Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
7731/10.5YYPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ GUERRA
Descritores: INSOLVÊNCIA
EXECUÇÃO
SUSPENSÃO
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Data do Acordão: 01/15/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ALCOBAÇA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.88 CIRE, 287 E) CPC
Sumário: Nos termos do Art. 88º do CIRE, a declaração de insolvência apenas determina a suspensão da execução pendente contra a insolvente e não a sua extinção por inutilidade e impossibilidade superveniente da lide.
Decisão Texto Integral:          Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra

         I- Relatório        

           

         1. B (…), S.A instaurou a presente execução contra os executados J (…) e M (…), apresentando como título executivo uma livrança subscrita pelos executados, no valor de € 10.717,62, emitida em 10-9-2010 e com vencimento em 12-10-2010.

         2. Quando os autos prosseguiam para penhora de bens dos executados, vieram a ser juntas aos autos as certidões de fls. 60-66 e 68-74, das quais constam as decisões transitadas em julgado que declararam insolventes os executados J (…) e M (…), proferidas em 13.03.2012 e 20.03.2012, respectivamente.

         3. Com base no teor das referidas decisões a partir das quais foi constatado que os mencionados executados J (…) e M (…) foram declarados insolventes por sentenças já transitadas em julgado, veio a ser proferida decisão que declarou extinta a presente execução, por inutilidade superveniente da lide, estribando-se tal decisão no disposto nos Arts. 88º Nº1 do CIRE e 287º e) do CPC.

         4. Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso o banco exequente, rematando as alegações do mesmo formulando as seguintes conclusões:

         1º- A executada nos autos principais de execução, M (…)foi declarada insolvente por Sentença transitada em julgado.

         2.º Da Acta da Assembleia de Credores referentes à Executada-Insolvente, M (…), junta aos autos principais de execução não resulta que o processo de insolvência tenha sido encerrado por insuficiência da massa nos termos do disposto no artº 230º n.º 1 alínea a) e artº 232º do CIRE, nem nos termos do disposto no artº 230º n.º 1 alínea a) do CIRE.

         3.º Logo, nem nos termos da redacção anterior, nem da actual redacção, do disposto no artº 88º do CIRE há lugar à extinção da execução, mas apenas à sua suspensão.

         4.ºNos termos do disposto no artº 88º do CIRE a declaração de insolvência apenas determina a suspensão da execução pendente contra a insolvente mas não a sua extinção por inutilidade superveniente da lide- conf. Acordão do Tribunal da Relação do Porto de 19-4-2012, Proc. n.º 8425/10.7YYPRT.Proc n.º 8425/10.7 YYPRT.P1 e Acordão do Tribunal da Relação de Coimbra de 3-11-2009, Proc. n.º 68/08.1TBVLF;

         4.º Da Acta da Assembleia de Credores do Insolvente J (…) também resulta que foi concedido um prazo ao Sr. Administrador para concluir a averiguações em curso;

         5.º Ou seja, em ambas as Actas da Assembleia de Credores foi concedido um prazo para se concluírem averiguações, logo, não há razão para se concluir pela extinção da execução contra a insolvente e o prosseguimento contra o executado J (…), conforme parece resultar da douta sentença sob recurso.

         6ª Assim se conclui que os autos executivos devem ser suspensos relativamente a ambos os executados e não extintos em relação à insolvente ou a ambos.

         7.º A douta sentença recorrida violou, deste modo, o disposto no artigo 88º e artº 233º do CIRE.

         Termina o recorrente pugnando pelo provimento ao recurso, e consequentemente, pela alteração da decisão recorrida.

        

         5. Admitido o recurso não foram apresentadas contra-alegações.

        

Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – ÂMBITO DO RECURSO

         Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso ( Arts. 684º, nº 3, 685º-A e 660º, nº 2, do CPC ), a única questão a decidir é a de saber se a declaração de insolvência do executado determina a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide na acção executiva.

        

III – FUNDAMENTAÇÃO

A) De Facto

         Os factos a considerar são os que constam no relatório deste acórdão.

            B) De Direito

            Declarada a insolvência, os respectivos efeitos processuais nas acções executivas vêm definidos no Art. 88º nº1 do CIRE, no qual se preceitua que “a declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência; porém, se houver outros executados, a execução prossegue contra estes”.

         O Art. 287º e) do CPC dispõe que “a instância extingue-se com a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide”.

            A impossibilidade da lide ocorre em caso de morte ou extinção de uma das partes, por desaparecimento ou perecimento do objecto do processo ou por extinção de um dos interesses em conflito.

         A inutilidade da lide tem lugar quando, em virtude de novos factos ocorridos na pendência do processo, a decisão a proferir já não tem qualquer efeito útil, ou porque não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante quer fazer valer no processo ou porque o fim visado com a acção foi atingido por outro meio – neste sentido, vide Prof. Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil Anotado, vol. III, Coimbra, 1946 – 367-373.

         Já segundo Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, in  Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1º, Coimbra Editora, 2ª ed., pag. 555), “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por já ter sido atingido por outro meio”.

            Do cotejo dos preceitos legais citados, há, desde logo, que concluir que o contido no Art. 88º do CIRE, ao definir os efeitos processuais da sentença de declaração de insolvência nas acções executivas, não deixa dúvidas sobre as consequências da declaração de insolvência em processos executivos instaurados contra o executado declarado insolvente, no sentido de que não impõe a extinção da execução, mas sim a sua suspensão.

         Tal é, aliás, o entendimento doutrinário dominante assim como o entendimento jurisprudencial dos nossos tribunais superiores.

          Com efeito, Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, 2008, pag. 362, escrevem, em anotação ao citado artigo 88º, que "o regime instituído no n.º 1, na parte inicial, é um efeito automático da declaração de insolvência, não dependendo de requerimento de qualquer interessado" (cf. nota 3). E no que respeita ao impedimento de prosseguirem as acções executivas em curso contra o insolvente, dizem: "Impede-se, além disso, o prosseguimento de acções executivas já em curso contra o insolvente, bem como a instauração de novas execuções. A consequência é a da nulidade dos actos que em qualquer delas tenham sido praticados após a declaração de insolvência, o que deve oficiosamente ser declarado logo que no tribunal do processo a situação seja conhecida". Esclarecem ainda que "este é um regime de há muito consagrado no sistema jurídico português, pois, além do CPEREF, constava já do art. 1198.º do C.P.Civ.". E ressalvam que "as razões determinantes da solução aqui consignada não ocorrem no caso de proferimento de sentença de insolvência com carácter limitado". Ressalva que no caso em apreço não tem aplicação porque à insolvência dos executados foi atribuído carácter pleno.

         Igualmente no sentido da suspensão da execução pendente no caso de o devedor ser declarado insolvente vai também Luís Manuel Telles de Menezes Leitão in Direito da Insolvência Almedina pp 167.

         Perfilhando a orientação da suspensão da execução pendente no caso do executado ser declarado insolvente, vão os seguintes acórdãos dos nossos tribunais superiores: Acs. da Relação de Guimarães de 15-09-2011 e de 19.06.2012, Acs. da Relação de Coimbra de 20-11-2012 e de 03-11-2009, Acs. da Rel. do Porto de 21-06-2010, de 03-11-2010 e de 19-04-2012 e, ainda, os Acs. da Relação de Lisboa de 21-09-2006 e de 12-07-2006, todos disponíveis in em www.dgsi.pt.

         E, tal assim é, como se refere no citado Ac. da Rel. de Coimbra de 03-11-2009, desse logo, porque a estrutura do processo de insolvência, regulado no CIRE (DL 53/2004 de 18/3) compreende apenas uma única forma de processo judicial, o da insolvência, no qual, depois de declarada a insolvência, poderão os credores decidir o modo de satisfação dos seus créditos, através do plano da insolvência, que poderá ou não contemplar a recuperação da empresa insolvente e as respectivas condições, que poderão passar ou não pela faculdade de os credores executarem créditos após o cumprimento do plano (artigo 1º, 156 nº3 e 192º e seguintes do CIRE).

         Poderá o plano de insolvência prever a não exoneração do devedor da totalidade das dívidas da insolvência remanescentes (artigo 197º c) do CIRE), podendo, após o cumprimento do plano de insolvência, ser executadas as dívidas em que não se verificou a exoneração (artigo 233 nº1 c) e d) do CIRE).

         Também poderá acontecer que, já depois da declaração de insolvência, o processo seja encerrado nos termos do artigo 230º nº1 c) do CIRE, a pedido do devedor, quando deixe de se encontrar em situação de insolvência ou todos os credores prestem o seu consentimento.

         Por outro lado, verificando-se a liquidação da massa insolvente, o seu encerramento não é prejudicado pela circunstância de a actividade do devedor gerar rendimentos que acresceriam à massa (artigo 182º do CIRE), património este que poderá oportunamente ser alvo de execução pelos credores cujos créditos não foram satisfeitos na insolvência e em relação aos quais não houve exoneração.

         Em todos estes casos, poderá haver oportunidade para prosseguimento das execuções suspensas, o que, obviamente, só é compaginável se estas forem suspensas, mas não já se forem declaradas extintas.

            Conclui-se, portanto, que, com a declaração de insolvência, a execução não deverá ser extinta, mas sim suspensa, ao contrário do decidido no despacho recorrido, o qual, por isso, não poderá manter-se, esclarecendo-se que assim é, seja referindo-se o mesmo apenas à executada/insolvente M ( ...) , seja referindo-se o mesmo a ambos os executados/insolventes J ( ...) e M ( ...) , esclarecimento que se impõe em face da redacção menos clara da decisão ora recorrida, conforme dela se retira e disso dá também conta o recorrente nas suas alegações e conclusões do presente recurso.

         IV- Sumário ( Art. 713º Nº7 C.P.C. )

         - No termos do Art. 88º do CIRE, a declaração de insolvência apenas determina a suspensão da execução pendente contra a insolvente e não a sua extinção por inutilidade e impossibilidade superveniente da lide.


***

         V- Decisão

         Assim, em face do exposto, acorda-se em julgar procedente o recurso interposto e revogar a decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra que declare suspensa a execução em relação a ambos os executados.   

         Sem custas.

                                                         

                                              

Maria José Guerra ( Relatora)

Albertina Pedroso

Virgílio Mateus