Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
83/13.3GBCNF-B.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO CHAVES
Descritores: MEDIDAS DE COACÇÃO
EXTINÇÃO
DECURSO DO PRAZO. RENOVAÇÃO. FASE PROCESSUAL
Data do Acordão: 03/02/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (INSTÂNCIA CENTRAL)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 198.º, 215.º E 218.º, DO CPP
Sumário: I - A circunstância de ter sido declarada extinta a obrigação de apresentação periódica aplicada ao arguido pelo decurso do respetivo prazo máximo, na fase de inquérito, não obsta, porém, a que a mesma possa ser novamente aplicada numa fase subsequente do processo.
II - A extinção de uma medida de coação por ter decorrido o prazo máximo durante o qual, numa determinada fase processual, ela podia vigorar não impede que volte a ser aplicada em fase processual posterior porque a lei não estabelece um prazo único para cada medida de coação mas fixa diversos prazos tendo em conta a fase em que o processo se encontra.
Decisão Texto Integral:

Acordam na 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I – Relatório

1. No âmbito do Processo Comum Colectivo n.º 83/13.3GBCNF, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Viseu – Viseu – Instância Central – Secção Criminal – J2, de que os presentes autos constituem apenso, em que, entre outros, é arguido A... , em 27/08/2015, por despacho então proferido pela Mma. Juíza de turno foi indeferida a aplicação da medida de coacção de obrigação de apresentação periódica ao arguido.

2. Inconformado com a decisão, dela interpôs recurso o Ministério Público, concluindo a respectiva motivação nos seguintes termos (transcrição):

«1ª O douto despacho de 27-08-2015, na parte em que decidiu que a medida de coacção de obrigação de apresentações periódicas, não pode ser novamente aplicada ao arguido A... , apos a dedução da acusação pública, por já ter sido aplicada durante o decurso da investigação, e caducado por atingido o seu limite, fez uma incorrecta aplicação do disposto nos artigos 191.º, n.º 1, 192.º, 193.º, 194.º, nºs 1 e 4, 195.º, 198.º, 204.º, 212.º, 215.º e 218.º, todos do Código de Processo Penal;

2ª Pois, o facto de uma medida de coacção ter cessado por esgotamento do prazo em determinada fase processual, não impede que volte a ser aplicada em fase processual posterior, se, nesse momento, ainda se mantiverem os seus pressupostos de aplicação.

3ª Os artigos 215.º, nºs 1 e 2, e 218.º, nºs 1 e 2, determinam que os limites temporais das medidas coacção de obrigação de apresentação periódica são fixados por referência a fases processuais, e não no processo, considerado como um todo.

4ª Ora, a medida de coacção de obrigação de apresentações periódicas a que o arguido A... foi sujeito, caducou apenas pelo decurso do tempo, não porque perdeu acuidade, podendo por isso ser novamente aplicada após a dedução da acusação pública, já que nos encontramos noutra fase processual.

5ª Ante o exposto, e uma vez que se mantém os pressupostos de facto para a aplicação ao arguido A... da medida de coacção de obrigação de apresentações periódicas, impõe-se a revogação do douto despacho recorrido, e a substituição do mesmo, por outro que determine a audição do arguido, nos termos do art. 194.º, nºs 1 e 4, do CPP a fim de, após, ser ponderada, novamente, a aplicação, nesta nova fase processual, ao arguido A... da medida de coacção de obrigação de apresentações periódicas, semanais às quintas-feiras, a efectuar no OPC da área da sua residência.

                                                                        V. Ex.as, porém,

                                                                        e como sempre, farão

                                                                                        Justiça!»

3. O arguido não respondeu ao recurso.

4. Nesta instância, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que alude o artigo 416.º do Código de Processo Penal, emitiu parecer no sentido de que o recurso merece provimento.

5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP, não houve resposta.

6. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência para decisão

                                          *

II - FUNDAMENTAÇÃO

1. O despacho recorrido na parte que ora releva (transcrição):

«Promoção de fls. 3970 e 3971

O arguido A... , na sequência de primeiro interrogatório judicial, realizado em 28.10.2014, foi sujeito, para além do TIR prestado, às seguintes medidas de coação:

o Obrigação de apresentações periódicas, semanais, às quintas-feiras, a efetuar no OPC da área da sua residência;

o Proibição de se ausentar para o estrangeiro, sem autorização do tribunal;

o Sujeitar-se a tratamento imediato à toxicodependência.

Nos termos do disposto no artigo 218.º do Código de Processo Penal, as medidas de coação previstas nos artigos 198.º e 199.º extinguem-se quando, desde o início da sua execução, tiverem decorrido os prazos referidos no n.º 1 do artigo 215.º, elevados ao dobro; à medida de coação prevista no artigo 200.º é correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 215.º e 216.º

Nos termos do acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 4/2015 (DRE 1.ª Série, n.º 58 de 24 de março de 2015), não são aplicáveis às medidas de coação referidas no art. 218.º, n.º 1, do CPP as elevações de prazo previstas no art. 215.º, n.os 2, 3 e 5 do mesmo diploma.

Compulsados os autos verifica-se que a medida de coação de apresentações periódicas (artigo 198.º do CPP) aplicada ao arguido se extinguiu em virtude do decurso do seu prazo máximo de duração.

Efetivamente, tendo tal medida de coação sido aplicada em 28.10.2014 e só tendo sido deduzida a acusação em 31.07.2015, o prazo máximo de oito meses [artigos 215.º, n.º 1, alínea a) e 218.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal] completou-se em 28.06.2015.

Acresce que somos de entendimento que a medida aplicada e caducada não poderá ser novamente aplicada, sob pena de se desvirtuar as normas que preveem prazos máximos para a sua aplicação.

Pelo exposto, declaro cessada a medida de coação de apresentações periódicas aplicada ao arguido A... , sem prejuízo das demais medidas aplicadas.

Notifique».

                                                        *

2. Apreciando

Como é sabido, o âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso.

A questão que constitui objecto do presente recurso consiste em saber se, uma vez declarada extinta, pelo decurso do respectivo prazo máximo, numa determinada fase processual, uma medida de coacção, nomeadamente a obrigação de apresentação periódica, pode a mesma voltar a ser aplicada numa fase subsequente do processo.

O Ministério Público deduziu acusação imputando, além de outros, ao arguido A... a prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1 e 24.º, alíneas) e c), ambos do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, com referência às tabelas I-A e I-B, anexas ao mesmo diploma.

Nessa peça processual, no que respeita à medida de coacção, o Ministério Público formulou o seguinte requerimento relativamente ao arguido A... :

«O arguido A... , na sequência de 1.º interrogatório judicial, realizado em a 28 de Outubro de 2014, foi sujeito, para além do TIR que já havia prestado, às seguintes medidas de coacção:

- obrigação de apresentações periódicas, semanais, às quintas-feiras, a efectuar no OPC da área da sua residência;

- proibição de se ausentar para o estrangeiro, sem autorização do tribunal;

- sujeitar-se a tratamento imediato a toxicodependência.

Contudo, refere o artigo 218.º, do CPP sucessivamente nos seus n.ºs 1 e 2 que :“as medidas de coacção previstas nos artigos 198.º e 199.º extinguem-se quando, desde o início da sua execução, tiverem decorrido os prazos referidos no n.º 1 do artigo 215.º, elevados ao dobro” e que “à medida de coacção prevista no artigo 200.º é correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 215.º e 216.º”.

Ora, sobre a medida coactiva de obrigação de apresentações periódicas, passaram já os prazos aludidos, pelo que se promove que a mesma se declare cessada.

Mais se promove, contudo, que se mantenha o arguido sujeito as restantes medidas coactivas, pois as mesmas não esgotaram o seu prazo de duração.

Todavia,

A medida de coacção de obrigação de apresentações periódicas a que o arguido foi sujeito, ressurge, atendendo aos factos e incriminações que ora se lhe imputam como adequada e suficiente para acautelar as necessidades de prevenção que, in casu, se fazem sentir.

De facto, tendo em atenção o tipo de crime em equação, e as condutas concretamente imputadas fazem temer novas práticas de ilícitos-crime como aquele em causa por parte do arguido, mormente o de tráfico de estupefacientes.

De facto, esta medida de coacção imposta ao arguido caducou apenas pelo decurso do tempo, não porque perdeu acuidade.

Assim, ao abrigo dos artigos 191.º a 193.º, 198.º, e 204.º, al. a) e c), todos do CPP, requer-se que o arguido seja sujeito, além do TIR e das demais medidas de coação ainda em vigor, à medida de coacção de obrigação de apresentações periódicas, semanais às quintas-feiras, a efectuar no OPC da área da sua residência.

Apresente, de imediato, e pelo meio mais expedito, os autos ao(à) Mmo(a) Juiz:

- para que este(a) se pronuncie, em face do conteúdo da alínea b), do n.º 1 do art. 213.º do CPP;

- nos termos e para os efeitos do art. 194.º, n.º 3, do CPP.»

Apreciando esse requerimento, a Mma. Juíza a quo, considerando que a medida de coacção de obrigação de apresentação periódica aplicada ao arguido A... se extinguiu em virtude do decurso do seu prazo máximo de duração na fase que decorreu até ser deduzida a acusação, entendeu que não poderá ser novamente aplicada, sob pena de se desvirtuarem as normas que preveem prazos máximos para a sua duração.

Ressalvado sempre o devido respeito por diversa opinião, não acompanhamos a posição defendida no despacho recorrido.

A medida de coacção de obrigação de apresentação periódica a uma entidade judiciária ou a um certo órgão de polícia criminal encontra-se prevista no artigo 198.º do Código de Processo Penal.

A obrigação de apresentação periódica extingue-se quando, desde o início da sua execução, tiverem decorrido os prazos referidos no n.º 1 do artigo 215.º (os quais se reportam à prisão preventiva), elevados ao dobro – n.º 1 do artigo do citado diploma.

Assim, por terem decorrido oito meses desde o início da sua execução, sem que nos autos fosse deduzida acusação, a obrigação de apresentação periódica aplicada ao arguido A... extinguiu-se, uma vez que na fase processual em que os autos se encontravam - inquérito – tal medida de coacção tem o prazo máximo de oito meses – alínea a) do n.º 1 do artigo 215.º do Código de Processo Penal.

A circunstância de ter sido declarada extinta a obrigação de apresentação periódica aplicada ao arguido A... pelo decurso do respectivo prazo máximo, na fase de inquérito, não obsta, porém, a que a mesma possa ser novamente aplicada numa fase subsequente do processo.

A extinção de uma medida de coacção por ter decorrido o prazo máximo durante o qual, numa determinada fase processual, ela podia vigorar não impede que volte a ser aplicada em fase processual posterior porque a lei não estabelece um prazo único para cada medida de coacção mas fixa diversos prazos tendo em conta a fase em que o processo se encontra.

Assim, entrado o processo numa nova fase, nada impede que, se se verificarem os respectivos pressupostos, uma medida declarada extinta não possa voltar a ser aplicada, sendo certo que com a cessação da medida a contagem do prazo da sua duração se suspendeu, prosseguindo a mesma a partir da data da nova imposição([1]).

Neste sentido refere também Paulo Pinto de Albuquerque que “o prazo de duração máxima da medida de coacção é único no processo, mesmo que as modalidades da medida não sejam exactamente as mesmas”, mas “[a] medida de coacção pode ser revogada por esgotamento do prazo da medida de coacção em determinada fase processual, mesmo que se mantenham os pressupostos de factos da mesma. Neste caso, ela só poderá voltar a ser aplicada na fase processual subsequente, se nesse momento ainda se mantiverem os seus pressupostos de facto”([2]).

Por conseguinte, impõe-se a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que determine a audição do arguido A... , nos termos do artigo 194.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, seguindo-se os ulteriores termos processuais com a apreciação do pedido formulado pelo recorrente.

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III – DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente o recurso interposto pelo Ministério Público e, consequentemente, revogar o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que determine a audição do arguido A... , nos termos do artigo 194.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, seguindo-se os ulteriores termos processuais com a apreciação do pedido formulado pelo recorrente.

                                          *

Sem tributação.

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(O acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do artigo 94.º, n.º 2 do CPP)

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Coimbra, 2 de Março de 2016

                  

(Fernando Chaves - relator)

                        

(Orlando Gonçalves - adjunto)


[1] - Acórdão da Relação de Lisboa de 19/06/2013, Proc.º 1370/10.8JDLSB-A.L2-3, in www.dgsi.pt.
[2] - Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Portuguesa, 3ª edição, pág. 586, notas 8 e 9.