Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
596/09.1GAVGS.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE JACOB
Descritores: CÚMULO JURÍDICO
TRAMITAÇÃO
AUDIÊNCIA
PROCEDIMENTO
DECISÃO
Data do Acordão: 05/08/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: BAIXO VOUGA (JUÍZO DE MÉDIA INSTÂNCIA CRIMINAL DE VAGOS)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 472.º DO CPP
Sumário: A densidade da prova a produzir na audiência a que se reporta o artigo 472.º do CPP - e, consequentemente, a amplitude dos factos necessários para a decisão - restringe-se às diligências que o tribunal considere necessárias (assim o diz o n.º 1 do referido normativo), obviamente delimitadas pela averiguação da personalidade do agente, posto que os factos atinentes aos crimes cujas penas haverá que cumular e a respectiva valoração autónoma já constarão do processo.
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO:

Nestes autos de processo comum que correram termos pelo Juízo de Média Instância Criminal de Vagos, comarca do Baixo Vouga, procedeu-se ao cúmulo jurídico das penas impostas ao ora recorrente A... nos autos em epígrafe e no proc. abreviado nº 488/10.1GAVGS do Juízo de Pequena Instância Criminal de Ílhavo, tendo sido determinada uma pena única de 4 anos e 6 meses de prisão.

Inconformado, o arguido interpôs recurso dessa decisão, retirando da respectiva motivação as seguintes conclusões:

1º - Impugna-se a decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos dos nºs 3 e 4 do art. 412º do Código de Processo Penal;

2° - Consideramos incorrectamente julgados melhor identificados em 2. supra aquando da impugnação da matéria de facto constante da motivação do presente recurso e que aqui, por uma questão de economia processual se dão, para todos os devidos e legais efeitos, por reproduzidos. De facto, tais pontos devem considerar-se incorrectamente julgados, devendo antes tal matéria dar-se como provada, impondo decisão diferente da recorrida as declarações do arguido ora recorrente prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento, da testemunha aí inquirida e melhor identificado na motivação do presente recurso, aquando da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, bem como a prova documental junta aos autos.

3° - Estatui o artigo 379°, nº l, alínea c), do Código de Processo Penal que "É nula a sentença: ( ... ) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar" .

4° - Foi pelo arguido alegado aquando do requerimento de cúmulo jurídico de fls. que:

 "12. Tem trabalho garantido na mesma empresa assim que for restituído à liberdade";

"14. O arguido encontra-se bem integrado social e fiscalmente";

"15. Ressarciu o arguido já as vítimas dos seus crimes, C... e G...";

"Está sinceramente arrependido do caminho ilícito trilhado";

"Pede perdão à agora ex-mulher e aos filhos";

Tem o apoio de todos os seus irmãos para a desejada reintegração".

5° - Para provar tal facto, para além de arrolar prova testemunhal (testemunha B...), juntou o arguido aos autos, aquando do seu requerimento para a realização de cúmulo jurídico de fls. datado de 17/12/2012 e do seu requerimento datado de 19/12/2012), prova documental.

6° - Salvo o devido e merecido respeito por entendimento diverso, a factualidade supra referida assume especial relevância para a sua defesa, para a descoberta da verdade material e tão boa quão justa decisão da causa, em especial para aferir se o arguido é, neste momento, merecedor de um verdadeiro juízo de prognose favorável, requisito essencial a uma eventual suspensão da execução da pena única de prisão em que vem condenado.

7° - Pelo exposto, deveria o mesmo ter-se pronunciado acerca de tal factualidade, dando­-a como provada ou não provada.

8° - A assim ser (como é) não se pronunciou o Acórdão recorrido sobre uma matéria fundamental e da qual deveria ter conhecido, não proferindo qualquer decisão relativamente à mesma.

9° - Encontra-se, por isso, o Acórdão recorrido ferido de nulidade por violação do disposto no artigo 379°, nº l, alínea c), do Código de Processo Penal, o que aqui, e para todos os devidos e legais efeitos se argúi.

10° - O Acórdão recorrido violou o artigo 50° do Código Penal, já que deveria ter suspendido a execução da pena única de quatro anos de prisão em que o arguido foi condenado, ainda que sujeitando tal suspensão à observância de regras de conduta e/ou a regime de prova.

11° - De facto, atenta a personalidade do arguido, as actuais condições da sua vida e a sua conduta posterior à prática do crime, bem como às circunstâncias deste, tal suspensão era (como é) um poder-dever que se impunha (como impõe) ao julgador.

12° - Com efeito tal permite concluir que a ameaça de prisão e censura do facto, conjugadas com o tempo de prisão efectiva já sofrido pelo arguido, realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

13° - Merece o arguido, actualmente, um verdadeiro juízo de prognose favorável.

O M.P. respondeu, pugnando pela improcedência do recurso.

                Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer considerando que o recurso não merece provimento.

                Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.

                Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso.

                No caso vertente e vistas as conclusões do recurso, as questões a decidir consistem em averiguar se ocorre erro na fixação da matéria de facto, se ocorre nulidade decorrente de omissão de pronúncia e se a pena única deveria ter sido suspensa na sua execução.

 

                                                                              *             *             *            

II - FUNDAMENTAÇÃO:

O acórdão recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

1- O arguido A... foi condenado, no processo comum colectivo nº 596/09.1 GAVGS, do Juízo de Média Instância Criminal de Vagos, da Comarca do Baixo Vouga, por acórdão confirmado pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra em 16.05.2012 (fls 592 a 615), por factos ocorridos em 2009 e 2010, pela prática de um crime de violência doméstica (3 anos e 6 meses de prisão), um crime de ofensa à integridade física simples (queixosa F...: seis meses de prisão), um crime de ameaça agravada (seis meses de prisão), um crime de ofensa à integridade física simples (queixosa E...: seis meses de prisão), em cúmulo jurídico foi condenado na pena única de 4 anos de prisão.

Tal condenação assentou nos seguintes factos:

1.1- O arguido e a queixosa C... contraíram casamento católico em 21.12.1985.

1.2- Desse casamento nasceram dois filhos: D..., nascido a 31.03.1986 e E..., nascida a 27.08.1999.

1.3- O casal fixou residência na localidade de ..., área deste concelho de Vagos, sendo que à data dos factos que adiante se descreverão, ambos residiam na Rua (...), ... Vagos.

1.4- O arguido consome por diversas vezes álcool em excesso, tornando-se agressivo nessas ocasiões.

1.5- Por sentença transitada em julgado em 09.11.2006, foi o arguido condenado pela prática do crime de maus tratos do cônjuge, por factos ocorridos em 09.07.2005, na pena de 14 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 2 anos com a condição de o arguido realizar tratamento médico ao alcoolismo, em termos a definir pelo Centro de Tratamento de Alcoolismo do Centro Hospitalar Sobral Cid; tal pena foi declarada extinta em 19.01.2009.

1.6- Não obstante isso, em dia não concretamente apurado de Setembro de 2009, por volta da hora do jantar, no interior da residência comum do casal já referida, por motivo não concretamente apurado, o arguido dirigiu-se ao quarto onde a queixosa C... se encontrava deitada na cama, puxou o cobertor que a cobria e disse-lhe: vai para a rua sua puta, não te quero aqui...".

1.7- Em dia não concretamente apurado de Novembro de 2009, no interior da referida residência comum do casal, por motivo não concretamente apurado, o arguido dirigiu à queixosa C... as palavras: vai para a rua sua puta que a casa é minha, ao mesmo tempo que desferia um pontapé numa cesta de roupa para secar que estava na posse da queixosa C..., fazendo com que a mesma virasse no chão.

1.8- Ainda nesse mês, em dia não concretamente apurado, o arguido disse para a queixosa C...: tu e os teus filhos não param mais em minha casa; vou comprar uma arma para vos matar a todos, querendo com isso dizer que no futuro podia atentar contra a vida ou integridade física da queixosa C... e dos dois filhos comuns do casal.

1.9- Em dia não concretamente apurado de Junho de 2010, por volta da hora de almoço, no interior da dita residência comum do casal, o arguido encontrando-se alcoolizado e sem que nada o previsse ou justificasse, dirigiu-se à sua filha E..., aqui queixosa e, a propósito de a sua filha se recusar a ir de carro para a praia com o arguido, desferiu-lhe uma chapada na face, causando-lhe pelo menos dores.

1.10- Poucos minutos depois, surgiu no mesmo local a queixosa C... que, ficando ao corrente do que acabara de suceder, decidiu levar consigo a E...para o exterior da residência.

1.11- Porém, o arguido agarrou com as mãos o braço da queixosa E...e puxou-a para dentro de casa, arrastando-a, causando-lhe pelo menos dores.

1.12- Acto contínuo, na presença da filha comum do casal, E..., por motivos não esclarecidos, o arguido sem que nada o previsse arrancou os óculos graduados que a queixosa C... trazia na face, guardando-os no bolso das calças.

1.13- De seguida, desferiu uma cabeçada na parte esquerda da cabeça da queixosa C..., puxou-lhe de seguida os cabelos e arranhou-a no tórax. 1.14- A seguir, o arguido agarrou numa canadiana e desferiu com ela uma pancada na cabeça da queixosa C....

1.15- Como consequência necessária e directa da conduta do arguido, a queixosa C... sofreu hematoma na face em reabsorção frontal esquerdo com 3,5 cm de diâmetro, hematoma fronto-parietal esquerdo com 3 cm; no tórax, três escoriações lineares verticais, na região infra-escapular esquerda a maior com 7 cm; no membro superior esquerdo equimose arroxeada 5 cm x 2cm, no terço superior da face posterior do braço direito, que determinaram para a queixosa um período de 6 dias de doença, com 6 dias de afectação da capacidade para o trabalho geral e sem afectação da capacidade para o trabalho profissional.

1.16- Dias depois nesse mesmo mês de Junho, cerca das 17h20, o arguido encontrava-se no interior da mencionada residência comum do casal, completamente embriagado.

1.17- Foi então que dirigiu à queixosa C... as palavras: a casa é minha, tu vais mas é para a rua, vais tu e vão todos.

1.18- De seguida, dirigiram-se ambos para o pátio exterior da residência, onde já se encontrava a queixosa F..., companheira do filho do arguido, D....

1.19- Aí chegados, o arguido dirigiu-se à queixosa F... e, sem que nada o previsse, disse-lhe: tu não tens nada a ver com isto, esta casa é minha e tu vais mas é para a rua, ao mesmo tempo que agarrou com a sua mão direita o pulso esquerdo da queixosa F..., sacudindo-a para cima e para baixo, mais do que uma vez.

1.20- Como consequência necessária e directa desta conduta do arguido, a queixosa F... sofreu, para além de dores, no terço distal do antebraço esquerdo, cinco escoriações agrupadas a maior com 3 cm x 0,1 cm e uma equimose com 0,5 cm x 0,2 cm, que determinaram um período de 5 dias de doença, sem afectação da capacidade de trabalho.

1.21- Entretanto, a queixosa logrou libertar-se do arguido, momento em que este lhe dirigiu as palavras: vou comprar uma pistola para te matar ... , querendo com isso dizer que no futuro podia atentar contra a vida ou integridade física da queixosa F....

1.22- Seguidamente, o arguido afastou-se, pegou num machado de cortar lenha de 34 cm de cabo, tendo a lâmina 9 cm de comprimento x 9 cm de altura x 4,5 cm de largura na parte mais larga onde encaixa o cabo, e levantou-o no ar com uma das mãos, dirigindo-se na direcção da queixosa F..., que na altura se encontrava acompanhada da E..., filha do arguido.

1.23- Ao ver o arguido, temendo que o mesmo pudesse desferir um golpe com o machado no seu corpo, a queixosa fugiu para o exterior da residência do arguido, tendo nesse momento batido com a perna direita numa porta de acesso ao pátio que se encontrava entreaberta.

1.24- Como consequência necessária e directa desta conduta do arguido, a queixosa F... sofreu, para além de dores, na região pré rotuliana uma equimose amarelada com 2 cm x 1 cm, que determinaram um período de 5 dias de doença, sem afectação da capacidade de trabalho.

1.25- Poucos minutos depois, chegou à residência do arguido o seu filho e queixoso D..., o qual foi posto ao corrente dos acontecimentos supra descritos pelas restantes queixosas.

1.26- O queixoso D...dirigiu-se então, na companhia das queixosas C... e F..., ao quarto do andar superior da residência onde se encontrava o arguido para falar com este e tentar acalmá-lo.

1.27- Porém, sem que nada o previsse, mal avistou o queixoso D..., o arguido pegou numa tesoura de comprimento total de 14 cm, com duas lâminas de 7,5 cm de comprimento cada uma, com revestimento em plástico de cor vermelha, que lhe foi apreendida, levantou-se da cama e dirigiu-se com a tesoura na mão em direcção àquele.

1.28- Ao ver o sucedido, a queixosa C... colocou-se entre os dois, tendo então o arguido desferido vários golpes com a aludida tesoura na zona do peito esquerdo daquela.

1.29- Como consequência necessária e directa desta conduta do arguido, a queixosa C... sofreu, para além de dores, na região do tórax dos quadrantes superiores da mama esquerda, equimose de coloração amarelada e arroxeada com 8,5 cm x 6 cm com escoriação central transversal com crosta com 6 cm x 0,1 cm; cinco escoriações com crosta agrupadas a maior das quais com 1,5 cm x 0,1 cm, que determinaram um período de 15 dias de doença, sem afectação da capacidade de trabalho.

1.30- Foi então que a C... e a F... lograram retirar a tesoura das mãos do arguido enquanto o D...o segurava.

1.31- De seguida, o arguido recuou e levantou o colchão da sua cama, tirando daí uma faca de cozinha com pelo menos 12,05 cm de comprimento de cabo em madeira e 13,05 cm de lâmina, levantou-a no ar com a sua mão direita e dirigiu-se na direcção do queixoso D....

1.32- Então, enquanto o queixoso D...segurava a mão direita do arguido acabou por ficar ferido com um golpe da faca no dedo indicador da mão esquerda.

1.33- Como consequência necessária e directa desse golpe, o queixoso D...sofreu, para além de dores, no dedo indicador do membro superior esquerdo, 4 escoriações transversais a maior das quais com 1,6 cm x 0,1 cm, que determinaram um período de 5 dias de doença, sem afectação da capacidade de trabalho.

1.34- Seguidamente, a queixosa C... procurou pelo quarto do arguido por mais algum objecto de natureza cortante que aquele pudesse ali esconder e pudesse ser por ele usado como arma de agressão, tendo encontrando numa caixa por cima do guarda-fatos: uma faca de cozinha de 13 cm de punho em madeira e 25 cm de lâmina e uma faca de cozinha de 14 cm de punho em plástico e 24 cm de lâmina.

1.35- O arguido agiu sempre com o propósito, de maltratar o corpo e a saúde da queixosa C..., provocando-lhe dores e as lesões acima descritas, deixando-a sempre em constante sobressalto pela segurança da sua integridade física e paz de espírito, bem sabendo que as expressões supra aludidas eram, como foram, pelo contexto em que foram proferidas, adequadas a ofender a sua honra e a causar na queixosa medo e receio pela sua integridade física ou pela própria vida, provocando-lhe permanente sentimento de instabilidade que se reflectia no seu estado psíquico.

1.36- O arguido actuou com o propósito consumado de ofender o corpo ou a saúde das queixosas F... e E... e, no que a estes últimos respeita, estando perfeitamente ciente de quem eram os mesmos.

1.37- Em relação às queixosas C... e F..., o arguido persistiu na actuação acima descrita, ao longo do período de tempo mencionado, uma vez que ambas se encontravam sempre na sua residência e sobre elas tinha maior ascendente físico, o que facilitou a sua conduta.

1.38- Ao proferir as expressões acima descritas em 21, pelo conteúdo sério e intimidativo que as mesmas revelam e no respectivo contexto descrito em 22, o arguido sabia que tais expressões eram, como foram, adequadas a causar na queixosa F... medo e receio pela sua integridade física.

1.39-0 arguido sabia igualmente que as facas que lhe foram apreendidas podiam ser usadas como armas de agressão não justiçando o facto de as deter naquele local do quarto.

1.40- O arguido sabia que toda a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

1.41- A queixosa C... já começou a desenvolver esforços para obter o divórcio mas o arguido insiste em manter a relação conjugal.

1.42- No fim de semana anterior à audiência de julgamento, no domingo 20.03.2011, o arguido levou a filha E... a jantar consigo mas depois começou a insistir para saber onde a queixosa C... e a filha estava a morar mantendo tal insistência até ao ponto de a colocar em pânico dizendo que não a levava a casa se ela não revelasse tal.

1.43- O arguido teve um acidente de trabalho em resultado do qual lhe foi colocada uma prótese numa perna pelo que anda a fazer tratamento em França onde, apesar disso, trabalha como pedreiro ganhando € 5,00 por hora sendo que trabalha cerca de 40 horas por semana; tem como habilitações escolares a 4ª classe.

1.44- A descrita actuação do arguido causaram vergonha e humilhação à assistente e fizeram-na sentir-se enfraquecida na sua imagem de pessoa pacata, trabalhadora, honesta, séria e boa mãe de família; a assistente viu-se obrigada a abandonar a casa onde moravam devido às actuações do arguido.

2- O arguido A... foi condenado, no processo abreviado nº 488/10.1 GAVGS, do Juízo de Pequena Instância Criminal de Ílhavo, da Comarca do Baixo Vouga, onde foi condenado, por decisão de 10.05.2011, transitada em julgado em 28.05.2012, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples (150 dias de multa) e um crime de violência doméstica (20 meses de prisão suspensa por igual período), por factos ocorridos em 21.08.2010; a pena de multa foi declarada extinta pelo pagamento em 20.11.2012;

Tal condenação assentou nos seguintes factos:

2.1- O arguido e a assistente C... contraíram casamento católico em 21/12/1985.

2.2- O casal fixou residência na localidade de ..., área do concelho de Vagos.

2.3- O arguido consome por diversas vezes álcool em excesso, tornando-se agressivo nessas ocasiões.

2.4- No dia 21/08/2010, cerca das 17h55m, na via pública em frente à residência da assistente G..., sita na Rua ..., ..., concelho de Vagos, por motivo não concretamente apurado, o arguido dirigiu à assistente C... as seguintes palavras: "puta, tens amantes, mataste o meu filho, filha da puta ...".

2.5- De seguida, o arguido mordeu a assistente C... no sobrolho esquerdo tendo, como consequência necessária e directa da sua conduta lhe causado na face, região frontal esquerda e duas feridas contusas superficiais medindo cada uma 3xO,5 cm; supracílio esquerdo com ferida contusa superficial medindo 1 cm; região periorbitária esquerda com hematoma e equimose arroxeada medindo 5,5x4 cm, que determinaram para a assistente um período de 12 dias de doença, com 5 dias de afectação da capacidade para o trabalho em geral e com 8 dias de afectação da capacidade para o trabalho profissional.

2.6- Entretanto, ao ver o sucedido, a assistente G..., mãe da assistente C..., dirigiu-se para junto do arguido e puxou-o pelas costas. 2.7- Acto contínuo, o arguido desferiu uma pancada com as mãos no braço direito da assistente G....

2.8- Como consequência necessária e directa desta conduta, a assistente G... sofreu, para além das dores, no membro superior direito, antebraço direito com ferida superficial medindo 2,5x1,5 cm e equimose arroxeada medindo 2,5x2 cm no terço distal na face posterior, que determinaram um período de 10 dias de doença, com 5 dias de afectação da capacidade de trabalho geral e sem afectação da capacidade de trabalho profissional.

2.9- O arguido agiu sempre com o propósito, conseguido, de maltratar o corpo ou a saúde da assistente C..., provocando-lhe dores e as lesões acima descritas, deixando-a em constante sobressalto pela segurança da sua integridade física e paz de espírito, bem sabendo que as expressões proferidas, adequadas a ofender a sua honra, provocando-lhe permanente sentimento de instabilidade que se reflectia no seu estado psíquico, apesar de bem saber que toda a sua conduta era ilícita e punida por lei penal.

2.10- Actuou igualmente com o propósito consumado de ofender o corpo ou a saúde da assistente G....

2.11- Sabia que a sua conduta era proibida punida por lei penal.

2.12- Os factos acima descritos proferidos e realizados na via pública, presenciado por vizinhos e pessoas que passavam na via pública.

2.13- As demandantes sentiram-se muito envergonhadas e humilhadas. 2.14- Por cada dia de trabalho a demandante C... aufere cerca de €. 25,00 por dia; recebeu €: 60,00 a título de subsídio de doença;

2.15- A demandante G... sofreu dores intensas nas zonas atingidas.

3- O arguido, nascido em 10.11.1961, está preso desde 22.03.2012, foi detido em França (pelas autoridades judiciárias francesas) em cumprimento de mandado detenção europeu emitidos à ordem destes autos para submissão à medida de coacção de prisão preventiva; na altura trabalhava em França como pedreiro, para onde se deslocara em Janeiro de 2011, vivendo em casa de um irmão que igualmente lhe dava trabalho na sua empresa de construção civil; desde que está preso o arguido não tem consumido bebidas alcoólicas.

4- O arguido estudou até à 4ª classe, passou a ajudar a família nos trabalhos agrícolas e a partir dos 16 anos dedicou-se à construção civil começando como servente de pedreiro; casou com C... em 1985 de quem se divorciou em 14.11.2012 (após convolação para divórcio por mútuo consentimento), têm dois filhos de 26 e 14 anos de idade, respectivamente; faleceu-lhe outro filho em 1996 (a criança tinha 4 anos de idade) por envenenamento acidental o que lhe causou profundo transtorno emocional e o levou ao consumo excessivo de bebidas alcoólicas; trabalhou, durante cerca de 11 anos, como cozinheiro em barco de pesca longínqua e depois na construção civil em Portugal França e Alemanha.

5- Para além das anteriores condenações, o arguido foi julgado nos seguintes processos:

5.1- processo sumário nº 700/03.3GAVGS, do Tribunal Judicial da Comarca de Vagos, onde foi condenado, por sentença de 05.11.2003, pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, por factos ocorridos em 04.11.2003, na pena de 70 dias de multa à taxa diária de € 3,00; tal pena foi declarada extinta em 25.01.2005;

5.2- processo comum singular nº 351/05.8GAVGS, do Tribunal Judicial da Comarca de Vagos, onde foi condenado, por sentença de 25.10.2006, pela prática do crime de maus tratos do cônjuge, por factos ocorridos em 09.07.2005, na pena de 14 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 2 anos com a condição de o arguido realizar tratamento médico ao alcoolismo, em termos a definir pelo Centro de Tratamento de Alcoolismo do Centro Hospitalar Sobral Cid; tal pena foi declarada extinta em 19.01.2009.

5.3- processo comum singular nº 295/11.4GAILH, do Juízo de Média Instância Criminal de Vagos, da Comarca do Baixo Vouga, onde foi condenado, por sentença de 26.06.2012, pela prática de um crime de ameaça, por factos ocorridos em 13.05.2011, na pena de três meses de prisão substituída por 120 dias de multa à taxa diária de €5,00, que já foi declarada extinta pelo pagamento; as ameaças foram proferidas contra a então ainda esposa C... afirmando, nomeadamente "hei-de matá-la quando a encontrar no cemitério";

5.4- processo sumário nº 595/09.3GAVGS, do Juízo de Pequena Instância Criminal de Ílhavo, da Comarca do Baixo Vouga, onde foi condenado, por sentença de 30.09.2009, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, por factos ocorridos em 11.09.2009, na pena de cem dias de multa à taxa diária de seis euros, que já se mostra paga; o arguido conduzia com uma TAS de 2,55 g/l;

5.5- processo comum singular nº 673/10.6GAVGS, do Juízo de Média Instância Criminal de Vagos, da Comarca do Baixo Vouga, onde foi condenado, por sentença de 26.10.2011, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, por factos ocorridos em 17.11.2010, na pena de dois meses de prisão substituída por cento e vinte dias de multa à taxa diária de seis euros, que já mostra paga; o arguido conduzia com uma TAS de 2,18g/1.


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Nenhuns outros factos com relevância para a decisão se provaram em audiência, nomeadamente não se demonstrou que o arguido já tenha efectuado o pagamento das indemnizações a cujo pagamento foi condenado nos processos nem que tem trabalho garantido assim que for restituído à liberdade, assim como ficou demonstrado que o mesmo tenha interiorizado qualquer arrependimento.

Esta matéria de facto foi fundamentada nos seguintes termos:

A decisão do tribunal, tomada em consciência e após livre apreciação crítica das provas que concorreram para a formação da sua convicção fundou-se na análise conjugada dos documentos existentes nos autos (certidões respeitantes às condenações em causa bem como no CRC).

A situação pessoal do arguido foi apurada a partir das suas declarações, do teor das decisões em causa e bem assim do relatório dos serviços sociais e bem assim dos documentos juntos pelo arguido na parte em que se mostraram com verosimilhança.

A testemunha B..., irmã do arguido, falou da sua relação com o irmão, dizendo que poderia ajudá-lo caso o mesmo chegasse à liberdade; explicou como veio de França o dinheiro do arguido para o pagamento das multas, quanto às indemnizações diz que "já foi resolvido" sem saber explicar ou concretizar mais; salientando-se a alteração de linguagem corporal, nomeadamente ruborizar, mexer os pés, apertar as mãos cruzadas entre as pernas revelador de todo o desconforto que ia sentindo. Mostrou-se pouco isenta face ao esforço de apoio ao irmão e sem serenidade para merecer credibilidade.

No que respeita aos factos não provados os meios de prova produzidos em audiência de julgamento não permitem uma afirmação convicta sobre a sua ocorrência; com efeito os documentos juntos pelo arguido afirmando que C... (relativamente aos processos 596/09.1 GAVGS e 488/10.1 GAVGS) e G... (processo 488/10.1 GAVGS) não correspondem a qualquer ressarcimento porquanto o mesmo afirmou em audiência que não fez qualquer pagamento mas que tal corresponde a contas a acertar em sede de partilhas dos bens do casal entretanto divorciado; aliás a própria data dos mesmos (14.12.2012) não permite qualquer outra conclusão acerca da respectiva feitura. Além disso, a declaração emitida pelo irmão do arguido desde França não permite tal conclusão porquanto as condições do mercado de trabalho encontram-se especialmente volúveis e nada se conhece acerca da capacidade empresarial da sociedade do irmão do arguido, trata-se de uma declaração de apoio fraternal.

O arguido clama por arrependimento, o tribunal entende que não se pode confundir tal sentimento de reconstrução interior com a resignação pela situação ou a afirmação meramente estratégica; com efeito, apenas se mostra arrependido de estar preso e nada mais. Aliás, até quanto aos alegados pagamentos das indemnizações se mostrou corresponderem a meras declarações vagas e sem efeitos práticos eventualmente para levar em conta em partilhas futuras.

Vejamos então as questões suscitadas pelo recorrente, começando pelo suposto erro na fixação da matéria de facto:

Começa o recorrente por alegar que em sede de audiência afirmou que tinha trabalho, tanto em França como em Portugal e que também a sua irmã, B...afirmou que o arguido tinha trabalho em França, pelo que deveria ter sido dado como provado que “o arguido, uma vez em liberdade, terá trabalho na empresa melhor identificada nos documentos supra melhor referidos”, reportando-se aos documentos juntos em audiência sob os nºs 10 e 11.

O tribunal recorrido explicitou, no entanto, as razões que o levaram a considerar como não provado tal facto. Como é óbvio, a prova de um facto não se basta com a sua mera verbalização pelo próprio arguido e por uma testemunha que para além de se ter apresentado como pouco credível, está unida ao recorrente por laços de sangue, visto ser sua irmã. Também os documentos a que o recorrente se reporta têm que ser analisados com a devida cautela, posto que se trata de uma declaração subscrita pelo irmão do recorrente e de um contrato de trabalho de duração indeterminada, reportado a 1 de Abril de 2011, assinado pelo recorrente e pelo seu irmão. Não constituindo prova plena, são meios de prova submetidos à livre convicção do tribunal, que no seu prudente arbítrio e por apelo a regras de experiência comum, os considerou insuficientes para considerar provados os factos alegados, conclusão que, vistas as circunstâncias, não é merecedora de qualquer reparo.

Alega ainda o recorrente que já ressarciu as vítimas dos seus crimes, C... e G..., facto que assumiria especial relevância para o juízo de prognose favorável, tendo juntado três declarações assinadas pelas ofendidas, pelo que se não compreenderia que tais factos não tivessem sido dados como provados.

As três declarações juntas aos autos, assinadas pelas ofendidas, todas elas datadas de 14 de Dezembro de 2012, duas delas assinadas pela ofendida C... e uma terceira contendo a impressão digital de G..., não traduzem, no entanto, um efectivo ressarcimento das ofendidas. Consignou o tribunal colectivo na motivação do acórdão recorrido que “(…) os documentos juntos pelo arguido afirmando que C... (relativamente aos processos 596/09.1 GAVGS e 488/10.1 GAVGS) e G... (processo 488/10.1 GAVGS) não correspondem a qualquer ressarcimento porquanto o mesmo afirmou em audiência que não fez qualquer pagamento mas que tal corresponde a contas a acertar em sede de partilhas dos bens do casal entretanto divorciado”, afirmação que o arguido, aliás, nem sequer põe em causa. Nessa medida, também quanto a este aspecto a matéria de facto assente não merece qualquer censura.

Sustenta ainda o recorrente que se deveria ter considerado com provado que “está sinceramente arrependido”, face ao teor das suas declarações em audiência, ao depoimento da sua irmã B... dizendo que o vê muito arrependido e ao facto de ter ressarcido as vítimas e de se ter divorciado da vítima C... por mútuo consentimento.
Estamos manifestamente no domínio do art. 127º do CPP. O tribunal recorrido valorou, segundo as regras da experiência e a sua livre convicção, a prova produzida e dela retirou as conclusões pertinentes, nada autorizando a substituição da sua convicção pela opinião relativa à prova que vem expressa pelo recorrente. Não basta o facto de o recorrente declarar em audiência o seu arrependimento para que este se tenha como provado. Uma coisa é o teor das declarações proferidas em audiência e outra completamente distinta é o relevo ou a credibilidade que lhes é atribuída pelo julgador. De resto, o arrependimento que verdadeiramente releva para aferir da necessidade da pena é o demonstrado por actos, antes da condenação, não o que resulta de declarações com sentido de oportunidade, no decurso do cumprimento de pena de prisão.
Por fim, entende o recorrente que deveria ter-se considerado comprovado que “tem o apoio de todos os seus irmão para a desejada reintegração”, esgrimindo com as circunstâncias de o seu irmão ser o seu empregador quando vier a ser libertado e de a sua irmã ter afirmado em audiência que quando for libertado, o recorrente irá viver para sua casa enquanto não tiver condições para ir trabalhar para França.
Valem, quanto a este particular aspecto, uma vez mais, as afirmações que fizemos relativamente à livre apreciação da prova. A verbalização de um projecto, de uma ideia, de uma intenção, comporta sempre uma larga margem de subjectivismo, não constituindo garantia da sua realização. São processos de intenções, que poderão ou não perdurar e que poderão ou não efectivar-se quando o momento chegar. Daí que o tribunal deva sempre pautar-se, quanto a tais “factos”, por um juízo de cautela assente na globalidade da prova, nas regras da experiência comum e, sobretudo, na prognose que a personalidade do arguido consentir. Não vemos, pois, que o tribunal tenha incorrido em qualquer erro na fixação da matéria de facto que considerou como assente, nenhuma razão assistindo ao arguido quanto a este particular aspecto.

A arguição de nulidade decorrente de omissão de pronúncia funda-se exclusivamente na circunstância de, segundo o recorrente, o tribunal recorrido não se ter pronunciado sobre a alegação dos aspectos que acabámos de tratar e que, como vimos, não tinham suporte probatório que incontornavelmente impusessem a sua consideração como provados. O acórdão recorrido, ainda que de forma sintética, tomou posição, no essencial, relativamente ao alegado, nele tendo sido consignado que “nenhuns outros factos com relevância para a decisão se provaram em audiência, nomeadamente não se demonstrou que o arguido já tenha efectuado o pagamento das indemnizações a cujo pagamento foi condenado nos processos nem que tem trabalho garantido assim que for restituído à liberdade, assim como ficou demonstrado que o mesmo tenha interiorizado qualquer arrependimento”. Não ocorre, pois, em bom rigor, verdadeira omissão de pronúncia, tanto mais que a amplitude da prova a produzir na audiência a que se reporta o art. 472º do CPP – e consequentemente, a amplitude dos factos necessários para a decisão – restringe-se às diligências que o tribunal considere necessárias (assim o diz o nº 1 do citado art. 472º), obviamente limitadas pela averiguação da personalidade do agente, posto que os factos atinentes aos crimes cujas penas haverá que cumular e a respectiva valoração autónoma já constarão do processo (e a determinação da medida da pena do concurso implica exclusivamente a consideração conjunta dos factos praticados e da personalidade do agente, como expressamente o determina o art. 77º, nº 1, do Código Penal).

Resta assim averiguar se a pena única que veio a ser determinada (cuja extensão não foi posta em crise pelo recorrente) deveria ter sido suspensa na sua execução.

Uma das finalidades das penas apontadas pelo art. 40º, nº 1, do Código Penal é a protecção dos bens jurídicos, que se alcança através da realização das finalidades de prevenção, geral e especial. E são, precisamente, razões de prevenção, que necessariamente hão-de presidir à escolha da pena. “São finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação” [1], escolha que dependerá essencialmente de considerações atinentes às necessidades de prevenção especial de ressocialização e de prevenção geral sob a forma de satisfação do «sentimento jurídico da comunidade».

As necessidades de prevenção, impositivas da opção pela pena de prisão em prejuízo da alternativa da pena de substituição, na vertente de pena de suspensão da execução da pena, para os crimes a que tenha sido aplicada pena de prisão de medida não superior a cinco anos, foram devidamente ponderadas no acórdão recorrido, em que se concluiu pela inviabilidade da suspensão no caso vertente. Não vemos que essa conclusão seja desmentida pelos elementos atendíveis, como se demonstrará:

Segundo o art. 50º do Código Penal, “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

Temos, pois, como condicionadores da suspensão da execução da pena de prisão, um pressuposto de natureza formal – pena aplicada não superior a cinco anos de prisão – e um conjunto de requisitos materiais, cuja concretização casuística permitirá formular o juízo de prognose em que se vem a traduzir a decisão de suspensão, a saber, a personalidade do agente, as suas condições de vida, a conduta anterior e posterior ao facto criminoso e as circunstâncias deste.

            Haverá assim que equacionar, num primeiro momento, a personalidade do agente, a valorar de acordo com os indícios reunidos susceptíveis de fornecer elementos concernentes à seriedade e vontade do próprio arguido em lograr a sua reintegração social, adoptando uma postura que se identifique com os valores comummente aceites pela sociedade, mas sobretudo que opere uma definitiva cisão com a vertente da sua personalidade que o determinou ao cometimento do crime. Nesta acepção, o conceito de personalidade atendível será o da personalidade por referência ao facto.

Ora, o que nos diz o provado neste particular aspecto é que o arguido já tinha sofrido condenações por sentença de 25.10.2006, pela prática do crime de maus tratos sobre cônjuge, por factos ocorridos em 09.07.2005, na pena de 14 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 2 anos com a condição de realizar tratamento médico ao alcoolismo, em termos a definir pelo Centro de Tratamento de Alcoolismo do Centro Hospitalar Sobral Cid. Essa pena foi declarada extinta em 19.01.2009, mas logo nesse mesmo ano o arguido praticou os factos que conduziram às condenações agora em análise para efeitos de cúmulo jurídico. Aliás, quanto à pena de 4 anos de prisão que lhe havia sido imposta em cúmulo jurídico de penas efectuado no âmbito destes mesmos autos, a Relação de Coimbra pronunciou-se, por acórdão transitado em julgado, no sentido da efectividade da pena, como havia sido decidido em 1ª instância, negando-lhe a possibilidade de suspensão. Sobreveio ulteriormente o conhecimento da prática de dois crimes de condução de veículo em estado de embriaguez, bem como a prática de um crime de ameaça praticado um mês depois da condenação pelos factos dos presentes autos. Não será, pois, neste retrato emergente dos seus antecedentes, revelador de extrema vulnerabilidade à afectação pelo consumo de álcool, que se poderá estribar uma razão válida para a almejada suspensão. Não colhe, por outro lado, o argumento de que o arguido revela recuperação dessa problemática pelo facto de actualmente não consumir álcool, já que a mera consulta do provado revela que o não consome apenas porque está preso, sujeito, nessa medida às limitações e regras de conduta decorrentes da condição de recluso, nada garantindo que não reincida no abuso de bebidas alcoólicas logo que libertado.

Também por recurso aos elementos disponíveis relativos à sua conduta, tanto a anterior como a posterior aos factos dos presentes autos, se não descortinam quaisquer elementos que pudessem pesar a favor duma eventual suspensão da pena. De resto, em função da análise conjunta dos factos e da personalidade conclui-se que tanto ao nível da protecção dos bens jurídicos violados, como na vertente da reintegração social, a suspensão da execução da pena é de rejeitar, por totalmente desajustada. Não só a comunidade jurídica não assimilaria como eficaz uma tal medida, como a sua aplicação em nada contribuiria para a recuperação social do ora recorrente.

                Ou seja, os elementos disponíveis nos autos não permitem concluir que a simples censura do facto e a ameaça da pena se oferecem como suficientes para afastar o ora recorrente da criminalidade, satisfazendo simultaneamente as necessidades de reprovação e prevenção do crime. Bem pelo contrário, o recorrente revelou através do seu comportamento carecer para completa ressocialização de uma pena de prisão efectiva, que se revela como a única pena capaz de lhe fazer sentir o desvalor das condutas que determinaram a sua condenação. Em conclusão, não estão verificados os pressupostos da suspensão da execução da pena, nada nos autos consentindo o juízo de prognose favorável em que aquela necessariamente deveria assentar, pelo que bem andou o tribunal recorrido ao não suspender a pena de prisão imposta ao arguido.

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III – DISPOSITIVO:

Nos termos apontados, nega-se provimento ao recurso.

Por ter decaído integralmente no recurso interposto, condena-se o recorrente na taxa de justiça de 3 UC.

                                                                                             

                                               (Jorge Miranda Jacob - Relator)

                                               (Maria Pilar de Oliveira)


[1] - Figueiredo Dias, “Direito Penal Português”, pág. 331