Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3309/16.8T8VIS A.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: BARATEIRO MARTINS
Descritores: EXECUÇÃO
EMBARGOS DE EXECUTADO
LIVRANÇA
RELAÇÃO CAMBIÁRIA
CONVENÇÃO EXTRACARTULAR
AVAL
FALTA DE CAUSA
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
FIANÇA
Data do Acordão: 02/12/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - VISEU - JUÍZO EXECUÇÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS1, 12, 14, 17, 26, 28, 30, 31, 77 LULL, 628, 642, 654 CC
Sumário: 1 - Da mera colocação da assinatura numa letra/livrança decorre, segundo a LU, um significado jurídico-negocial (um efeito de direito) preciso, o qual confere ao portador de tal letra/livrança o exercício do respectivo direito cambiário (o direito de exigir o pagamento de uma quantia em dinheiro com a simples apresentação da letra/livrança), nada mais tendo de alegar ou provar.

2 – Sendo a partir daqui, desta significativa vantagem (uma vez que há como que uma “inversão do ónus da prova”), que ao devedor cambiário cabe o ónus de alegar e provar aquilo que genericamente se designa como a “falta de causa”.

3 - Quando um litígio envolve letras ou livranças, temos a relação fundamental, o instrumental negócio cambiário e, “no meio”, a “explicar” a função económico-social desempenhada pelo negócio cambiário, a convenção executiva; situando-se a “falta de causa” nas relações obrigacionais extracartulares (plano extracartular) geradas pela convenção executiva e pela relação fundamental (relações obrigacionais estas cuja disciplina não consta da LU).

4 – Plano extracartular este que, porém, o devedor cambiário só poderá invocar se se encontrar ligado por relações pessoais ao credor cambiário que concretamente o demanda; se estiverem nas relações imediatas, com o sentido de participarem numa mesma convenção executiva.

5 – O avalista, pelo negócio jurídico unilateral do aval, não assume a obrigação principal, mas tão só uma obrigação de garantia, porém, uma garantia em que faltam a acessoriedade e a subsidiariedade, razão pela qual não garante ou cauciona tão só a obrigação do avalizado, garantindo/caucionando, isso sim, o pagamento da letra/livrança, inserindo-se sua obrigação de garantia no conjunto das obrigações que fazem parte do lado passivo da relação jurídica cambiária.

6 - Aval que é uma situação em que o negócio cambiário se limita a aproveitar as utilidades decorrentes do recorte jurídico das letras/livranças, em que existe apenas uma convenção executiva e não uma qualquer relação fundamental que sirva como “causa remota” da assinatura cambiária.

7 - Podem os avalistas alegar, em termos de “falta de causa”, as vicissitudes extracartulares decorrentes da convenção executiva subjacente ao aval e, tendo participado na convenção executiva entre avalizado e credor, as vicissitudes da relação fundamental do avalizado.

8 - Não estando afastada a hipótese de quem presta o aval se poder assumir, paralelamente, como fiador da obrigação fundamental extracartular, tal fiança, para existir, carece de ser demonstrada, sendo que a simples declaração cambiária do avalista aposta na letra/livrança não vale como fiança.

9 – Um avalista em branco, que se obrigou cambiariamente por ser sócio-gerente da subscritora da letra/livrança, estando-se perante um financiamento disponibilizado antes da cessão da participação social e estando a dívida garantida previamente determinada, não se desvincula da obrigação decorrente da subscrição em branco por ter cedido a sua participação social e se ter desligado da vida societária.

Decisão Texto Integral:



Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

A (…) e C (…), com os sinais dos autos, por apenso à execução para pagamento de quantia certa que lhe moveu o Banco B (…)SA, também id. nos autos – para haver deles a quantia de € 20.571,71 (sendo € 19.844,77 de capital, inscrito na livrança avalizada pelos executados e dada à execução, e o restante de juros vencidos) e juros vincendos – vieram deduzir embargos à execução, alegando, em síntese:

Que a “execução (…) corre por efeito de aval por eles prestado ao contrato de locação financeira mobiliária n.º (...) ”[1], “contrato que foi celebrado entre o B (…) crédito e a sociedade P (…), Lda., da qual o embargante era à data gerente[2]; e que só por o embargante ser gerente é que os avales foram prestados.

Que, “em Novembro de 2011, (…) o embargante cedeu a sua quota a F (…), que assumiu todas as suas obrigações inerentes, tendo-se obrigado, em especial, a substituir os avales prestados pelos embargantes, tudo conforme documentação e pedido apresentados junto do B (…) de (...) , para substituição das garantias[3], tendo os embargantes ficado convencidos “do bom efeito jurídico da sua comunicação”.

Que, “em Maio de 2013, contudo, a ora exequente remeteu correspondência aos embargantes informando da existência de prestações em atraso no referido contrato, sem levar em conta a extinção já operada dos avales.”[4]

Que a exequente não recuperou o seu crédito (financiamento para a aquisição da máquina de impressão MIMKI UJF 3041) por não ter sido diligente e não ter accionado os meios ao seu dispor para recuperar o bem objecto do negócio.

Que “a transmissão do crédito [ao banco exequente] foi feita sem garantias”, que “essa é uma condição do endosso (…) no caso concreto”, pelo que, “sendo o aval dos embargantes uma garantia constante do título e sendo o endosso por via da cessão de créditos sem garantia (o que o aval representa), não foi transmitida a eventual responsabilidade dos embargantes”; uma vez que “das condições do endosso não consta sem garantia real (consta sem garantia o que quer dizer sem qualquer garantia)” e visto que “a obrigação assumida pelos embargantes é uma garantia pessoal”, “a operar o princípio da literalidade, o aval no caso não foi transmitido”[5].

Contestou o Banco exequente, dizendo, em síntese, que preencheu devidamente a livrança entregue assinada em branco – para garantir o pagamento das rendas do contrato de locação junto aos autos – por ambos os executados, reflectindo a quantia inscrita na livrança a quantia em dívida decorrente de tal contrato de locação; negando ter aceite ou acordado a substituição das garantias invocada pelos embargantes e qualquer falta de diligência no accionamento dos meios ao seu dispor para recuperar o bem objecto do negócio; e impugnando a relevância jurídica extraída pelos embargantes da expressão “sem garantia” constante do endosso da livrança.

E concluiu pela total improcedência da oposição.

Conclusos os autos – após a realização da devida audiência prévia – passou a conhecer-se de imediato do mérito, tendo sido proferida sentença – em que foi declarada a total regularidade da instância, estado em que se mantém – em que se julgou a oposição, por embargos, totalmente improcedente, mandando prosseguir os termos da execução.

Inconformados com tal decisão, interpõem os executados/embargantes o presente recurso de apelação, visando a sua revogação e a sua substituição por decisão que revogue o decidido e que “ordene a remessa dos autos a julgamento para que venham a considerar-se procedentes”.

Terminaram a sua alegação com as seguintes conclusões:

“(…)

1ª – A responsabilidade dos recorrentes no caso decorre de aval prestado em contrato de locação financeira. A livrança só titula garantia dessa obrigação que não é autónoma relativamente à obrigação.

2ª - É possível o avalista desobrigar-se do aval se forem cumpridos os formalismos e condições dos artigos 642º, 648º e 654º do Código Civil, o que os recorrentes no caso fizeram.

3ª- No caso o credor não cumpriu as obrigações de zelo na cobrança da obrigação junto do devedor principal nem de salvaguarda do património que garantiu as obrigações assumidas.

4ª- Sendo a exequente a dona da máquina objeto de negócio e nada tendo feito para recuperar a sua posse, atua em prejuízo do avalista sujeitando-se à liberação da garantia requerida pelo avalista.

Por tudo se entendem violadas as normas previstas nos artigos 227, 642, 648, 654 do CC e artigos 607 nº 4, 608 nº 2, 615 nº 1 d) do CPC.

 (…)”

O Banco exequente respondeu, sustentando, em síntese, que não violou a sentença recorrida as normas processuais e substantivas referidas pelos embargantes/apelantes, pelo que deve ser mantida nos seus precisos termos.

Dispensados os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.


*

II – Fundamentação de Facto

Estão provados os seguintes factos:

1) Na execução a que os presentes embargos de executado correm por apenso foi apresentado pelo "B (…) S.A.", como título executivo, uma livrança com o n.º (...), emitida no (...) , no dia 27 de julho de 2015, no montante de € 19.844,77, com vencimento a 4 de agosto 2015, subscrita por P (…), Lda., para ser paga ao B (…), SA, ou à sua ordem, avalizada no verso – após a expressão “dou o meu aval à firma subscritora” – pelos executados/embargantes A (…) e C (…) e endossada, também no verso, “por via de cessão de créditos sem garantia” pelo B (…) , conforme documento junto a fls. 46 do processo de execução cujo conteúdo dou por reproduzido.

2) A livrança foi emitida em consequência da celebração de um contrato de locação financeira – proposta n.º (...) – entre o B (…) SA[6], na posição de locador, e a P (…), Lda., na posição de locatária, conforme documento de fls. 14 v.º a 17 v.º, cujo conteúdo se dá por reproduzido e em cuja cláusula 21.ª consta:

(…) Garantias de cumprimento

1 - Para garantia do cumprimento das obrigações assumidas no presente contrato (…), o locatário obriga-se a entregar ao locador uma livrança em branco por si subscrita e avalizada ou não por terceiros, conforme pacto de preenchimento. (…)”

3) Entre a P (…), Lda., como primeira outorgante, os executados, como segundos outorgantes, e o B (…), SA, como terceira outorgante, foi outorgado documento, que designaram como “Convenção de Preenchimento de Livrança em Branco” e da qual consta:

“(…)

Pela presente convenção o 1.º outorgante reconhece ao 3.º outorgante o direito de unilateralmente completar o preenchimento da livrança em anexo, na qual é subscritor, nomeadamente fixando a data de vencimento que entender e a quantia pela qual a mesma valer, desde que não exceda o montante das responsabilidades decorrentes do contrato de locação financeira com a proposta n.º (...) (…)

Os segundos outorgantes declaram que possuem perfeito conhecimento de todas as responsabilidades assumidas pelo primeiro outorgante, nomeadamente do seu montante e das emergentes do seu eventual incumprimento temporário ou definitivo do contrato de locação financeira supra referido, bem como dos termos da presente Convenção, à qual dão o seu total acordo, sem quaisquer tipos de restrições e excepções, autorizando o preenchimento da livrança, por si avalizada, nos precisos termos exarados.

(…)”

4) Foi celebrado um contrato designado por “contrato de compra e venda e cessão de posição contratual” entre B (…), SA, na qualidade de cedente, e B (…) na qualidade de cessionário, conforme documento junto a fls. 7 a 37 do processo de execução cujo conteúdo dou por reproduzido.

5) O "B (…), S.A." é actualmente designado por "B (…)


*

Encontravam-se pois os factos constantes da sentença recorrida incompletamente redigidos.

Faltava – o que se acrescentou – o seguinte:

- mencionar o nome da pessoa a quem ou à ordem de quem a livrança devia ser paga[7];

 - mencionar o que consta do verso da livrança antes da assinatura dos executados;

 - mencionar o que consta do verso da livrança depois da assinatura dos executados (o endosso);

 - mencionar quem se apresentou, na execução, como titular/portador da livrança;

 - fazer constar a convenção de preenchimento da livrança;

 - mencionar que o B (…) é a actual designação do B (…).


*


III – Fundamentação de Direito

Quando um litígio envolve letras ou livranças, como é o caso, há quase sempre (para não dizer, sempre) que considerar e distinguir dois planos jurídicos – o plano cartular e o plano extracartular – funcionando o plano cartular como um “limite” e ponto de partida para o que se pode/deve dizer e invocar em termos extracartulares; por outras palavras, ainda que as questões suscitadas se situem (como é caso e é a regra) no plano extracartular, a sua devida e correcta colocação nunca pode/deve perder de vista a existência de dois planos.

Expliquemo-nos[8]:

Quer consideremos, com a doutrina tradicional, que as obrigações cambiárias resultantes das letras/livranças se caracterizam pela incorporação do direito no título, pela literalidade, pela independência reciproca, pela autonomia e pela abstracção (com tudo o que tais “fórmulas condensadas” significam), quer consideremos, com a doutrina mais recente[9], que o que caracteriza os negócios jurídicos cambiários é tão só a sua natureza constitutiva, incondicionabilidade e não-indicação da causa, temos sempre que ter presente:

 - que a assinatura aposta numa letra/livrança, seja qual for a qualidade em que o sujeito intervém, faz nascer, contra tal subscritor, uma obrigação nova e distinta de qualquer outra já existente; ou seja, faz nascer e funda – constitui – um novo crédito independente;

- que os negócios cambiários se esgotam em puros efeitos de direito; ou seja, que não contêm a indicação da causa, que os seus efeitos jurídicos se produzem com abstracção da sua causa[10];

 - que tais efeitos não podem ser submetidos a uma qualquer condição (como resulta do art. 1.º/2 da LU para o saque, que tem uma função matricial no direito cambiário; do art. 12.º/1 para o endosso, que, na sua função de transmissão do direito, deve ser puro e simples; e do art. 26.º/1 para o aceite, que também é puro e simples).

Efeitos de direito esses que decorrem do significado jurídico-negocial preciso que a LU atribui à mera colocação no título de assinaturas/subscrições[11].

Quem emite uma letra é sacador e ao assiná-la procede ao seu saque, que é o negócio jurídico unilateral que tem por efeitos a constituição e atribuição do direito cambiário, bem como a vinculação do sacador à garantia da aceitação e pagamento da letra; quem, identificado como sacado, a assina, na parte anterior, procede ao seu aceite, que é o negócio jurídico unilateral dirigido à constituição da obrigação cambiária principal, nos termos do art. 28.º/I da LU; ei Uniforme; quem, sendo portador da letra, a assina no verso, procede ao seu endosso, que é o negócio jurídico unilateral cujo efeito fundamental consiste na transmissão do direito cambiário (art. 14.º da LU), a par com a transferência da propriedade do documento (transmite, em simultâneo com o direito cambiário, a propriedade da letra enquanto documento)[12]; quem, não sendo sacado ou sacador, a assina na face anterior (cfr. art. 31.º da LU), procede ao seu aval, que é o negócio jurídico unilateral através do qual o avalista assume a obrigação de garantir o pagamento duma letra (art. 30.º); etc., etc..

Efeitos de direito que conferem ao portador da letra/livrança o exercício do respectivo direito cambiário, o direito de exigir o pagamento de uma quantia em dinheiro com a simples apresentação da letra/livrança e dentro dos pressupostos ou limites que a própria letra/livrança enuncia (prazo, soma e sujeitos).

Nada mais tendo o portador da letra/livrança que alegar ou provar.

Sendo a partir daqui – desta significativa vantagem do credor cambiário – que o confronto/oposição do devedor cambiário se desenvolve[13]; significativa vantagem, uma vez que há como que uma “inversão do ónus da prova”, sendo ao devedor cambiário que cabe o ónus de alegar e provar aquilo que genericamente podemos designar como a “falta de causa”.

E é exactamente neste momento – do confronto/oposição do devedor cambiário – que importa ter presente o plano extracartular, ou seja, que à volta duma letra e livrança se estabelecem, para além dos negócios jurídicos cambiários (e das consequentes relações jurídicas cambiárias), um conjunto mais ou menos complexo de relações obrigacionais extracartulares, geradas pelas chamadas convenções executivas e relações fundamentais[14]; sendo que a disciplina constante da LU se limita a regular o estrito plano cartular (requisitos do documento letra/livrança, efeitos dos vários negócios cambiários, vicissitudes das relações jurídicas a que dão origem), tendo deixado/remetido para o direito interno de cada Estado signatário (da Convenção) o plano extracartular (a relação do plano cartular com a convenção executiva e com a relação fundamental).

Efectivamente, repete-se, embora os negócios cambiários se esgotem num puro efeito de direito – seja a criação e/ou transmissão do crédito cambiário, seja a assunção de uma obrigação (principal ou de garantia), seja uma combinação de ambos – e não indiquem a respectiva causa (os efeitos jurídicos produzem-se com abstracção da sua causa), a verdade é que possuem uma causa, cujo conteúdo, porém, não consta do título (da declaração unilateral emitida), mas sim dum pacto ou dum acordo extra-cartular, expresso ou tácito, envolvendo os sujeitos da relação fundamental, pacto ou acordo que explica a função e a subscrição do título e que é normalmente designado por convenção executiva.

Temos pois[15], quando um litígio envolve letras ou livranças, a relação fundamental, o instrumental negócio cambiário e, “no meio”, a “explicar” a função económico-social desempenhada pelo negócio cambiário, a convenção executiva (que acaba por ser a causa próxima da negócio cambiário).

O que significa, quando da oposição/embargos do devedor cambiário, que as questões respeitantes à “falta de causa” da subscrição (assim como tudo o que foi acordado na relação inter partes) se devem colocar/pensar em sede de convenção executiva, começando justamente o devedor cambiário por estabelecer/interpretar esse “negócio charneira” em que participou e que a convenção executiva constituiu.

E que também significa que não podem invocar convenções executivas em que não se haja participado; o que a doutrina tradicional funda na abstracção das obrigações cambiárias (constante, segundo a mesma, do art. 17.º da LU) e que a doutrina recente faz decorrer do princípio (do direito das obrigações) “res inter alios acta”[16], segundo o qual um terceiro não deve ser nem prejudicado nem beneficiado por contingências de vínculos obrigacionais em que não tomou parte.

Seja como for, o certo é que, consoante o devedor cambiário se encontre ou não ligado por relações pessoais ao credor cambiário que concretamente o demanda – o que de há muito está vertido na dicotomia “relações imediatas” versus “relações mediatas”[17] – ele poderá ou não suscitar, como defesa, as vicissitudes da relação subjacente susceptíveis de configurar excepções causais; designadamente:

 - as invalidades (nulidades e/ou anulabilidades) da relação fundamental;

 - o incumprimento lato sensu da relação fundamental (excepção de não cumprimento, resolução, cumprimento defeituoso, etc.);

- a ineficácia em sentido mais ou menos amplo da relação fundamental (denúncia, revogação, caducidade, etc.);

 - uma qualquer excepção de direito material atribuída (ainda que tacitamente) pela convenção executiva[18].

O que opera do seguinte modo:

Não pretende o credor, numa execução (com fundamento numa letra ou livrança), o cumprimento da obrigação fundamental, vindo exigir, isso sim, o cumprimento da obrigação cambiária, que tem fonte no respectivo negócio jurídico cartular, o qual não é afectado pelas referidas vicissitudes da obrigação fundamental ou da convenção executiva, porém, desempenhando a obrigação cambiária uma função instrumental (perante a obrigação fundamental), é legítimo que a vicissitude da relação subjacente, alegada/provada pelo devedor cambiário, se repercuta na subsistência da obrigação cambiária.

Efectivamente, a circunstância de, v. g., a obrigação fundamental se não haver validamente constituído ou de vir a ser extinta compromete irremediavelmente a (instrumental) obrigação cambiária criada para a solver, garantir, novar, etc.; valendo a regra segundo a qual “um contraente, nas vestes de credor cambiário, não deve poder invocar perante a contraparte mais direitos dos que lhe advêm do negócio fundamental[19].

“A chave da defesa do devedor reside, portanto, no apuramento da vontade das partes quanto à função e finalidade da subscrição do título, tendo como pressuposto a estreita vinculação económico-jurídica que intercede entre os objectivos visados pela pretensão cambiária e pela pretensão fundamental.[20]

“ (…) Quando o devedor cambiário utiliza as vicissitudes que tem contra a obrigação fundamental está a utilizar o poder, conferido pela convenção executiva, de suspender ou neutralizar o exercício do direito cambiário. (…). As vicissitudes da relação fundamental são, neste contexto, o condicionalismo justificativo que faz nascer o poder potestativo de opor a excepção, legitimando o seu exercício.”[21]

 “(…) sendo as letras e livranças títulos executivos, o devedor deverá deduzir a excepção de direito material de que dispõe no âmbito da oposição à execução que lhe for movida (ou, naturalmente, se o cumprimento lhe for solicitado extra-judicialmente, deverá invocá-la perante o credor como justificação para não pagar), carreando para o processo as vicissitudes que acometam a relação fundamental e demonstrando que, à luz da interpretação (ou, eventualmente, da integração) da convenção executiva, tais factos o legitimam a recusar licitamente o cumprimento da pretensão cambiária, extinguindo a execução (art. 732.º/4 do CPC) (…)[22].

E isto é assim também para aquelas situações em que ao negócio cambiário não subjaz uma qualquer relação fundamental.

Há, efectivamente, situações em que os negócios cambiários se limitam a aproveitar as utilidades decorrentes do recorte jurídico das letras e livranças, em que, como sucede no aval e nas subscrições de favor[23], existe apenas uma convenção executiva[24]; e não uma qualquer relação fundamental que envolva o avalista e o subscritor de favor e que sirva como “causa remota” da sua assinatura cambiária, existindo apenas a “causa próxima” – a função de garantia – plasmada na convenção executiva[25].

“Também nestas situações, portanto, a licitude da recusa do devedor cambiário em efectuar a prestação, alegando vicissitudes extracartulares dependerá do que resultar da interpretação e integração da convenção executiva (a convenção subjacente ao aval, a convenção de favor ou a convecção que integra o próprio contrato de desconto). Se for de concluir que esta lhe outorga, nos termos que esclarecemos, uma excepção de direito material susceptível de paralisar a pretensão cambiária do credor, a providência da oposição terá por efeito a extinção da execução (art. 732.º/4 do CPC)”[26] 

Em traços grossos, é esta a estrutura lógico-jurídica da oposição dum devedor cambiário; é desta forma – nada mais tendo o portador duma letra/livrança que alegar ou provar, como supra se referiu – que o devedor cambiário cumpre o ónus de alegar e (de depois) provar a “falta de causa”.

Estrutura lógico-jurídica que os embargantes/apelantes não terão tido na devida conta, como resulta, com todo o respeito, de algumas das considerações jurídicas que as suas peças processuais espelham.

Vejamos:

Em termos cambiários, os embargantes/apelantes não suscitaram qualquer questão[27], tendo reconhecido ser deles as assinaturas constantes do verso da livrança dada à execução.

A partir daqui – do simples e mero reconhecimento de tais assinaturas serem deles e em face do preciso significado jurídico-negocial que a LU atribui à mera colocação no título de assinaturas/subscrições – decorre que os embargantes/apelantes se obrigaram cambiariamente (cfr. art 31.º e 77.º da LU) como avalistas da P (…), Lda. (firma que subscreveu a livrança); assim como decorre (mais uma vez em face do preciso significado jurídico-negocial que a LU atribui à mera colocação no título de assinaturas/subscrições) que tal livrança dada à execução (e em que eles são avalistas) tem como subscritora a referida P (…), Lda., tem como tomador o B (…) SA, e que este, no verso, endossou a livrança, “por via de cessão de créditos sem garantia[28], apresentando-se a executá-la – e a invocar a qualidade de seu portador legítimo[29], o que não é contrariado pelos embargantes – o B (…) (a actual designação do “antigo "B (…)

E continuando no preciso significado jurídico-negocial que a LU atribui à mera colocação no título de assinaturas/subscrições, há que chamar a atenção que o que os embargantes/apelantes referem nas suas peças e na conclusão 1.ª – sobre terem prestado aval ao contrato de locação financeira e de que “a livrança só titula garantia dessa obrigação que não é autónoma relativamente à obrigação” – não é juridicamente correcto.

Como supra se referiu, a assinatura aposta numa letra/livrança faz nascer e funda/constitui um novo crédito independente, os negócios cambiários produzem efeitos jurídicos com abstracção da sua causa e não podem ser submetidos a qualquer condição.

E, como também já se referiu, o avalista, pelo negócio jurídico unilateral do aval, assume a obrigação de garantir o pagamento duma letra/livrança; ao contrário do aceite (em que assume a obrigação principal), assume tão só uma obrigação de garantia (semelhante às que da lei derivam para o sacador e endossante), porém, uma garantia em que faltam a acessoriedade e a subsidiariedade, razão pela qual não se pode dizer que o avalista garante ou cauciona tão só a obrigação do avalizado, garantindo/caucionando, isso sim, o pagamento da letra/livrança, inserindo-se assim a sua obrigação de garantia no conjunto das obrigações que fazem parte do lado passivo da relação jurídica cambiária.

E isto, sendo pouco, é tudo o que há a dizer em termos cambiários: os embargantes/apelantes, em face do que consta da livrança e do significado jurídico-negocial que a LU atribui à mera colocação no título de assinaturas/subscrições, estão cambiariamente obrigados a pagar ao portador da livrança a quantia nela inscrita.

A partir daqui, cabe/cabia aos embargantes/apelantes, como já referimos, alegar e provar a “falta de causa”; ou seja, como também já referimos, colocar/pensar as questões respeitantes à “falta de causa” em sede de convenção executiva, começando justamente por estabelecer os termos desse “negócio charneira” em que participaram, suscitando a partir daqui, como defesa, as vicissitudes da relação subjacente susceptíveis de configurar excepções causais.

Não colocaram/pensaram devidamente tais questões.

Como já referimos, quem demanda os embargantes/apelantes é um portador a quem a livrança foi endossada – o tomador da livrança é o B (…), SA, e o portador/exequente é o B (….) (a actual designação do “antigo” B (…)) – e sobre a convenção executiva entre ambos (embargantes/apelantes e B (…)/exequente) não há uma única palavra nos autos[30].

E, como supra se explicou, um devedor cambiário só pode suscitar, como defesa, as vicissitudes da relação subjacente (susceptíveis de configurar excepções causais) se se encontrar ligado por relações pessoais ao credor cambiário que concretamente o demanda; se estiveram ambos nas “relações imediatas”, com o sentido de participarem numa mesma convenção executiva.

Por conseguinte, nada tendo sido dito sobre uma tal convenção executiva (entre embargantes/apelantes e B (…)/exequente), nada do que foi invocado pode ter a virtualidade de constituir uma legítima e lícita recusa de cumprimento da pretensão cambiária, uma vez que, ainda que tivessem sido invocadas vicissitudes duma relação fundamental subjacente, seriam as mesmas inoponíveis (por não estar alegado que estão nas “relações imediatas”) ao endossado e portador/exequente (cfr. art. 17.º da LU).

Admitamos, porém, pertencendo o tomador da livrança (B (…), SA) e o portador/exequente (B (…), actual designação do “antigo” B (…)) ao mesmo Grupo Bancário, que este (o portador/exequente) assumiu/reconheceu a oponibilidade das relações pessoais oponíveis ao seu endossante (e tomador da livrança), que assumiu suceder no seu lugar na convenção executiva em que o endossante participou com os embargantes/apelantes e que, em função disto, estão (exequente e executados) nas relações imediatas[31].

E, sendo assim, o que é que temos – o que é que foi alegado ou resulta dos autos – em termos de convenção executiva e de relação fundamental?

Temos muito pouco.

Sabemos que os negócios cambiários sub-judice – os avales dos embargantes – tiveram como origem um financiamento (sob a forma de locação financeira) concedido pelo B (…)Crédito, podendo dizer-se que os avales são instrumentais de tal financiamento (é o que resulta com suficiente clareza dos ponto 2 e 3 dos factos), embora não se possa/deva dizer que este financiamento é a sua relação fundamental (o aval, como referimos, é uma daquelas situações em que o negócio cambiário se limita a aproveitar as utilidades decorrentes do recorte jurídico das letras/livranças, em que existe apenas uma convenção executiva e não uma qualquer relação fundamental que sirva como “causa remota” da assinatura cambiária, existindo apenas a “causa próxima” – a função de garantia – plasmada na convenção executiva).

O que não significa que os embargantes não pudessem alegar vicissitudes extracartulares decorrentes da convenção (executiva) subjacente ao aval.

Uma vicissitude muito comumente alegada é a do financiamento (que está na origem “remota” dos negócios cambiários e da função instrumental destes) estar pago ou de a dívida não estar vencida e/ou ser inferior ao montante inscrito na letra/livrança; e surge processualmente configurada como “excepção de preenchimento abusivo” (em situações, como é o caso, de subscrição em branco da letra/livrança).

Sobre isto, porém, os embargantes/apelantes nada dizem, não colocando em crise a bondade do preenchimento da livrança por eles entregue em branco (como consta dos pontos 2 e 3 dos factos).

Como susceptível de poder integrar vicissitudes extracartulares decorrentes da convenção (executiva) subjacente ao aval, apenas invocaram:

- que estão desobrigados dos avales por terem cumpridos os formalismos e condições dos artigos 642º , 648º e 654º do Código Civil;

 - que só prestaram os avales por o embargante marido ser sócio-gerente da subscritora da livrança (e a quem o B (…) concedeu o financiamento), pelo que, tendo este cedido a sua quota, o novo sócio-gerente assumiu os avales, o que foi comunicado ao B(…), ficando os embargantes convencidos da extinção dos avales;

- que o credor não cumpriu as obrigações de zelo na cobrança da obrigação (fundamental da avalizada) junto do devedor principal (avalizada), nem de salvaguarda do património que garantiu as obrigações assumidas.

Mas nada disto tem relevância jurídica, designadamente a de constituir uma recusa legítima da pretensão cambiária contra eles deduzida.

Quanto à 1.ª pretensa vicissitude extracartular:

Os embargantes/apelantes são obrigados cambiários – são avalistas – e estão a ser cartularmente demandados; não são fiadores nem a tal título estão a ser demandados.

E sem prejuízo de não estar afastada a hipótese de, num determinado caso concreto, quem presta o aval se poder assumir, paralelamente, como fiador da obrigação fundamental extracartular, duas coisas são certas:

 - que a fiança, a existir, carece de ser demonstrada por outro meio que não a simples declaração cambiária do avalista aposta na letra/livrança; é necessário algo mais[32], ou seja, “a declaração do aval será apenas um entre os vários elementos a ter em conta pelo intérprete para apurar, dentro dos cânones hermenêuticos em vigor (art. 236.º do C. Civil), se, pelo seu comportamento, o sujeito pretendeu igualmente ficar vinculado enquanto fiador da obrigação fundamental. Requer-se, portanto que o credor alegue e prove os restantes elementos de onde resulte essa conclusão[33]

 - que a fiança, a existir, é um “mais” em relação ao aval, não se substituindo, mas acrescentando à garantia cambiária (o aval) a garantia extracartular (a fiança).

Ora, nada foi alegado que permita dizer ter havido fiança – a simples declaração cambiária do avalista aposta na letra/livrança não vale, repete-se, como fiança – e esta, a existir, não “anularia”/extinguiria o aval.

Enfim, independentemente de saber se verificam e/ou foram cumpridos os “formalismos e condições dos artigos 642º, 648º e 654º do Código Civil”, o certo é que tais preceitos e o que no C. Civil se dispõe sobre a fiança não vem ao caso e não é aplicável.

Quanto à 2.ª pretensa vicissitude extracartular:

Não se “contesta” que o banco/exequente soubesse que os avales hajam sido prestados por o embargante marido ser sócio-gerente da subscritora da livrança, que este a determinada altura haja cedido a sua quota, que tenha comunicado tal cessão ao B (...) e que até tenha ficado convencido que assim se extinguiam os avales.

Acontece, porém, que um subscritor em branco (como é o caso) – que cedeu a sua participação social e se desligou da vida societária (como também será o caso) – não se desvincula assim tão “linearmente” da obrigação cambiária e pode vir a ser demandado, mesmo anos depois, quando o credor cambiário decide preencher e accionar o título; trata-se de questão que tem sido recorrentemente colocada e que apenas nas hipóteses de avales omnibus parece poder vir a ter uma resposta desvinculativa, ainda assim “parcial”[34].

Mas, no caso, estando-se perante financiamentos disponibilizados antes da cessão da participação social e estando a dívida garantida previamente determinada (resulta da soma das rendas ou das prestações devidas até final do contrato), a mera perda de qualidade de sócio não é susceptível de desencadear a desvinculação da obrigação decorrente da subscrição em branco.

“(…) o sócio avalista conhece, à partida, o montante máximo pelo qual pode ter que responder, montante que (sob a forma do bem locado ou de capital) foi colocado à disposição da sociedade avalizada enquanto ainda ocupava a sua posição de sócio.

Por outro lado, a existência de um prazo no contrato fundamental (de locação financeira ou de mútuo) celebrado pela sociedade avalizada coloca, indirectamente, um limite temporal à vinculação da sociedade garante – conhece, também à partida, o lapso de tempo durante o qual corre o risco de lhe vir a ser solicitado o pagamento do título que avalizou.

Claro que, perdendo a qualidade de sócio, o garante perde a possibilidade de controlar ou influenciar o comportamento societário e fica, por isso particularmente vulnerável ao risco da sociedade não cumprir o contrato, levando o credor a accionar a garantia e a demandá-lo no futuro.

Trata-se, porém, de um risco dominável ou não excessivo, o qual pode/deve ser acautelado pelo ex-sócio no próprio contrato de cessão de quotas, transferindo, no plano interno, a (eventual) responsabilidade para o cessionário, isto é, o ex-sócio permanece cambiariamente responsável no plano externo, perante o credor, mas tem a faculdade de exigir do cessionário o reembolso (ou a disponibilização ex ante) da quantia paga (ou a pagar).

Também é pensável, embora nem sempre seja realizável, uma renegociação das garantias com o credor – caso este concorde em riscar a assinatura do cedente e em substituir essa garantia pela subscrição em branco do cessionário da quota, na sua recém adquirida qualidade de sócio. [35]

Em síntese, o que, a tal propósito, os embargantes alegaram não é uma vicissitude que se repercuta sobre a subsistência da obrigação cambiária.

A ser uma vicissitude seria uma excepção de direito material atribuída pela convenção executiva e decorrente da causa e concreta função da subscrição/aval da livrança; e justamente por isto, em vez da renegociação das garantias (após a cessão de quotas), poderia a própria convenção executiva estabelecer os exactos termos em que se efectuaria, em caso de cessão de quotas, a substituição das garantias.

Como isto não foi estabelecido e não houve qualquer renegociação, não consubstancia o invocado uma recusa lícita ao cumprimento da pretensão cambiária deduzida.

Quanto à 3.ª pretensa vicissitude extracartular:

Também aqui não estamos, em face do alegado, perante algo que se possa repercutir sobre a subsistência da obrigação cambiária.

Para além da vaguidade do que se invoca – não ter “o credor cumprido as obrigações de zelo na cobrança da obrigação junto do devedor principal nem de salvaguarda do património que garantiu as obrigações assumidas” – a verdade é que não está sequer estabelecido que tenha sido a alegada falta de zelo da exequente que conduziu, em termos de causalidade adequada, à não satisfação do seu crédito[36].

Estaríamos aqui perante uma possível vicissitude da relação fundamental entre avalizada e credor/exequente, que os embargantes/avalistas, estando nas relações imediatas, poderiam invocar, porém, em face do modo vago como tudo foi invocado, não pode ter a relevância jurídica de constituir uma recusa legítima da pretensão cambiária contra os embargantes/apelantes deduzida.

Sendo assim, somos devolvidos ao “ponto de partida” de todo o raciocínio que vimos fazendo:

 - Resulta da LU – do preciso significado jurídico-negocial que a LU atribui à mera colocação no título de assinaturas/subscrições – que os executados/embargantes são obrigados cambiários (avalistas) em relação ao exequente, portador legítimo da livrança.

 - Estão pois – uma vez que não cumpriram o ónus de alegar e provar a “falta de causa” – obrigados a pagar ao exequente, portador da livrança, a quantia nela inscrita.


*

Improcede pois “in totum” o que os apelantes invocaram e concluíram na sua alegação recursiva[37] o que determina o naufrágio da apelação e a confirmação do decidido na 1ª instância, que não viola qualquer uma das disposições indicadas.

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IV - Decisão

Nos termos expostos, decide-se julgar improcedente a apelação e confirma-se a sentença recorrida.

Custas, em ambas as instâncias, pelos embargantes/apelantes.


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Coimbra, 12/02/2019

Barateiro Martins ( Relator )

Arlindo Oliveira

Emídio Santos



[1] Art. 1.º da PI.
[2] Art. 2.º da PI
[3] Arts. 6.º e ss. da PI
[4] Art. 12.º da PI.
[5] Arts. 33.º a 38.º da PI; perdoe-se-nos a recorrência da transcrição, mas não é fácil e muito menos cómodo (tentar) dizer, por palavras nossas, o que se alegou e raciocinou.
[6] Rectifica-se assim o que por lapso consta – S (…), SA – da sentença recorrida.
[7] Requisito essencial da livrança.
[8] Uma vez que de tal explicação irá resultar, acima de tudo, que os embargantes/apelantes não colocaram devida e correctamente as questões.
[9] Carolina Cunha, Manual de Letras e Livranças, pág. 59 e ss..

[10] Não é que os negócios cambiários não tenham causa, mas apenas que a mesma está fora do negócio cambiário, do título e da relação cartular (a causa, aliás, supõe um contexto económico-jurídico bilateral, o que não é o caso dos negócios jurídicos cambiários, que são negócios jurídicos unilaterais).

[11] E é em virtude de tal precisão da LU que também os factos, quando estão em causa letras e livranças, têm que ser fixados/redigidos com precisão; sem o que supra se acrescentou – isto é, a partir do que constava da sentença recorrida – não se sabia quem era o tomador da livrança, a quem é que os executados deram o aval (pese embora o disposto na parte final do art. 77.º da LI, ou seja, que “se o aval não indicar a pessoa por quem é dado, entender-se-á ser pelo subscritor da livrança”) e a que propósito é que o B (…)era portador da livrança.

[12] Em simultâneo (e salvo cláusula em contrário), a lei investe o endossante na obrigação de garantia da aceitação e pagamento da letra (art. 15.º da LU).

[13] Confronto/oposição que, sendo as letras e livranças títulos executivos, ocorre, via de regra e como é o caso, no quadro processual traçado para a oposição à execução mediante embargos.
[14] Para além da relação jurídica real sobre o documento em si, sobre a letra/livrança que em cada momento há-de pertencer a alguém.
[15] É a regra, embora em certos casos – como no aval e subscrição de favor – possa não haver uma relação fundamental subjacente, mas apenas, em termos subjacentes, a convenção executiva.
[16] Carolina Cunha, Manual de Letras e Livranças, pág. 64.

[17] Embora o “imediatismo” não deva ter a ver com a contiguidade na sequência cambiária, mas com a participação numa mesma convenção executiva (cfr. Engrácia Antunes, Os títulos de crédito, pág. 41; e Pais de Vasconcelos, Direito Comercial, pág. 57).
[18] Carolina Cunha, Manual de Letras e Livranças, pág. 71.
[19] Carolina Cunha, Manual de Letras e Livranças, pág. 69 e 72.
[20] Carolina Cunha, Manual de Letras e Livranças, pág. 69.
[21] Carolina Cunha, Manual de Letras e Livranças, pág. 71.
[22] Carolina Cunha, Manual de Letras e Livranças, pág. 72.

[23] Nas subscrições de favor (que podem ser o saque e o aceite), o favorecente subscreve o título para que a sua responsabilidade cambiária se adicione à (eventual) responsabilidade cambiária do favorecido, reforçando o crédito cambiário em proveito directo do titular activo. Mas aqui, ao contrário do que sucede no aval, a causa ou função económico-social de garantia está estruturalmente separada do negócio cambiário e localizada na convenção executiva, conhecida por convenção de favor.

[24] O aval apresenta ainda a especificidade de não ser omisso quanto à causa, uma vez que a assunção da obrigação cambiária pelo avalista destina-se explicitamente a garantir o pagamento da quantia inscrita na letra ou livrança (art. 30.º da LU); não se mostrando, portanto, necessário que a convenção executiva estabeleça a concreta função económico-social do aval.

[25] Discute-se por vezes se uma concreta declaração de aval pode valer como fiança; se quem presta o aval, subscrevendo o título de crédito, se assume, paralelamente, como fiador da obrigação fundamental extracartular que impede sobre o avalizado. Seja qual for a resposta que em concreta seja dada, não se trata, tal fiança, da relação subjacente ao aval “e sim um plus, uma nova garantia ao dispor do credor, algo que vem reforçar a sua posição, acrescentando à garantia cambiária (o aval) uma garantia extracartular (a fiança)” Carolina Cunha, Manual de Letras e Livranças, pág. 157
[26] Carolina Cunha, Manual de Letras e Livranças, pág. 74.

[27] Com excepção da questão respeitante à interpretação da expressão “sem garantia” constante do endosso; questão que os embargantes interpretaram do modo referido no relatório inicial, mas que, bem diversamente de tal interpretação, apenas significa/preenche o “salvo cláusula em contrário” previsto no art. 15.º da LU, ou seja, que o endossante não ficou, no caso, em razão da expressão “sem garantia” constante do endosso, investido na obrigação de pagar a letra; questão que, todavia, os embargantes já não incluem no objecto da apelação.
[28] A livrança em causa não contém a expressão “não à ordem” (ou equivalente), sendo assim, como é a regra (cfr art. 11.º e 12.º da LU), um título à ordem, transmissível por endosso.
[29] Num endosso incompleto (em branco), válido nos termos dos arts. 13.º, 14.º e 16.º da LU.
[30] E a expressão “por via de cessão de créditos”, constante do endosso, é apenas uma alusão à relação fundamental/subjacente ao endosso.
[31] Admitamos que há uma como que implícita convenção executiva (idêntica à primitiva), em que participam exequente e executados; parece ser esta, aliás, a posição do exequente, construindo as suas respostas processuais como se fosse ele o tomador da livrança.

[32] Basta pensar que no art. 628.º/1 do C. Civil se determina que “a vontade de prestar fiança deve ser expressamente declarada”, o que significa que a vontade de afiançar deve ser unívoca e clara.
[33] Carolina Cunha, Manual de Letras e Livranças, pág. 159.

[34] O aval omnibus é um aval prestado sobre um título cambiário em branco, que, segundo o acordo de preenchimento, se destina à garantia de todas e quaisquer dívidas emergentes de relações actuais ou a constituir no futuro, entre o avalizado e um concreto credor, sendo o avalista em branco o sócio da sociedade avalizada. Ora, não faz sentido e não há nada que justifique que o sócio que abandonou a sociedade fique vinculado para o futuro e ad aeternum a garantir todas e quaisquer dívidas actuais e futuras da sociedade; é-lhe inexigível tal vinculação e nessa medida a sua desvinculação corresponderá ao exercício dum direito de resolução (o AUJ 4/2013 alude, diferentemente, à inadmissibilidade da denúncia), porém, na lógica do raciocínio que se faz para os casos de aval simples (como o dos autos), a sua desvinculação será apenas ex nunc, não podendo incluir as dívidas já constituídas até à data da sua saída da sociedade (uma vez que com estas responsabilidades já ele poderia e deveria contar).
[35] Carolina Cunha, Manual de Letras e Livranças, pág. 207/8.

[36] E o que se argumenta, a dado passo da alegação, sobre os apelantes “poderem mesmo invocar que só subscreverem o contrato de leasing como avalistas porque foi feito contrato de seguro em caso de furto (…) sendo obrigação contratual da recorrida [tendo a máquina sido furtada] accionar o seguro” é, além de novo (em relação à PI de embargos), também vago, uma vez que os embargantes não explicam/alegam a exacta medida e termos em que tal ocorrência diminuía a obrigação fundamental da subscritora da livrança, nem dizem qual o valor que devia ser inscrito na livrança e em que medida a mesma foi mal preenchida.

[37] É um lugar comum os recorrentes nas respectivas alegações recursivas invocarem “nulidades de sentença”, quando do que se trata é quase sempre de divergências com o decidido, no caso, de divergência com o decidido a partir do que foi alegado. Assim, segundo a alínea d) do art. 615.º/1 do CPC, constitui causa de nulidade da sentença o juiz deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, porém, quando se fala, a tal propósito, em “omissão de conhecimento” ou de “conhecimento indevido”, está-se a aludir e remeter para as questões a resolver a que alude o art. 608.º do CPC. Como refere o Juiz-Conselheiro Ferreira de Almeida (in Direito Processual Civil, 2015, pág. 369 e ss.), “em obediência ao comando do n.º 2 do art. 608.º, deve o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, de todas as causas de pedir e excepções invocadas e de todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer. Integra esta causa de nulidade a omissão do conhecimento (total ou parcial) do pedido, causa de pedir ou excepção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão (não a fundamentação jurídica adrede invocada por qualquer das partes). Não confundir, porém, questões com razões, argumentos ou motivos invocados pelas partes para sustentarem e fazerem vingar as suas posições (jurídico-processuais ou jurídico-substantivas); só a omissão da abordagem de uma qualquer questão temática central integra vício invalidante da sentença, que não a falta de consideração de um qualquer elemento da retórica argumentativa produzida pelas partes (…)”. Explicado o sentido e alcance da nulidade de sentença do art. 615.º/1/d) do CPC, é evidente que não se verifica tal vício, em relação a uma sentença em que os fundamentos, de facto e de direito, se encontram expostos, em que se conclui em harmonia com o exposto e em que se conheceu das questões devidas.