Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
646/17.8T8CTB.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULA MARIA ROBERTO
Descritores: COLIGAÇÃO DE SOCIEDADES – RESPONSABILIDADE POR CRÉDITO LABORAL.
TRANSMISSÃO DA EMPRESA OU DO ESTABELECIMENTO – RESPONSABILIDADE DA TRANSMITENTE POR CRÉDITOS LABORAIS.
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE COLETIVA.
Data do Acordão: 05/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO – JUÍZO DO TRABALHO DE C. BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE APELAÇÃO - SECÇÃO SOCIAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Legislação Nacional: ARTºS 122º E 482º C. SOCIEDADES COMERCIAIS; 286º E 334º C. TRABALHO
Sumário:
I – Responde solidariamente com o empregador a sociedade que com este esteja coligada numa das modalidades enunciadas no artº 482º do C.S.C., por crédito emergente de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, vencido há mais de 3 meses – artº 334º C. Trabalho.
II – Em caso de transmissão de empresa ou estabelecimento, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respetivos trabalhadores, sendo que o transmitente responde solidariamente pelas obrigações vencidas até à data da transmissão mas apenas durante o ano subsequente a esta.
III – O artº 286º do C.T. estabelece o dever de informação e consulta dos representantes dos trabalhadores ou destes, nomeadamente sobre a data e motivos da transmissão e suas consequências; no entanto, o seu incumprimento constitui apenas contraordenação leve (nº 5 do mesmo normativo), não consubstanciando qualquer elemento constitutivo da validade ou eficácia da transmissão da empresa.
IV – Não se podendo concluir que a personalidade coletiva foi usada de modo ilícito ou abusivo para prejudicar terceiros e não havendo fundamento para a formulação de um juízo de censura sobre a conduta do agente por não se afigurar ilícita, de fraude à lei ou em abuso do direito, nomeadamente que a cisão teve como objetivo diminuir o património da 2ª Ré e, em consequência, dificultar ou impedir a cobrança dos créditos por parte dos seus trabalhadores, inexiste fundamento legal para a desconsideração da personalidade coletiva e consequente responsabilidade da 1ª Ré.
V – Conforme resulta do nº 1 do artº 122º do CSC, apenas existe responsabilidade solidária da sociedade cindida por dívidas que, por força da cisão, tiver transmitido à sociedade beneficiária.
Decisão Texto Integral:
Acordam Relatora – Paula Maria Roberto
Adjuntos – Ramalho Pinto
Felizardo Paiva na Secção Social (6ª secção) do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - Relatório

A…, residente em K…,

intentou a presente ação de processo comum contra

B…, com sede em K… e
C…, com sede em K…

alegando, em síntese, que:
As Rés emergiram de um processo de cisão, tendo a 1ª ficado com todo o património imobiliário e os trabalhadores continuaram a trabalhar nos mesmos locais e as mesmas funções, sendo ambas solidariamente responsáveis pelo pagamento de todos os créditos emergentes do contrato de trabalho; foi contratada pela C…, nunca tendo recebido qualquer comunicação de alteração da identidade da sua entidade patronal, nem lhe foi feita qualquer comunicação relativa ao motivo da cisão ou ao direito de exigir créditos laborais, só muito mais tarde se apercebeu de que tinha aparecido um 2 na sua designação, pelo que, tal operação de cisão não pode ser considerada para efeitos de desresponsabilização da primeira Ré; tal cisão teve como fundamento frustrar a cobrança dos créditos laborais dos trabalhadores e pretendeu-se encerrar a actividade e preservar o património da sociedade, sem pagar aos trabalhadores os seus créditos, tratando-se de uma situação do mais elementar abuso de direito e que deverá conduzir à responsabilidade solidária das Rés quanto ao pagamento de todos os créditos da A.; mesmo que se considere válida a transmissão do contrato de trabalho da 1ª para a 2ª Ré, aquela terá de continuar a considerar-se responsável pelos créditos já existentes á data da cisão; devido à existência de salários em atraso viu-se obrigada a suspender o contrato por diversas ocasiões até que, por carta de 07/02/2017, comunicou às Rés a sua decisão de resolver o contrato com fundamento na falta culposa do pagamento das suas retribuições e pedindo o pagamento de todos os valores a que tinha direito; à data da cessação do contrato de trabalho era-lhe devida a quantia total de € 8.370,69, a título de salários em atraso, diferenças salariais desde 2012, férias, subsídios de férias e de Natal e subsídio de refeição; tem direito a receber a quantia de € 11.379,60 a título de trabalho extraordinário aos sábados durante os últimos 5 anos; tem direito a receber a quantia de € 1.256,06 relativa a horas de formação não concedidas e, ainda, a uma indemnização por antiguidade que não deve ser inferior a € 9.104,55, resultado dos 10 anos, 4 meses e 12 dias de antiguidade.
Termina, dizendo que a presente ação deve ser julgada procedente, por provada e, em consequência, serem as Rés condenadas solidariamente a reconhecer que a A. rescindiu o contrato com justa causa e a pagar à A. a quantia total de € 30.110,89, nos termos supra discriminados e juros vencidos e vincendos, à taxa legal, até integral pagamento.
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A Ré B… contestou alegando, em sinopse, que:
Não existe qualquer coligação entre as Rés; o contrato de trabalho da A. transmitiu-se para a 2ª Ré após a efectivação da cisão simples que se integra na transmissão de empresa ou estabelecimento comercial e, após a mesma, os estabelecimentos passaram a ser explorados pela 2ª Ré o que era do conhecimento da A. que aceitou aquela transmissão e nunca se opôs à cisão; esta deveu-se a motivos económicos e de gestão da empresa; não existe qualquer relação entre a atividade da 1ª e da 2ª Rés; a A. não pode vir reclamar da 1ª Ré qualquer tipo de responsabilidade solidária por obrigações alegadamente vencidas à data da cisão, por extemporânea, tendo caducado o seu alegado direito; a responsabilidade por via da desconsideração da personalidade coletiva é dos sócios mas nunca dos gerentes e ou de outras sociedades comerciais nas quais participem tais sócios; a cisão ocorrida foi lícita, não abusiva e sem qualquer propósito de iludir a lei; considera abusiva e injustificada a invocação de salários em atraso, pois foi a A. e os demais trabalhadores quem paralisou a empresa com greves e suspensão dos contratos de trabalho forçando o encerramento definitivo das unidades de pastelaria, criando as bases para invocar o despedimento por salários em atraso; não reconhece o direito da A. reclamar diferenças salariais com base no CCT invocado, uma vez que esta sempre aceitou os salários que lhe foram pagos e as relações laborais em causa não estão reguladas pelo mesmo; só com a PE nº 49/2017 é que passou a aplicar-se aos empregadores não filiados, pelo que, o CCT nunca pode produzir efeitos retroactivos; a A. nunca trabalhou as horas extraordinárias que alega e, a existir indemnização por antiguidade, deverá ser fixada em 15 dias de retribuição base e diuturnidades.
Termina, requerendo que se considere improcedente por não provada a presente ação e, em consequência, se absolva a Ré dos pedidos.
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Por despacho constante de fls. 126 e segs., foi julgada extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, no que respeita à 2ª Ré C…, declarada insolvente, nos termos do disposto no artigo 277.º, e), do CPC.
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Foi proferido o despacho saneador de fls. 132 e segs., identificado o objecto do litígio e enunciados os temas de prova. *
Procedeu-se a julgamento conforme consta das atas de fls. 265 e segs..
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De seguida, foi proferida a sentença de fls. 428 e segs. e de cujo dispositivo consta:
Nestes termos, e em face do exposto, decido julgar a ação parcialmente procedente, por provada e, em consequência, decido:
I – Reconhecer a licitude da resolução do contrato de trabalho efetuada pela trabalhadora e que por via disso lhe são devidas as seguintes quantias:
a) €5.494,33, referentes a indemnização por antiguidade;
b) €1.550, referentes a retribuições em atraso;
c) €530,00, a título de subsídio de férias (vencidas a 01/01/2017);
d) €530,00, a título de férias não gozadas (vencidas a 01/01/2017);
e) €61,89, a título de proporcionais de subsídio de Natal;
f) €61,89 a título de proporcionais de subsídio de Férias;
g) €61,89 a título de proporcional de retribuição das Férias;
h) 7.987,52 € a título de trabalho extraordinário prestado aos sábados durante os últimos 5 anos;
i) 1.067,50 € a título de formação profissional que a entidade empregadora nunca proporcionou à autora.
O que tudo perfaz o montante global de €17.345,02.
II – Absolver a 1ª ré, a sociedade B…, do pedido de condenação no pagamento das referidas quantias.”
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A A., notificada desta sentença, veio interpor o presente recurso que concluiu da forma seguinte:
(…)
*
A ofereceu resposta, concluindo que:
(…) *
O Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu o douto parecer de fls. 519 e segs., no sentido de “que o recurso deve ser parcialmente procedente, nos termos assinalados”.
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A Ré B & F, Ldª veio responder a este parecer concluindo como nas suas alegações.
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Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.
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II – Questões a decidir:
Como é sabido, a apreciação e a decisão dos recursos são delimitadas pelas conclusões da alegação do recorrente (artigo 639.º, n.º 1, do C.P.C.), com exceção das questões de conhecimento oficioso.
Assim, cumpre apreciar as questões suscitadas pela A. recorrente, quais sejam:
1ª – Alteração da matéria de facto – artigos 2 a 5, 15 a 21 , 25 a 28, 34, 38 a 40, 43, 51, 52 e 61 da p. i. não provados.
2ª – Se entre as Rés existe uma relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo (artigo 334.º do CT).
3ª – Se a transmissão do contrato de trabalho da A. para a 2ª Ré é inválida (artigo 285.º do CT).
4ª – Se a 1ª Ré deve ser responsabilizada por via da desconsideração da personalidade coletiva (artigo 334.º do CC).
5ª – Se a 1ª Ré é responsável pelos créditos existentes à data da cisão (n.º 1 do artigo 122.º do CSC).
6ª – Se a indemnização prevista no artigo 396.º do CT devia ter sido fixada com base em 45 dias de remuneração por cada ano de antiguidade.
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III – Fundamentação
a) Factos provados constantes da sentença recorrida:
(…)
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b) - Discussão
Apreciando as questões suscitadas pela A. recorrente:
1ª questão
Alteração da matéria de facto – artigos 2 a 5, 15 a 21 , 25 a 28, 34, 38 a 40, 43, 51, 52 e 61 da p. i. não provados.
(…)

2ª questão
Se entre as Rés existe uma relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo (artigo 334.º do CT).
Alega a A. recorrente que as Rés constituem uma única organização, têm a mesma sede social e são geridas pelas mesmas pessoas, têm uma única estrutura organizativa, têm os mesmos colaboradores no escritório que fazem indistintamente trabalho para ambas, têm a mesma estrutura societária de capital pois pertencem à mesma família, emergiram de um processo de cisão, tendo a 1ª ficado com todo o património imobiliário mesmo os imóveis que continuaram a ser usados na atividade da 2ª Ré, tendo todos os trabalhadores continuado após a cisão a trabalhar nos mesmos locais e a desempenhar as mesmas funções, existindo uma influência e uma subordinação comuns, tendo de se considerar que as duas Rés se encontram abrangidas pela previsão do artigo 334.º do CT, devendo ambas ser consideradas solidariamente responsáveis pelo pagamento à A. de todos os créditos laborais emergentes da cessação do contrato de trabalho.
Na sentença recorrida entendeu-se que “no caso em apreço, a matéria de facto não traduz, por um lado, essa relação societária de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, entre as Rés, ou, por outro, a existência de uma estrutura organizativa que conduza à aplicabilidade do previsto no artigo 334.º do Código do Trabalho, improcedendo por isso a argumentação a este respeito expendida pela autora.”
Vejamos:
Resulta do artigo 334.º do CT sob a epígrafe responsabilidade solidária de sociedade em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo que:
<<Por crédito emergente de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, vencido há mais de três meses, respondem solidariamente o empregador e sociedade que com este se encontre em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, nos termos previstos nos artigos 481.º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais>>.
Estamos perante sociedades coligadas e cuja previsão abrange sociedades por quotas, anónimas e em comandita por acções (artigo 481.º, n.º 1, do CSC).
Na verdade, conforme dispõe o artigo 482.º do mesmo Código, consideram-se sociedades coligadas: as sociedades em relação de simples participação, ou seja, “quando uma delas é titular de quotas ou acções de outra em montante igual ou superior a 10% do capital desta, mas entre ambas não existe nenhuma das outras relações previstas no artigo 482º (n.º 1 do artigo 483.º); as sociedades em relação de participações recíprocas (artigo 485.º) – quando qualquer uma das sociedades detém quotas da outra; as sociedades em relação de domínio – “quando uma delas, dita dominante, pode exercer, directamente ou por sociedade ou pessoas que preencham os requisitos indicados no artigo 483º, nº 2, sobre a outra, dita dependente, uma influência dominante”, presumindo-se que uma sociedade é dependente de outra nos casos previstos no n.º 2 do artigo 486.º e, ainda, as sociedades em relação de grupo – (grupos constituídos por domínio total inicial ou superveniente; contrato de grupo paritário e contrato de subordinação – artigos 488.º a 493.º do CSC), existindo em todas as situações “uma sociedade que tem a direcção unitária, não só dela, como de outra ou outras sociedades subordinadas.
Nos três tipos de sociedade em relação de grupo (sociedades em relação de domínio total, sociedades em relação de grupo paritário e sociedades em relação de subordinação) há uma situação comum: <<em todos eles há uma entidade, que tem o domínio das sociedades pertencentes ao grupo, isto é, que tem a <<direcção unitária das sociedades>>, para usar a expressão do Prof. RAÚL VENTURA, ou que tem o poder de decisão, em última análise Abílio Neto, CSC, jurisprudência e Doutrina, 3.ª edição – Maio 2005, Ediforum, pág. 867..
Posto isto, podemos concluir que responderá solidariamente com o empregador a sociedade que com este esteja coligada numa das modalidades supra enunciadas no artigo 482.º do CSC, não se exigindo ao trabalhador a “demonstração de que o comportamento das sociedades abrangidas defraudou os seus direitos ou comprometeu gravemente a satisfação dos referenciados créditos Rita Garcia Pereira, “A Garantia dos Créditos Laborais no Código do Trabalho”, QL n.º 24, 2004, Coimbra Editora, pág. 206..
Ora, compulsada a matéria de facto dada como provada não resulta da mesma qualquer facto que nos permita concluir pela existência de uma relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo entre as 1ª e 2ª Rés, ou seja, pela existência de uma sociedade que detém quotas da outra; de uma sociedade dominante que pode exercer a sua influência sobre a outra ou de uma sociedade que que tem o domínio das sociedades pertencentes ao grupo.
Ao contrário do alegado pela recorrente, não se provou que: as Rés constituem uma única organização, têm a mesma sede social e são geridas pelas mesmas pessoas, têm uma única estrutura organizativa, têm os mesmos colaboradores no escritório que fazem indistintamente trabalho para ambas e têm a mesma estrutura societária de capital, existindo uma influência e uma subordinação comuns.
Apurou-se sim que da cisão simples resultaram atividades profundamente diferentes para a cindida e para a beneficiária – B… e C… –, respetivamente, Gestão e promoção imobiliária e a outra venda de pão e bolos; com gerências diferentes – C… J…, B… L….; os colaboradores da C…. trabalhavam, exclusivamente, para esta sociedade; a B… e a C… não têm clientes ou fornecedores comuns, uma não é nem cliente nem fornecedora da outra, nem têm qualquer participação uma na outra.
Pelo exposto, inexistindo qualquer uma das relações entre sociedades previstas no artigo 334.º do CT, não podemos concluir pela responsabilidade solidária da 1ª Ré, tal como se decidiu na sentença recorrida.
Improcede, por isso, esta conclusão da recorrente.

3ª questão
Se a transmissão do contrato de trabalho da A. para a 2ª Ré é inválida (artigo 285.º do CT).
A A. recorrente alega que a transmissão do seu contrato de trabalho para a Ré C… é inválida, porquanto não teve conhecimento da cisão efetuada, não tendo sido dado cumprimento ao disposto no artigo 285.º e segs. do CT; jamais recebeu qualquer comunicação de alteração da identidade da sua entidade empregadora nem relativa à cisão ou ao direito de reivindicar créditos laborais.
A este propósito consta da sentença recorrida o seguinte:
“Dispõe com efeito, o artigo 285.º do Código do Trabalho, sob a epigrafe, “Efeitos de transmissão de empresa ou estabelecimento” que:
1 - Em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou ainda de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores, bem como a responsabilidade pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contra-ordenação laboral.
2 - O transmitente responde solidariamente pelas obrigações vencidas até à data da transmissão, durante o ano subsequente a esta.
3 - O disposto nos números anteriores é igualmente aplicável à transmissão, cessão ou reversão da exploração de empresa, estabelecimento ou unidade económica, sendo solidariamente responsável, em caso de cessão ou reversão, quem imediatamente antes tenha exercido a exploração.
4 - O disposto nos números anteriores não é aplicável em caso de trabalhador que o transmitente, antes da transmissão, transfira para outro estabelecimento ou unidade económica, nos termos do disposto no artigo 194.º, mantendo-o ao seu serviço, excepto no que respeita à responsabilidade do adquirente pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contra-ordenação laboral.
5 - Considera-se unidade económica o conjunto de meios organizados com o objectivo de exercer uma actividade económica, principal ou acessória.
6 - Constitui contra-ordenação muito grave a violação do disposto no n.º 1 e na primeira parte do n.º 3.
Mais dispõe o artigo 286º do Código do Trabalho, sob a epigrafe, “Informação e consulta de representantes dos trabalhadores” que:
“1 - O transmitente e o adquirente devem informar os representantes dos respectivos trabalhadores ou, caso não existam, os próprios trabalhadores, sobre data e motivos da transmissão, suas consequências jurídicas, económicas e sociais para os trabalhadores e medidas projectadas em relação a estes.
2 - A informação referida no número anterior deve ser prestada por escrito, antes da transmissão, em tempo útil, pelo menos 10 dias antes da consulta referida no número seguinte.
3 - O transmitente e o adquirente devem consultar os representantes dos respectivos trabalhadores, antes da transmissão, com vista à obtenção de um acordo sobre as medidas que pretendam aplicar aos trabalhadores na sequência da transmissão, sem prejuízo das disposições legais e convencionais aplicáveis a tais medidas.
4 - Para efeitos dos números anteriores, consideram-se representantes dos trabalhadores as comissões de trabalhadores, bem como as comissões intersindicais, as comissões sindicais ou os delegados sindicais das respectivas empresas.
5 - Constitui contra-ordenação leve a violação do disposto nos n.os 1, 2 ou 3.”
Estamos perante um dos princípios basilares do direito laboral, consagrado na própria Constituição, no seu artigo 53º, dedicado à segurança no emprego. Nestes casos “o adquirente da unidade empresarial subingressa automaticamente, ex lege, na posição contratual de empregador, assumindo naturalmente todos os direitos e obrigações inerentes”– cfr. João Reis, In, O regime da transmissão da empresa no Código do Trabalho, 20 Anos do Código das Sociedades Comerciais, vol. I, Coimbra Editora, 2007, pág. 312.
Tal como a jurisprudência tem vindo a entender de forma unânime e abundante o regime atual visou transpor para o nosso ordenamento a Diretiva nº 2001/23/CE de 12 de Março (que não é mais do que uma atualização da Diretiva 77/187/CEE entretanto modificada pela Diretiva 98/50/CE de 29/06/1998 imposta por motivos de lógica e clareza e por exigências de segurança e transparência jurídicas face à jurisprudência do TJCE), representando por isso um esforço para consolidar e consagrar os resultados duma longa e laboriosa construção jurisprudencial no sentido de que se verifica a existência duma transferência do estabelecimento quando a entidade económica que este representa mantenha a sua identidade – Cfr, entre outros, acórdão da relação do porto de 18.11.2013, disponível em www.dgsi.pt, cuja fundamentação aqui seguiremos de perto.
Assim, o Tribunal de Justiça, ainda no domínio da Diretiva 77/187, começou a afirmar que a aplicação da Diretiva não pressupunha necessariamente a existência de um vínculo contratual entre cedente e cessionário, sendo de aplicar desde que o estabelecimento mantenha a sua identidade, sendo de relevar neste ponto se a transmissão engloba os seus bens móveis ou equipamentos, mas também bens incorpóreos, tais como a transmissão do Know how, a sucessão da atividade sem interrupção, a manutenção da clientela e a identidade da atividade desenvolvida após a transferência” – Cfr, acórdão da RE de 23/09/08 e do STJ de 27/05/04, disponíveis em www.dgsi.pt.
Com este regime teve-se em vista, por um lado, proteger os trabalhadores do risco de verem cortada a sua ligação à comunidade de trabalho a que pertencem, garantindo o direito à manutenção do posto de trabalho, que constitui uma das vertentes do direito constitucional consagrado no artigo 53º da CRP, nos casos de transmissão do estabelecimento ou da sua exploração e, por outro, tutelar o próprio estabelecimento (a continuidade do funcionamento da empresa que é objeto da transmissão). Todo o espírito da legislação visa, deste modo, garantir aos trabalhadores a permanência no seu posto de trabalho, apesar das transferências que se vierem a operar quanto à titularidade da empresa ou do estabelecimento onde exercem as suas funções.
Em caso de transmissão de empresa ou estabelecimento, verificar-se-á, pois, uma mera vicissitude contratual, isto é, o contrato de trabalho não se extinguirá, antes registará uma modificação de carácter subjetivo, uma mudança de empregador, sendo o transmitente substituído pelo adquirente na titularidade dos contratos de trabalho. Dar-se-á, nesta hipótese, uma sub-rogação ex lege do transmissário nas relações contratuais com o transmitente. Ora, ao acolher este princípio de transmissão automática da posição contratual do empregador, a lei inspira-se, sem dúvida, numa preocupação fundamental: a de garantir a manutenção do emprego dos trabalhadores na hipótese de transmissão da unidade económica em que laboram. Mas outros interesses relevantes concorrem para este regime legal, desde logo o da tutela da operacionalidade do próprio estabelecimento, isto é, a ideia de garantir ao respetivo transmissário um estabelecimento funcionante, não desprovido de mão de obra. Trata-se, em suma, de um regime de proteção centrado na ideia de continuidade dos vínculos laborais, os quais acompanham o estabelecimento ou a empresa transmitida de forma automática, isto é, independentemente da vontade do transmissário/adquirente.
Segundo Monteiro Fernandes (in Direito do Trabalho, 13º Edição, Almedina, a pp.255/256) “está em causa um conjunto muito diversificado de fenómenos – desde o “trespasse” até à reversão de uma concessão de exploração, passando pelas fusões e cisões e pelas modificações que podem ocorrer na titularidade do capital das sociedades – de que pode resultar a mudança da identidade do interlocutor contratual com que o trabalhador se defronta, sem que este tenha no facto qualquer participação. (…). Assim, os contratos de trabalho não cessam nem sofrem descontinuidade; os trabalhadores acompanham, em princípio, o movimento da organização a que estão contratualmente ligados. (…)”.
Ora, dito isto, terá de se concluir que o contrato de trabalho da autora se transmitiu validamente para a 2ª ré, na medida em que, como acima salientado, a transmissão de estabelecimento implica que o adquirente da unidade empresarial subingresse automaticamente, ex lege, na posição contratual de empregador, nenhuma invalidade podendo ser assacada à referida transmissão.
E assim sendo, tendo-se transmitido validamente o contrato, conclui-se que a 1ª ré responderia solidariamente pelas obrigações vencidas até à data da transmissão, durante o ano subsequente a esta, sabendo-se, do que acima ficou exposto, que à data da transmissão, se mostravam já vencidos créditos respeitantes ao trabalho suplementar prestado e não pago e à formação profissional.
Simplesmente, a obrigação solidária da 1ª ré mantém-se apenas no ano subsequente à transmissão, pelo que tendo sido registada a cisão em 05.01.2016 (Salientando-se que não foram considerados provados os fatos alegados pela trabalhadora no que respeita à falta de conhecimento do projeto de cisão e sua efetivação, pelo que se entende que a data a considerar para todos os efeitos é a data do registo da cisão), a responsabilidade da mesma manteve-se apenas até 05.01.2017, sendo certo que a presente ação entrou em juízo apenas em 17.04.2017. Improcede também assim, e com os fundamentos acima expostos, a argumentação da autora com vista à responsabilidade solidária da 1ª ré no pagamento das quantias à autora devidas.” – fim de transcrição.
Tendo em conta a matéria de facto provada, acompanhamos a sentença recorrida, pouco mais se impondo dizer.
Na verdade, conforme já referimos, a recorrente alega que a transmissão do seu contrato de trabalho para a Ré C… é inválida, porquanto não teve conhecimento da cisão efetuada, não tendo sido dado cumprimento ao disposto no artigo 285.º e segs. do CT; jamais recebeu qualquer comunicação de alteração da identidade da sua entidade empregadora nem relativa à cisão ou ao direito de reivindicar créditos laborais.
Se bem percebemos o alegado, a recorrente entende que os artigos 285.º e segs. do CT impõem o cumprimento de “formalidades” não observadas pela transmitente, o que determina a invalidade da transmissão do seu contrato de trabalho para a 2ª Ré.
Pois bem, resulta da matéria de facto (por força da sua reapreciação) que: a A. nunca recebeu nenhuma comunicação de alteração da identidade da sua entidade patronal; nem da parte desta empresa, nem da nova empresa C…, LDA., a que foi atribuído um novo número de contribuinte, o 513 759 875; à A. não foi feita nenhuma comunicação relativa ao motivo da cisão simples, da data da sua efetivação, das consequências legais, dos direitos ou deveres, da trabalhadora e da entidade patronal e também não lhe foi feita nenhuma comunicação relativa ao direito de exigir ou reivindicar créditos laborais.
Por outro lado, o artigo 286.º do CT estabelece o dever de informação e consulta dos representantes dos trabalhadores ou destes, nomeadamente, sobre a data e motivos da transmissão e suas consequências, no entanto, o seu incumprimento constitui apenas contraordenação leve (n.º 5 do mesmo normativo), não consubstanciando qualquer elemento constitutivo da validade ou eficácia da transmissão de empresa.
Acresce que, ao contrário do alegado pela recorrente, não resultou provado que a mesma não teve conhecimento da cisão efetuada.
Aliás, conforme resulta da matéria de facto provada e dos documentos juntos aos autos (fls. 32 e 33), o projecto e a cisão supra referida foram registados junto da CRC (e oficiosamente publicados), em cumprimento do disposto nos n.ºs 1 e 5 do artigo 100.º e 111.º, ambos do CSC, ex vi do artigo 120.º do mesmo Código.
Face ao que fico dito, a transmissão do contrato de trabalho da A. recorrente para a Ré C…, por força da cisão, é válida, inexistindo, no entanto, a responsabilidade solidária da 1ª Ré, porquanto a mesma apenas subsistiu no ano subsequente à transmissão/cisão.
Improcede, por isso, mais esta conclusão da recorrente.

4ª questão
Se a 1ª Ré deve ser responsabilizada por via da desconsideração da personalidade colectiva (artigo 334.º do CC).
Alega a recorrente que a 1ª Ré deve ser responsabilizada pelos créditos laborais reclamados nos presentes autos, por via da desconsideração da personalidade colectiva, por considerar que a operação de cisão simples efetuada teve como objectivo descapitalizar a sociedade C…, de forma a encerrar a atividade da empresa sem pagar aos trabalhadores os seus créditos, o que constitui uma situação do mais elementar abuso de direito.
A este propósito decidiu-se na sentença recorrida:
Como se salienta no acórdão da Relação de Coimbra de 03.07.2013, disponível www.dgis.pt, este instituto não se encontra regulamentado na lei portuguesa, mas isso não significa que o nosso direito civil não disponha, na sua positividade, de regras fundamentais que o permitam acolher particularmente, designadamente, o artigo 334º do Código Civil (abuso de direito).
A desconsideração ou levantamento da personalidade coletiva surgiu na doutrina e, posteriormente, na jurisprudência como meio de cercear formas abusivas de atuação, que ponham em risco a harmonia e a credibilidade do sistema.
No fundamental, ele traduz-se numa delimitação negativa da personalidade coletiva por exigência do sistema ou, se se quiser, “ele exprime situações nas quais, mercê dos vectores sistemáticos concretamente mais poderosos, as normas que firmam a personalidade colectiva são substituídas por outras normas" - cfr. Menezes Cordeiro, Manual do Direito Das Sociedades, I vol., 2004. pag. 381.
O recurso a esse instituto é possível quando ocorram situações de responsabilidade civil assentes em princípios gerais ou em normas de proteção, nomeadamente dos credores, ou em situações de abuso de direito e não exista outro fundamento legal que invalide a conduta do sócio ou da sociedade que se pretende atacar, ou seja, a desconsideração tem carácter subsidiário.
De entre elas, avultam a confusão ou promiscuidade entre as esferas jurídicas de duas ou mais pessoas, normalmente entre a sociedade e os seus sócios (ainda que não tenha de ser obrigatoriamente assim); a subcapitalização da sociedade, por insuficiência de recursos patrimoniais necessários para concretizar o objeto social e prosseguir a sua atividade; e as relações de domínio grupal - cfr. Menezes Cordeiro, ob. cit. Páginas 364 e seguintes.
Em todas estas situações verifica-se que a personalidade coletiva é usada de modo ilícito ou abusivo para prejudicar terceiros, existindo uma utilização contrária a normas ou princípios gerais, incluindo a ética dos negócios.
A desconsideração tem de envolver sempre um juízo de reprovação sobre a conduta do agente, ou seja, envolve sempre a formulação de um juízo de censura e deve revelar-se ilícita, havendo que verificar se ocorre uma postura de fraude à lei ou de abuso de direito.
Ora, no caso em apreço, e conforme já referido, não resultou demonstrado que a cisão efetuada tivesse o objetivo de descapitalizar a sociedade “C… “, de forma a encerrar a atividade da empresa sem pagar aos trabalhadores os seus créditos, conforme alegado pela autora. (…)
Acresce que da matéria de fato considerada provada resulta que:
A empresa original (B…) apresentava resultados negativos, pelo menos, desde o ano de 2011.
- A gerência seguinte (Sr. J…) tentou inverter a situação, por via de diminuição de custos acompanhando assim a diminuição das vendas, tendo passado de um resultado operacional de aprox. -131.000 € em 2012 para aprox. -50.000 € em 2014, sendo que nos últimos cinco anos, os sócios injetaram cerca de 200.000 € na empresa.
- A partir do final de 2014 as instalações de produção da empresa já não apresentavam as condições necessárias à continuação da produção (tendo inclusivamente existido inspeções da DGAV que apontavam a necessidade de obras profundas para a manutenção da produção). Neste cenário, e não dispondo de recursos financeiros para realizar as obras necessárias nas suas instalações, a gerência tentou adquirir uma posição num leasing bancário de outras instalações mais modernas, até à data pertencentes a outra empresa de panificação em dificuldades financeiras, não tendo no final o referido negócio tido sucesso.
- A gerência iniciou um processo de reestruturação que teve como objetivo separar as duas áreas de negócio da empresa (imobiliário e panificação). Optou, ainda, por procurar investidores para a empresa, com vista a capitalização da empresa.
- No decurso deste processo de preparação do projeto de cisão, a empresa perdeu o seu padeiro chefe, e não conseguiu contratar um novo padeiro de qualidade.
- A C… ficou no seguimento da cisão com todos os ativos (móveis) afetos à sua atividade e sem qualquer divida bancária, tendo essas dividas ficado no balanço da empresa original. A C… ficou também com o saldo de clientes à data e adicionalmente, a empresa original financiou as indemnizações pagas aos trabalhadores no seguimento do encerramento da unidade de produção; assegurou as dividas a fornecedores anteriores à cisão, relativas à atividade de panificação; não foram cobradas quaisquer rendas à C… pelos 4 imóveis (pastelarias) que esta usava na sua atividade pertencentes à cindida.
- Desta cisão simples resultaram atividades profundamente diferentes para a cindida e para a beneficiária –B… e C… –, respetivamente, Gestão e promoção imobiliária e a outra venda de pão e bolos.
- Com gerências diferentes – C… J…, B… L….
- Os colaboradores da C…. trabalhavam, exclusivamente, para esta sociedade.
- A B… e da C… não têm clientes ou fornecedores comuns, uma não é nem cliente nem fornecedora da outra, nem têm qualquer participação uma na outra.
Da leitura que se faz destes fatos não resulta que da cisão tenha decorrido uma subcapitalização da sociedade empregadora, por insuficiência de recursos patrimoniais necessários para concretizar o objeto social e prosseguir a sua atividade. Na verdade, a 2ª ré ficou no seguimento da cisão com todos os ativos (móveis) afetos à sua atividade e sem qualquer divida bancária, tendo essas dividas ficado no balanço da empresa original. A C… ficou também com o saldo de clientes à data e adicionalmente, a empresa original financiou as indemnizações pagas aos trabalhadores no seguimento do encerramento da unidade de produção, assegurando as dividas a fornecedores anteriores à cisão e relativas à atividade de panificação, sendo que não foram cobradas quaisquer rendas à C… pelos 4 imóveis (pastelarias) que esta usava na sua atividade pertencentes à cindida. (...)
Salienta-se ainda que, a doutrina e jurisprudência são unanimes na defesa de que o levantamento da pessoa coletiva não deverá ser banalizado no sentido de que uma situação de prestação laboral a empresas agrupadas seja, de per si, bastante para responsabilizar todas as empresas envolvidas e consequentemente “patronalizá-las” (Cfr. neste sentido, acórdão da Relação do Porto de 25.06.2012, disponível em www.dgi.pt)). Desta feita, tal operação só será admitida “quando a personalidade colectiva seja usada de modo ilícito ou abusivo para prejudicar terceiros, existindo uma utilização contrária a normas ou princípios gerais, incluindo a ética dos negócios” (cfr. Ac. STJ de 16.12.2004, disponível em www.dgsi.pt), ou seja, “trata-se de casos em que o exercício do direito subjectivo conduz a um resultado clamorosamente divergente do fim para que a lei o concedeu e dos interesses jurídica e socialmente aceitáveis” (neste sentido, cfr. acórdão do STJ de 23.03.2006, disponível em www.dgsi.pt).
E assim sendo, entende-se que no caso não é possível formular um juízo de forte censura, não se podendo concluir que a cisão visou diminuir o património da 2ª Ré e assim obviamente dificultar ou evitar a cobrança dos créditos por parte dos seus, não sendo de desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade, improcedendo por isso também a pretensão a este respeito deduzida pela autora.” – fim de transcrição.
Acompanhamos também, nesta parte, a decisão recorrida.
Na verdade, conforme se decidiu no acórdão desta Relação de 03/07/2013, disponível em www.dgsi.pt Relatado pelo Exm.º Desembargador aqui 2º adjunto.:
<<I – A desconsideração ou levantamento da personalidade colectiva surgiu na doutrina e, posteriormente, na jurisprudência como meio de cercear formas abusivas de actuação, que ponham em risco a harmonia e a credibilidade do sistema.
II – No fundamental, ela traduz-se numa delimitação negativa da personalidade colectiva por exigência do sistema ou “exprime situações nas quais, mercê dos vectores sistemáticos concretamente mais poderosos, as normas que firmam a personalidade colectiva são substituídas por outras normas.
III – O recurso a esse instituto é possível quando ocorram situações de responsabilidade civil assentes em princípios gerais ou em normas de protecção, nomeadamente dos credores, ou em situações de abuso de direito e não exista outro fundamento legal que invalide a conduta do sócio ou da sociedade que se pretende atacar, ou seja, a desconsideração tem carácter subsidiário.
IV – De entre elas avultam a confusão ou promiscuidade entre as esferas jurídicas de duas ou mais pessoas, normalmente entre a sociedade e os seus sócios (ainda que não tenha de ser obrigatoriamente assim); a subcapitalização da sociedade, por insuficiência de recursos patrimoniais necessários para concretizar o objecto social e prosseguir a sua actividade; e as relações de domínio grupal.
V – Em todas estas situações verifica-se que a personalidade colectiva é usada de modo ilícito ou abusivo para prejudicar terceiros, existindo uma utilização contrária a normas ou princípios gerais, incluindo a ética dos negócios.
VI – A desconsideração tem de envolver sempre um juízo de reprovação sobre a conduta do agente, ou seja, envolve sempre a formulação de um juízo de censura e deve revelar-se ilícita, havendo que verificar se ocorre uma postura de fraude à lei ou de abuso de direito.”
Acresce que, “pode haver lugar à aplicação do levantamento da personalidade colectiva nos casos de confusão de esferas jurídicas, subcapitalização e atentado a terceiros e abuso de personalidade. (…) levantar a personalidade jurídica significa afastar o centro de imputação de regras que surge em primeira linha para se passar a atingir uma realidade diversa daquela e que se encontrava escondida por detrás da pessoa colectiva. Esse afastamento pode ser motivado por imperativos de boa fé ou ex vie princípio da primazia da materialidade subjacente, reportado à existência de direcção unitária” Rita Garcia Pereira, artigo e revista citadas, págs. 200 e segs..
<<I - O princípio da atribuição da personalidade jurídica às sociedades e da separação de patrimónios, ficção jurídica que é, não pode ser encarado, em si, como um valor absoluto e não pode ter a natureza de um manto ou véu de protecção de práticas ilícitas ou abusivas – contrárias à ordem jurídica –, censuráveis e com prejuízo de terceiros.
II - Assim, quando exista uma utilização da personalidade colectiva que seja, ou passe a ser, instrumento de abusiva obtenção de interesses estranhos ao fim social desta, contrária a normas ou princípios gerais, como os da boa fé e do abuso de direito, relacionados com a instrumentalização da referida personalidade jurídica, deve actuar a desconsideração desta, depois de se ponderarem os verdadeiros interesses em causa, para poder responsabilizar os que estão por detrás da autonomia (ficcionada) da sociedade e a controlam.” Acórdão do STJ de 07/11/2017, disponível em www.dgsi.pt.
Por outro lado, <<é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito>> - artigo 334.º do CC.
Ora, lida a matéria de facto já supra enunciada facilmente se conclui que dela não se extrai que a operação de cisão simples efetuada teve como objetivo descapitalizar a sociedade C…, de forma a encerrar a atividade da empresa sem pagar aos trabalhadores os seus créditos.
Na verdade, apurou-se, além do mais, que a C… ficou no seguimento da cisão com todos os ativos (móveis) afetos à sua atividade e sem qualquer dívida bancária, tendo essas dívidas ficado no balanço da empresa original. A C… ficou também com o saldo de clientes à data e adicionalmente, a empresa original financiou as indemnizações pagas aos trabalhadores no seguimento do encerramento da unidade de produção; assegurou as dívidas a fornecedores anteriores à cisão, relativas à atividade de panificação e não foram cobradas quaisquer rendas à C… pelos 4 imóveis (pastelarias) que esta usava na sua atividade pertencentes à cindida.
Acresce que, os factos invocados pela recorrente nas alíneas LXXIV a LXXVI e LXXVIII a LXXXIV das suas conclusões não resultaram provados.
Assim sendo, não podemos concluir que a personalidade coletiva foi usada de modo ilícito ou abusivo para prejudicar terceiros nem que haja fundamento para a formulação de um juízo de censura sobre a conduta do agente que não se nos afigura ilícita, de fraude à lei ou em abuso do direito, ou seja, que a cisão teve como objetivo diminuir o património da 2ª Ré e, em consequência, dificultar ou impedir a cobrança dos créditos por parte dos seus trabalhadores.
É certo que a 1ª Ré, no processo de cisão, ficou com todo o património imobiliário, inclusive com os imóveis destinados a ser usados na atividade da 2ª Ré, no entanto, este facto, por si só e quando conjugado com os restantes supra citados, não permite concluir, sem mais, por uma atuação ilícita ou abusiva.
Pelo exposto, inexiste fundamento legal para a desconsideração da personalidade coletiva e consequente responsabilidade da 1ª Ré.
Improcedem, por isso, as conclusões da recorrente.

5ª questão
Se a 1ª Ré é responsável pelos créditos existentes à data da cisão (n.º 1 do artigo 122.º do CSC).
Mais alega a recorrente que no caso de se considerar válida a transmissão do contrato de trabalho da A. para a 2ª Ré, a 1ª Ré terá de continuar a considerar-se responsável solidária por todos os créditos já existentes à data da cisão, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 122.º do CSC.
Vejamos:
Conforme resulta do n.º 1 do artigo 122.º do CSC, <<a sociedade cindida responde solidariamente pelas dívidas que, por força da cisão, tenham sido atribuídas à sociedade incorporante ou à nova sociedade>>.
Significa isto que existirá responsabilidade solidária da sociedade cindida por dívidas que, por força da cisão, tiver transmitido à sociedade beneficiária.
<<1. Em caso de cisão de sociedades, o regime da responsabilidade por dívidas é assim: a primitiva sociedade, ou sociedade cindida, continua responsável perante o credor pelas dívidas que, em consequência da cisão, tenham sido atribuídas à nova ou novas sociedades, ou sociedades incorporantes, e em regime de solidariedade com esta ou estas; (…)>> Acórdão do STJ, de 10/07/2003, disponível em www.dgsi.pt..
Ora, da matéria de facto provada não resulta que tenham sido atribuídas/transmitidas quaisquer dívidas à nova sociedade, 2ª Ré, razão pela qual a sociedade cindida, 1ª Ré, não pode ser solidariamente responsável pelos créditos peticionados pela A..
Resta dizer que, aos credores da sociedade cindida, anteriores à cisão, a lei confere-lhes o direito de deduzir oposição judicial à cisão A este propósito, cfr. José Costa Pinto, “A cisão de sociedades e o regime da responsabilidade da beneficiária por dívidas da sociedade cindida”, Actualidad Jurídica Uría Mendez/ 31-2012. nos termos previstos no artigo 101.º-A do CSC, ex vi do artigo 120.º do mesmo diploma legal, oposição esta que a A., ora recorrente, não deduziu pese embora o registo e a publicação da mesma.
Pelo exposto, a 1ª Ré também não é, por via do disposto no n.º 1 do artigo 122.º do CSC, responsável solidária da 2ª.

6ª questão
Se a indemnização prevista no artigo 396.º do CT devia ter sido fixada com base em 45 dias de remuneração por cada ano de antiguidade.
A A. recorrente alega que a complexidade da urdidura tecida pela entidade patronal no sentido de defraudar os legítimos direitos dos trabalhadores justifica que devesse ser arbitrado o valor máximo da indemnização, 45 dias de remuneração por cada ano de antiguidade, devendo ponderar-se, ainda, que a entidade patronal obrigou a trabalhadora a fazer 48 h semanais de trabalho e que não deu cumprimento às comunicações exigidas pelo Código do Trabalho, obrigação de informar que não podia desconhecer.
Na sentença recorrida decidiu-se o seguinte:
Estabelece o n.º 1 do art.º 396.º do CT que “em caso de resolução do contrato com fundamento em facto previsto no n.º 2 do art.º 394.º, o trabalhador tem direito a indemnização, a determinar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude do comportamento do empregador, não podendo ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades”.
Para a fixação de tal período deverá ter-se em conta o valor da retribuição, o grau de ilicitude e o comportamento motivador da resolução.
De notar que os dois referidos vetores de aferição (valor da retribuição e grau de ilicitude) têm uma escala valorativa de sentido oposto: enquanto o fator retribuição é de variação inversa (quanto menor for o valor da retribuição, mais elevada deve ser a indemnização), a ilicitude é fator de variação direta (quanto mais elevado for o seu grau, maior deve ser a indemnização).
Na verdade, tem defendido a jurisprudência que tais vetores devem ser tomados na razão inversa da sua grandeza, isto é, quanto menor for a retribuição auferida pelo trabalhador, maior deve ser o número de dias a atender no cálculo da indemnização e quanto maior for a retribuição auferida, menor deverá ser o número de dias a graduar entre os 15 e 45, de modo que um trabalhador que aufira uma retribuição próxima do nível do salário mínimo deverá ser contemplado com uma indemnização calculada com base num número de dias perto do máximo. Assim se previne que os trabalhadores com os salários mais elevados obtenham as indemnizações mais elevadas, quando são estes, em regra, que têm as maiores qualificações e experiência profissional, portanto, menor dificuldade em encontrar trabalho - Cfr., neste sentido, entre outros o acórdão da Relação do Porto de 28.02.2011 e o acórdão do STJ de09.09.2009, disponível em www.dgsi.pt.
No caso concreto, importa ter em conta o quadro económico vivenciado pela ré, de dificuldades, como vimos, que entretanto culminaram na sua insolvência, judicialmente reconhecida. Importa ainda considerar que autora e o seu agregado familiar vivem exclusivamente dos salários que auferem mensalmente, os quais destinam na sua totalidade aos encargos da sua vida familiar.
Em face do exposto, julgamos adequada a ponderação da indemnização com base em 30 dias de remuneração base por cada ano ou fração de antiguidade.
Assim, tendo em conta que a relação laboral se prolongou pelo período de tempo de 10 anos, 4 meses e 12 dias, conclui-se ser-lhe devida a indemnização correspondente a 5.494,33euros.” – fim de transcrição.
Ponderando a matéria de facto provada não podemos deixar de acompanhar a decisão recorrida, sendo certo que os factos alegados pela recorrente como justificação de uma indemnização superior, com base em 45 dias de remuneração base, não resultaram provados.
Na verdade, como resulta da análise das questões anteriores, ao contrário do alegado pela recorrente, não se apurou a existência de qualquer “urdidura” tecida pela entidade patronal no sentido de defraudar os direitos da trabalhadora e o trabalho suplementar prestado pela A. e reconhecido na sentença recorrida não foi invocado como fundamento da resolução do contrato (artigo 396.º do CT).
Assim sendo, inexiste qualquer fundamento legal para alterar o montante da indemnização fixado na sentença recorrida em 30 dias de retribuição base por cada ano ou fração de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude do comportamento do empregador.
Improcede, desta forma, mais esta conclusão da recorrente.
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Improcedem assim, na quase totalidade, as conclusões formuladas pela A. recorrente, impondo-se a manutenção da sentença recorrida.
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IV – Sumário O sumário é da responsabilidade exclusiva da relatora.
1. Responde solidariamente com o empregador a sociedade que com este esteja coligada numa das modalidades enunciadas no artigo 482.º do CSC, por crédito emergente de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, vencido há mais de três meses - artigo 334.º do CT.
2. Em caso de transmissão de empresa ou estabelecimento, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respetivos trabalhadores, sendo que, o transmitente responde solidariamente pelas obrigações vencidas até à data da transmissão mas apenas durante o ano subsequente a esta.
3. O artigo 286.º do CT estabelece o dever de informação e consulta dos representantes dos trabalhadores ou destes, nomeadamente, sobre a data e motivos da transmissão e suas consequências, no entanto, o seu incumprimento constitui apenas contraordenação leve (n.º 5 do mesmo normativo), não consubstanciando qualquer elemento constitutivo da validade ou eficácia da transmissão de empresa.
4. Não se podendo concluir que a personalidade coletiva foi usada de modo ilícito ou abusivo para prejudicar terceiros e não havendo fundamento para a formulação de um juízo de censura sobre a conduta do agente por não se afigurar ilícita, de fraude à lei ou em abuso do direito, nomeadamente, que a cisão teve como objetivo diminuir o património da 2ª Ré e, em consequência, dificultar ou impedir a cobrança dos créditos por parte dos seus trabalhadores, inexiste fundamento legal para a desconsideração da personalidade coletiva e consequente responsabilidade da 1ª Ré.
5. Conforme resulta do n.º 1 do artigo 122.º do CSC, apenas existe responsabilidade solidária da sociedade cindida por dívidas que, por força da cisão, tiver transmitido à sociedade beneficiária.
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V - DECISÃO
Nestes termos, sem outras considerações acorda-se:
- em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a sentença recorrida.
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Custas a cargo da A. recorrente, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido.
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Coimbra, 2018/05/18
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(Paula Maria Roberto)
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(Ramalho Pinto)
____________________ (Felizardo Paiva)