Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
586/16.8T8PBL-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: PENHORA
OPOSIÇÃO À PENHORA
Data do Acordão: 03/08/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE EXECUÇÃO DE ANSIÃO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 784.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: É inadmissível a penhora de um bem, por tal acto não ser adequado aos fins da execução e não respeitar o princípio da proporcionalidade, quando resultarem dos autos elementos claros, seguros e manifestos que apontem no sentido de que, do produto da venda de tal bem, nenhuma quantia sobraria para liquidação, ainda que parcial, do crédito exequendo.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:        

           

            I. Em 15.4.2021, na execução para pagamento de quantia certa movida por B..., S. A., contra AA, BB, CC, S..., S. A. e DD, veio a interveniente principal C..., Lda., deduzir oposição à Penhora, pedindo «seja anulada a penhora da fração autónoma designada pela letra  ..., correspondente ao 1º Dto., para habitação, do prédio urbano sito na Quinta ..., Rua ..., da freguesia e concelho ..., por a mesma ser ilegal por excessiva

            Alegou, em síntese: a existência de hipotecas a favor de outra entidade bancária que garantem o pagamento de uma dívida no valor atual de € 83 148,38, e de outras penhoras (no valor de € 165 672,18), pelo que, sendo tais créditos graduados em primeiro lugar, a exequente nunca terá proveito da venda executiva do imóvel, cujo valor de mercado é de € 85 000; a penhora é excessiva, por ter como objeto um bem cujo produto da venda será entregue, não à exequente, mas a outros credores, uma vez que o valor patrimonial tributário do imóvel (€ 86 163,35) não é suficiente, sequer, para o pagamento dos credores garantidos pelas hipotecas e pelas penhoras.       

            A exequente contestou, referindo: a oposição  à penhora é inepta, por contraditória nos seus argumentos (pois não é possível que a penhora seja simultaneamente excessiva e insuficiente), sendo que nada mais se encontra penhorado e nada mais existe para penhorar; a penhora do referido imóvel encontra-se perfeitamente legitimada com a sentença da ação de Impugnação Pauliana; não existindo outros bens suscetíveis de penhora nos presentes autos, a última coisa que a penhora poderá vir a ser é excessiva ou desproporcional; não se pode presumir que a exequente nada receberá com a venda, quando o valor patrimonial tributário é superior ao valor garantido pelas hipotecas; estas ou as penhoras inscritas a favor de outros credores não constituem fundamento válido para impedir a penhora nos presentes autos. Conclui pela improcedência da oposição, por completa ausência de fundamento legal.

            Ouvidas as partes, nos termos e para os efeitos do despacho de 08.9.2021[1], a Mm.ª Juíza a quo,  por saneador-sentença de 12.10.2021, julgou «improcedente o presente incidente de oposição à penhora», ordenando «a manutenção da penhora sobre o imóvel identificado no auto de penhora de 01.3.2021».

Inconformada, a interveniente/oponente apelou formulando as seguintes conclusões:

            1ª - A apelante não é devedora do banco exequente, tendo sido chamada em razão do imóvel objeto da penhora se encontrar registada em seu nome, intervindo nestes autos na qualidade de Interveniente Principal.

            2ª - Sobre o imóvel identificado encontram-se validamente constituídas duas Hipotecas voluntárias a saber: i. Hipoteca voluntária registada sob a Ap. ... de 16.02.2007, a favor do B..., S. A., pelo capital de € 62 561, assegurando o montante máximo de € 85 708,57, para garantia de empréstimo, ao juro anual de 7 %, acrescido de 4 % em caso de mora, a título de cláusula penal; ii. Hipoteca voluntária registada sob a Ap. ... de 16.02.2007, a favor do B..., S. A., pelo capital de € 53 379, assegurando o montante máximo de € 73 129,23, para garantia de empréstimo, ao juro anual de 7 %, acrescido de 4 % em caso de mora, a título de cláusula penal.

            3ª - Os referidos empréstimos encontram-se garantidos pelas hipotecas descritas no número anterior, estando atualmente, em dívida € 83148,38.

            4ª - Imóvel é, também, ainda objeto de penhoras anteriores à verificada no auto de penhora de 01.3.2021, nomeadamente, a registada sob a Ap. ...76, de 23.6.2016, a favor da Fazenda Pública, no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...22 e apensos, com a quantia exequenda de € 137 430,80, e, a registada sob a Ap. ...30, de 20.3.2017, a favor da Fazenda Pública, no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...06 e apensos, com a quantia exequenda de € 28 241,38.

            5ª - O valor patrimonial do imóvel é de € 86 163,35, determinado no ano de 2018.

            6ª - Resulta assim que o imóvel se encontra onerado por hipotecas que, atualmente, garantem um montante de capital mutuado de € 83 148,38, a que acrescem penhoras em processos executivos, cuja totalidade da quantia exequenda nesses processos ascende a € 165 672,18, o que perfaz em termos de ónus (hipotecas e penhoras) sobre o imóvel anteriores à quantia exequenda em causa nos presentes autos o total de € 248 820,56.

            7ª - Num cenário de venda executiva, na pior das hipóteses, bem penhorado é depreciado, sendo colocado à venda pelo valor correspondente a 85 % do valor base, o qual correspondente ao maior de entre dois valores, o valor patrimonial tributário ou valor de mercado - vide art.ºs 812º, n.º 3 e 816º, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC).

            8ª - Não se provou nos autos o valor de mercado do imóvel, pese embora do documento ... junto com a oposição à penhora, uma pesquisa atual de mercado local, com frações em venda semelhantes, a qual permitiria conhecer pelo menos, indiciariamente, os valores de venda praticados para frações semelhantes naquela localização é inferior a € 100 000, pesquisa e prova que não foi valorada pelo Tribunal a quo.

            9ª - Mesmo que assim não se entendesse, nos termos do art.º 411º do CPC, incumbiria ao Julgador realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer, consagrando este artigo um claro poder-dever do Juiz, com vista à plena realização dos fins do processo, o que neste caso, com o devido respeito, o Tribunal a quo se absteve, incompreensivelmente, de fazer em violação deste comando legal.

            10ª - Por despacho de 08.9.2021, veio este Tribunal determinar que: “Atentos os fundamentos invocados pela Oponente na sua petição de Oposição à Penhora, a qual circunscreve o objecto do litígio no presente incidente de natureza declarativa, os documentos constantes dos autos e a posição assumida pela Exequente no articulado de contestação, entende o Tribunal que a discussão da causa, se circunscreve exclusivamente a matéria de direito, reunindo, os autos condições para que seja proferida decisão de mérito”, o que fez sugerir à Recorrente que efetivamente o Tribunal entendia estar perante uma questão meramente de direito, encontrando-se esclarecido sobre a matéria de facto.

            11ª - O que não é compaginável com a decisão que em sede de sentença veio a ser prolatada sobre factos que foram dados a conhecer ao Tribunal a quo e para os quais foi junta prova bastante e considerada suficiente, para mais não impugnada pela parte contrária, e relativa a factos sobre os quais não poderia ser relevada prova testemunhal, que o Tribunal veio a julgar não provados, decisão que se afigurou surpresa, o que conforme é já jurisprudência assente não se mostra aceitável num Estado de Direito, tendo de se ter por isso mesmo por ilegal.

            12ª - Não obstante a falta de determinação do valor de mercado do imóvel, seria possível pelas regras da experiência comum e informação oficial disponível, chegar-se a um valor médio plausível de venda do imóvel.

            13ª - É facto público e notório, que o Instituto Nacional de Estatística - INE publicita regularmente no seu portal na internet relatórios estatísticos com os valores medianos de venda expressos em euros por m2 para várias cidades de Portugal, apresentando a cidade ..., onde se situa o imóvel em causa, em janeiro de 2021, o valor por m2 de 901,00 euros, informação disponível em www.ine.pt.

            14ª - De acordo com a caderneta predial, o imóvel sub iudice consiste em uma fração com a área bruta de habitação 111,5 m2, acrescida de uma garagem no piso -3, tendo como área dependente 45 m2, pelo que a aplicação deste valor à área bruta habitacional, e 1/3 à dependente, resultaria num valor potencial médio de venda em mercado, de € 117 580, valor que se mostra em linha com a pesquisa efetuada pelo doc. 6 junto com a oposição, e é coerente com o valor patrimonial tributário, sendo-lhe superior em cerca de 26 %.

            15ª - Podendo assim concluir-se com grande certeza de que o valor de mercado do imóvel em causa e descrito em 5 de factos provados seria sempre inferior à quantia exequenda nos presentes autos, devendo a alínea a) de factos não provados ser eliminada, acrescentando-se aos factos provados que: O valor de mercado do imóvel em causa e descrito em 5 de factos provados seria inferior à quantia exequenda nos presentes autos e manifestamente insuficiente para garantir a totalidade dos ónus que recaem sobre o imóvel.

            16ª - Pelo que a venda executiva nestes autos, mostrar-se-ia absolutamente insuficiente para garantir o pagamento do exequente, ou seja, para o exequente pudesse ser ressarcido de qualquer valor relativamente à quantia exequenda nestes autos, € 119 157,24, o imóvel teria de ser vendido pelo menos por mais de duas vezes e meia o seu valor, o que é inverosímil, e contraria toda a lógica e normal experiência de vida.

            17ª - Assim, mostra-se cristalino in casu, que a sentença errou ao não verificar que penhora em causa se mostra excessiva, ilegal e inútil, por ter como objeto um bem cujo produto da venda executiva será entregue, não ao exequente, mas aos outros credores preferentes, não podendo satisfazer o seu direito como exequente, pois o produto da venda, acrescido dos montantes inerentes das demoras, encargos, e despesas, será integralmente consumido nas custas, e no pagamento dos créditos hipotecários, e em cumprimento, graduados antes do crédito aqui exequendo.

            18ª - Podendo formular-se com segurança, e fundamentadamente, um juízo seguro de prognose: que a penhora promovida pela exequente se revela desadequada e desproporcional, por não resultar dela qualquer suscetibilidade, como demonstrado, de vir a ser ressarcida do seu crédito.

            19ª - A penhora em causa não respeita o princípio da proporcionalidade nem da adequação, sendo que a aplicação do princípio da proporcionalidade, que se prende com a amplitude da penhora face à quantia exequenda e despesas da execução, não prescinde da consideração da existência de créditos que serão pagos com anterioridade face ao crédito exequendo, por beneficiarem de privilégio.

            20ª - E, demostrado que foi em sede de oposição, e na presente motivação, que da venda daquele bem não resultariam proventos que permitissem satisfazer o crédito exequendo, em face do princípio da proporcionalidade e da adequação teria a sentença de ter concluído pelo excesso de penhora.

            21ª - Penhora que não beneficia o exequente, sendo a sua finalidade na ação executiva, garantir e ressarcir o exequente, e não apenas, como nos presentes autos, tão só agredir o património da apelante, e privar de teto a família que habita o imóvel - não visa satisfazer o exequente, e a venda desse bem não irá ressarcir o exequente, mas ao invés irá ainda onerar o processo executivo, o qual não pode, nem se deve utilizar para uma “retaliação” ao apelante, pelo que a penhora não deve subsistir.

            22ª - Deve o decidido na sentença recorrida ser revogado - por se mostrar em clara violação dos princípios da proporcionalidade, da adequação, da igualdade, e da legalidade, constituindo ainda um ato inútil, que só onerará a ação executiva -, e, em consequência, ser substituída por decisão que ordene o cancelamento da penhora sobre o imóvel identificado no auto de penhora de 01.3.2021.

            Normas violadas: art.ºs 8º; 411º, 735º, n.º 3; 751º, n.ºs 2 e 4 e 784º, n.º 1, alíneas a), b) e c) do CPC.

            A exequente não respondeu.

Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa conhecer e/ou reapreciar, principalmente, se, ante os demais créditos e o presumível valor da venda do imóvel, a penhora dos autos é desproporcional, excessiva ou inútil.


*

            II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:

            1) No dia 05.02.2016, B..., S. A., deu entrada do requerimento executivo constante dos autos principais, para instauração de execução para pagamento de quantia certa, contra os executados AA, BB, CC, S..., S. A. e DD, no valor de € 119 157,24.

            2) A execução mostra-se extinta quanto aos executados descritos em 1).[2]

            3) A exequente requereu a intervenção principal provocada da Oponente em 12.12.2019 e inerente renovação da execução extinta, com fundamento em sentença judicial transitada em julgado em 10.9.2019, proferida em ação judicial que correu termos sob o n.º 436/16...., por si intentada contra a interveniente e o executado CC, na qual, foi decidido[3]

            4) Por despacho proferido em 12.3.2020, foi admitida a intervenção principal provocada da Oponente.

            5) A 01.3.2021 foi penhorado[4] à interveniente, o seguinte imóvel:[5]

            6) No dia 03.5.2001, o executado CC outorgou a escritura pública de Compra e Venda e Empréstimo com Hipoteca e Fiança, em que adquiriu o imóvel, pelo montante de doze mil contos, mediante empréstimo da CM....[6]

            7) No dia 09.3.2007, o executado CC outorgou a escritura pública de Mútuo com Hipoteca, em que o B..., S. A. concedeu um empréstimo no montante de € 52 975,86, destinado à transferência de crédito à habitação própria permanente, contraído junto da CM..., e ainda um contrato de financiamento bancário multifunções, no montante de € 62 591.[7]

            8) Na sequência de tais mútuos, foram constituídas duas hipotecas sob o imóvel, a saber: a) Hipoteca voluntária registada sob a Ap. ... de 16.02.2007, a favor do B..., S. A., pelo capital de € 62 561, assegurando o montante máximo de € 85 708,57, para garantia de empréstimo, ao juro anual de 7 %, acrescido de 4 % em caso de mora, a título de cláusula penal; b) Hipoteca voluntária registada sob a Ap. ... de 16.02.2007, a favor do B..., S. A., pelo capital de € 53 379, assegurando o montante máximo de € 73 129,23, para garantia de empréstimo, ao juro anual de 7 %, acrescido de 4 % em caso de mora, a título de cláusula penal.

            9) Relativamente aos empréstimos que se encontram garantidos pelas hipotecas

descritas no número anterior, atualmente, estão em dívida € 83 148,38.[8]

            10) O imóvel é, também, objeto das seguintes penhoras: a) Penhora registada sob a Ap. ...76, de 23.6.2016, a favor da Fazenda Pública, no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...22 e apensos, com a quantia exequenda de € 137 430,80; b) Penhora registada sob a Ap. ...30, de 20.3.2017, a favor da Fazenda Pública, no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...06 e apensos, com a quantia exequenda de € 28 241,38.[9]

            11) O valor patrimonial do imóvel é de € 86 163,35, determinado no ano de 2018.[10]

            2. E deu como não provado:

            a) Qual seja o valor de mercado do imóvel descrito em 5) dos factos provados.

            3.  Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

            A Mm.ª Juíza a quo não elaborou a sentença segundo o disposto, nomeadamente, no art.º 607º, n.ºs 3, 1ª parte [“Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados (...)”] e 4 [“Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados (...)”] do CPC.[11]

            Na verdade, os citados normativos sobre a elaboração da sentença não foram devidamente observados quanto à factualidade a que se alude em II. 1. 3) e 5), supra, sabendo-se que “os documentos não são factos, mas simples meios de prova dos factos alegados”, razão pela qual, na fixação da matéria de facto, sempre importará indicar, expressamente, os factos provados pelos documentos, não bastando “dar como reproduzidos” os documentos ou realizar uma simples “cópia e colagem” do seu teor.

            Ademais, se, eventualmente, a alegação dos factos tiver sido feita com remissão para os documentos, deverá o juiz selecionar os factos incluídos ou decorrentes de tais documentos que importem à decisão da causa, e, se assim não suceder, nada obstará a que, em sede de recurso, essa tarefa seja assumida pela Relação que também conhece da matéria de facto[12], explicitando ou concretizando o teor de tais documentos que releve para a dilucidação da lide e a decisão do recurso.[13]

            4. Pese embora o citado despacho de 08.9.2021, a recorrente/oponente diz discordar do decidido em II. 2. a), supra, pugnando pela resposta (afirmativa) de teor conclusivo mencionada na “conclusão 15ª” (ponto I, supra) e/ou, aparentemente, que se atenda ao valor de mercado (“valor médio plausível de venda do imóvel” / “valor potencial médio de venda em mercado”) decorrente dos elementos juntos a fls. 27 verso a 36 (“doc. 6” e “doc. 7” juntos com a oposição à penhora) e que fixa em € 117 580, considerando-o “coerente com o valor patrimonial tributário, sendo-lhe superior em cerca de 26 %” (cf., principalmente, “conclusões 12ª e 14ª”, ponto I., supra).

            Sabemos que o valor de mercado dos imóveis tem especificidades ligadas quer a natureza evolutiva e conjuntural dos preços, quer ao contexto do processo negocial e de publicitação - que assume particular relevo em sede de venda executiva -, quer às características do bem em causa (v. g., áreas, composição, localização, vetustez/conservação e tipo de construção).

            E se é certo que a problemática objeto do presente recurso depende, naturalmente, da concreta realidade a dilucidar à luz do quadro normativo vigente e da pertinente doutrina e jurisprudência, afigura-se, ainda, que a Mm.ª Juíza a quo não deixou de observar adequadamente o princípio do contraditório[14] e, no que tange à matéria de facto, de dar uma resposta igualmente ajustada e razoável atentos os interesses em presença e as diligências e a tramitação da ação executiva e respetivos incidentes declarativos, mormente, ao fazer constar da motivação da decisão sobre a matéria de facto que «(...) Não foi possível apurar o valor de mercado do imóvel porquanto a exequente impugnou os valores apresentados pela Oponente em sede de petição inicial de oposição à penhora, sendo que, por ora, em face da sustação da penhora nos autos principais, ainda não foi fixado nem valor base do bem a vender, nem teve lugar qualquer reclamação de créditos[15]

            Sem quebra do devido respeito por entendimento contrário, afigura-se, pois, devidamente justificada a resposta dada em II. 2. a), supra, sendo que o já demonstrado ou indiciado permitia decidir de mérito, como melhor se explicitará de seguida.

            5. Estão sujeitos à execução todos os bens do devedor suscetíveis de penhora que, nos termos da lei substantiva, respondem pela dívida exequenda (art.º 735º, n.º 1). A penhora limita-se aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução, as quais se presumem, para o efeito de realização da penhora e sem prejuízo de ulterior liquidação, no valor de 20 %, 10 % e 5 % do valor da execução, consoante, respetivamente, este caiba na alçada do tribunal da comarca, a exceda, sem exceder o valor de quatro vezes a alçada do tribunal da Relação, ou seja superior a este último valor (n.º 3).

            A penhora começa pelos bens cujo valor pecuniário seja de mais fácil realização e se mostrem adequados ao montante do crédito do exequente (art.º 751º, n.º 1). O agente de execução deve respeitar as indicações do exequente sobre os bens que pretende ver prioritariamente penhorados, salvo se elas violarem norma legal imperativa, ofenderem o princípio da proporcionalidade da penhora ou infringirem manifestamente a regra estabelecida no número anterior (n.º 2). Caso o imóvel seja a habitação própria permanente do executado, só pode ser penhorado: a) Em execução de valor igual ou inferior ao dobro do valor da alçada do tribunal de 1ª instância, se a penhora de outros bens presumivelmente não permitir a satisfação integral do credor no prazo de 30 meses; b) Em execução de valor superior ao dobro do valor da alçada do tribunal de 1ª instância, se a penhora de outros bens presumivelmente não permitir a satisfação integral do credor no prazo de 12 meses (n.º 4).

            Sendo penhorados bens pertencentes ao executado, pode este opor-se à penhora com algum dos seguintes fundamentos: a) Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada; b) Imediata penhora de bens que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda; c) Incidência da penhora sobre bens que, não respondendo, nos termos do direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido atingidos pela diligência (art.º 784º, n.º 1).

            A procedência da oposição à penhora determina que o agente de execução proceda ao levantamento desta e ao cancelamento de eventuais registos (art.º 785º, n.º 6).

            6. Constitui título executivo a sentença condenatória proferida na ação de impugnação pauliana, contra o adquirente demandado na ação, legitimando o autor a penhorar o bem no património deste; assim, o autor/exequente tem direito à restituição do bem cujo negócio foi declarado ineficaz na medida do seu interesse, podendo executá-lo no património do obrigado à restituição e praticar os atos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei [cf., nomeadamente, art.ºs 616º, n.º 1; 817º e 818º do Código Civil/CC e art.ºs 10º, n.º 4; 703º, n.º 1, alínea a) e 735º, n.º 2 do CPC][16], não podendo executar outros bens porventura existentes no património do obrigado à restituição.

            7. A Mm.ª Juíza a quo apresentou a seguinte fundamentação de mérito:

            «(...) De harmonia com o princípio da proporcionalidade devem ser penhorados apenas os bens suficientes para satisfazer a prestação exequenda e das despesas previsíveis da execução, cujo valor de mercado permita a sua satisfação (...). / (...) [A execução] Prossegue quanto à interveniente ao abrigo do disposto nos art.ºs 616º, n.º 1 e 818º do Código Civil, 54º e 55º do CPC, em face da sentença transitada em julgado em 10.9.2019, proferida em ação judicial que correu termos sob o n.º 436/16...., que permite ao exequente executar o imóvel em apreço. / É verdade que sobre o imóvel incidem hipotecas, validamente constituídas, sendo certo que o valor de cada uma destas se cifra, atualmente em montante inferior ao valor patrimonial tributário do imóvel. / Igualmente existem penhoras antecedentes sobre o imóvel. / Contudo, desconhece-se o atual estado de tais penhoras, bem como, presumindo-se que as amortizações dos empréstimos de mútuo (com hipoteca) têm vindo a ser pontualmente cumpridos, tais créditos serão, inclusive, de valor inferior quando vierem (e se o forem) reclamados nos presentes autos. / Ora, apesar do valor do crédito exequendo ser elevado, neste momento, e de acordo com as informações constantes dos autos, não é possível concluir que com a eventual venda do imóvel penhorado, caso o venha a ser nestes autos, a Exequente não veja satisfeito, ainda que presuntivamente parcialmente, o seu crédito, isto é, que a penhora efetivada não se revele adequada, eficiente e proporcional ao valor e satisfação do crédito exequendo. / Tanto mais, que se trata do único bem penhorado nos autos, nada mais sendo possível penhorar para satisfação do crédito exequendo. / Ou seja, de acordo com os valores equacionados, e efetuando o aludido juízo de prognose da proporcionalidade da penhora, e crendo-se, ainda, que o valor patrimonial tributário do imóvel sempre será inferior ao seu valor real (atenta, desde logo, a sua localização, e apesar da idade, considerando até os documentos juntos pela Oponente quanto a avaliações de bens com características idênticas), não pode afirmar-se, com pertinência, que a penhora questionada é inútil e desadequada pois, na prossecução da execução, atentos os créditos eventualmente a virem ser reclamados fundados na garantia real de hipoteca e, como tal, gozando de privilégio, nada sobraria para liquidação do crédito exequendo. / Desta forma, afigura-se-nos que a penhora do imóvel acima identificado não se revela excessiva, não ofendido o aludido princípio da proporcionalidade. / Termos em que a presente oposição à penhora deverá ser julgada improcedente

            8. O ato de penhora “não cumpre uma função sancionatória, mas uma função ´instrumental`, qual seja, a de ´salvaguardar a utilidade final do direito de execução do credor`: o pagamento da dívida através do produto da venda executiva”.[17]

            Nessa conformidade, “o agente de execução não deve cumprir a nomeação de bens do exequente” que “ofenda o ´princípio da proporcionalidade da penhora` (cf. art.º 735º, n.º 3) ou infrinja manifestamente o ´princípio da adequação` afirmado no n.º 1 do próprio art.º 751º”, sendo “ilícita a prática de penhoras desadequadas ao escopo da execução, por força do artigo 130º (que preceitua: «Não é lícito realizar no processo atos inúteis.»).[18]

            9. O fundamento invocado pela recorrente tem vindo a ser considerado na doutrina e na jurisprudência como justificativo para o incidente de oposição à penhora, sobretudo, em situações em que se questiona a legalidade da penhora do imóvel, habitação própria e permanente do executado (por vezes, mero fiador), ponderando-se, nomeadamente, se, depois de satisfeitos os créditos graduados antes do crédito exequendo (v. g.,  créditos hipotecários e custas do processo), resta algum do produto da venda do imóvel penhorado para dar satisfação, ainda que parcial, ao crédito exequendo.

            Esta orientação considera que não sendo a posição jurídica do credor absoluta, a agressão do património do executado só é licita se proporcional, por necessária, e adequada, por útil e eficaz à satisfação da pretensão do exequente.

            Daí, é tida por desproporcional, desadequada e inútil à realização do direito à execução uma penhora que, num juízo de prognose, nada vai, previsivelmente, permitir obter para satisfazer o direito do exequente; ou, dito doutra forma, nada justifica a apreensão de bens de devedor a solicitação de determinado credor quando, à partida, lícito é antever com segurança que da referida agressão do património do executado não resultará qualquer possibilidade de a pretensão do exequente ser satisfeita (total ou parcialmente).

            Na mesma linha de pensamento, tem-se entendido que, em abstrato, quando se verifique que a venda de um imóvel habitacional do fiador não aproveitará de forma alguma ao credor exequente, revertendo integralmente para pagamento do crédito reclamado pelo credor privilegiado, não está afastada a intervenção dos princípios da proporcionalidade e da adequação para determinar o levantamento da penhora que tenha incidido sobre prédio habitacional do executado.[19]

            Na ponderação dessa proporcionalidade deve ser tomada em consideração a circunstância de existirem créditos que virão a beneficiar de melhor graduação preferencial.[20]

            Sublinha-se também a especial pertinência quando esteja em causa a penhora de imóvel que constitua a habitação permanente do executado, mas que esteja onerado com hipoteca a favor de terceiro (v. g., instituição de crédito que financiou a aquisição), sem que exista uma situação de incumprimento da dívida. Num caso assim, em que, apesar da dívida exequenda, o executado mantém em dia os pagamentos referentes ao crédito hipotecário, sendo de prever que o produto da venda executiva se esgotará na satisfação do próprio crédito hipotecário, essa venda, além de não apresentar qualquer utilidade para o exequente, é suscetível de conduzir a um desfecho desproporcionado, à luz de uma equilibrada composição dos interesses em presença, na medida em que se perspetive que o executado perderá o imóvel onde habitava, sem vantagem alguma para o exequente ou para o credor hipotecário. Neste cenário, não estará afastada a possibilidade de encontrar no ordenamento jurídico uma solução diferente da que resulte da aplicação automática das simples regras sobre a garantia patrimonial dos créditos através da penhora e venda de bens do executado.[21]

            10. Aderindo-se à posição expressa nos pontos anteriores - acolhida na decisão recorrida - e admitindo-se, assim, que a desproporcionalidade e/ou inadequação da penhora constitua fundamento para oposição à penhora, cumpre verificar se, no caso em análise, a penhora (ainda) cumprirá o seu objetivo.

            11. Ressalvado o respeito sempre devido por entendimento contrário, antolha-se evidente que a situação dos autos comporta diferenças relativamente às hipóteses e aos casos descritos em II. 8. e 9., supra.

            Considerados os concretos elementos disponíveis - necessariamente atendíveis -, será de concluir que o presumível valor do produto da venda permitirá pagar os créditos hipotecários (que oneram o bem desde a sua aquisição pela executado CC e a transferência do empréstimo pelo mesmo executado, e que, no presente, rondarão um valor global não superior a € 80 000[22]) e porventura, também, pelo menos, parte do crédito exequendo [além das despesas da execução que não se justifica venham a recair sobre a exequente, porquanto em nada terá contribuído para a ocultação do património e o mais que decorre da factualidade descrita em II. 1. 3) e 10), supra, e correspondentes “notas”, sob pena da faculdade que a lei concede aos credores de atacarem judicialmente certos atos celebrados pelos devedores em seu prejuízo[23] se esvaziar completamente![24]], sendo que se desconhece o estado das execuções fiscais movidas contra a interveniente/apelante e ainda não foram reclamados quaisquer créditos.

            Acresce que podemos/devemos admitir que o valor real do imóvel seja agora (e à data do oportuno procedimento da venda) bem superior ao respetivo valor patrimonial tributário [cf. II. 1. 11), supra – valor que não tem, na maioria das vezes, qualquer correspondência com o valor real do bem][25], sabendo-se, também, que a avaliação e o valor de mercado do imóvel (o expectável valor que a venda atingirá) são apenas normalmente definidos ou concretizados em fase ulterior do processo executivo, não sendo pois exigível que a Mm.ª Juíza a quo pudesse fixar, desde já, um qualquer valor relevante a esse título e tendo-se por razoável e ajustada a argumentação/motivação e as ilações aludidas em II. 4. e 7., supra.

            12. A inadequação e desproporcionalidade só podem ser aferidas se constarem dos autos elementos claros, seguros e manifestos que apontem para que, após a venda dos bens penhorados/onerados, e após o pagamento dos credores reclamantes, nenhuma quantia sobrará para liquidação - ainda que parcial - do crédito exequendo. [26]

            Os elementos disponíveis não permitem concluir de forma clara e segura, desde logo, que, após a venda do bem penhorado e o pagamento ao credor hipotecário, nada restará para satisfazer o crédito exequendo, apontando, sim, manifestamente, em sentido contrário.

            Ou seja, não se poderá concluir que a penhora efetuada será desproporcionada e inadequada aos fins do processo executivo, do que resulta, necessariamente, a improcedência das “conclusões” da alegação de recurso.


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III. Face ao exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

            Custas pela oponente/apelante.


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08.3.2022



[1] Assim redigido: «Atentos os fundamentos invocados pela Oponente na sua petição de Oposição à Penhora, a qual circunscreve o objecto do litígio no presente incidente de natureza declarativa, os documentos constantes dos autos e a posição assumida pela Exequente no articulado de contestação, entende o Tribunal que a discussão da causa, se circunscreve exclusivamente a matéria de direito, reunindo, os autos condições para que seja proferida decisão de mérito. / Contudo, tendo sido arroladas testemunhas e seguindo os autos a tramitação prevista no artigo 293º do CPC, ao abrigo do artigo 6º, n.º 1 do CPC, cumpre ouvir os ilustres mandatários das partes para que, em 10 dias, venham aos autos informar se: a) Pretendem a audição das testemunhas arroladas; b) Se prescindem da designação de data para a sua audição e alegações orais, sendo que, nesse caso, o tribunal proferirá decisão de mérito sobre a presente oposição. / Notifique com a expressa cominação de que, nada dizendo, o tribunal assumirá o silêncio das partes como pretendendo a opção b).»”
[2] Consta de fls. 74 e seguintes a penhora inicialmente realizada nos autos de execução, a 25.6.2016, e as diversas certidões do registo predial com a “informação em vigor” (reportada a 07.7.2016) referente aos imóveis em causa.
[3] Reproduziu-se, por simples cópia e colagem, o segmento injuntivo da sentença: «(...) Por todo o exposto, o Tribunal decide: / Julgar procedente, por provada, nos termos sobreditos, a presente ação e, em consequência: / 1. Declara-se a ineficácia, perante o Autor, da compra e venda titulada pela escritura pública outorgada em 18 de abril de 2013, no Cartório Notarial da ..., da Notária (...), lavrada de fls. 105 a 106 do livro de notas n.º 104-A, mediante a qual o 1º Réu, CC , declarou vender à 2ª Ré, C ..., Lda., a fração autónoma designada pela letra “G”, primeiro andar direito, piso um, para habitação, uma garagem no piso menos três, designada pela legra G, do prédio urbano sito na ... , Lote ..., Rua ... , freguesia e concelho de ... , inscrito atualmente na matriz sob o artigo ...07 (...) e descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de ... sob o ....1/ ... ; / 2. Declara-se que o Autor tem o direito de praticar sobre tal imóvel objeto desse negócio atos de conservação da garantia patrimonial e de o executar no património da 2ª Ré em cujo património esse bem ingressou. (...)» (sublinhado nosso).
[4] Retificou-se.
[5] Reproduziram-se, por simples cópia e colagem, os campos “8, 11, 12, 13, 14, 15 e 16” de um auto de penhora, do qual consta: a) «Limite da penhora» / € 119 157,24 (Dívida exequenda) + € 5 957,86 (Despesas prováveis) = € 125 115,10 (Total); b) «Bens penhorados» / 1 verba / imóvel / «Fração autónoma designada pela letra “G”, correspondente ao primeiro andar direito, piso um, para habitação, uma garagem no piso menos três, designada pela legra G, do prédio urbano constituído sob o regime da propriedade horizontal, situado na ..., Lote .., Rua ..., União das freguesias (...), inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...07 (...) e descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ...1 da freguesia de ... , tendo a indicada fração G, a descrição subordinada n.º ...1-G da dita freguesia de ... // Valor / 86 163,35 // Executado / C ..., Lda.».
[6] Cf. documento de fls. 8 verso.
[7] Cf. documento de fls. 17.
[8] Consta da informação do B..., de março de 2021, que o valor da dívida do executado CC (reportado a 31.3.2021) era de € 81 593,22 (€ 37 412,06 + € 44 181,16) - cf. fls. 38.
   Assim, não releva o documento, não datado e com valores superiores, junto a fls. 23.
[9] As execuções (fiscais) em causa respeitam a dívidas da oponente/interveniente principal na presente execução, com penhora registada posteriormente ao registo da ação de impugnação pauliana aludida em II. 1. 3) e “nota 3”, supra (cf. certidão de fls. 25 verso).
[10] Cf. documento de fls. 35 verso.
[11] Diploma a que pertencem as disposições doravante citadas sem menção da origem.
[12] Vide, entre outros, A. Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Volume II, 4ª edição, Almedina, 2004, pág. 149 e “nota 242” e os acórdãos da RC de 21.9.1993, in CJ, XVIII, 4, 37 e do STJ de 01.02.1995 e 22.4.1997, in CJ-STJ, III, 1, 264 e V, 2, 60, respetivamente.
   Cf., ainda, o acórdão do STJ de 07.11.2019-processo 6414/16.7T8VIS.C1.S1, publicado no “site” da dgsi.
[13] Como consta das “notas 3 e 5”, supra.
[14] Cf. “nota 1”, supra.
[15] Sublinhado nosso, como o demais a incluir no texto.

[16] Cf., nomeadamente, o acórdão do STJ de 13.5.2021-processo 2215/16.0T8OER-A.L1.S3, publicado no “site” da dgsi.
[17] Vide Rui Pinto, A Acção Executiva, AAFDL Editora, Lisboa, 2018, págs. 459 e seguinte.
[18] Ibidem, págs. 539 e seguinte.

[19] Cf., de entre vários, os acórdãos do STJ de 14.7.2020-processo 1219/16.8T8GRD.C.C1.S1 [tendo-se concluído: «V - O princípio da proporcionalidade constitucionalmente consagrado é transversal a todo o ordenamento jurídico, podendo interferir designadamente nos atos que envolvem o cumprimento coercivo de obrigações. VI - Em abstrato, quando se verifique que a venda de um imóvel habitacional do fiador não aproveitará de forma alguma ao credor exequente, revertendo integralmente para pagamento do crédito reclamado pelo credor privilegiado, não está afastada a intervenção dos princípios da proporcionalidade e da adequação para determinar o levantamento da penhora que tenha incidido sobre prédio habitacional do executado. VII - Porém, para que tal solução possa ser considerada, é necessário que os autos de execução demonstrem, com segurança, para além da preferência do crédito reclamado por terceiro sobre o crédito exequendo, que o produto da venda do imóvel penhorado ao fiador reverterá exclusivamente para o credor reclamante, sem qualquer proveito para o exequente. VIII - Sustentando a executada fiadora a oposição à penhora unicamente na alegação de que o valor atribuído pelo Serviço de Finanças ao seu imóvel penhorado - prédio habitacional hipotecado a uma terceira entidade - é inferior ao montante do crédito que foi reclamado pelo credor hipotecário, sem qualquer alegação ou prova do valor real do bem ou do valor pelo qual previsivelmente será vendido na ação executiva, não pode considerar-se demonstrada a manifesta inutilidade da penhora tendo em vista a satisfação do crédito exequendo, improcedendo a oposição com tal fundamento.»], da RL de 06.4.2017-processo 3449.09.0T2SNT-A.L1-6 [sumariando-se: «Em sede de apreensão de bens ou direitos patrimoniais do executado, importa observar o princípio da proporcionalidade/adequação a que tal acto está submetido, i. e., não pode esquecer-se o interesse de o devedor (ou terceiro) não ser excessivamente e inutilmente onerado na fase da responsabilidade patrimonial. Havendo lugar à intervenção dos credores do executado - v. g., que sejam titulares de uma garantia real sobre os bens a penhora - o juízo de prognose da proporcionalidade/adequação da penhora de bens onerados deve, também, ser efectuado tendo em conta as causas de preferência no pagamento de que beneficiam os credores reclamantes. Ainda assim, apenas constando dos autos elementos claros, seguros e manifestos que apontem para que, após a venda dos bens penhorados/onerados, e após o pagamento dos credores reclamantes, nenhuma quantia sobrará para liquidação - ainda que parcial - do crédito exequendo, lícito é ao juiz indeferir a requerida penhora com fundamento da respectiva desproporcionalidade/desadequação.»] e 27.6.2017-processo 6331/08.4TBAMD-D.L1-7 e da RP de 12.7.2021-processo 9758/15.1T8PRT-A.P1 [sumário: «I - Não sendo a posição jurídica do credor absoluta, a agressão do património do executado só é licita se proporcional, por necessária, e adequada, por eficiente à satisfação da pretensão do exequente, podendo penhora, desproporcional quanto à extensão com que foi realizada, ser impugnada pelo executado em incidente de oposição à penhora (cf. artigo 784º, n.º 1, al. a)). II - O princípio da proporcionalidade e o princípio da adequação, a nortearem a ordem de realização da penhora e a sua extensão, consubstanciam o uso de poderes vinculados, não discricionários (cf. n.ºs 1 e 2, do art.º 751º, do CPC), sendo ilícita a prática de penhoras excessivas (v. n.º 3, do art.º 735º, do CPC) e de penhoras desadequadas ao escopo da execução (art.º 130º, de tal diploma legal). III - Não é excessiva, antes necessária, penhora de bem imóvel de valor superior ao crédito exequendo (este superior a 15.000 €) caso o mesmo seja o único bem, penhorável, conhecido ao executado ou exista, apenas, penhora de montante ínfimo no salário daquele, mormente quando sobre aquele incidam duas hipotecas, anteriormente registadas, para garantia de créditos de valor superior ao seu valor patrimonial; IV - Tal penhora é, contudo, ilegal, nas circunstâncias do caso, por ofender os princípios da proporcionalidade, da adequação e da proibição de atos inúteis dado que, desestabilizando a situação económica da executada, não serve para realizar o direito à execução, pois que, num juízo de prognose, previsivelmente, nada vai permitir obter para satisfazer o direito do exequente, antes o produto da venda, esta, também, até, com as inerentes demoras e despesas, será consumido nas custas, a sair precípuas, e no pagamento dos créditos hipotecários, em cumprimento, graduados antes do crédito exequendo.»], publicados, o primeiro, em https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2020:1219.16.8T8GRD.C.C1.S e, os restantes, no “site” da dgsi.

[20] Vide Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, CPC Anotado, Vol. II, Almedina, 2020, pág. 99.
[21] Ibidem, pág. 133.
[22] Cf., sobretudo, II. 1. 9) e “nota 8”, supra, bem como o teor do documento de fls. 38, em particular, o valor de cada uma das prestações mensais (que continuarão a ser pagas).
[23] Vide M. J. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12ª edição, Almedina, 2016, pág. 857.

[24] Esfumando-se, ao fim e ao cabo, a garantia de acesso aos tribunais, plasmada no n.º 2 do art.º 2º, do CPC [a todo o direito, exceto quando a lei determine o contrário, corresponde a ação adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da ação], sem dar a devida concordância prática aos direitos e interesses - contrapostos - subjacentes ao estatuído nos art.ºs 20°, n.°s 4 e 5, e 62°, n.° 1, da Lei Fundamental da República!

   Cf., a este respeito, o cit. acórdão da RL de 06.4.2017-processo 3449.09.0T2SNT-A.L1-6.
[25] Cf., por exemplo, o cit. acórdão do STJ de 14.7.2020-processo 1219/16.8T8GRD.C.C1.S1.
   Ver, ainda, o aduzido pela recorrente sob a “conclusão 14ª”, ponto I., supra.

[26] Neste sentido, cf. os citados acórdãos da RL de 06.4.2017-processo 3449.09.0T2SNT-A.L1-6 e do STJ de 14.7.2020-processo 1219/16.8T8GRD.C.C1.S1 e, ainda, o acórdão da RC de 18.01.2022-processo 1219/16.8T8GRD-E.C1 [assim sumariado: «I - O executado, fiador, pode opor-se à penhora com fundamento na sua desproporcionalidade e inadequação quando o valor do bem a vender se esgotar no pagamento da dívida dele, fiador, ao respectivo credor, reclamante no processo de execução, não sobrando nada para pagamento do crédito do exequente. II - Não permitindo os elementos constantes do processo concluir no sentido de que, da venda dos bens penhorados, nada restará para satisfazer o crédito exequendo, fica prejudicada a apreciação da tempestividade da oposição uma vez que, mesmo que admissível, nunca seria procedente.»], publicado no “site” da dgsi.