Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2580/05.5TBPBL.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: JACINTO MECA
Descritores: EMPREITADA
DEFEITOS
REDUÇÃO DO PREÇO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
INDEMNIZAÇÃO
DANOS MORAIS
Data do Acordão: 01/09/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: POMBAL – 3º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 1222º E 1223º DO C. CIVIL
Sumário: I – É pacífico que o empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato.

II - Afastada a possibilidade da eliminação dos defeitos e a construção de obra nova, resta ao dono da obra peticionar a redução do preço ou a resolução do contrato – artigo 1222º do CC – sendo que quer no caso de redução do preço ou resolução contratual terá de existir uma situação de incumprimento definitivo por parte do empreiteiro.

III - A indemnização por dano não patrimonial tem por objectivo dar ao lesado uma satisfação ou compensação pelo dano sofrido (Prof. Vaz Serra, B.M.J. nº 83, págs. 102 e segs.). A indemnização destina-se, assim, a proporcionar ao lesado os meios materiais suficientes que equilibrem ou mitiguem os sofrimentos ocasionados pelo acidente.

Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes que compõem a 3ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra.

                1. Relatório

Os autores, F… e H…, ambos residentes em Rua …, instauraram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra os Réus A… e esposa N…, residentes em Rua do ...

                Para tanto, alegam os autores, em síntese, que contrataram com o réu marido a realização por este de obras de construção de uma moradia (que compraram em fase inicial de construção, mas cuja construção vinha já sendo feita por esse), mas que este executou a obra ajustada apenas parcialmente, para além de que, na parte que construiu, apresenta defeitos e vícios de construção de vária ordem. Dizem, ainda, que não obstante as sucessivas interpelações para tal, o réu se recusa a acabar a obra e a reparar os defeitos existentes, sendo que toda a situação lhes tem causado grandes padecimentos, pelos quais pretendem ser compensados, para além de pretenderem, ainda, que o Réu pague a sanção pecuniária compulsória que foi acordada.

Concluem os autores, a final, na procedência da acção, pedindo a condenação dos réus, a título principal:

a) A efectuarem todas as obras necessárias à eliminação e reparação dos defeitos alegados na petição inicial relativos à obra que com eles contrataram.

b) A concluírem todos os trabalhos ajustados e convencionados, incluindo as alterações acordadas ao contrato inicial, no prazo máximo de quinze dias.

c) A pagarem-lhes a quantia de € 5.000,00 para compensação de danos não patrimoniais;

d) A pagarem-lhes a quantia de € 22.147,04, a título de mora.

Subsidiariamente, não sendo eliminados os defeitos nem concluídos os trabalhos, pedem que os réus sejam condenados a verem o preço da empreitada reduzido no valor de € 20.000,00, acrescido do que vier a ser liquidado em execução de sentença, tudo acrescido da condenação referida supra em c) e d) e sempre todas as condenações acrescidas dos juros de mora, à taxa legal até efectivo e integral pagamento, para além dos compulsórios, contados do trânsito em julgado da decisão a proferir neste processo.


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Regularmente citados, apresentaram-se os réus a contestar, por excepção e impugnação, e a reconvir. Também em síntese, por excepção, referem que ocorreu a caducidade do direito dos autores, por não terem denunciado atempadamente os defeitos que agora vêm alegar, e, por impugnação, negam qualquer incumprimento do contrato celebrado, não admitem a existência de quaisquer defeitos que sejam de sua responsabilidade, pois que o que os autores alegam foram causados por obras realizadas directamente por estes, não tendo tido o réu marido nenhuma intervenção. Invocam, ainda, a nulidade da cláusula penal estabelecida no contrato, por ser desproporcionada e ser ofensiva da boa-fé e dos bons costumes, dizendo que pelo menos deve ser reduzida por ser excessivamente onerosa.

Em reconvenção alegam que o preço total da empreitada e dos materiais fornecidos pelo réu/reconvinte não está integralmente pago, pelo que pedem a condenação dos autores/reconvindos no pagamento da quantia de € 10.421,83, acrescida de juros de mora contados à taxa legal aplicável aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, vencidos entre 27/05/2004 e 09/12/2005, no valor de € 1.217,32, e vincendos até integral pagamento.


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                Replicaram os autores, dizendo que a cláusula penal prevista no contrato não é nula nem excessivamente onerosa (tendo sido negociada pelo Réu e pelo seu mandatário), alegando que não se verifica a invocada caducidade e negando que haja qualquer montante em dívida quanto ao contratado. Terminam pugnando pela improcedência das excepções e da reconvenção e pela condenação dos Réus em multa e indemnização, por litigância de má-fé, alegando que estes deduziram oposição que bem sabiam não corresponder à verdade.

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                Por despacho de folhas 256 foi admitido o pedido reconvencional.

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 Realizada audiência preliminar, foi proferido despacho saneador e fixados os factos assentes e os que integram a base instrutória, tendo as reclamações à selecção da matéria de facto sido aí decididas.

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Depois de realizada audiência de discussão e julgamento veios a ser proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e em consequência:

a. Condenou os réus … a verem reduzido o valor do preço da empreitada objecto da acção em € 9.969,97.

b. Condenar os mesmos réus a pagarem aos autores…, a título de indemnização por danos de natureza não patrimonial, a quantia de € 2.500,00, acrescida de juros de mora à taxa legal, contabilizados desde a sentença até efectivo pagamento.

c. Absolver os réus da parte dos pedidos não incluída em «a» e «b».

d. Na total improcedência da reconvenção absolver os autores/reconvindos de todo o pedido formulado pelos réus/reconvintes.


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Interposto recurso pelos réus e autores a folhas 625 e 629 foram admitidos por despacho de folhas 635 como apelação com subida imediata e nos autos e efeito devolutivo.

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                Juntas as alegações subiram os autos ao Tribunal da Relação que por douto acórdão de folhas 727 a 743 anulou o julgamento e determinou a ampliação da matéria de facto.

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                Cumprido, por despacho de folhas 750, o doutamente ordenado pelo Tribunal da Relação remetendo-se os autos para o Exmo. Juiz de Círculo que designou dia e hora para a audiência de julgamento – folhas 758.

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                Os autos foram conclusos e proferiu-se sentença que decidiu:

1. Sendo o valor total acordado para o contrato de empreitada objecto dos autos e suas adendas de € 44.636,43 (quarenta e quatro mil seiscentos e trinta e seis euros e quarenta e três cêntimos), do qual os autores/reconvindos F… e H… não pagaram o montante de € 9.969,97 (nove mil novecentos e sessenta e nove euros e noventa e sete cêntimos), condenar os réus/reconvintes, A… e esposa N… a verem reduzido o mencionado valor do preço da empreitada, sendo essa redução no montante que vier a ser apurado em fase posterior de liquidação de sentença por referência ao que resulta dos pontos 24.º, 25.º e 30.º dos factos provados, com as consequências que, ao nível condenatório, para a acção ou reconvenção, dessa redução e da inerente determinação do preço (assim reduzido) da empreitada decorram para os mesmos réus/reconvintes ou para os autores/reconvindos, quanto ao que é devido e por quem;

2. Condenar os réus/reconvintes… a pagarem aos Autores …, a título de indemnização por danos de natureza não patrimonial por estes sofridos, a quantia de € 2 500,00 (dois mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, contabilizados desde esta sentença até efectivo pagamento;

3. Absolver as partes quanto aos pedidos não incluídos em “1” e “2”[1].

4. Fixar nesta fase em ½ a proporção das responsabilidades quanto a custas, no que se refere à acção e à reconvenção.


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                Notificados da sentença a autora H… interpôs recurso que foi admitido como apelação, com subida imediata e nos autos e efeito devolutivo – despacho de folhas 880.

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                A autora apresentou as suas alegações que rematou formulando as seguintes conclusões:


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                O recurso interposto pelos réus foi julgado deserto por despacho de folhas 965/966.

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                2. Delimitação do objecto do recurso

                As questões[2] a decidir na presente apelação e em função das quais se fixa o objecto do recurso sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, nos termos das disposições conjugadas do nº 2 do artigo 660º e artigos 661º, 664º, 684º, nº 3 e 690º, todos do Código de Processo Civil, são as seguintes:

ü Eliminação dos defeitos e conclusão dos trabalhos.

ü Montante fixado a título de danos morais.

ü Clausula penal.

ü Redução do preço da empreitada.

ü Distribuição das custas.


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                3. Colhidos os vistos, aprecia-se e decide-se.

                Basta atentar-se nas doutas alegações e conclusões formuladas pelos autores/apelantes para se concluir sem margem para qualquer dúvida pela sua concordância com o decidido em sede de matéria de facto. Embora não desconheçamos a previsão vazada no nº 6 do artigo 713º do CPC, a verdade é que a transcrição da matéria de facto confere ao acórdão uma maior clareza e a quem o lê a possibilidade de confrontar o decidido com os factos que lhes estão a montante. Assim, passamos a transcrever a matéria de facto provada.


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                4. Matéria de facto provada

...

                5. Eliminação dos defeitos

                Sobre a questão reportada à qualificação jurídica do contrato os apelantes concordam com o tratamento que a sentença recorrida deu à factualidade provada – artigos 1154º, 1155º e 1207º, todos do CC – daí que a análise que iremos fazer sobre cada uma das questões que os apelantes colocaram à apreciação deste tribunal tenha como pano de fundo o quadro normativo que regula o contrato de empreitada.

                Defendem os apelantes que por via principal peticionaram a condenação dos réus a efectuarem todas as obras necessárias à eliminação e reparação dos defeitos alegados na petição inicial relativos à obra que com eles contrataram e a concluírem todos os trabalhos ajustados e convencionados, incluindo as alterações.

                É pacífico que o empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato.

                A matéria de facto evidencia a existência de uma obra iniciada, levando a que autores e réu marido tenham contratado a execução de um conjunto de trabalhos – facto 2 e alíneas a) a m) deste mesmo facto 2 – pelo valor global de 6.720.000$00, a pagar nos termos consignados na alínea 2C, trabalhos que sofreram as alterações enunciadas na alínea d) do facto 4 e pelas quais os autores se obrigaram a pagar a quantia de 800.000$00.

                Conforme emana do facto 8 em 19 de Novembro de 2003, os autores enviaram para o réu uma missiva na qual informaram a não-aceitação da obra enquanto não fossem concluídos os seguintes trabalhos:

                E eliminados os seguintes defeitos:

                Resulta do facto 9 que o réu reconheceu em reunião datada de 4 de Março de 2004 quer a não conclusão dos trabalhos quer a existência dos defeitos indicados na carta data de 19 de Março de 2003. Na carta de 3 de Maio de 2004, os autores dão conta do reconhecimento por parte do réu da colocação de nas catarias e soleiras em pedra de pior qualidade daquela que foi contratada e daí reclamarem a sua substituição.

                Em resposta o réu – facto 10 – dá nota da falta de pagamento por parte dos autores dos «extras» contratados e que as pedras das cantarias e colunas são da mesma qualidade de outras que aplicou em várias obras, algumas das quais visitadas pelo autor Fernando antes da encomenda da pedra. Mais informa que se a pedra estava manchada e não tinha a qualidade exigida não deveriam ter sido colocados alumínios e os estores. Deu ainda nota do seguinte:

Os autores devolveram as facturas em virtude dos trabalhos facturados não terem sido executados – facto 12.

                Quanto aos trabalhos não executados ou defeituosamente executados emana dos factos provados o seguinte:

Está também provado que os autores têm vindo, insistente e sucessivamente, a instar o réu para concluir os trabalhos adjudicados e em falta, assim como para eliminar e suprimir os vícios e os defeitos já constatados, tanto pessoalmente, como por escrito, por si e através do seu mandatário, fazendo-lhe saber e sentir terem absoluta necessidade de habitar a casa face à restituição da casa onde antes habitavam, contudo, o réu declarou nada ter de acabar, corrigir, suprimir ou eliminar, verificando-se que não executa – por si ou por outrem – há muito tempo, quaisquer trabalhos na obra, ali não tendo qualquer material, ferramentas, equipamentos ou pessoal – factos 41 a 43.

                Igualmente com interesse para a dilucidação desta primeira questão impõe-se evidenciar a seguinte factualidade:

...

Por pensarmos ser este o caminho que nos vai permitir desenhar com total segurança as obras que o réu se obrigou por via da outorga do contrato inicial e por força das alterações posteriores, não deixaremos de individualizar duas realidades que para nós são decisivas à procedência ou improcedência desta primeira questão, a saber: obras contratadas e obras extras que defeitos apresentam ou as que não se encontram, executadas.

Das primeiras saber se os defeitos podem ser eliminados e não podendo quem deu azo a tal impossibilidade; consequências na relação contratual da impossibilidade de eliminação dos defeitos por referência ao momento em que os autores deles tomaram conhecimento – factos 39 e 40; inexecução de trabalhos contratados por parte dos réus; possibilidade de os executar ou impossibilidade de tal execução; a quem se ficou a dever tal resultado.

A resposta a estas questões não pode deixar de ser encontrada através da comparação entre os trabalhos inicialmente contratados, os trabalhos extra contratados e se os defeitos evidenciados na matéria de facto se reportam aos trabalhos efectuados pelo réu ou são uma consequência dos trabalhos já realizados, tal como não podemos deixar de evidenciar se foram ou não executados todos os trabalhos contratados.

Seguindo o quadro cronológico vazado nos factos provados, …

Posto isto, sabemos que um conjunto de defeitos era visível a olho nu – facto 39 – e outros 21 e 31 não eram verificáveis a olho nu, tal como sabemos através da leitura do facto 41 a denúncia insistente por parte dos autores para que o réu eliminasse tais defeitos, o que mereceu uma resposta clara e objectiva – artigos 217º e 219º do CC – por parte do réu e que se evidenciou na declaração da sua indisponibilidade para eliminar quaisquer defeitos, indisponibilidade claramente patenteada pelo que caracterizamos tal conduta/comportamento como a manifestação livre e clara de abandono de obra – facto 42 – de onde, de resto, retirou há muito tempo materiais, ferramentas, equipamento e pessoal – facto 43.

                Nos termos do disposto no artigo 405º do CC dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, mas uma vez concluídos – artigo 232º do CC – devem ser pontualmente cumpridos e só podem modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos por lei (nº 1 do artigo 406º do CC).

                A cessação dos efeitos negociais pode ocorrer por resolução fundada na lei ou em convenção – artigo 432º do CC – mas ainda que fundada em convenção não fica afastado o controle judicial da resolução que se apoie em perturbações contratuais pouco graves ou violadoras do princípio da boa fé[3].

                Os artigos 798º – responsabilidade do devedor que falte culposamente ao cumprimento da obrigação – 801º – impossibilidade da prestação por causa imputável ao devedor – 804º – mora do devedor – e 808º – perda do interesse do credor ou recusa do cumprimento – são aplicáveis aos contratos em geral

                Afastada a possibilidade da eliminação dos defeitos e a construção de obra nova – factos 41 a 43 – restava aos autores peticionar a redução do preço ou a resolução do contrato – artigo 1222º do CC – sendo que quer no caso de redução do preço ou resolução contratual teria de existir uma situação de incumprimento definitivo que no caso em apreço se evidencia no facto do empreiteiro não só ter recusado a eliminar ou suprimir os defeitos denunciados como retirou do local da obra, materiais, utensílios equipamentos e pessoal – facto 43 – o que não pode deixar de ser interpretado como uma clara declaração de abandono de obra e equiparado nos termos do artigo 808º do CC a uma clara e objectiva recusa de cumprimento da prestação, ou seja, colocou-se propositadamente numa situação de incumprimento definitivo.

                Embora os apelantes sustentem nas suas doutas conclusões a revogação da sentença recorrida no sentido da condenação do réu na eliminação dos defeitos, esperamos ter demonstrado que colocando-se o réu numa situação de incumprimento definitivo resta aos autores peticionar a redução do preço[4], exercício de direito que «pressupõe que o dono da obra mantenha o interesse na mesma apesar dos defeitos verificados e da obra não realizada, resignando-se[5] com a sua existência pelo que pressupõe a aceitação da obra»[6].

                Em conclusão não pode o recurso deixar de improceder na parte em que reclama a condenação do réu na eliminação dos defeitos.


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                6. Danos morais

                O Tribunal a quo fixou em 2.500,00 euros a indemnização devida pelos danos morais sofridos pelos autores o que merece a sua discordância, reclamando a quantia de € 5.000 para cada um deles.
A indemnização por dano não patrimonial tem por objectivo dar ao lesado uma satisfação ou compensação pelo dano sofrido (Prof. Vaz Serra, B.M.J. nº 83, págs. 102 e segs.). A indemnização destina-se, assim, a proporcionar ao lesado os meios materiais suficientes que equilibrem ou mitiguem os sofrimentos ocasionados pelo acidente.
Ensinam os Srs. Prof. P. Lima e A. Varela que o montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado...segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização, às flutuações do valor da moeda, etc. E deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida[7]. Também o Sr. Prof. Leite de Campos entende que nos danos não patrimoniais a grandeza do dano só é susceptível de determinação indiciária fundada em critérios de normalidade. É insusceptível de determinação exacta, por o padrão ser constituído por algo qualitativo diverso como é o dinheiro, meio da sua compensação. Aqui, mais do que nunca, nos encontramos na incerteza, inerente a um imprescindível juízo de equidade[8].

                Por claro e expressivo, aqui deixamos o entendimento subscrito pelo Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Salvador da Costa: Os danos não patrimoniais não são avaliáveis em dinheiro, certo que não atingem bens integrantes do património do lesado, antes incidindo em bens como a vida, a saúde, a liberdade, a honra, o bom-nome e a beleza. O seu ressarcimento assume, por isso, uma função essencialmente compensatória, embora sob a envolvência de uma certa vertente sancionatória. O montante pecuniário da compensação deve fixar-se equitativamente, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias a que se reporta o artigo 494º do Código Civil (artigo 496º, nº 3, 1ª parte do Código Civil)[9].

Declara o nº 1 do artigo 496º do Código Civil que “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade mereçam tutela do direito”. O montante pecuniário da compensação deve ser fixado equitativamente, tendo em atenção as circunstâncias enunciadas no artigo 494º do Código Civil. Assim, deve atender-se ao grau de culpabilidade do seu responsável, à sua situação económica e da lesada e às demais circunstâncias do caso nomeadamente à gravidade do dano, o qual deve operar sob um critério objectivo.

Analisando os autos verificamos que os autores aguardavam a construção da sua casa, vivendo neste ínterim numa outra que foram obrigados a abandonar em 15 de Março de 2005 – facto 6 – vendo-se assim obrigados a ir viver para a casa em discussão nestes autos – factos 74 e 75 – causando-lhes natural sofrimento e desgosto as péssimas condições de salubridade e habitabilidade em que se encontram a viver, o que os faz andar angustiados, tristes e psicologicamente abalados – facto 76.

Em face da matéria de facto provada, não podemos deixar de considerar uma clara causalidade entre o estado espírito dos autores e a conduta do réu que não só se recusou a eliminar os defeitos como abandonou a obra onde não mais fez qualquer trabalho – factos 42 e 43 – o que demonstra uma clara e inequívoca vontade de incumprir com o acordado, deixando os autores numa situação difícil já que confrontados com defeitos não eliminados e trabalhos por fazer. A equidade quando escorada em factos que a balizam e sustentam não pode ter uma relação miserabilista com os prevaricadores que habituados a indemnizações de pouca monta acabam por não cumprir ou cumprir defeituosamente o contrato a que se obrigaram, expressando o artigo 1223º do CC que o exercício dos direitos conferidos nos artigos antecedentes, não exclui o direito a ser indemnizado nos termos gerais, norma esta que está vocacionada para ressarcir os danos morais e patrimoniais que os donos da obra sofram em consequência de um conduta incumpridora do empreiteiro que potenciou na esfera jurídica dos autores o direito potestativo de serem ressarcidos nos termos gerais de direito. 

Dir-se-á que a situação económica dos réus não é desafogada – factos 97 a 100, todavia, isso não justifica, por si só, a fixação de uma indemnização a título de danos não patrimoniais que, em nosso modesto ver, fique aquém do exigível e esteja longe sequer mitigar o sofrimento dos autores.

Assim e no procedimento parcial do recurso fixamos em € 5.000,00 – cinco mil euros – o montante devido aos autores a título de danos não patrimoniais.


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                7. Cláusula penal

                Insurgem-se os autores contra o facto de o Tribunal a quo não ter fixado qualquer quantia a título de cláusula penal, considerando que alegaram e demonstraram fundamento legal para aplicação da cláusula penal, escorando-se no disposto no artigo 1223º do CC quando estabelece que o exercício dos direitos conferidos nos artigos antecedentes, não exclui o direito a ser indemnizado nos termos gerais.

                Com a salvaguarda de mais abalizada opinião, o campo de aplicação do artigo 1223º do CC extravasa a questão jurídica reportada à fixação por acordo das partes de um montante indemnizatório – artigo 810º do CC – reportado, em regra, ao incumprimento contratual por via de atrasos na entrega da obra.

                Determina o artigo 810º do CC:

1. As partes podem, porém, fixar por acordo o montante da indemnização exigível: é o que se chama cláusula penal.

2. A cláusula penal está sujeita às formalidades exigidas para a obrigação principal, e é nula se for nula a obrigação.

Ensina-nos o Sr. Prof. Galvão Telles[10] que «cláusula penal é a convenção através da qual as partes fixam o montante de indemnização a satisfazer em caso de incumprimento do contrato. Trata-se de uma liquidação convencional antecipada dos prejuízos tomando o termo liquidação no sentido (…) de determinação do montante de uma obrigação de quantitativo incerto (…) fixando as partes a importância que livremente acordaram».

Revisitando a matéria de facto, sublinhamos que as partes acordaram que a obra seria entregue em até 15 de Novembro de 2000, mas vicissitudes várias, levaram a que não fosse entregue naquela data, encontrando-se bastante atrasada – factos 3b e 3c. Neste seguimento o 2º outorgante – empreiteiro – obrigou-se a entregar a obra até 30 de Abril de 2001 – facto 3e – e para evitar novos atrasos estipularam prazos para a conclusão segmentada dos trabalhos como emana do ponto 3f – expressando o facto 3m que o primeiro outorgante obriga-se a indemnizar os segundos na importância de 25.000$00 por cada dia de atraso na entrega da obra a título de cláusula penal. Acordaram em adenda ao contrato de empreitada que não foi possível concluir a obra na data aprazada – 30 de Abril de 2001 – e deferiram o prazo de entrega para o dia 31 de Maio de 2001 – factos 4b e 4c. Sabemos que nos anos de 2003 e 2004 houve uma profícua troca de correspondência entre as partes – factos 13 a15 – levando a que o réu – em data não apurada – tivesse declarado que nada tinha a corrigir, suprimir ou eliminar, abandonando a obra – factos 42 e 43 – sublinhando, a matéria de facto que na sequência da sentença – facto 6 – abandonaram a casa onde viviam e foram viver para a casa em discussão nestes autos – facto 75.

Funcionando a cláusula penal ligada a ideia de mora, incumprimento do contrato ou cumprimento defeituoso, quer parecer-nos – artigo 236º do CC – que a inclusão da cláusula vazada no facto 4c está intimamente ligada ao não cumprimento do prazo acordado para a conclusão da obra e subsequente entrega aos autores, entrega esta que a matéria de facto é incapaz de determinar. Ou seja, que houve entrega é uma certeza quando tal entrega ocorreu é que a matéria de facto não dilucida, daí que não possamos deixar de estar com a sentença recorrida ao afirmar que a estipulação da cláusula está relacionada, apenas, com a entrega da obra e não com a existência de defeitos ou vícios.

 Embora os autores sustentem a não aceitação da obra, a verdade é que o exercício dos direitos plasmados nos artigos 1221º e 1222º do CC implicam a sua aceitação, colocando-lhe a lei ao seu dispor os mecanismos que temos vindo a mencionar para vincular o empreiteiro à sua eliminação ou à execução de obra nova e em última instância à redução do preço ou resolução do contrato.

Que a obra foi entregue resulta claramente da interpretação crítica dos factos provados, que se desconhece a data em que tal ocorreu é igualmente verdade pelo que não existem elementos que permitam a condenação do réu no pagamento da cláusula penal de 25.000$00 fixada pelo atraso na entrega da obra, entrega que estava programada para Maio de 2001, mas que se desconhece em que data ocorreu. Atente-se, porém, no facto de os autores terem começado em 1999 a fazer obras por sua conta – factos 81 a 83, 86, 87 e 96 – o que por si só inculca a ideia que a obra foi efectivamente entregue, não relevando para efeito da cláusula penal o facto de se tratar de obra defeituosamente executada ou com outro tipo de vícios. 


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                8. Redução do preço

                Insurge-se a autora/apelante contra o critério avançado na sentença recorrida e que se acolhe nos seguintes argumentos: procedendo o pedido subsidiário (…) de redução do preço da empreitada, remetem-se as partes, quanto ao apuramento dessa redução, a efectuar por referência aos vícios que se consideram ser da responsabilidade do réu, para a fase posterior de liquidação em execução de sentença fase essa que, por estar a sua apreciação directamente ligada ao apuramento daquela redução, se determinará também face ao montante não pago do preço total acordado € 9.969,97 o valor exacto devido.

                A propósito da redução do preço o nº 2 do artigo 1222º do CC remete-nos para o artigo 884º que declara:

1. Se a venda ficar limitada a parte do seu objecto, nos termos do artigo 292º ou por força de outros preceitos legais, o preço respeitante à parte válida do contrato é o que neste figurar, se houver sido discriminado como parcela do preço global.

2. Na falta de discriminação, a redução é feita por meio de avaliação.

O Exmo. Juiz Conselheiro Cura Mariano[11] faz uma incursão sobre as diversas metodologias propostas pela doutrina e jurisprudência, vincando as divergências sobre os métodos propostos para cálculo do valor apoiando “a tese que considera que a redução do preço deve ser encontrada numa ponderação equitativa entre o preço acordado, o valor objectivo da obra com defeitos e o valor ideal da obra à data da sua aceitação (…) apontando que a ponderação equitativa deve ser efectuada através da fórmula pd=(paxvr):vi sendo o «pd» o preço devido após a redução, o «pa» o preço acordado entre as partes, o «vr» o valor real da obra executada e o «vi» o valor da obra sem defeito objectivamente determinados, sendo que os valores real e ideal da obra devem ser determinados à data da sua aceitação».

Embora não possamos discordar do que este autor apelida de «ponderação equitativa» a verdade é que ela – na consideração dos elementos que constituem a fórmula – não podia deixar de ser alegada e provada em audiência de julgamento de tal sorte que os Tribunais dispusessem dos elementos necessários ao preenchimento da fórmula e assim chegar a um resultado final. No caso em apreço apenas somos portadores de um daqueles valores, ou seja, o valor da obra inexistindo elementos que permitam enquadrar os restantes elementos da fórmula proposta.

Na impossibilidade da executarmos a fórmula reportada «à ponderação equitativa» resta-nos um de dois caminhos: ou relegamos para a liquidação em execução de sentença a avaliação da eliminação dos defeitos da obra e eventual obra não executada ou lançamos mão da equidade e fixamos o valor da redução.

Seguindo de perto o Acórdão do STJ, datado de 25 de Março de 2003[12], que escorando-se no Acórdão daquele Tribunal datado de 6 de Março de 1980[13] e nos ensinamentos do Sr. Prof. Vaz Serra[14], Ano 114º, escreve: a conjugação entre estas duas disposições – 661º, nº 2 e 566º, nº 3 do CPC – é susceptível de provocar algumas dúvidas. (…). O princípio do artigo 661º, nº 2 aplica-se não apenas à acção declarativa mas a qualquer acção desta natureza; o artigo 566º, nº 3 refere-se só à fixação da indemnização (não abrangendo o próprio dano) e aplica-se tanto na acção declarativa como na execução; a opção por uma ou por outra dessas soluções depende do juízo que se formar em face das circunstâncias concretas de cada caso, sobre a possibilidade de determinação do valor exacto dos danos e se esse juízo for afirmativo será de aplicar o artigo 661º, nº 2 e de contrário deve aplicar-se o artigo 566º, nº 3».

                Custo da obra - € 44.636,43.

                Valor em dívida para com o empreiteiro - 9.069,97

                Defeitos:

De acordo com os critérios avançados, estamos em crer que se optarmos, tal como a sentença recorrida para liquidação em execução de sentença tendo como referencial o valor de € 9.969,97 vai ser muito difícil senão mesmo impossível fazer prova na execução do valor total dos defeitos que acima se explanaram, devendo, pelo contrário, optar-se pelo critério vazado no artigo 566º, nº 3 do CPC que se outro mérito não tiver, tem pelo menos o de evitar que a litigiosidade, que já vai longa, se transfira para a execução cujos resultados como dissemos serão duvidosos quanto ao apuramento do valor dos defeitos, sendo certo que o valor a fixar em sede de liquidação em execução de sentença não pode ultrapassar aquele montante que não se demonstrou que estivesse em dívida para com os réus/reconvintes porque se assim fosse então a reconvenção nesta parte não podia deixar de proceder.

A quantia de € 9.969,97 não pode ser interpretada com outro sentido que não a de ser devida ao réu se ele tivesse finalizado a obra e sem defeitos, o que sabemos não ter sucedido, daí que entendamos ser aquele valor, considerando os defeitos que a obra apresenta como o mais justo e equitativo à redução do preço da obra. Assim, a questão da reconvenção ao ser julgada improcedente, passou a ser uma questão arrumada por via do caso julgado material já que o recurso interposto pelos réus foi julgado deserto.  

Considerando os defeitos de maior expressão monetária tal como a remoção do reboco e a sua substituição por outro que evite a entrada das humidades; a colocação de um dreno circundante e a substituição de pedras partidas ou defeituosamente colocadas, os restantes defeitos – fissuras, deslocamento de rodapé – têm um valor residual na fixação da redução do preço, na medida em que são de solução fácil e de custo reduzido. Neste contexto – valor global da obra/quantia em dívida e defeitos não eliminados – entendemos ser justa e equitativa fixar em € 9.969,97 o valor correspondente à redução do preço da empreitada.


*

                Quanto a custas que mereceu idêntica irresignação por parte da autora apelante diremos que, seguindo os critérios avançados pelo artigo 446º do CPC nada temos a opor à fixação de metade para cada um dos intervenientes pese o facto do valor da acção e do respectivo vencimento apontar para uma solução mais próxima da constante da primeira sentença – 2/3 e 1/3, respectivamente, todavia, como estamos balizados pelas conclusões da apelante não concordamos com a percentagem por eles proposta considerando o disposto naquele artigo 446º.

                Razão teria a apelante por referência à responsabilidade das custas pela reconvenção que deveriam recair na totalidade sobre os réus/reconvintes, todavia, estando este tribunal, repete-se, limitado pelas conclusões da apelante impedido está de tomar posição sobre a condenação das custas por via do decaimento do pedido reconvencional.


*

                Decisão

                Nos termos e com os fundamentos expostos decide-se julgar parcialmente procedente a apelação e consequentemente:

1. Condenar os réus A… e esposa N… a verem reduzido o preço da empreitada objecto da acção em € 9.969,97 – nove mil, novecentos e sessenta e nove euros e noventa e sete cêntimos.

2. Condenar os réus A… e esposa N… a pagarem aos autores a quantia de € 5.000,00 – cinco mil euros a título de danos não patrimoniais.

3. No mais mantém-se a sentença recorrida.


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                Custas da apelação a cargo de autores e réus na proporção do decaimento que se fixa em 1/3 e 2/3 respectivamente.


JACINTO MECA (Relator)
FALCÃO DE MAGALHÃES
REGINA ROSA


[1] Embora sem tomar posição expressa quanto ao pedido reconvencional o pronunciamento decisório identificado sob o ponto 3 só pode ter uma leitura: absolver os réus dos restantes pedidos formulados pelos autores; absolver os autores/reconvindos do pedido reconvencional formulado pelos réus/reconvintes.
[2] É dominantemente entendido que o vocábulo «questões» não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por «questões» as concretas controvérsias centrais a dirimir – Ac. STJ, datado de 2.10.2003, proferido no âmbito do recurso de revista nº 2585/03 da 2ª Secção.
[3] Ac. STJ, datado de 31.10.2006, proferido no âmbito do processo nº 06A3225, relatado pelo Exmo. Cons. Afonso Correia, publicado no endereço electrónico www.dgsi.pt
[4] Ou a resolução do contrato – 1222º do CC
[5] Não pode ser interpretado no sentido de resignação passiva, mas antes de resignação estribada na lei procurará a responsabilização do empreiteiro requerendo a redução do preço ou a resolução do contrato, conforme as situações. Agora, a aceitação da obra é uma condição para que reclame junto do tribunal a condenação do empreiteiro na redução do preço, por via dos defeitos encontrados ou por via da falta de obra realizada
[6] Conselheiro João Cura Mariano – Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra – Almedina 3ª edição,  pág. 130.
[7] Código Civil Anotado, 2ª edição, pág. 435.
[8] A Indemnização do Dano Morte, pág. 12
[9] Ac. STJ, datado de 10 de Maio de 2007, proferido no âmbito do processo 07B1341 e publicado no endereço electrónico www.dgsi.pt.
[10] Direito das Obrigações – 6ª edição, Coimbra Editora, pág. 440/441.
[11] Responsabilidade Contratual do Empreiteiro Pelos Defeitos da Obra – 3ª Edição, Almedina, pág. 133 e 134.
[12] CJSTJ, XXVIII, I, 142
[13] BMJ 295, pág. 369
[14] RLJ, Ano 114º, pág. 287.