Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
171071/12.8YIPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CATARINA GONÇALVES
Descritores: PRESUNÇÃO LEGAL
PRESCRIÇÃO PRESUNTIVA
ÓNUS DA PROVA
CREDOR
NÃO CUMPRIMENTO
CONFISSÃO
DEVEDOR
Data do Acordão: 04/08/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA SERTÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 312º E SEGS. DO C.C.
Sumário: I – A aplicação de uma presunção legal é uma questão de direito que apenas envolve a interpretação e aplicação da norma legal que a estabelece e que, como tal, não pode ser convocada para efeitos de fixação da matéria de facto.

II – Assim, não tendo resultado da prova produzida o efectivo cumprimento da obrigação, não poderá esse cumprimento ser levado aos factos provados com fundamento na prescrição presuntiva que se considerou ser aplicável e que se considerou não ter sido ilidida.
III – As prescrições presuntivas – estabelecidas no art. 312º e segs. do C.C. – fundam-se na presunção de cumprimento e, portanto, o decurso dos prazos aí estabelecidos liberta o devedor do ónus de provar o cumprimento, transferindo-se para o credor o ónus de ilidir tal presunção, provando que o cumprimento não foi efectuado.
IV – Tal prova – a cargo do credor – não pode ser efectuada por testemunhas e apenas pode ser efectuada por confissão do devedor, seja ela uma confissão tácita (nos termos do art. 314º do C.C.), seja ela uma confissão expressa (nos termos do art. 313º do C.C.) que poderá ser judicial (nos articulados ou em depoimento de parte) ou extrajudicial (desde que, neste caso, seja realizada por escrito).
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:


I.
A... , advogado, com domicílio no (...), Coimbra, instaurou a presente acção contra B... e C... , com domicílio no (...), Sertã, pedindo que estes sejam condenados a pagar-lhe a quantia de 7.495,00€, juros de mora no valor de 2.582,64€, bem como a quantia de 1.723,85€ referente a IVA, pedido que, posteriormente, reduziu para o valor de 6.995,00€, respectivo IVA no valor de 1.608,85€, juros vencidos até 04/10/2012, no valor de 2.582,64€ e juros vincendos.
Alegou, para fundamentar a sua pretensão, que prestou aos Réus os serviços de advocacia que discrimina na petição inicial e pelos quais são devidos honorários e despesas no valor global de 6.995,00€ acrescido de IVA à taxa legal em vigor à data do pagamento.

Os Réus contestaram, alegando que, com excepção da conta de honorários e despesas junta como doc. nº 17 (que ainda não lhe foi enviada), já procederam ao pagamento de todos os demais serviços que foram prestados pelo Autor, invocando, relativamente a estes serviços, a prescrição estabelecida no art. 317º do C.C. por ter decorrido o prazo de dois anos desde a data da prestação dos serviços, Mais alegam, no que toca à conta junta como doc. nº 17, que, além dos 1.000,00€ que aí são mencionados como tendo sido pagos, também pagaram a quantia de 750,00€ e, tendo prometido – em Agosto de 2012 – pagar a quantia de 500,00€ relativamente a essa conta, como o Autor havia solicitado, ainda não o fizeram porque estão a aguardar desde aquela data que o Autor lhes comunique o NIB para procederem à respectiva transferência, constatando agora que o valor que lhes foi pedido é superior ao devido.
Com estes fundamentos, concluem pedindo a improcedência da acção.

O Autor respondeu, impugnando os factos alegados e dizendo que os Réus sempre assumiram perante o Autor que lhes deviam tal dinheiro, embora dizendo que não tinham possibilidades económicas de proceder ao pagamento, sendo que o último reconhecimento sucedeu menos de um ano antes da entrada da acção em Tribunal
Conclui pela improcedência das excepções invocadas.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que, julgando parcialmente procedente a excepção de prescrição e parcialmente procedente a acção, condenou os Réus a pagar ao Autor a quantia de 1.230,00€, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, absolvendo-os do demais peticionado.

Discordando dessa decisão, o Autor veio interpor o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:
1 - O ora recorrente entende que o Tribunal a quo claudicou na apreciação da matéria de facto – error in procedendo – e, por essa via, errou, de igual forma, na interpretação da norma jurídica aplicável in casu.
2 - Em concreto, entende-se que o ponto 4 da factualidade dada como provada – “ Os réus entregaram aos autor as quantias pecuniárias correspondentes aos honorários acordados em contrapartida da prestação dos serviços descritos nas alíneas a) a p) do ponto 1 e no ponto 3” foi erradamente dado como provado.
3 – E foi erroneamente dado como provado porque entendeu-se – precipitada e erroneamente - que, in casu, era aplicável a prescrição presuntiva estabelecida no art. 317º b). do CC.
4 – Ora, da prova que foi produzida em sede de Audiência de discussão e julgamento, em especial dos depoimentos das testemunhas D... (excertos supra transcritos – início 02:40 e fim 03:23; início 03:44 e fim 04:11; início 04:20 e fim 05:20; início 06:22 e fim 7:26; início 7:28 e fim 8:50; início 11:20 e fim 11:45; início 15:55 e fim 16:20; início 19:10 e fim 20:20) e E... (nos excertos supra transcritos – início 03:10 e fim 06:23; início 07:35 e fim 08:58; início 09:15 e fim 09:25; início 16:10 e fim 17:31; início 18:00 e fim 18:30; início 19:30 e fim 19:50; início 21:28 e fim 22:10) - resulta cabal que os RR. não efectuaram o pagamento dos serviços de advocacia prestados pelo A, no valor aproximado de € 8.603, pese embora tenham sido interpelados para o efeito, um sem número de vezes.
5 - O A. prorrogou o prazo para o pagamento dos montantes em dívida, em nome da relação de amizade e confiança que tinham.
6 - Contudo, os RR. nunca honraram as diversas promessas de pagamento que fizeram ao A. e à sua esposa, a testemunha E..., nas quais confessavam ser devedores do montante peticionado.
7 - As últimas confissões e promessas de pagamento foram feitas, entre Março e Agosto de 2012 – vide depoimento da testemunha E..., passagem do minuto 21:28 ao minuto 22:10 e requerimento junto pelos RR. aos autos a 15 de Novembro de 2012.
8 – O Tribunal a quo errou ao considerar que os direitos de crédito invocados pelo A., relativos aos serviços referidos nas alíneas a) a p) do ponto 1 e no ponto 3 se encontram prescritos, nos termos do disposto no art. 317º c). do CC.
9 - Pois, resulta dos depoimentos da testemunha E... (nos excertos supra transcritos – início 03:10 e fim 06:23; início 07:35 e fim 08:58; início 09:15 e fim 09:25; início 16:10 e fim 17:31; início 18:00 e fim 18:30; início 19:30 e fim 19:50; início 21:28 e fim 22:10) – bem como do teor do próprio requerimento junto aos autos pelos RR., no dia 15 de Novembro de 2012, o reconhecimento da dívida por parte dos RR. , entre Março/ Agosto de Agosto de 2012.
10 - O último reconhecimento dos direitos de crédito do A, por parte dos RR., ocorreu entre Março/ Agosto de 2012, hiato em que ocorreu a interrupção do prazo da prescrição, nos termos do art. 325º do CC (“A prescrição é ainda interrompida pelo reconhecimento do direito, efectuado perante o respectivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido”)
11- No caso sub júdice, não pode funcionar a presunção estabelecida no art. 317º c) do CC, uma vez que não se encontra reunido o pressuposto básico da prescrição presuntiva – o decurso do prazo de dois anos.
12 - O Tribunal a quo, contrariamente ao que seria de prever, não considerou provada a factualidade descrita no ponto 4, pois entendeu-se que o A. não foi capaz de ilidir a presunção do art. 317º c). do CC (“ prescrevem no prazo de dois anos os créditos pelos serviços prestados no exercício de profissões liberais e pelo reembolso das despesas correspondentes”)
13 – Não se verificando, in casu, as condições de aplicabilidade da presunção do art. 317ºc). do CC recai sobre os RR. o ónus de provar o pagamento de tais quantias, o que não sucedeu.
14 - Logo, deve considerar-se não provada a factualidade descrita no ponto 4, com base no depoimento da testemunha E... e D..., supra referidas, bem como no requerimento junto aos autos de Injunção pelos RR., no dia 15 de Novembro de 2012.
15 – Devendo ser declarado o incumprimento contratual dos réus, nos termos das disposições conjugadas nos arts. 798º e 1160ºb)., 1156º do CC, sendo o RR. condenados a pagar ao A. o montante global de €8603,85, quantia esta acrescida de juros de mora, a título de honorários decorrentes da prestação de serviços de advocacia prestados pelo A. aos RR não pagos, acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento.
16 - Devendo a sentença recorrida ser revogada, em conformidade.
CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA,
O QUE SÓ SE CONCEBE
POR MERA NECESSIDADE DE ARGUMENTAÇÃO,
17 - Caso não se entenda que a prescrição foi interrompida em Agosto de 2012, não pode considerar - se que, ainda assim, a mesma tem aplicação ao caso sub júdice.
18 - Esta presunção diz respeito apenas à prova da obrigação, ou seja, há apenas uma presunção de cumprimento, a qual é ilidível (diferentemente, há que atender à prescrição extintiva - art.304º/1 do CC – mesmo quando o devedor confesse a dívida) – vide, entre outros, Ac. STA, datado de 16 de Maio de 2000, Ac. STJ, datado de 24 de Maio de 2005;
19 – A presunção de que o direito do credor se encontra extinto pelo cumprimento é afastada se o devedor praticar em juízo actos incompatíveis com a presunção do cumprimento.
20 – Nesta sede é de suma importância o requerimento de Oposição à Injunção, junto pelos RR aos autos, no dia 15 de Novembro de 2012 – cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais - no qual os mesmos confessam ter prometido pagar os valores em dívida em Agosto de 2012 ao A., confessam ter recebido cheques por via de um acordo judicial - no âmbito de um processo em que foram patrocinados pelo A. - e que, mesmo depois de terem recebido os cheques, nenhum valor liquidaram ao A.
21 - Nesse requerimento escusam-se do pagamento com justificações duvidosas que não se coadunam com o pagamentos invocados posteriormente, nem permitem, que a presunção legal estabelecida no art. 317º c). seja usada em seu favor.
22 - Analisada a postura dos RR., nos articulados, desde o primeiro (em que ainda não tinham constituído mandatário) até ao último (em que já tinham outorgado procuração), verifica-se que os mesmos entram em contradições…
23 - Ora confessam que prometeram pagar em Agosto de 2012, ora alegam que já pagaram as contas quando as mesmas lhes foram apresentadas, não especificando os valores concretos que alegam ter liquidado nem o específico modo de pagamento que usaram …
24 - Apenas fazem referência a uma quantia de €1.000 (devidamente deduzida na nota de honorários respectiva), a um cheque de €750 (que restituíram a título de capital mutuado) e confessam-se devedores de €500.
25 - Logo, não concorda com o Tribunal a quo quando considera que os RR. “foram firmes em afirmar, ao longo de todo o processo, nomeadamente nos seus articulados, que já pagaram os serviços prestados pelo autor, à excepção de €500, não se verificando, pois, da sua parte, a prática de qualquer acto que possa ser interpretado como confessório do não pagamento”
26 – No caso sub judice, deve considerar-se cabalmente ilidida a presunção estabelecida no art. 317º b). do CC, por toda a prova que foi produzida em sede de Audiência de discussão e julgamento – em especial, os depoimentos da testemunhas D...(excertos supra transcritos – início 02:40 e fim 03:23; início 03:44 e fim 04:11; início 04:20 e fim 05:20; início 06:22 e fim 7:26; início 7:28 e fim 8:50; início 11:20 e fim 11:45; início 15:55 e fim 16:20; início 19:10 e fim 20:20) e E... (nos excertos supra transcritos – início 03:10 e fim 06:23; início 07:35 e fim 08:58; início 09:15 e fim 09:25; início 16:10 e fim 17:31; início 18:00 e fim 18:30; início 19:30 e fim 19:50; início 21:28 e fim 22:10) e no requerimento junto aos autos de Injunção pelo RR., no dia 15 de Novembro de 2012.
27 - Logo, deve considerar-se não provada a factualidade descrita no ponto 4, com base nos depoimentos das testemunhas E... e D..., bem como no requerimento junto aos autos de Injunção pelo RR., no dia 15 de Novembro de 2012.
28 – Devendo ser declarado o incumprimento contratual dos réus, nos termos das disposições conjugadas nos arts. 798º e 1160ºb)., 1156º do CC, sendo o RR. condenados a pagar ao A. o montante global de €8603,85, quantia esta acrescida de juros de mora, a título de honorários decorrentes da prestação de serviços de advocacia prestados pelo A. aos RR não pagos, acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento.
29 – E, devendo a sentença recorrida ser revogada, em conformidade.
Termos em que, e nos melhores do Direito, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas. deve o presente Recurso ser recebido e considerado procedente, por provado, e em consequência:
a). Ser julgada improcedente, no caso sub júdice, a prescrição presuntiva do art. 317º c). por não ser aplicável ou, in minime, declarar-se a sua ilisão mediante a prova que foi produzida pelo A.
b). Ser a factualidade descrita no ponto 4 dada como não provada, com base dos depoimentos das testemunhas E..., D...(supra transcritos) e no Requerimento junto aos autos pelos RR. no dia 15 de Novembro de 2012;
c). Ser a sentença recorrida revogada em conformidade, sendo os RR. condenados ao pagamento do montante global de € 8.603,85, acrescida de juros de mora vencido e vincendos até efectivo e integral pagamento, relativos a honorários decorrentes da prestação de serviços de advocacia aos RR.
d). Serem os RR. condenados em custas e procuradoria.

Os Réus apresentaram contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:
1ª Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou parcialmente procedente a excepção de prescrição invocada pelos Réus e os condenou a pagar ao A. a quantia de 1.230,00 €, acrescida de juros de mora;
2ª Inconformado, o Recorrente pretende que a referida decisão deve ser anulada por ter ocorrido erro na decisão da matéria de facto e na interpretação da norma jurídica aplicável à situação em apreço nos presentes autos;
3ª No entender do Recorrente, foi erroneamente dado como provado, por ter sido considerado aplicável in casu a prescrição presuntiva estabelecida na alínea b) do artigo 317º do Código Civil;
4ª O Recorrente fundamenta a sua tese nos depoimentos prestados pela testemunha E... e D..., dos quais retira que entre Março e Agosto de 2012, os RR teriam confessado e prometido pagar as quantias pretensamente em dívida. Não tendo o mesmo razão;
5ª Ora, da matéria dada como assente resulta provado que as contas discriminadas nas alíneas c) a p) do n.º 2 da Fundamentação de facto da Sentença foram enviadas aos RR a 11.12.2011, na alínea b), em 02.08.2007 e na alínea a), em 20.02.2008;
6ª O prazo da prescrição presuntiva de 2 anos, estabelecido no artigo 317º do Código Civil, conta-se a partir da data das contas de despesas e honorários;
7ª Consequentemente, a prescrição ocorreu em Dezembro de 2003 relativamente às contas indicadas nas alíneas c) a p), em Agosto de 2009, para a indicada na alínea b) e em Fevereiro de 2010 para a conta referida na alínea a);
8ª Desta forma, o pretenso reconhecimento por parte dos AA., alegadamente ocorrido em 2012, é absolutamente irrelevante para efeitos de interrupção da prescrição, porquanto não há interrupção da prescrição quando já decorreu todo o prazo prescricional;
9ª Mesmo que assim não fosse, estabelece o artigo 325º do Código Civil, que só o reconhecimento do direito efetuado pelo devedor perante o respetivo titular tem efeito interruptivo da prescrição, o que nunca ocorreu;
10ª Analisando os depoimentos transcritos constatamos que a testemunha Sra. D. D...não refere, no que para esta questão importa, qualquer reconhecimento da dívida por parte dos RR;
11ª Se atentarmos no depoimento da testemunha Sra. D. E..., mesmo admitindo-se, sem conceder, que tivesse havido reconhecimento de dívidas, em primeiro lugar, aquele só poderia ter ocorrido por parte do Réu marido, mas não se sabe relativamente a que dívidas em concreto;
12ª De todo o modo, dos depoimentos prestados resulta que, mesmo que o alegado reconhecimento tivesse ocorrido, não o foi perante o respetivo titular que era o A., ora Recorrente, e só esse era susceptível de ter qualquer efeito nos termos do artigo 325º do Código Civil;
13ª De todo o exposto, tem de concluir-se que não se verificou a alegada interrrupção da prescrição, tendo-se a mesma consolidado na esfera jurídica dos RR;
14ª A sentença recorrida não incorre, pois, em qualquer erro sobre a decisão ou apreciação da matéria de facto;
15ª Demonstrado que ficou que não correu interrupção da prescrição presuntiva e tendo esta sido invocada pelos Recorridos, o Recorrente só poderia afastar aquela presunção se tivesse logrado obter o reconhecimento da dívida por confissão expressa ou tácita dos RR, o que também não ocorreu;
16ª Os RR sempre afirmaram já terem pago os serviços prestados pelo A., à exceção de um deles, ou seja, todos os elencados nas alíneas a) a p) do ponto 2 da Fundamentação de facto, exceto o referido na alínea q);
17ª Os RR fizeram-no expressa e claramente na contestação que apresentaram e fizeram-no também na oposição por si subscrita (e sem intervenção de advogado como se impunha), quando referem “(...) a maioria dos processos já estão pagos, pagamentos esses feitos a dinheiro com cheques de processos ganhos e cheques meus...”, tendo, no resto da Oposição, discutido apenas a conta recebida em 2012, a qual sempre reconheceram estar parcialmente em dívida;
18ª O Recorrente nas suas Alegações procura tornear a questão, ignorando a primeira parte do referido na Oposição, como se ela não existisse;
19ª Ora, como está comprovado nos autos, não estamos perante uma dívida única, mas perante 17 contas distintas;
20ª Não pode pois o Recorrido omitir a primeira parte do texto da Oposição subscrita pelos Recorridos, como se ela não existisse, agarrando-se à única conta que referem não ter sido integralmente paga, procurando extrair dela a confissão tácita das restantes;
21ª Assim, atendendo a que o devedor não se recusou a depor, nem a prestar juramento no tribunal, nem praticou em juízo nenhum acto incompatível com a presunção de cumprimento, não ocorreu também a confissão tácita, nos termos previstos no artigo 314º do Código Civil;
22ª Face ao exposto, não tendo ocorrido nenhuma das circunstâncias previstas no citado normativo só pode concluir-se pela inexistência da pretendida confissão por parte dos Recorridos;
23ª Assim, bem andou a douta Sentença recorrida ao dar como provado que os Recorridos pagaram as contas indicadas nas alíneas a) a p) do n.º 2 da Fundamentação de facto.
Termos em que, deverá o presente recurso ser julgado improcedente e, em consequência, ser mantida a decisão recorrida.
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II.
Questões a apreciar.
Atendendo às conclusões das alegações do Apelante – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – são as seguintes as questões a apreciar e decidir:
• Saber se existem razões para alterar a decisão da matéria de facto, no que toca ao ponto 4.
• Saber se decorreu ou não o prazo de prescrição ao qual estão sujeitos os créditos do Apelante; saber se existiu ou não algum reconhecimento do direito que tivesse a virtualidade de interromper aquele prazo; saber se os Réus praticaram ou não em juízo algum acto incompatível com a invocação da prescrição e saber se a presunção de cumprimento que decorre da prescrição foi ou não ilidida, tudo com vista a saber se os Réus devem ou não ser condenados a pagar ao Autor as quantias peticionadas nos autos respeitantes a honorários e despesas de serviços de advocacia por este prestados.
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III.
Matéria de facto
O Apelante começa por impugnar a decisão da matéria de facto, sustentando que a factualidade descrita no ponto 4. da matéria de facto não pode ser considerada provada.
Analisemos, portanto, essa matéria.
No aludido ponto 4. foi dado como provado que “Os réus entregaram ao autor as quantias pecuniárias correspondentes aos honorários acordados em contrapartida da prestação dos serviços descritos nas alíneas a) a p) do ponto 1 e no ponto 3”.
Diz o Apelante que esse facto foi dado erroneamente como provado por se ter entendido que era aplicável a prescrição presuntiva estabelecida no art. 371º b) do C.C. quando é certo que essa presunção não pode funcionar, na medida em que decorreu dos depoimentos das testemunhas que aquele pagamento não foi efectuado (e, portanto, o Autor teria ilidido aquela presunção), tendo decorrido também desses depoimentos que os Réus reconheceram essa dívida entre Março e Agosto de 2012 (reconhecimento que interrompeu a prescrição), além de que os Réus, na sua oposição, teriam alegado factos incompatíveis com a prescrição.
Parece-nos, de facto, que o citado ponto da matéria de facto não pode manter-se, embora por razões diversas daquelas que são apontadas pelo Apelante.
Vejamos.
A decisão de considerar aquele facto provado fundamentou-se nas considerações que passamos a transcrever:
Por sua vez, a resposta à matéria contida no ponto 4 está, neste caso concreto, intrinsecamente ligada à resolução da questão de Direito, na medida em que aquela haverá de mostrar reflectida a subsunção jurídica das normas para aqui convocadas, designadamente a presunção contida no artigo 317.º c) do Código Civil.
Assim, se os factos descritos em 1 a 3 resultaram provados através do teor de todos os depoimentos testemunhais prestados em audiência, bem como da análise da diversa documentação junta aos autos, já a factualidade descrita no ponto 4 decorre da presunção estabelecida no referido artigo 317.º c) que o autor não foi capaz de ilidir.
Com efeito, conforme infra melhor se desenvolverá, estamos diante de uma prestação de serviços cujo pagamento se encontra sujeito ao prazo de prescrição de dois anos, decorrido o qual se presume que aquele foi já efectuado, salvo se o devedor confessar o contrário. Ora, a prova produzida nos autos foi meramente testemunhal e documental, não tendo sido obtida qualquer confissão por parte dos réus, que, aliás, sempre afirmaram expressamente, na fase dos articulados, terem já pago os serviços prestados, com excepção de € 500,00.
Pelo que o Tribunal não pode deixar de responder à matéria de facto em causa da forma supra descrita”.
Conforme decorre desta fundamentação, a prova do facto que estamos a analisar não decorreu da prova produzida (ou seja, não resultou da prova documental ou testemunhal que aquele pagamento tenha sido efectuado), mas apenas do funcionamento da presunção estabelecida no art. 317º, c), do C.C.
Ora, salvo o devido respeito, a decisão recorrida confundiu e misturou indevidamente a matéria de facto com a matéria de direito, porquanto, para considerar provado aquele facto, teve necessidade de aplicar o Direito, convocando a norma legal que estabelece a presunção e considerando, pela aplicação dessa norma aos demais factos, que tal presunção era aqui aplicável e que não havia sido ilidida.
Tal procedimento não é correcto e vamos tentar explicar porquê.
Tal como decorre do art. 349º do Código Civil, “presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido” e, como resulta do disposto nos arts. 350º e 351º do mesmo diploma, as presunções podem ser legais (se estabelecidas na lei) ou judiciais (utilizadas pelo julgador mas não fixadas na lei).
As presunções judiciais – também apelidadas de naturais ou de facto[1] – têm por base as lições da experiência ou as regras da vida; assentam no simples raciocínio de quem julga e inspiram-se nas máximas da experiência, nos juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica ou nos próprios dados da intuição humana[2]. Estas presunções – admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (cfr. art. 351º do Código Civil) – são, afinal, “meios lógicos ou mentais da descoberta de factos, operações probatórias que se firmam mediante regras de experiência[3]; “o juiz, no seu prudente arbítrio, deduz de certo facto conhecido um facto desconhecido, porque a sua experiência da vida lhe ensina que aquele é normalmente indício deste[4].
As presunções judiciais (desde que, no caso, sejam admitidas) intervêm, portanto, ao nível da formação da convicção do juiz, levando-o a afirmar a verificação de um facto controvertido através de um outro facto conhecido que, pelas regras da experiência, constitui um indício seguro da verificação daquele e, como tal, têm o seu âmbito de aplicação em sede de decisão sobre a matéria de facto.
O mesmo não acontece com as presunções legais.
Estas são estabelecidas por lei e, por conseguinte, não estão na disponibilidade do julgador.
Aqui, é a lei e não o julgador que, a partir de um facto conhecido, dá como verificado um outro facto, tomando-o como certo e irrefutável (no caso das presunções absolutas ou juris et de jure) ou exigindo a prova do facto contrário (no caso das presunções relativas ou juris tantum).
Em qualquer caso, quem tem a seu favor a presunção legal está dispensado de provar o facto a que ela conduz (art. 350º nº 1 do Código Civil).
Assim, a parte onerada com o ónus da prova apenas terá de demonstrar a realidade do facto que serve de base à presunção; uma vez feita essa prova, fica dispensada de provar o facto presumido que a lei considera como verificado e, estando em causa uma presunção juris tantum, caberá à parte contrária – por força da inversão do ónus da prova, consignada no art. 344º do Código Civil – fazer a prova do contrário, demonstrando que o facto presumido não se verificou ou não existe.
 Assim, e ao contrário do que acontece com as presunções judiciais – que intervêm ao nível da formação da convicção do juiz no que respeita à verificação ou não de determinados factos e que, como tal, fazem parte integrante do processo lógico e mental que, através da análise criteriosa das provas produzidas, antecede a decisão sobre a matéria de facto –, as presunções legais têm o seu campo de aplicação ao nível da aplicação do direito, sendo certo que estas presunções não têm qualquer interferência ou influência no processo de formação da convicção do julgador no que respeita à verificação ou não dos factos controvertidos.
Com efeito, estando em causa uma presunção legal, o facto presumido tem-se como verificado porque a lei o determina e não porque o julgador assim o considerou.
Assim, ainda que a presunção legal tenha como objectivo a determinação de um facto (que se tem como verificado), a sua aplicação é uma questão de direito que envolve apenas a interpretação e a aplicação da norma legal que a estabelece.
No caso de presunção legal, a “verificação” do facto presumido não decorre nem depende da convicção do julgador, decorrendo apenas da lei e da sua interpretação e aplicação ao caso concreto.
Daí que a presunção legal não possa ser considerada em sede de decisão sobre a matéria de facto, onde o julgador procura apenas determinar os factos que, perante as provas produzidas e segundo a sua convicção, ocorreram efectivamente.
Ora, a presunção de cumprimento/pagamento decorrente das prescrições presuntivas estabelecidas no art. 312º e segs. é uma presunção legal, cujo funcionamento depende, naturalmente, da verificação dos pressupostos que estão previstos na lei e a questão de saber se tais pressupostos estão ou não ou verificados e se, consequentemente, é aplicável aquela presunção constitui matéria de direito que não pode ser considerada para efeitos de decisão sobre a matéria de facto.
Ora, perante o que consta da fundamentação da decisão da matéria de facto, parece claro que não decorreu da prova produzida (documental ou testemunhal) qualquer elemento que permitisse formar a convicção de que os Réus entregaram ao Autor as quantias pecuniárias a que alude o ponto 4. da matéria de facto e, portanto, esse facto – que não ficou provado – não pode ser levado à matéria de facto.
Se tal facto – apesar de não ter ficado provado – deve ou não ser presumido por força da aplicação das regras da prescrição é questão que terá de ser determinada em sede de aplicação do Direito e que, como tal, analisaremos mais adiante.
Elimina-se, portanto, o ponto 4. da decisão da matéria de facto.
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Assim, a matéria de facto provada (expurgada do referido ponto 4.) é a seguinte:
1. O autor é advogado, profissão que exerce em exclusividade, encontrando-se inscrito na Ordem dos Advogados com a cédula profissional n.º (...), com escritório no (...), usando o nome abreviado de A....
2. Nessa qualidade, o autor patrocinou judicialmente os réus, a pedido destes, prestando-lhes serviços de advocacia no âmbito dos seguintes processos:
a) Processo de Separação de Pessoas e Bens, que correu termos na Conservatória do Registo Civil de Condeixa, tendo sido emitida e enviada aos réus, a 20.02.2008, a respectiva conta discriminada de honorários e despesas, no montante de €750,00 acrescidos de IVA, à taxa legal em vigor;
b) Processo nº 1569/06.1TJCBR, que correu termos no Tribunal Cível de Coimbra, tendo sido emitida e enviada aos réus, a 02.08.2007, a respectiva conta discriminada de honorários e despesas, no montante de €320,00 acrescidos de IVA, à taxa legal em vigor;
c) Processo nº 33/00, que correu termos no Tribunal Judicial da Sertã, tendo sido emitida e enviada aos réus, a 11.12.2001, a respectiva conta discriminada de honorários e despesas, no montante de 50.000$00, acrescidos de IVA, à taxa legal em vigor;
d) Processo nº 242/99, que correu termos no Tribunal Judicial da Sertã, tendo sido emitida e enviada aos réus, a 11.12.2001, a respectiva conta discriminada de honorários e despesas, no montante de 55.000$00, acrescidos de IVA, à taxa legal em vigor;
e) Processo nº 11/00, que correu termos no Tribunal Judicial da Sertã, tendo sido emitida e enviada aos réus, a 11.12.2001, a respectiva conta discriminada de honorários e despesas, no montante de 50.000$00, acrescidos de IVA, à taxa legal em vigor;
f) Processo nº 157/99, que correu termos no Tribunal Judicial da Sertã, tendo sido emitida e enviada aos réus, a 11.12.2001, a respectiva conta discriminada de honorários e despesas, no montante de 55.000$00, acrescidos de IVA, à taxa legal em vigor;
g) Processo nº 86/A/98, que correu termos no Tribunal Judicial da Sertã, tendo sido emitida e enviada aos réus, a 11.12.2001, a respectiva conta discriminada de honorários e despesas, no montante de 45.000$00, acrescidos de IVA, à taxa legal em vigor;
h) Processo nº 673/A/99, que correu termos no Tribunal Judicial de Leiria, tendo sido emitida e enviada aos réus, a 11.12.2001, a respectiva conta discriminada de honorários e despesas, no montante de 85.000$00, acrescidos de IVA, à taxa legal em vigor;
i) Processo nº 94/99, que correu termos no Tribunal Judicial de Figueiró dos Vinhos, tendo sido emitida e enviada aos réus, a 11.12.2001, a respectiva conta discriminada de honorários e despesas, no montante de 55.000$00, acrescidos de IVA, à taxa legal em vigor;
j) Processo nº 253-A/99, que correu termos no Tribunal Judicial da Sertã, tendo sido emitida e enviada aos réus, a 11.12.2001, a respectiva conta discriminada de honorários e despesas, no montante de 55.000$00, acrescidos de IVA, à taxa legal em vigor;
k) Processo nº 455/99, que correu termos no Tribunal Judicial da Sertã, tendo sido emitida e enviada aos réus, a 11.12.2001, a respectiva conta discriminada de honorários e despesas, no montante de 50.000$00, acrescidos de IVA, à taxa legal em vigor;
l) Processo nº 34/00, que correu termos no Tribunal Judicial da Sertã, tendo sido emitida e enviada aos réus, a 11.12.2001, a respectiva conta discriminada de honorários e despesas, no montante de 70.000$00, acrescidos de IVA, à taxa legal em vigor;
m) Processo nº 12/00, que correu termos no Tribunal Judicial de Figueiró dos Vinhos, tendo sido emitida e enviada aos réus, a 11.12.2001, a respectiva conta discriminada de honorários e despesas, no montante de 70.000$00, acrescidos de IVA, à taxa legal em vigor;
n) Processo nº 629/00, que correu termos no Tribunal Judicial do Porto, tendo sido emitida e enviada aos réus, a 11.12.2001, a respectiva conta discriminada de honorários e despesas, no montante de 55.000$00, acrescidos de IVA, à taxa legal em vigor;
o) Processo nº 334/97, que correu termos no Tribunal Judicial da Maia, tendo sido emitida e enviada aos réus, a 11.12.2001, a respectiva conta discriminada de honorários e despesas, no montante de 55.000$00, acrescidos de IVA, à taxa legal em vigor;
p) Processo nº 422-A/99, que correu termos no Tribunal Judicial de Lisboa, tendo sido emitida e enviada aos réus, a 11.12.2001, a respectiva conta discriminada de honorários e despesas, no montante de 70.000$00, acrescidos de IVA, à taxa legal em vigor;
q) Processo nº 814/05.5TBSRT-A, que correu termos no Tribunal Judicial da Sertã, tendo sido emitida e enviada aos réus, a 03.10.2012, a respectiva conta discriminada de honorários e despesas, no montante de €1.000,00 acrescidos de IVA, à taxa legal em vigor, aquando do pagamento;
3. O autor prestou ainda aos réus serviços de acessória jurídica junto de várias Instituições Bancárias, tendo sido emitidas e enviadas aos réus, a 11.12.2001, as respectivas conta discriminadas de honorários e despesas, no montante global de 165.000$00, acrescidos de IVA, à taxa legal em vigor.
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IV.
Aplicação do Direito
Conforme decorre da matéria de facto, o Autor prestou aos Réus diversos serviços de advocacia, sendo que – com excepção do serviço referido em 2. q) da matéria de facto (que não está em causa no presente recurso, porquanto, nessa parte, os Réus foram condenados ao pagamento dos respectivos honorários e despesas) – as respectivas notas de honorários e despesas foram enviados aos Réus em 2001, 2007 e 2008.
Os Réus, na sua contestação, alegaram ter pago esses serviços e invocaram a prescrição estabelecida no art. 317º do C.C.
Como decorre da matéria de facto, os Réus não fizeram prova do pagamento e, portanto, resta saber se tinham o ónus de fazer essa prova ou se dele estavam dispensados por força da presunção decorrente da prescrição que expressamente invocaram.
É indiscutível que tais serviços se inserem no âmbito de previsão do citado art. 317º, alínea c), e, portanto, como aí se determina, prescrevem no prazo de dois anos, sendo igualmente indiscutível que, à data da propositura da presente acção (2012), já havia decorrido o prazo de dois anos desde a prestação dos serviços e desde o envio das respectivas notas de honorários e despesas.   
Sustenta, porém, o Apelante que não poderia ser julgada procedente a prescrição, na medida em que o prazo de prescrição se interrompeu por força do reconhecimento da divida feito pelos Réus em Março/Agosto de 2012, invocando, para este efeito, o depoimento da testemunha, E....
A verdade é que o alegado reconhecimento da dívida não resulta da matéria de facto e o Apelante não impugnou a decisão da matéria de facto, no sentido de aí ser incluído um qualquer facto que retratasse o reconhecimento do direito que alega ter sido efectuado pelos Réus.
Refira-se, além do mais, que o Autor/Apelante pouco havia alegado nos articulados a esse propósito, já que se limitou a alegar, em termos um pouco vagos, que os Réus sempre assumiram perante o Autor que lhes deviam dinheiro e prometiam pagar, sendo que o último reconhecimento teria sido efectuado menos de um ano antes da entrada da acção em Tribunal, altura em que os Réus teriam prometido pagar em Agosto de 2012.
Ainda que se considerasse que o Apelante impugnou validamente a decisão da matéria de facto no sentido de incluir aí qualquer facto relacionado com essa matéria (o que, na nossa perspectiva, não aconteceu, apesar de aludir ao depoimento de uma testemunha do qual aqueles factos teriam resultado), a verdade é que do depoimento invocado pelo Apelante não seria possível recolher qualquer facto concreto que tivesse relevância para efeitos de reconhecimento do direito e consequente interrupção do prazo de prescrição.
Com efeito (e fazemos aqui um parêntese para abordar esta matéria que estaria relacionada com a matéria de facto e não com a aplicação do Direito) o que decorre do depoimento da testemunha citada pelo Apelante (Drª E...) é apenas que o Réu, em diversas conversas que tiveram, sempre dizia que ia pagar, mas que não podia naquele momento, referindo com maior pormenor uma conversa que teve com ele em 2008/2009, num café e outra conversa telefónica que teria ocorrido em Abril/Maio de 2012, conversa que ocorreu apenas entre a depoente e o Réu, declarando expressamente, que o Réu telefonou para falar com o Autor e, porque o Autor estava em julgamento, apenas falou com a depoente a quem disse que ia pagar nos dois dias próximos e que ia resolver isso com o Autor. Ou seja, a referida testemunha reporta-se apenas – ao que parece – a conversas que ela própria teve com o Réu, sem qualquer participação da Ré e do Autor, não referindo (pelo menos de forma clara e expressa) qualquer conversa que tivesse presenciado entre os Réus e o Autor em que aqueles tenham reconhecido, perante este, a existência de uma dívida de determinado valor, importando reafirmar que a última conversa referida (a única que se situa nos dois anos anteriores à propositura da acção) ocorreu – como decorre expressamente do depoimento – entre a testemunha e o Réu.
Ora, como decorre do disposto no art. 325º do C.C., o reconhecimento do direito apenas tem a virtualidade de interromper o prazo de prescrição se for efectuado perante o titular do direito, sendo irrelevante o reconhecimento feito perante terceiro e, portanto, os pretensos reconhecimentos do direito a que alude a referida testemunha – e que, de qualquer forma, sempre teriam sido feitos apenas pelo Réu marido – não teriam qualquer relevância, porquanto não foram feitos (designadamente o que teria sido feito em Agosto de 2012 e, portanto, nos dois anos anteriores à propositura da acção) perante o Autor (titular do direito), mas sim perante a testemunha.
Assim, ainda que se considerasse validamente impugnada a decisão da matéria de facto, sempre inexistiriam razões que justificassem a alteração dessa decisão, porquanto, como referimos, do depoimento citado pelo Apelante nada resultou de concreto que pudesse ter relevância para a apreciação da prescrição e para a decisão da causa.

Temos, portanto, como assente que decorreu o prazo de prescrição a que alude o citado art. 317º, ao qual estava sujeito o direito do Autor.
Conforme decorre do disposto no art. 312º do mesmo diploma legal, tal prescrição funda-se na presunção de cumprimento.
Assim, a verificação dessa excepção traduz uma presunção de cumprimento, libertando o devedor do ónus de prova do cumprimento da obrigação e passando a recair sobre o credor o ónus de ilidir essa presunção – mediante a prova do facto contrário (não pagamento) –, sendo certo, porém, que esta prova (a cargo do credor) não pode ser feita por testemunhas já que aquela presunção apenas pode ser ilidida por confissão do devedor originário ou daquele a quem a dívida se tiver transmitido por sucessão – cfr. art. 313º do Cod. Civil.
No que toca à confissão do devedor – única forma de ilidir aquela presunção – determina o art. 314º do citado diploma legal que “considera-se confessada a dívida se o devedor se recusar a depor ou a prestar juramento no tribunal, ou praticar em juízo actos incompatíveis com a presunção de cumprimento” e, com fundamento nesta norma, sustenta o Apelante que a presunção de pagamento se deve considerar ilidida, na medida em que, na sua contestação, os Réus tomaram posição incompatível com tal presunção, quando confessam ter prometido pagar os valores em dívida em Agosto de 2012, quando confessam ter recebido cheques no âmbito de um processo em que foram patrocinados pelo Autor e que, mesmo depois desse facto, nenhum valor liquidaram ao Autor e quando se escusam ao pagamento com justificações duvidosas que não se coadunam com os pagamentos invocados.
É para nós evidente que não lhe assiste qualquer razão.
De facto, o pagamento que os Réus alegaram ter prometido efectuar em Agosto de 2012 reporta-se apenas – como decorre claramente da sua contestação – à conta de despesas e honorários que foi junta como doc. nº 17, ou seja, à conta referente ao processo 814/05.5TBSRT-A, a que se reporta o ponto 2. q) da matéria de facto e no que toca a essa conta não foi julgada procedente a excepção de prescrição, tendo os Réus sido condenados ao respectivo pagamento. No que toca aos demais valores que haviam sido peticionados e relativamente aos quais os Réus invocaram a prescrição, os Réus limitaram-se a alegar que procederam ao seu pagamento através de cheques que emitiram, através de entregas em dinheiro e através de endosso ao Autor de cheques emitidos por devedores dos Réus, no âmbito de acordos celebrados nos processos judiciais e, como é evidente, a alegação do pagamento dessas quantias não é incompatível com a invocação da prescrição, porquanto corresponde apenas à alegação do facto que, por via da prescrição, os Réus estariam dispensados de provar (mas não de alegar) por dever ser presumido face ao decurso do prazo prescricional.

É certo, portanto, em face do exposto que, tendo decorrido o prazo prescricional e não tendo os Réus praticado qualquer acto incompatível com a invocação da prescrição, presume-se o cumprimento da obrigação e, como tal, os Réus estavam dispensados de fazer a prova efectiva do pagamento, competindo ao Autor/Apelante o ónus de ilidir essa presunção, fazendo a prova de que tal pagamento não havia sido efectuado.
Sustenta o Apelante que tal presunção foi ilidida pela prova produzida em julgamento e, mais concretamente, pelos depoimentos das testemunhas, D...e E..., dos quais resulta que o pagamento não foi efectuado.
A verdade, porém, é que esses depoimentos não tinham qualquer idoneidade para fazer prova do não pagamento e ilidir a presunção, já que, como dispõe expressamente o art. 313º, a presunção do cumprimento só poderia ser ilidida por confissão dos Réus e apenas relevaria a confissão judicial ou a confissão extrajudicial escrita.
Tal prova não poderia, portanto, ser efectuada por testemunhas e, não existindo qualquer confissão extrajudicial escrita e não existindo qualquer confissão nos articulados, o Autor/Apelante apenas poderia ilidir aquela presunção e provar o não cumprimento através de confissão judicial obtida em depoimento de parte.
Sucede que o Autor/Apelante nem sequer requereu o depoimento de parte dos Réus e, portanto, independentemente das declarações prestadas pelas testemunhas, não ilidiu a presunção de cumprimento que decorre do decurso do prazo prescricional.

Assim sendo, não poderá deixar de ser confirmada a sentença recorrida.
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SUMÁRIO (elaborado em obediência ao disposto no art. 663º, nº 7 do Código de Processo Civil, na sua actual redacção):
I – A aplicação de uma presunção legal é uma questão de direito que apenas envolve a interpretação e aplicação da norma legal que a estabelece e que, como tal, não pode ser convocada para efeitos de fixação da matéria de facto.
II – Assim, não tendo resultado da prova produzida o efectivo cumprimento da obrigação, não poderá esse cumprimento ser levado aos factos provados com fundamento na prescrição presuntiva que se considerou ser aplicável e que se considerou não ter sido ilidida.
III – As prescrições presuntivas – estabelecidas no art. 312º e segs. do C.C. – fundam-se na presunção de cumprimento e, portanto, o decurso dos prazos aí estabelecidos liberta o devedor do ónus de provar o cumprimento, transferindo-se para o credor o ónus de ilidir tal presunção, provando que o cumprimento não foi efectuado.
IV – Tal prova – a cargo do credor – não pode ser efectuada por testemunhas e apenas pode ser efectuada por confissão do devedor, seja ela uma confissão tácita (nos termos do art. 314º do C.C.), seja ela uma confissão expressa (nos termos do art. 313º do C.C.) que poderá ser judicial (nos articulados ou em depoimento de parte) ou extrajudicial (desde que, neste caso, seja realizada por escrito).
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V.
Pelo exposto, nega-se provimento ao presente recurso e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.
Custas a cargo do Apelante.
Notifique.


Maria Catarina Ramalho Gonçalves (Relatora)
Maria Domingas Simões
Nunes Ribeiro

[1] Cfr. Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2ª ed., pág. 501.
[2] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Cód. Civil Anotado, Vol. I, 3ª ed., pág. 310.
[3] Cfr. Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. II, pág. 221, anotação 291
[4] Cfr. Pais de Amaral, Direito Processual Civil, 7ª ed., pág. 300.