclarecimentos, não pode o Tribunal ter qualquer certeza ou garantia de que essa seja a verdadeira vontade e determinação do arguido, pelo contrário, fica-se com a ideia, de que os seus requerimentos (seguidos de silêncio) são mais um meio de protelar a execução da sanção penal que lhe foi aplicada;

3. O artigo 49º do Código Penal não faz depender a aplicação da prisão subsidiária da instauração de processo executivo, mas da impossibilidade de obter o pagamento coercivo que abrange tanto os casos em que se instaurou a execução e através dela não se conseguiu obter o pagamento da multa como aqueles em que a impossibilidade de pagamento coercivo resulta “ab initio”, ou seja, por não existirem bens que permitam pelo menos tentar obter o pagamento - não ocorreu nenhuma violação do disposto no artigo 49.º n.º 1 do Código Penal;

4. A pena de prisão subsidiária constitui uma verdadeira pena de constrangimento na medida em que o condenado pode a todo o tempo evitar a execução da pena de prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa em que foi condenado, não se exigindo a audição presencial do arguido, e, no caso em apreço foi observado o contraditório, o arguido pronunciou-se por escrito, pelo que se entende não ocorre a invocada violação do disposto no artigo 61.º b) do CPP;

5. O arguido não só não demonstrou que não foi por culpa sua que não liquidou o montante da pena de multa, como deixou claro nos autos que só não pagou por sua exclusiva vontade, prosseguindo com os mais variados expedientes para se furtar ao cumprimento, pelo que, não restava ao Tribunal a quo outra solução que não converter a pena de multa em que o arguido foi condenado, de 140 dias, em 93 dias de prisão subsidiária;

6. Em consequência do exposto, verifica-se que o Tribunal a quo não errou na interpretação de qualquer uma das normas legais referidas na motivação do recurso.”

Nesta instância também o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, acompanhando a resposta apresentada pela Exmª MMP na Instância Local de Almeida.

Cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 417º do CPP, o arguido não respondeu.

Os autos tiveram os vistos legais.


***

II- FUNDAMENTAÇÃO

Consta do despacho recorrido (por transcrição):

“Por sentença proferida a 18 de abril de 2013, no âmbito de processo sumaríssimo, foi o arguido condenado, pela prática de um crime de desobediência qualificada, previsto e punível nos termos do disposto nas disposições conjugadas nos artigos 348.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, ex vi artigos 138.º, n.º2 e 147.º do Código da Estrada, na pena de 140 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, no montante global de €840,00 (folhas 80 a 82).

Em 23 de abril de 2013, foi o arguido notificado para liquidar o valor das custas e da multa penal em que foi condenado (folhas 90 e 93).

Não tendo liquidado o valor da multa no prazo legal que lhe foi concedido, o arguido, por intermédio do seu defensor, em 20 de novembro de 2013, veio requerer a substituição da pena de multa por trabalho a favor da comunidade (folhas 126).

Em 29 de novembro de 2013, foi o arguido notificado para vir indicar as suas habilitações literárias, a sua situação familiar e profissional e o tempo disponível, de modo a poder ser ponderada a referida substituição (folhas 138).

Notificado deste despacho, o arguido nada veio dizer, tendo-lhe sido indeferida a sua pretensão em 15-01-2014 (a folhas 134).

Em consequência, por duas vezes foram expedidas notificações a insistir que o arguido pagasse a multa em que foi condenado (uma 06-05-2014, folhas 138, e outra em 12-06-2014, folhas 140).

Em 19 de junho de 2014, o arguido veio requerer que, mercê da atividade de vigilante que exerce, não fosse a condenação transcrita para o seu registo criminal (folhas 151), o que lhe foi indeferido (folhas 176 e seguintes).

Com data de 17-10-2014, foi o arguido mais uma vez notificado para liquidar a multa, desta feita com a advertência expressa que se nada pagasse aquela poderia ser convertida em dias de prisão (folhas 180).

Após, o arguido veio requerer o pagamento em prestações, o que fez em 24 de outubro de 2014 (folhas 184).

O pagamento em prestações foi-lhe deferido em seis vezes (folhas 187), não tendo o arguido pago nenhuma delas.

Quando confrontado pelo tribunal para justificar os motivos do não pagamento, o arguido veio alegar que não tinha possibilidades económicas de liquidar o valor da prestação em dívida (folhas 203 e seguintes), juntando uma declaração da Segurança Social de 2015, da qual resulta que, nesse ano, não auferia qualquer quantia de pensão, subsídio, complemento ou prestação pelo Instituto da Segurança Social, I.P. e, ainda, um atestado da Junta de Freguesia de Atouguia da Baleia, na qual se atestava que o arguido estava desempregado em 24 de março de 2015 e que não possui rendimentos próprios.

Em 27 de maio de 2015, as prestações foram declaradas vencidas e, em 16 de junho de 2015, o arguido foi novamente notificado para liquidar a pena multa (folhas 214 e 218).

Em face desta nova notificação, veio o arguido requerer a substituição da pena de multa, mais uma vez, por trabalho a favor da comunidade. Este requerimento deu entrada em 24-06-2015 (folhas 220 e seguintes).

Numa “derradeira oportunidade” concedida ao arguido (a folhas 223), a DGRSP – que fora notificada para providenciar pela elaboração de um plano de execução do trabalho – veio juntar (a folhas 231) documento – de autoria desconhecida – onde se fazia constar que o arguido tinha sofrido um acidente de viação em 22 de outubro de 2014 e que estaria com incapacidade absoluta desde 07 de maio de 2015. Esta informação foi junta aos autos em 10 de setembro de 2015.

Perante esta informação, foi o arguido notificado para explicar por que motivo deu entrada de pedido para que lhe fosse substituída a pena de multa por trabalho a favor da comunidade em junho de 2015, quando, segundo a informação que fez chegar à Segurança Social, estaria incapacitado desde maio de 2015.

O arguido não veio explicar essa contradição, tendo sido indeferida a substituição do trabalho a favor da comunidade.

Efetuaram-se pesquisas para encontrar rendimento e bens penhoráveis ao arguido, revelando-se, nessas buscas, que o arguido tem registado, em seu nome, um automóvel “Fiat Punto”, de 1994, com várias penhoras e que, no ano fiscal de 2013, declarou para efeitos de IRS rendimentos de prestação de serviços e outras atividades, “CAE” 47810 (Comércio a retalho em bancas, feiras e unidades móveis de venda, de produtos alimentares, bebidas e tabaco), no montante de € 63.289,30 (sessenta e três mil euros, duzentos e oitenta e nove euros e trinta cêntimos).

Perante estas informações, o Ministério Público veio promover que o arguido cumprisse pena de prisão subsidiária, de 93 dias (folhas 213).

Notificado para se pronunciar, o arguido veio alegar, entre outras coisas: que está desempregado desde 2012; que trabalhava como vigilante numa eólica, auferindo um vencimento global de € 600,00, € 700,00 mensais; que a firma para a qual trabalhava entrou em processo de insolvência e deixou de lhe pagar € 30.000,00 em remunerações; que devido à mudança de morada, desde que se mudou para o Porto de Atouguia não recebeu quaisquer notificações para pagamento de multa; não recebe qualquer subsídio social; foi vítima de um grave acidente de viação, e que apenas agora foi considerado apto para o trabalho; e que face a tudo o exposto não pagou por razões que não lhe podem ser imputáveis, requerendo que lhe seja deferido a substituição da multa por trabalho a favor da comunidade (folhas 270 e seguintes).

Na sequência deste requerimento, o Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser novamente o arguido notificado para pagamento da multa e das custas em dívida (folhas 273).

Concretizado o histórico do processo até à data, para uma melhor perceção e fundamentação da decisão a tomar, cumpre agora decidir.

Dispõe o artigo 49.º, n.º 1, do Código Penal, que “Se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços (...). Por sua vez, preceitua o n.º 2 do citado preceito que “O condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado”.

No caso dos autos, a pena de multa, não obstante múltiplas notificações efetuadas ao arguido para pagamento, não foi paga até à presente data.

Quanto à substituição da pena de multa por trabalho a favor da comunidade, das duas vezes em que a oportunidade foi concedida ao arguido (ambas já ultrapassado o prazo inicial de 15 dias para esse efeito), esta foi-lhe indeferida por falta de colaboração com o tribunal.

Note-se que, da segunda vez, já em 2015, o arguido veio pedir essa substituição para depois vir juntar um documento que, alegadamente, atestava não ter condições para trabalhar desde momento anterior ao seu requerimento.

No que respeita à inexistência de notificações para a sua morada desde que se mudou para Atouguia da Baleia, é manifesto nos autos que aquele foi notificado para a morada de Atouguia da Baleia, tanto que aí foi efetuada a notificação para o pagamento em prestações, que também foi incumprido (folhas 193).

No que respeita à falta de condições económicas e à alegada situação de desemprego, o que se comprovou nestes autos (tarde, mas a tempo) é que o arguido, no ano em que foi condenado, apresentou rendimentos de € 63.289,30 (sessenta e três mil euros, duzentos e oitenta e nove euros e trinta cêntimos), em muito superiores à média de qualquer português e que são incompatíveis com uma situação económica precária.

Acresce que se o arguido ora diz que está desempregado desde 2012, em 2014 apresentou um requerimento neste mesmo processo a alegar que exerce a atividade de vigilante.

Mas percebe-se o porquê do arguido vir declarar que não está empregado.

Com efeito, do código de atividade económica referido na sua declaração de IRS consta que os rendimentos que auferiu nesse ano foram empresariais e não de trabalhar por conta de outrem.

Enfim, o arguido não só não demonstrou que não foi por culpa sua que não liquidou o montante da pena de multa, como deixou claro nos autos que só não pagou por sua exclusiva vontade, prosseguindo com os mais variados expedientes para se furtar ao cumprimento.

Ora, não tendo o arguido provado que não foi por culpa sua que não liquidou o valor da multa (pelo contrário), e não tendo pago nas múltiplas oportunidades que lhe foram concedidas, não se conhecendo património penhorável que possa satisfazer o montante a liquidar (isto depois de efetuadas diligências nesse sentido a folhas 242 a 247 e 260 a 262), não resta outra solução que converter a pena de multa em que o arguido foi condenado, de 140 dias, em 93 dias de prisão subsidiária.

Nestes termos, ao abrigo do preceituado no artigo 49.º, n.ºs 1, e 3, do Código Penal, converto a pena de multa aplicada ao arguido A... em 93 dias de prisão subsidiária, sem prejuízo de o arguido, a todo o tempo, evitar, total ou parcialmente, a execução da mesma, pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado.


***

APRECIANDO

Tendo em conta as conclusões da motivação do recurso e que estas limitam o seu objecto, as questões suscitadas consistem em saber se:

- previamente à prolação do despacho recorrido, que converteu a pena de multa aplicada em prisão subsidiária, deveria o arguido ter sido notificado pessoalmente para se pronunciar sobre tal possibilidade (formalidade essencial, no entender do recorrente, cuja violação gera nulidade, de conhecimento oficioso, nos termos do art. 119º, al. c) do CPP, por violação do artigo 61º, n.º 1, al. b) do mesmo diploma); ou se, a referida notificação, por via postal simples com prova de depósito, na morada indicada pelo arguido no TIR (ou em nova morada indicada pelo arguido), satisfaz todas as garantias de defesa;

- deveria ter sido deferida a requerida substituição da multa por trabalho;

- deveria ser suspensa a execução da prisão subsidiária.


*

A- Da notificação e audição do arguido sobre a possibilidade da conversão da pena de multa em prisão subsidiária

Alega o recorrente que “estando em causa a liberdade, antes de ser proferida decisão que a retirar por via da substituição de pena não detentiva por pena detentiva, deve o visado ser informado para se poder pronunciar, querendo, sobre essa possibilidade, notificação que tem de ser por contacto pessoal, e bem assim, deve o visado pronunciar-se pessoalmente sobre essa possibilidade”.

Resulta dos autos, com interesse para a decisão:

- foi o ora recorrente constituído arguido nos presentes autos de processo sumaríssimo, tendo prestado termo de identidade e residência (onde indicou como morada: Rua (...) Ferrel, área do Posto Territorial da GNR de Peniche) – fls. 42;

- após notificação pessoal, não tendo havido oposição do arguido sobre o requerimento do Ministério Público e do despacho que o recebeu (cfr. artigos 395º, n.º 1, 396º, n.ºs 1, als. a) e b), 2, 3 e 4 e 398º do CPP), - fls. 74 e 79 …………………………………………………..;

- por sentença proferida em 18-4-2013 (e depositada em 23-4-2013), foi o arguido A... condenado, pela prática (em 8-2-2012) de um crime de desobediência qualificada p. e p. pelas disposições conjugadas do artigo 348º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, ex vi artigos 138º, n.º 2 e 147º do Código da Estrada, na pena de 140 dias de multa, à taxa diária de 6,00 €, no montante global de 840,00 €;

- o arguido foi notificado para liquidar o valor das custas e da multa penal, e ainda advertido de que, o não pagamento da multa e a impossibilidade da sua cobrança coerciva implicavam a conversão dessa pena de multa na correspondente prisão subsidiária, reduzida a dois terços, que o arguido deverá cumprir (cfr. fls. 90, 93, 122 e 144);

- em 24-6-2014, no requerimento que apresentou a fls. 154 (solicitando a não transcrição da condenação sofrida nos autos no registo criminal, para efeitos profissionais) indicou uma morada, sita na Estrada Nacional (...) Atouguia da Baleia;

- e daí que, tenha sido notificado em tal morada, em 4-12-2014, por via postal registado com prova de recepção, do despacho que deferiu o pagamento da multa em prestações (fls. 193 e 194);

- por despacho proferido em 8-1-2016 (fls. 264), foi ordenada a notificação do arguido e do seu defensor, para se pronunciarem, querendo, sobre a promoção do Ministério Público de fls. 213, quanto ao cumprimento de 93 dias de prisão subsidiária; o Ilustre Defensor foi notificado por via postal registada (fls. 266) e o arguido por via postal simples com prova de depósito na morada que indicou no TIR (fls. 267 e 268);

- acontece que, só no requerimento que apresentou em 2-2-2016 (fls. 269 e 270), o arguido comunicou aos autos a alteração da sua residência, como estava obrigado nos termos do artigo 196º, n.ºs 2 e 3, als. b) e c) do CPP, e de acordo com o TIR que prestou, pelo que, quanto às anteriores notificações do arguido que foram remetidas para a morada indicada no TIR ficou legitimada a sua representação pelo defensor em todos os actos processuais nos quais tinha o direito ou o dever de estar presente, como estatui a alínea d) do n.º 3 deste preceito.

Estabelece o n.º 1 do artigo 49º do CP que «Se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços (…)»; ………………………………

porém, nos termos do n.º 2 «O condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa em que foi condenado»; ……………………………………………..

acrescentando o n.º 3 que «Se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de um a três anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro ( ... )».

Na redacção originária do Código Penal dispunha o n.º 3 do artigo 46º que Quando o tribunal aplicar a pena de multa será sempre fixada na sentença prisão em alternativa pelo tempo correspondente reduzido a dois terços.

Falava-se então em prisão alternativa da multa.

E foi com a revisão do Código operada pelo DL n.º 48/95, de 15 de Março, que a prisão resultante da conversão da pena de multa passou a designar-se de prisão subsidiária (n.º 1 do artigo 49º).

Como refere Maia Gonçalves ([1]) “trata-se de alteração feliz, pois que a prisão resultante da conversão não está para com a multa numa relação de alternatividade, mas de subsidiariedade, já que só deve ser cumprida depois de esgotados todos os outros meios de cumprimento da multa. Em segundo lugar, nota-se que o cumprimento da pena de prisão subsidiária é agora determinado após a verificação de que a multa não substituída por trabalho a favor da comunidade não foi paga, voluntária ou coercivamente. Não é, portanto, necessário que na sentença se fixe a pena subsidiária, como sucedia na vigência do art. 46º, n.º 3, da versão originária do Código quanto à prisão alternativa. No entanto, a ordem de cumprimento da prisão subsidiária terá de ser dada por despacho do juiz, após a verificação dos pressupostos enunciados no n.º 1”.

Num primeiro momento, com o recurso que interpôs da decisão que converteu a pena de multa que lhe foi aplicada em 93 dias de prisão subsidiária, pretende o recorrente a revogação da decisão recorrida, por considerar que, previamente, deveria ter sido notificado pessoalmente para se pronunciar sobre a possibilidade de tal conversão, dado, em seu entender, estar em causa a substituição de pena não detentiva, por pena detentiva.

Sustenta o recorrente que a não notificação e audição pessoais do arguido sobre a aludida possibilidade, tratando-se de formalidade essencial, gera nulidade, de conhecimento oficioso, nos termos do art. 119º, al. c) do CPP, por violação do artigo 61º, n.º 1, al. b) do mesmo diploma.

Ora, como deixámos consignado, foram o arguido e o seu defensor notificados sobre a possibilidade da conversão da multa em prisão subsidiária; tendo o arguido sido notificado por via postal simples com prova de depósito na morada que indicou no TIR, quando ainda não tinha comunicado aos autos a alteração de residência, como estava obrigado.

E, é na sequência do referido despacho (e notificação) que o arguido juntou o requerimento, datado de 2-2-2016 (fls. 269 e 270), comunicando a alteração da residência e, dando conta da sua situação económica e financeira que não lhe terá permitido efectuar o pagamento da multa e, requerendo a “substituição da multa por trabalho a favor da comunidade (…) suspendendo-se, assim, a execução da prisão subsidiária decretada”.

Esclarece-se que só com o despacho recorrido a pena de multa foi convertida em prisão subsidiária.

Como salienta Figueiredo Dias ([2]) “A prisão a cumprir em vez da multa não satisfeita não é - contra o que por vezes se afirma -, nem sequer em sentido formal, uma pena de substituição. Por outro lado, não é correcto afirmar-se que a prisão sucedânea é aplicada «em vez» da pena principal, antes sim só para o caso de aquela não ser cumprida. Mas, se, assim, a prisão sucedânea não é uma pena de substituição, também por outra parte parece não dever identificar-se sem mais, em traços fundamentais do seu regime, com a pena privativa da liberdade.

Parece, nomeadamente, que o pagamento parcial da multa deve conduzir a uma redução proporcional da prisão sucedânea, da mesma forma que o pagamento posterior deve determinar a não execução da prisão que falte cumprir. Estas conclusões são desejáveis do ponto de vista político-criminal, enquanto evitam, total ou parcialmente, o cumprimento de prisão efectiva e deixam aparecer na prisão sucedânea, a sua vertente de sanção (penal) de constrangimento. Sanção penal e, nessa medida, uma verdadeira pena.

A jurisprudência maioritária vai no sentido da notificação pessoal do arguido relativamente ao despacho que procedeu à conversão da pena de multa em prisão subsidiária, tendo em vista o conhecimento efectivo do decidido. Tal entendimento deriva do facto de a prisão subsidiária não ter de ser fixada desde logo na sentença condenatória (como acontecia na redacção originária do CP), mas posteriormente, se se verificar o incumprimento da multa.

Neste caso, diz Germano Marques da Silva ([3]) há uma situação de reforma da sentença: aplicação da multa e depois substituição por prisão em caso de não pagamento, à semelhança do que ocorre com a substituição da multa por trabalho.

Todavia,

A questão colocada pelo recorrente reporta-se a momento anterior, não à notificação do arguido de que foi convertida a multa em prisão, mas à notificação de que é previsível tal conversão dado a multa não ter sido paga, podendo o arguido pronunciar-se quanto às razões do não pagamento.

Contrariamente ao alegado pelo recorrente, nesse momento não está em causa a liberdade do arguido; até porque a pena não é originariamente privativa da liberdade, e o condenado pode a todo o tempo evitar a execução da prisão subsidiária (pena de constrangimento), desde que pague, no todo ou em parte, a multa em que foi condenado - n.º 2 do artigo 49º do CP ([4]).

Deste modo, entendemos que tal notificação não cabe no elenco taxativo do artigo 113°/10, 2a parte do CPP, não se exigindo a notificação pessoal do arguido e, bem assim, a sua audição pessoal para se pronunciar sobre a possibilidade da conversão da pena de multa em prisão subsidiária.

Acresce que, nos termos do n.º 2 do artigo 57º do CPP, a qualidade de arguido conserva-se durante todo o decurso do processo.

E, como se refere no Acórdão n.º 109/2012, de 06.03, do Tribunal Constitucional o condenado numa pena sabe que a sua relação com o tribunal não fica definitivamente encerrada com a sentença condenatória. E, determinando o artigo 49º, n.º 1 do CP que não pagando o condenado a multa, há que proceder à sua conversão em prisão subsidiária, há necessidade de comunicação com o arguido.

Ora, observados os referidos deveres de comunicação por parte do condenado, as cautelas que rodeiam a notificação, por via postal simples, com prova de depósito (n.ºs 3 e 4 do art. 113º do CPP), torna este meio de notificação um meio adequado, segundo a comum experiência, a garantir o conhecimento do acto comunicado.

Por outro lado, pode considerar-se que as prescrições contidas no artigo 196º, n.ºs 2 e 3, als. b), c) e d) não são restritivas do direito à liberdade, não assumem as mesmas a natureza de medida de coacção, antes constituindo o modo de dar conhecimento ao arguido de actos processuais.

De sublinhar também que, poderá considerar-se que o condenado em pena de multa, que não sendo paga, pode ser convertida em prisão subsidiária, continua afecto até ao trânsito da decisão de conversão, às obrigações decorrentes da medida de coacção de prestação de TIR, nomeadamente, de as posteriores notificações serem feitas, por via postal, para a morada indicada.

Na situação em análise, resulta dos autos que o arguido teve um efectivo conhecimento (e daí que tenha requerido a substituição da pena de multa por trabalho a favor da comunidade e o pagamento da multa em prestações) de que, caso não pagasse a multa em que foi condenado, teria de cumprir prisão subsidiária – vide despachos de fls. 122, 214 e 264 (e respectivas notificações ao Ilustre defensor, a fls. 125, 217 e 266).

Ainda que não tenha assumido uma atitude zelosa e leal, comunicando a alteração da sua residência, em função da morada que havia indicado no TIR, deverá considerar-se que devido a tal incumprimento ficou legitimada a sua representação pelo defensor em todos os actos processuais nos quais tinha o direito ou o dever de estar presente (art. 196º, n.º 3, al. d) do CPP), não podendo invocar surpresa sobre a possibilidade da conversão da multa em prisão subsidiária, nem podendo considerar que, por não ter sido notificado ou ouvido pessoalmente no que respeita a tal questão, ocorreu uma violação intolerável dos seus direitos processuais, designadamente o previsto no artigo 61º, n.º 1, al. b do CPP, que invocou.

Com efeito, estabelece o artigo 61º, n.º 1, al. b) do CPP que o arguido goza, em especial, do direito de ser ouvido pelo tribunal sempre que este deva tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte.

Ora, a substituição da pena de multa por prisão subsidiária, podendo conduzir à perda da liberdade (caso a multa não seja paga como dispõe o n.º 2 do art. 49ºdo CP), não deverá ser decidida sem antes se ter assegurado a possibilidade de o condenado se pronunciar sobre o não pagamento da multa e da conversão da multa em prisão.

O que efectivamente aconteceu nos autos.

No entanto, não tem aqui aplicação (como sublinha a Magistrada do Ministério Público na resposta ao recurso) o disposto no n.º 2 do artigo 495º do CPP ([5]), com a obrigatória audição presencial do arguido, a qual está prevista para a falta de cumprimento das condições da suspensão.

Afigura-se-nos, assim, correcto, o entendimento do Mmº Juiz a quo de que o contraditório não tinha de ser pessoal (não tendo, por consequência, designado data para audição do arguido), não sendo também pessoal a respectiva notificação.

Improcede, pois, nesta parte, a argumentação do recorrente.


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B- Da requerida substituição da multa por trabalho

Alega o recorrente que “está desempregado; não recebe qualquer subsídio social; foi vítima de um grave acidente de viação, e apenas agora foi considerado apto para o trabalho; face ao exposto não paga por razões que não lhe podem ser imputáveis”, requerendo que lhe seja deferido a substituição da multa por trabalho a favor da comunidade.

Elenca o despacho recorrido as várias vicissitudes ocorridas desde a data da condenação do arguido (em 18-4-2013) na pena de 140 dias de multa.

E, no que respeita à substituição da multa por trabalho, esta é a 3ª vez que é requerida (a 1ª a fls. 127 e a 2ª a fls. 222).

Pode ler-se no despacho recorrido que «Quanto à substituição da pena de multa por trabalho a favor da comunidade, das duas vezes em que a oportunidade foi concedida ao arguido (ambas já ultrapassado o prazo inicial de 15 dias para esse efeito), esta foi-lhe indeferida por falta de colaboração com o tribunal.

Note-se que, da segunda vez, já em 2015, o arguido veio pedir essa substituição para depois vir juntar um documento que, alegadamente, atestava não ter condições para trabalhar desde momento anterior ao seu requerimento.»

Escreveu o Prof. Figueiredo Dias ([6]) a propósito da substituição da multa por trabalho prevista no artigo 48º do CP: “o conteúdo desta sanção sucedânea da multa é inteiramente análogo à pena de prestação de trabalho a favor da comunidade (PTFC); e o próprio sentido político-criminal de uma e outra é idêntico: porque também a sanção de dias de trabalho (apesar de não ser, de um ponto de vista dogmático, uma pena de substituição, como sucede com a PTFC) se justifica como última forma de evitar que ao condenado, que não pagou a multa nem voluntária, nem coercivamente, seja aplicada uma pena privativa de liberdade. Uma e outra razão justificam que a generalidade dos problemas de aplicação e de execução da sanção de dias de trabalho seja solucionada da mesma forma e no mesmo sentido em que o são os problemas postos pela pena de PTFC.”

Acontece que, in casu a requerida substituição da pena de multa por trabalho não se nos afigura compatível com o comportamento do arguido, no sentido de vir a cumprir as finalidades da punição.

Subscrevemos, assim, as considerações da Magistrada do Ministério Público na resposta ao recurso: “Face à postura do arguido nas duas vezes que solicitou a prestação de trabalho a favor da comunidade, sendo que nessas duas ocasiões, se remeteu ao silêncio após solicitação do Tribunal para esclarecimentos (atente-se que o arguido pediu a substituição da pena de multa por trabalho quando sabia que estava incapacitado de forma absoluta para o fazer), pelo que, se entende que o Tribunal não pode ter qualquer certeza ou garantia de que essa seja a verdadeira vontade e determinação do arguido, pelo contrário, fica-se com a ideia, como já se disse, de que os seus requerimentos (seguidos de silêncio) são mais um meio de protelar a execução da sanção penal que lhe foi aplicada”.

De qualquer forma, esta pretensão do recorrente não seria, neste momento, tempestiva, uma vez que foi requerida depois de convertida a multa em prisão subsidiária. Este será o entendimento resultante do n.º 1 do artigo 49º do CP que permite a substituição da pena de multa por trabalho, como prévia (e não posterior) à conversão da multa em prisão.


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C- Da suspensão da execução da prisão subsidiária

Invocando a sua situação de carência económico-financeira (está desempregado; não recebe qualquer subsídio social; foi vítima de um grave acidente de viação), pugna o recorrente pela suspensão da execução da prisão subsidiária.

E acrescenta: “se os elementos constantes dos autos permitirem concluir que os seus proventos económicos não são suficientes para o pagamento da multa, não deve o condenado ver-lhe negada a suspensão da execução da prisão subsidiária, prevista no n.º 3 do art. 49º. E, para o efeito, o que interessa é a situação que o arguido mantém na época em que se lhe impõe a prisão subsidiária, pois só a sua capacidade económica nesta altura releva para a suspensão”.

Consta do despacho recorrido que «o arguido não só não demonstrou que não foi por culpa sua que não liquidou o montante da pena de multa, como deixou claro nos autos que só não pagou por sua exclusiva vontade, prosseguindo com os mais variados expedientes para se furtar ao cumprimento.»

Para tal conclusão foi relevante o facto de o arguido, tendo invocado incapacidade económica e que se encontra desempregado, não ter aproveitado as oportunidades que lhe foram concedidas (após tê-las requerido), quer a substituição da multa por trabalho, quer o pagamento da multa a prestações …………………………. E ainda, pelo facto de «no ano em que foi condenado, ter apresentado rendimentos de € 63.289,30 (sessenta e três mil euros, duzentos e oitenta e nove euros e trinta cêntimos), em muito superiores à média de qualquer português e que são incompatíveis com uma situação económica precária.»

Poderemos admitir que à data da condenação (em 18-4-2013) o arguido teve possibilidades de pagar a multa (840,00 €) em que foi condenado, visto que nesse ano declarou, para efeitos de IRS, rendimentos no montante 63.289,30 € (mas, desconhecem-se os encargos que suportou).

No entanto, a multa não foi paga, tendo o arguido sempre invocado insuficiência económica, na sequência do que veio a requerer a substituição da multa por dias de trabalho e o pagamento da multa em prestações. Oportunidades que foram concedidas, mas que se revelaram infrutíferas, como vem descrito no despacho recorrido.

Tendo o arguido mantido, desde então (e até ao presente), a persistência quanto à precariedade da sua situação económica por razões profissionais e de doença, cumpre referir os seguintes elementos constantes nos autos:

- (fls. 211), Atestado da Junta de Freguesia de Atouguia da Baleia de 24-3-2015: consta que o arguido está desempregado e não é beneficiário de qualquer pensão, subsídio, complemento ou prestação concedido Pelo Instituto de Segurança Social, IP;

- (fls. 250), Informação da DG de Reinserção Social de 9-12-2015, de que vive com o cônjuge e dois filhos;

- (fls. 269), Informação da Autoridade Tributária de 11-12-2015: em seu nome não se encontram inscritos quaisquer prédios; a última declaração de rendimentos, Mod. 3 de IRS, por si apresentada, respeita ao ano de 2013.

Estabelece o n.º 3 do artigo 49º do CP que «Se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de um a três anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro (...)».

Ora, não tendo o arguido pago a multa, a situação de incumprimento deverá ser analisada no seu conjunto, levando-se em devida conta todas as condições – sociais, familiares, laborais, de saúde, etc. – que poderão ter determinado o seu não pagamento, ao longo desse incumprimento, desde o seu início até à presente data.

Coloca-se, assim, a questão da “culpa” desse incumprimento; saber se, a falta de pagamento da multa não é imputável ao arguido.

Segundo Eduardo Correia ([7]) a culpa deve ser entendida como censura ético-jurídica dirigida a um sujeito por não ter agido de modo diverso; está tal pensamento ligado à aceitação da liberdade do agente, à aceitação do seu «poder de agir doutra maneira».

Como decidiu o TC no Acórdão n.º 491/2000, de 22-11-2000 «a demonstração de que o não pagamento da multa não é imputável ao condenado pode naturalmente fazer-se por via da prova de factos positivos, de onde resulte essa não imputabilidade. Basta pensar, por exemplo, na apresentação de determinados documentos (declaração de rendimentos, recibo do subsídio de desemprego, atestado da Junta de Freguesia, declaração relativa a eventual internamento hospitalar, entre outros), dos quais se deduza não ser imputável ao condenado o não pagamento da multa.

Conclui-se, pois, que não é à prova de um facto ou (factualidade) negativo que o nº 3 do artigo 49º do Código Penal faz apelo, mas antes à demonstração dos factos, que regra geral serão positivos (insuficiência económica, doença, etc.), de onde se extrai a conclusão de que o não pagamento se deveu a causa não imputável ao condenado

Acresce que, as razões que determinaram o não pagamento da multa por facto não imputável ao condenado devem manter-se ou verificar-se no momento em que foi convertida a multa em prisão subsidiária.

Assim decidiu esta Relação no Ac. de 6-2-2013, proc. 1038/98.1TBVIS.C1: «o que interessa é a situação que o arguido mantém na época em que se lhe impõe a prisão subsidiária, pois só a sua capacidade económica nessa altura releva para a suspensão da execução da prisão subsidiária».

No caso vertente, face aos elementos disponíveis nos autos não resulta que o arguido disponha de recursos financeiros que lhe permitam pagar a multa; não estando demonstrado que a razão do não pagamento da multa lhe é imputável.

Por conseguinte, verificando-se o requisito previsto no n.º 3 do artigo 49º do CP, poderá o arguido/recorrente ver a sua pretensão deferida, suspendendo-se a execução da prisão subsidiária.


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III- DECISÃO

Face ao exposto, acordam os juízes da secção criminal deste Tribunal da Relação em:

- Julgar parcialmente procedente o recurso e, em consequência, determina-se a suspensão da execução da prisão subsidiária, pelo período de 1 (um) ano, com a condição de durante esse período o arguido não cometer crimes.

Sem custas (artigo 513º, n.º 1 do CPP, na redacção dada pelo DL n.º 34/2008, de 26.02).


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Coimbra, 29 de Junho de 2016

(Elisa Sales - relatora)

(Paulo Valério - adjunto)


[1] - Código Penal Português, anotado, 10ª edição, Almedina, pág. 229.
[2] - Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, Coimbra Editora, 2005, págs. 146/147.
[3] - Direito Penal Português, Parte Geral, III, Verbo, pág. 214.
[4] - Ac. STJ, de 10-1-2013, no proc. 218/06.2PEPDL.L3.S1: A pena de multa convertida em prisão subsidiária reduzida a 2/3 conserva a sua natureza originária de pena de multa, ainda que tenha sido executada, pelo que a mesma não incide nem se desconta na parcela da pena de prisão única a determinar em sede de cúmulo jurídico.

[5] - Após a alteração introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 28.08, a aludida audição passou a ser presencial. Assim, enquanto na anterior redacção se dizia que «O tribunal decide por despacho, depois de recolhida a prova e antecedendo parecer do Ministério Público e audição do condenado», a partir de 15-9-2007 impõe-se que o condenado seja ouvido na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão.
[6] - in ob. cit., págs. 139/140.
[7] - Direito Criminal, vol. I, Coimbra, 1968, pág. 316.