Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
15/08.0GBAVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ESTEVES MARQUES
Descritores: REGIME ESPECIAL DOS JOVENS DELINQUENTES
ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Data do Acordão: 11/23/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA (ÍLHAVO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 4º DO DL Nº 401/82 DE 23/09 E 379º, Nº1, AL.C DO CPP
Sumário: 1 Para a aplicação da atenuação especial da pena ao abrigo do art. 4º do DL nº 401/82 basta que se apure que essa atenuação favorece a ressocialização do agente, haja ou não diminuição da ilicitude ou da culpa.
2. Estando em causa um jovem que possa beneficiar do regime do atenuação especial da pena conforme o artigo 4º do DL 401/82, o Tribunal deve pronunciar-se se a verificação ou não dos pressupostos daquele regime especial, sob pena de cometer omissão de pronuncia conforme o disposto na al .c) do nº1 do artigo 379º do CPP
Decisão Texto Integral: 7
Proc. nº 15/08.0GBAVR.C1
RELATÓRIO

Em processo comum singular da Comarca do Baixo Vouga, Ílhavo, Juízo de Média Instância Criminal, por sentença de 10.03.12, foi, para além do mais, decidido:
a) Condenar o arguido G. pela prática em autoria material de um crime de tráfico de produtos estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelo artigo 25º, alínea a) do Decreto-Lei nº 15/93 de 22/01, na pena de 1 ano de prisão, cuja execução lhe foi suspensa por igual período de 1 ano.
b) Condenar o arguido L. como autor material de um crime de tráfico de produtos estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelo artigo 25º, alínea a) do Decreto-Lei nº 15/93 de 22/01, na pena de 1 ano de prisão cuja execução lhe foi suspensa por igual período de 1 ano.
Inconformados os arguidos interpuseram recurso, concluindo na sua motivação:
1º- Os recorrentes foram condenados na prática de um crime de tráfico de produtos estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelo artigo 25°, alínea a) do Decreto Lei nº 15/93 de 22/01, na pena de 1 (um) ano de prisão, cuja execução se suspende por igual período.
2°- O Recorrente G não tem antecedentes criminais.
3°- O Recorrente L tem unicamente um antecedente criminal, não significativo, crime de condução ilegal.
4º- Estão devidamente integrados, académica, familiar e socialmente.
5°- Presentemente, os Recorrentes apresentam um comportamento equilibrado.
6°- Estudam ambos no Ensino Superior e demonstraram ser responsáveis perante os estudos.
7°- Os Recorrentes manifestaram grande preocupação com as consequências jurídico-penais do processo.
8°- Demonstraram que se tratou de um período transitório em que consumiam cannabis, sendo que hoje já não o fazem.
9°- Os Recorrentes, denotando notório arrependimento e consciência do i1icito em que incorreram, confessaram os factos de que vinham doutamente acusados, pelo que não houve lugar à produção de prova em sede da audiência de discussão e julgamento. - vidé douta sentença sob recurso.
10°- A pena aplicada prejudica o futuro profissional e social dos arguidos.
11º- O Tribunal "a quo" ignorou o facto dos Recorrentes à data dos factos serem menores de 21 anos, não lhes aplicando regime Penal relativo a jovens entre os 16 e os 21 anos, constante no D/L 401/82.
12°- A Atenuação especial da pena funcionará certamente como um estímulo ao afastamento de comportamentos desviantes.
13°- O regime Penal relativo a jovens entre os 16 e os 21 anos, constante no D/L 401/82, institui um direito mais reeducador do que sancionador, evitando que uma reacção penal severa possa comprometer o futuro de ambos.
14°- Devendo ser aplicado aos Recorrentes o regime Penal relativo a jovens entre os 16 e os 21 anos, constante no D/L 401/82, devendo assim ser aplicada em substituição da pena de prisão, uma pena curta de prisão que possa ser substituída por multa a qual satisfará as necessidades de prevenção gerais e especiais que no caso se visa proteger.
O Ministério Público na 1ª instância não apresentou resposta.
A Exmª Procuradora-Geral Adjunta nesta Relação suscita a questão da nulidade da decisão por omissão de pronúncia sobre a aplicação ou não aos arguidos do regime especial para jovens.
Foi dado cumprimento ao disposto no artº 417º nº 2 CPP.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

FUNDAMENTAÇÃO

É a seguinte a matéria de facto dada como provada na 1ª instância:
No dia 23 de Abril de 2008, pelas 05h45m, na estrada nacional nº 592, junto do Parque de Campismo da Costa Nova, neste município, no âmbito de uma acção de fiscalização de trânsito levada a cabo por uma brigada do Núcleo de Investigação Criminal da GNR foi dada ordem de paragem ao condutor do veículo automóvel de marca Fiat, modelo …, de cor … que circulava nessa estrada no sentido Costa Nova/Vagueira, o que este fez.
Depois de abordado, o seu condutor foi identificado como sendo o arguido L, circulando na mesma viatura, no lugar do passageiro, o arguido G tendo estes dito que se dirigiam a uma “festa Rave” que se encontrava a decorrer na localidade de Vagos.
Inquiridos sobre se possuíam algum produto estupefaciente, o arguido L entregou aos soldados um embrulho de plástico que tinha em sua posse contendo no seu interior um cubo de um produto acastanhado, o qual submetido a exame laboratorial pelo Laboratório de Policia Cientifica, revelou tratar-se de Canabis (resina) com o peso líquido de 7,586 gramas, substância que consta da Tabela I-C, anexa ao Decreto-Lei nº 15/93 de 22 de Janeiro.
Por sua vez, o arguido G entregou uma saqueta de plástico que tinha em sua posse contendo no seu interior um cubo de um produto acastanhado que, submetido a exame laboratorial pelo Laboratório de Policia Cientifica, revelou tratar-se de Canabis (resina) com o peso líquido de 7,216 gramas, substância que consta da Tabela I-C, anexa ao Decreto-Lei nº 15/93 de 22 de Janeiro.
Os arguidos eram, pelo menos àquela data, e desde momento não apurado, consumidores de produtos estupefacientes e destinavam os produtos que foram encontrados na sua posse ao seu consumo pessoal e ainda à cedência a um seu amigo que com eles seguia no veículo e se dirigia à festa Rave onde consumiria também o produto estupefaciente, apesar de bem saber das qualidades estupefacientes do mesmo.
Agiram de forma deliberada, voluntária e consciente, bem sabendo que a posse, detenção, transporte e cedência de produtos naquelas circunstâncias era proibida e punida por lei penal.
Os arguidos são estudantes do ensino superior e vivem com o pai que lhes dá o dinheiro necessário a fazer face às suas despesas.
O arguido L tem antecedentes criminais por condução ilegal.
Confessaram integralmente e sem reservas os factos imputados na acusação e ainda o facto aditado em julgamento de destinarem parte do produto para além do seu consumo à cedência ao amigo que os acompanhava.

*

Alegam os recorrentes nas conclusões da sua motivação ter sido omitida a aplicação do regime penal relativo aos jovens delinquentes, sendo que a Exmª Procuradora-Geral Adjunta no seu douto parecer invoca expressamente a nulidade traduzida nessa omissão.
Passemos então à sua apreciação.
Dispõe o artº 1º do Dec. Lei 401/82 de 23 de Setembro:
“ 1. O presente diploma aplica-se a jovens que tenham cometido um facto qualificado como crime.
2. É considerado jovem para efeitos deste diploma o agente que, à data da prática do crime, tiver completado 16 anos sem ter ainda atingido os 21 anos.
3. O disposto no presente diploma não é aplicável a jovens penalmente inimputáveis em virtude de anomalia psíquica.”.
O arguido G nasceu no dia 17 de Julho de 1989 e o L. no dia 1 de Junho de 1988, pelo que tinham à data da prática dos factos, respectivamente 19 e 20 anos de idade.
Estabelece-se no artº 4º do aludido diploma que “Se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artºs 73º e 74º do Código Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado”.
Sucede porém que conforme se alcança do acórdão recorrido o mesmo não se pronunciou sobre a aplicabilidade ou não do referido regime, sendo certo que ambos os arguidos foram condenados na pena de um ano de prisão.
É que, pese embora a atenuação especial por menoridade de 21 anos não opere automaticamente e pressuponha a existência de sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado, o Tribunal não está dispensado de considerar da pertinência ou inconveniência da aplicação deste regime especial, devendo, por isso a sentença recorrida justificar sempre a posição adoptada, ainda que sendo esta no sentido da inaplicação AcSTJ 98.03.11, CJSTJ 1/98, pág. 217; AcRC 00.03.29, CJ 2/00, 54 e Manuel Leal Henriques e Simas Santos, Código Penal Anotado, pág. 151..
É certo que em determinado ponto da sentença (fls. 136), o Sr. juiz escreveu que não equacionava “a aplicação de outra pena ou até a sua atenuação especial”.
Porém tal referência só por si não se pode considerar suficiente como forma de ponderação da aplicação do regime especial para jovens.
É que, como se escreveu no AcSTJ de 02-06-2010Proc.nº27/04.3GBTMC.S2, http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/03b6ddc1e0b92d098025773c00389573?OpenDocument&Highlight=0,tr%C3%A1fico,de,menor,gravidade “…são dois os requisitos para a atenuação especial da pena ao abrigo do regime, no caso de ser aplicável pena de prisão. Um de natureza formal: ter o agente entre 16 e 21 anos de idade à data dos factos; outro material: haver razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção do condenado.
Este segundo requisito é de natureza diferente, e mais flexível, do que o previsto no art. 72º, nº 1 do Código Penal (CP), que impõe, como condição da atenuação especial, uma diminuição acentuada da ilicitude, ou da culpa, ou da necessidade da pena.
Ou seja, para a aplicação da atenuação especial da pena ao abrigo do art. 4º do DL nº 401/82 basta que se apure que essa atenuação favorece a ressocialização do agente, haja ou não diminuição da ilicitude ou da culpa. Este preceito estabelece, pois, um regime específico de atenuação especial, restrito aos jovens condenados, segundo o qual, as razões da ressocialização prevalecem sobre as razões dos demais fins das penas.· Por isso, sempre que se prove a vantagem da atenuação da pena para a ressocialização do jovem condenado, aquela atenuação não pode ser denegada com base em considerações de prevenção geral ou de retribuição”.
Ora como decorre da fundamentação apresentada na decisão recorrida essa avaliação foi feita apenas em função dos factos e não com base na personalidade dos arguidos e seu comportamento posterior, o qual tem que ser apurado, sendo certo que dos autos não constam estes elementos que permitiriam a este tribunal suprir a referida omissão.
Deste modo ao não se pronunciar sobre tal matéria, isto é ao não ter justificado porque não beneficiaram os recorrentes do aludido regime, a sentença tem de se considerar nula nessa parte (artº 379º nº 1 c) e 2 CPP), impondo por isso a sua reforma, o que, como é evidente não acarreta a anulação do julgamento.



DECISÃO

Nestes termos, os Juízes desta Relação acordam em, julgando procedente o recurso, declarar parcialmente nula a sentença, por inobservância do disposto no artº 4º do Dec. Lei 401/82 de 23 de Setembro, a qual deve ser reformada pelo mesmo tribunal, proferindo nova sentença onde se supra a omissão apontada a não ser que o respectivo tribunal determine a reabertura da audiência de julgamento, por considerá-la necessária para a reformulação da sentença.
Sem tributação.
Notifique.
Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (artº 94º nº 2 CPP).

Coimbra, 23 de Novembro de 2010.