Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
373-A/2001.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: SÍLVIA PIRES
Descritores: PRESTAÇÃO DE CONTAS
LEGITIMIDADE ACTIVA
Data do Acordão: 06/24/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA MARINHA GRANDE – 3º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 1014º CPC; 2093º C.CIV..
Sumário: I – Nos termos do disposto no art.º 1014º do C. P. Civil – normativo em vigor à data da propositura da acção –, a acção de prestação de contas pode ser proposta por quem tenha o direito de exigi-las ou por quem tenha o dever de prestá-las e tem por objecto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se.
II - Esta disposição legal contém uma regra relativa à legitimidade, estatuindo quem tem o direito de exigir a prestação de contas, conferindo legitimidade àquele que tenha o direito de as exigir.

III - Tendo a Ré sido cabeça-de-casal nas heranças a partilhar, impende sobre si a obrigatoriedade de prestação de contas conforme preceituado no art.º 2093º do C. Civil, questão que já foi decidida nos autos.

IV - Sendo vários os titulares do direito de exigir a prestação de contas, a acção deve ser proposta por todos eles sob pena de ilegitimidade activa, pois estamos num caso de litisconsórcio necessário, sendo que só com a presença de todos na acção é que a decisão que vier a ser proferida poderá produzir o seu efeito útil – art.º 28º, n.º 2, do C. P. Civil – ou seja o apuramento do saldo – respeitando a todos eles a relação material controvertida.

Decisão Texto Integral: Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra
Por apenso ao processo de inventário a que se procedeu por óbito de F... e de A..., a actual cabeça-de-casal intentou contra L..., herdeira que exerceu as funções de cabeça de casal no período compreendido entre 10 de Outubro de 2001 até à respectiva remoção do cargo – 10.3.2004 –, acção especial de prestação de contas da administração dos bens da herança durante esse período, alegando, em síntese, que nunca prestou contas da sua administração aos demais herdeiros.

A Ré contestou, alegando, em síntese, que em 13 de Maio de 2001 apresentou as contas a todos os herdeiros e cada um deles recebeu o que lhe era devido, deduzidas as despesas da herança, sendo que desde essa data a não praticou mais actos que envolvessem despesas ou receitas.

A Autora apresentou resposta, impugnando os factos alegados pela Ré.

Após produção de prova foi proferida decisão na qual se concluiu pela obrigação da Ré de prestação das contas.

A Ré apresentou as contas e respectivos documentos a fls. 179.

A Autora contestou as contas apresentadas, alegando que a R. omitiu receitas ou indicou valores inferiores aos reais e impugnou algumas das despesas invocadas.

Veio a ser proferida decisão que julgou a causa nos seguintes termos:

Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide este Tribunal julgar as contas prestadas nos termos constantes da presente decisão, que determina a existência de um saldo a favor da herança no montante de € 25.178,08 (vinte e cinco mil cento e setenta e oito euros e oito cêntimos), que a R. é condenada a pagar, relegando-se para incidente de liquidação o montante relativo às receitas obtidas pela R. com o corte de sete árvores no prédio conhecido por Pombais.

Inconformada a Ré interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:

...

Não foi apresentada resposta.

Neste tribunal foi proferido despacho a convidar as partes para se pronunciarem sobre a eventualidade do conhecimento da excepção dilatória da ilegitimidade por preterição do litisconsórcio necessário.

Na sequência desse convite a Ré pronunciou-se no sentido da verificação da aludida excepção, tendo a Autora defendido a sua legitimidade, alegando que os valores reclamados não são bens ou valores do património próprio do casal composto por L... e marido, antes são produto da herança a que pertencem e a que só os demais herdeiros têm direito (al. a), n.º 1, do art. 2133º, do CC).

Considerando que a ilegitimidade das partes é uma excepção dilatória de conhecimento oficioso, importa, antes do mais, averiguar se Autora e Ré são, sem mais, partes legítimas.

Com interesse para a apreciação da legitimidade, há a considerar a verificação dos seguintes factos processuais:

1 - A presente acção é uma acção especial de prestação de contas por dependência do inventário a que se procedeu por óbito de F... e de A..., em que figuram como partes duas herdeiras.

2 – No inventário figuram como herdeiros dos inventariados:

            a) L...

            b) J...

            c) M..., viúva de S... e única herdeira do mesmo e nessa qualidade habilitada como sua sucessora.

            d) C...

Nos termos do disposto no art.º 1014º do C. P. Civil – normativo em vigor à data da propositura da acção –, a acção de prestação de contas pode ser proposta por quem tenha o direito de exigi-las ou por quem tenha o dever de prestá-las e tem por objecto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se.

Esta disposição legal contém uma regra relativa à legitimidade, estatuindo quem tem o direito de exigir a prestação de contas, conferindo legitimidade àquele que tenha o direito de as exigir.

No caso que nos ocupa estamos perante uma acção de prestação de contas intentada por dependência de um inventário para partilha de bens por óbito dos seus proprietários em que os herdeiros dos mesmos são 4 pessoas.

A acção foi intentada por uma das herdeiras – cabeça-de-casal na data da instauração da acção – contra outra herdeira, visando a prestação de contas por esta no período em que lhe esteve deferido o cabeçalato da administração das heranças a partilhar.

Tendo a Ré sido cabeça-de-casal nas heranças a partilhar, impende sobre si a obrigatoriedade de prestação de contas conforme preceituado no art.º 2093º do C. Civil, questão que já foi decidida nos autos.

No entanto, tendo sido apenas um dos restantes três herdeiros a demandar a Ré, coloca-se a questão de saber se, quando são vários os titulares do direito de exigir a prestação de contas, qualquer um deles o pode fazer desacompanhado dos demais.

Perfilhamos a opinião que sendo vários os titulares do direito de exigir a prestação de contas a acção deve ser proposta por todos eles sob pena de ilegitimidade activa [1], pois estamos num caso de litisconsórcio necessário, sendo que só com a presença de todos na acção é que a decisão que vier a ser proferida poderá produzir o seu efeito útil – art.º 28º, n.º 2, do C. P. Civil – ou seja o apuramento do saldo – respeitando a todos eles a relação material controvertida [2].

As contas a prestar representam um todo único, não fazendo sentido que possam existir tantas contas quantos os interessados e que, aquilo que constitui caso julgado para uns, o não seja para outros [3].

Assim a relação material controvertida respeita não apenas às partes que estão na acção mas a outras pessoas, como claramente decorre do facto de existirem mais herdeiros.

Do exposto decorre que tendo a acção sido intentada unicamente pela Autora desacompanhada dos demais herdeiros, por preterição do litisconsórcio necessário a mesma é parte ilegítima – art.º 33º do Novo C. P. Civil.

A ilegitimidade é uma excepção dilatória de conhecimento oficioso – art.º 577º, n.º 1, e) e 578º, ambos do Novo C. P. Civil.

  Mas, esta ilegitimidade é sanável através da intervenção principal dos herdeiros não presentes, requerida quer pela autora da acção - mesmo nos 30 dias posteriores ao trânsito em julgado da decisão de absolvição da instância - , quer pela Ré – art.º 261 n.º 1 e 2 e 316º, nº 1, ambos do Novo C. P. Civil.

E o tribunal, na actuação do dever de gestão processual, que o vincula, deve convidar a parte, nos termos previstos no n.º 2 do art.º 6º do Novo C. P. Civil – no caso em análise a Autora – a provocar essa intervenção, o que se decide.

Decisão

Nos termos expostos, revoga-se a decisão recorrida, ordenado a sua substituição por outra que convide a recorrida a provocar a intervenção dos demais interessados no inventário.

Custas do recurso pela Autora.

Relatora: Sílvia Pires

Adjuntos: Henrique Antunes

  Regina Rosa

[1] Alberto dos Reis, em Processos Especiais, pág. 314, vol. I, ed. de 1955, Coimbra Editora, Lopes Cardoso, em Partilhas judiciais, vol. III, pág. 71-72, ed. de 1991, Almedina, Luís Filipe Pires de Sousa, em Acções especiais de divisão de coisa comum e de prestação de contas, pág. 135, ed. de 2011, Coimbra Editora,

[2] Neste sentido se pronunciaram, entre outros, os Acórdãos:

- da Relação do Porto de 1-3-2007, relatado por José Ferraz, e de 22-11-2010, relatado por Rui Moura,

- da Relação de Lisboa de 25-2-2006, relatado por António Valente, ambos acessíveis em www.dgsi.pt.

[3] Ac. S. T.J. de 9.2.1993, relatado por Cunha Lopes, C. J., A.S.T.J., Ano I, vol. I, pág.144..