Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3930/06.2TBLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS CRAVO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
DANO PATRIMONIAL
DANO NÃO PATRIMONIAL
EQUIDADE
Data do Acordão: 06/06/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JC CÍVEL - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS.496, 566 CC
Sumário: 1. O chamado “dano biológico” tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança ou reconversão de emprego pelo lesado, enquanto fonte atual de possíveis e eventuais acréscimos patrimoniais, frustrada irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afetar, quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua atividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas.

2. A perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediatamente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando, de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha de profissão, eliminando ou restringindo seriamente qualquer mudança ou reconversão de emprego e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à disposição, erigindo-se, deste modo, em fonte atual de possíveis e futuros lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais.

3. É hoje comummente aceite que este dano integra uma categoria autónoma, cujo ressarcimento deve ser encontrado segundo critérios de equidade.

4. Muito embora para a quantificação do dano se apele ao tempo de provável vida activa e à representação de um capital de rendimento, deve, porém, rejeitar-se a aplicação automática das fórmulas matemáticas para o cálculo “a se”, de um “dano biológico” que só relevam como mero instrumento de trabalho, com função adjuvante da avaliação equitativa.

5. O critério fundamental para a determinação judicial das indemnizações é fixado pelo Código Civil – a equidade – donde, no que respeita aos critérios seguidos pela Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio, com ou sem as alterações introduzidas pela Portaria nº 679/2009, de 25 de Junho, deve-se entender que se destinam expressamente a um âmbito de aplicação extra-judicial e, se podem ser ponderados pelo julgador, não se sobrepõem àquele.

6. Sem embargo, o recurso à equidade não afasta a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso.

7. Entre os chamados danos de natureza “não patrimonial” é possível distinguir como significativos e mais importantes o chamado “quantum doloris” (que sintetiza as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária), o “dano estético” (que simboliza o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e de recuperação da vítima), o “prejuízo de afirmação pessoal” (dano indiferenciado, que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadíssimas vertentes – familiar, profissional, sexual, afetiva, recreativa, cultural, cívica), o “prejuízo da saúde geral e da longevidade” (o dano da dor e o défice de bem estar, em que se valoriza os danos irreversíveis na saúde e no bem estar da vítima e conta na expectativa da vida) e, finalmente, o “pretium juventutis” (que realça a especificidade da frustração do viver em pleno a primavera da vida).

8. Na compensação por danos não patrimoniais, o tribunal há-de igualmente decidir segundo a equidade, tomando em consideração a culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso, bem como as exigências do princípio da igualdade.

Decisão Texto Integral:          





   Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]

                                                                       *

1 – RELATÓRIO

T (…), divorciada, residente na Rua (...) , Vialonga, propor a presente ação declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra:

- FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL, com sede na Avª de Berna, nº 19, Lisboa,

- “F (…)Transportes Internacionais, Lda.”, com sede em (...) , Santo Antão do Tojal, e

M (…), residente na Rua (...) , Vialonga.

Alegou, em suma, factos tendentes a demonstrar a existência de um acidente de viação, em 09.06.2003, envolvendo três veículos, dois ligeiros de passageiros e um pesado de mercadorias que não tinha seguro válido e eficaz, seguindo a Autora como passageira transportada gratuitamente neste, e a concluir pela responsabilidade do condutor do pesado pela eclosão do sinistro.

Em conformidade, pediu que os Réus sejam condenados, solidariamente, a pagar-lhe a quantia de € 261.927,45, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data do acidente e até integral pagamento.

Tal quantia é o somatório das seguintes quantias:

a) € 600,00, pelas deslocações que fez de Vialonga a Lisboa para consultas e tratamentos, socorrendo-se de viaturas de familiares e amigos, que a transportavam e a quem ajudava a pagar a gasolina;

b) € 150,00 e € 500,00, valores, respetivamente, da roupa e calçado que trazia aquando do acidente e que ficaram danificados e de uma pulseira e de um anel ouro que então desapareceram;

c) € 210.677,45, a título de indemnização pela incapacidade de que ficou a padecer;

d) € 50.000,00, para ressarcimento de danos não patrimoniais traduzidos no quantum doloris, no dano estético, no prejuízo de afirmação pessoal e no desgosto inerente à sua condição física atual.

                                                           *

Citados, os RR. FGA e M (…) apresentaram os respetivos articulados de contestação, impugnando e concluindo pela improcedência da ação.

                                                           *

Em audiência prévia, convidou-se a Autora a aperfeiçoar a sua petição e determinou-se a citação da segurança social.

A Autora apresentou petição aperfeiçoada a fls. 297 e ss, reiterando o FGA a sua contestação a fls. 319.

O Instituto da Segurança Social, I.P., com sede na Avª Afonso Costa, Lisboa, deduziu pedido de reembolso contra os referidos três RR, pedindo a sua condenação solidária no pagamento da quantia de € 16.470,79, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação do pedido e até integral pagamento.

O FGA excecionou a sua ilegitimidade passiva para os termos do pedido de reembolso, tendo o ISS respondido a tal exceção.

                                                           *

Foi proferido despacho saneador, no qual se julgou o FGA parte ilegítima quanto ao pedido de reembolso, procedeu-se à delimitação do objeto do litígio e dos temas da prova, sem reclamações.

A Autora foi sujeito a perícia médico-legal, constando o respetivo relatório a fls. 465 e seguintes.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, dentro do formalismo legal (como se alcança da respectiva Ata), com discussão nela da prova documental e testemunhal apresentada pelas partes.

Veio, na sequência, a ser proferida sentença, na qual após identificação em “Relatório”, das partes e do litígio, se alinharam os factos provados e não provados, relativamente aos quais se apresentou a correspondente “Motivação”, após o que se considerou, em suma, que havia ficado provada a culpa única e exclusiva do condutor do veículo pesado “GZ” no qual a aqui A. era transportada (gratuitamente), sendo que, na medida em que esse veículo não tinha seguro válido ou eficaz à data do acidente, a responsabilidade indemnizatória compete solidariamente aos demandados RR. (sem prejuízo do valor da franquia de que goza o FGA), tendo-se de seguida procedido à ponderada apreciação e fixação dos danos patrimoniais e não patrimoniais reclamados pela A., assim se vindo a concluir pelo seguinte concreto “Dispositivo”:

«Destarte, e nos termos e com os fundamentos acima enunciados, o Tribunal decide:

A – Da Ação movida pela Autora T (…):

Julgar parcialmente procedente, por parcialmente provada, a presente ação e, consequentemente:

1.1. Condenam-se os Réus Fundo de Garantia Automóvel, F (…) – Transportes Internacionais, Lda., e M (…) a pagar à Autora, solidariamente, a quantia de € 79.700,72, a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal e que é atualmente de 4%, desde a citação e até integral pagamento;

1.2. Condenam-se os Réus F (…) Transportes Internacionais, Lda., e M (…) a pagar à Autora, solidariamente, a quantia de € 299,28, a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal e que é atualmente de 4%, desde a citação e até integral pagamento;

1.3. Condenam-se os Réus Fundo de Garantia Automóvel, F (…)Transportes Internacionais, Lda., e M (…) a pagar à Autora, solidariamente, a quantia de € 30.000,00, a título de ressarcimento de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal e que é atualmente de 4%, desde a presente data e até integral pagamento;

1.4. Absolvem-se os Réus Fundo de Garantia Automóvel, F(…) – Transportes Internacionais, Lda., e M (…) do que, no mais, foi contra si peticionado nestes autos;

1.5. Condenam-se a Autora e os Réus F (…)Transportes Internacionais, Lda., e M (…) nas custas processuais, na proporção dos respetivos decaimentos, sem prejuízo dos apoios judiciários concedidos nos autos e considerando-se que o Fundo de Garantia Automóvel delas está isento.

B – Do pedido de reembolso feito pelo Instituto da Segurança Social, I.P.:

Julgar integralmente procedente, por integralmente provado, o pedido de reembolso e, consequentemente:

1.1. Condenam-se os Réus F (…) Transportes Internacionais, Lda., e M (…) a pagar ao Demandante ISS, solidariamente, a quantia de € 16.470,79, acrescido de juros de mora, à taxa legal e que é atualmente de 4%, desde a notificação para contestar o pedido de reembolso e até integral pagamento.

1.2. Condenam-se os Réus F (…)– Transportes Internacionais, Lda., e M (…) nas custas processuais respeitantes a tal pedido de reembolso, atento o seu decaimento integral, sem prejuízo dos apoios judiciários concedidos nos autos.»

                                                           *

Inconformado, apresentou o Réu FGA recurso de apelação contra a mesma, cuja alegação finalizou com as seguintes conclusões:

(…)

                                                           *

Apresentou igualmente o Réu M (…) recurso de apelação, extraindo das respetivas alegações as seguintes conclusões:

(…)

                                                                              *

Por sua vez, apresentou a Autora recurso subordinado, que finalizou com as seguintes conclusões:

(…)

                                                                              *

            Finalmente, apresentou a mesma Autora as suas contra-alegações ao recurso do Réu FGA, que finalizou com as seguintes conclusões:

«(…)

                                                           *

            Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

                                                                       *

            2QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelos Recorrentes nas conclusões das suas alegações (arts. 635º, nº4 e 639º, ambos do n.C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608º, nº2, “in fine” do mesmo n.C.P.Civil), face ao que é possível detectar o seguinte:

a) recurso do Réu FGA

- incorrecto julgamento da matéria de direito, quanto aos montantes atribuídos na sentença a título de dano patrimonial (que devia ser do montante de € 57.211,04, em vez dos € 80.000,00 fixados na sentença), e não patrimonial (que devia ser do montante de € 27.717,88, em vez dos € 30.000,00 fixados na sentença);

b) recurso do Réu M (…)

- incorrecto julgamento da matéria de facto, que se traduziu na incorrecção das respostas dadas aos pontos “8.” e “9.” dos factos “provados” (relativamente aos quais reclama redacção parcialmente diversa), e bem assim quanto a dois dos factos “não provados” (correspondentes ao alegado nos arts. 9º e 12º da sua contestação, relativamente aos quais reclama que a resposta devia ter sido de “provado”, com inserção no elenco atinente);

- incorrecto julgamento da matéria de direito, quanto à presunção de culpa relativamente à sua pessoa (a qual não seria aplicável no caso vertente);

c) recurso subordinado da Autora

- incorrecto julgamento da matéria de direito, quanto aos montantes atribuídos na sentença a título de dano patrimonial (que devia ser do montante de € 125.000,00, em vez dos € 80.000,00 fixados na sentença), e não patrimonial (que devia ser do montante de € 50.000,00, em vez dos € 30.000,00 fixados na sentença)

                                                                       *

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

3.1 – Como ponto de partida, e tendo em vista o conhecimento dos factos, cumpre começar desde logo por enunciar o elenco factual que foi considerado/fixado como “provado” pelo tribunal a quo, ao que se seguirá o elenco dos factos que o mesmo tribunal considerou/decidiu que “não se provou”, sem olvidar que tal enunciação poderá ter um carácter “provisório”, na medida em que um dos recursos tem em vista a alteração parcial dessa factualidade.

Tendo presente esta circunstância, são os seguintes os factos que se consideraram provados no tribunal a quo:

1. No dia 09 de junho de 2003, pelas 15h 45m, ocorreram embates na Autoestrada A1, ao Km 127,875, na zona de Soutos, concelho de Leiria, que envolveram os seguintes veículos:

- o pesado de mercadorias de matrícula (...) GZ, propriedade da segunda Ré, “F (…)– Transportes Internacionais, Lda.” e conduzido pelo terceiro Réu, M (…);

- o ligeiro de passageiros de matrícula (...) KF, propriedade de M (…) e por ele conduzido, e

- o ligeiro de passageiros de matrícula (...) HI, propriedade de I (…) e pela mesma conduzido.

2. No local onde os embates ocorreram, a Autoestrada A1 é composta por quatro hemi-faixas de rodagem, sendo duas hemi-faixas destinadas ao trânsito que se processa no sentido norte/sul e duas outras destinadas ao trânsito que circula em sentido sul/norte, sendo os dois sentidos de trânsito separados por um separador central.

3. O traçado da Autoestrada no local do acidente desenvolve-se em reta, a qual apresenta uma inclinação ascendente no sentido sul-norte (subida) e descendente no sentido norte-sul (descida).

4. Aquando da ocorrência dos embates, era de dia, estava bom tempo e as condições de visibilidade eram boas.

5. A velocidade máxima permitida no local para o veículo de matrícula (...) GZ era de 90 Km/hora, atendendo a que o mesmo é um veículo pesado de mercadorias.

6. Os veículos (...) GZ e (...) KF circulavam no sentido norte/sul, circulando o GZ pela fila de trânsito da direita e o KF circulava pela fila de trânsito da esquerda.

7. Por seu turno, o veículo (...) HI circulava no sentido sul/norte.

8. O veículo (...) GZ circulava no momento do acidente a uma velocidade não apurada mas que não excederia os 100 Km/hora.

9. Ao Km 127,875, em circunstâncias não apuradas, o GZ invadiu a fila de trânsito da esquerda, atento o seu sentido de marcha.

10. O facto descrito no número anterior aconteceu preciso momento em que o KF se encontrava a ultrapassava o GZ, pelo que o GZ foi embater, com violência, no veículo KF.

11. Em consequência deste embate, o veículo pesado GZ tombou lateralmente e empurrou o KF para a esquerda, sendo que ambos, GZ e KF, em total desgoverno, embateram de imediato no separador central da Autoestrada, o qual transpuseram, indo invadir, abrutamente, as duas semi-faixas de trânsito da autoestrada destinadas ao trânsito no sentido no sentido sul/norte, onde seguia então o veículo HI, atravessando-se na frente deste último e cortando-lhe a linha de marcha.

12. A condutora do HI nada pôde fazer para evitar o embate que então se verificou entre o HI e o veículo GZ, que estava tombado e atravessado na sua frente.

13. A aqui Autora era, nas ditas circunstâncias de tempo, modo e lugar, passageira transportada gratuitamente no veículo GZ, no qual seguia sentada.

14. O 3º Réu, M (…), nas descritas circunstâncias, era empregado da segunda Ré, “F (…) Transportes Internacionais, Lda.”, e conduzia o GZ no exercício da sua atividade profissional de motorista, cumprindo ordens daquela ré, na execução de um serviço que lhe fora pela mesma ordenado.

15. Nas descritas circunstâncias de tempo, modo e lugar, o pesado de mercadorias de matrícula (...) GZ não beneficiava de qualquer contrato de seguro, válido e eficaz, mediante o qual estivesse transferida para alguma seguradora a responsabilidade civil decorrente de acidentes de viação em que fosse interveniente.

16. Em consequência dos descritos embates, a Autora sofreu:

– Traumatismo craneano com perda de conhecimento,

– Traumatismo do membro superior direito, com feridas inciso-contusas do cotovelo e antebraço,

– Traumatismo do membro inferior direito, com esfacelo gravedo terço inferior da perna,

– Fratura exposta do maleolo interno.

17. Imediatamente após o acidente, foi de ambulância para o Hospital de Leiria e daí transferida, no dia seguinte ao acidente, para o Serviço de Urgência do Hospital de São José, em Lisboa.

18. Durante o internamento foi operada:

– Por Ortopedia para osteosíntese do maleolo com 2 parafusos,

– Por Cirurgia Plástica e Reconstrutiva para sutura, limpeza e desbridamento das feridas dos membros superior e inferior direitos, e para enxertos vários.

19. Durante o internamento foi submetida a várias intervenções cirúrgicas no foro da Cirurgia Plástica e Reconstrutiva, para limpeza da ferida e enxertos vários.

20. A A. esteve internada no Hospital de São José, em Lisboa, entre 10 de junho e 10 de outubro de 2003.

21. Durante o internamento hospitalar sofreu dores, sendo que o quantum doloris é fixado no grau 5/7.

22. E, durante esse período de internamento padeceu de angústia, de uma forma quase permanente, por se sentir inutilizada, sem saber o que iria acontecer à sua perna direita.

23. Após a alta hospitalar, iniciou o regime de consultas externas e recuperação com fisioterapia, deambulando apenas com o auxílio de duas canadianas.

24. Foi submetida a tratamentos de fisioterapia nos Hospitais Civis de Lisboa durante vários meses, tratamentos esses que eram diários.

25. E durante todo esse período de tratamentos, particularmente em cada uma das sessões de fisioterapia, sofria dores, sendo que o quantum doloris é fixado no grau 5/7.

26. Para lá dos transtornos e incómodos próprios de uma deslocação diária de Vialonga a Lisboa, e regresso.

27. Em 24 de abril de 2004, quando ainda não podia dispensar as canadianas, foi-lhe dada alta na consulta externa, com indicação de que “nada mais haveria a fazer” e de que deveria voltar meses mais tarde para aferir da evolução clínica.

28. Apesar de se sentir então absolutamente incapaz de retomar as suas funções, de caminhar ainda com o auxílio de duas canadianas e de continuar a sentir fortes dores, apresentou-se em 26 de abril de 2004 na sua Entidade Patronal, a “C (...) S.A.”, para retomar o trabalho, uma vez que lhe havia sido dada alta na consulta externa de Ortopedia.

29. Foi nesse mesmo dia submetida a observação pelos Serviços de Medicina do Trabalho da sua Entidade Patronal, tendo o médico especialista em ortopedia diagnosticado que apresentava então artrose grave, grau IV, do tornozelo direito com queixas de anquilose

30. Pelo que foi sugerido por aquele clínico que fosse colocada provisoriamente noutras funções, até ser submetida a nova intervenção cirúrgica para artrodese do tornozelo, pois que não estava apta para a sua profissão habitual de “Motorista de Serviços Públicos”.

31. Face à decisão dos Serviços de Medicina do Trabalho da (...) , a A. foi afastada das suas funções e foi-lhe determinado pela sua Entidade Patronal que ficasse a aguardar que lhe fossem designadas novas funções;

32. Em virtude disso, a A. passou a apresentar-se todos os dias no Terminal da (...) , em Lisboa, onde ficava durante todo o período normal de trabalho “encostada a um canto”, absolutamente sem nada para fazer, e sem que nada lhe fosse ordenado, a não ser que teria de esperar que lhe encontrassem um trabalho que pudesse realizar.

33. Após duas semanas nesta situação, foi novamente observada pelos Serviços de Medicina do Trabalho, os quais determinaram que a Autora não estava em condições de prestar qualquer trabalho à «C (...) S.A.», pelo que lhe deram novamente baixa, com a indicação de que deveria retomar a sua recuperação.

34. Face à posição da sua Entidade Patronal, confirmada pelas dores que se mantinha e pela impossibilidade que sentia para trabalhar, sendo manifesto que desenvolvera artrose pós-traumática do tornozelo direito, voltou à consulta externa de Ortopedia dos Hospitais Civis de Lisboa.

35. Foi submetida a intervenção cirúrgica em 17 de novembro de 2004, para artrodese da tibio-társica direita (tibioastragalina e subastragalina).

36. Para tanto sofreu novo internamento, entre 16 e 22 de novembro de 2004.

37. Após esta cirurgia, a perna e pé direitos da A. foram de imediato engessados e permaneceu com a perna e pé imobilizados com gesso durante um período em que apenas andava com o auxílio de duas canadianas, auxílio que manteve até junho de 2005.

38. A data da consolidação médico-legal das lesões ocorreu em 01.08.2005, sendo o período de défice funcional temporário total de 130 dias; período de défice funcional temporário parcial de 655 dias; o período de repercussão temporária na atividade profissional total de 768 dias; e o período de repercussão temporária na atividade profissional parcial de 17 dias.

39. A A. apresenta atualmente, em consequência do acidente, as seguintes sequelas:

– Cicatriz distrófica de pequena extensão no cotovelo direito,

– Cicatriz distrófica de grande extensão – 12 cm – na perna e tíbio-társica direita, coberta por um enxerto de desbridamento,

– Artrodese da tíbio-társica, com pequeno ângulo de flexão plantar,

– Claudicação na deslocação por andamento,

Sendo o dano estético permanente fixado no grau 4/7.

40. Em função das sequelas de que é portadora, a A. apresenta um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixado em 13,55 pontos, sendo que as sequelas descritas são, em termos de repercussão permanente na atividade profissional, impeditivas do exercício da atividade profissional habitual, sendo no entanto compatíveis com outras profissões da área da sua preparação técnico-profissional.

41. Os Serviços de Medicina do Trabalho da «C (...) S.A.», em 06 de outubro de 2005 consideraram a Autora Definitivamente Incapaz para a sua função de Motorista de Serviços Públicos.

42. A Autora desempenhou posteriormente as funções de Arquivista num dos serviços administrativos da sua entidade patronal, encontrando-se agora numa situação de mobilidade, parada, à espera que lhe arranjem alguma função.

43. Tem dores, sendo que o quantum doloris é fixado no grau 5/7.

44. Não pode e não consegue caminhar por longas distâncias.

45. Não pode correr, nem sequer consegue esboçar uma corrida.

46. Ficou a claudicar.

47. A Autora nasceu no dia 05.06.1964.

48. À data do acidente era divorciada e vivia sozinha com um filho menor.

49. Durante o período de internamento hospitalar, a A. teve de entregar o seu filho a familiares, para que dele cuidassem.

50. Após as altas hospitalares, a A. regressou a casa sem poder desenvolver nenhuma das normais tarefas de uma “dona-de-casa”, pelo que teve de se socorrer de terceiros para a ajudarem.

51. Toda esta situação de afastamento do filho, de ter de o entregar a outrem para que dele cuidassem, de impossibilidade de desenvolver as tarefas do lar, da absoluta incapacidade de retomar a sua profissão, causou à Autora, desde a data do acidente e até à data da alta, um profundo desgosto e abatimento, frequentemente manifestado por grandes crises de choro, desgosto esse que se consolidou após a alta, quando a A. se viu declarada incapaz para o trabalho que anteriormente exercia e a claudicar com dores.

52. Até à data do acidente a A. era uma mulher saudável, alegre, cheia de vida e de vontade de viver.

53. Desempenhava as funções que ambicionava, como efetiva do quadro da (...) , pois que sempre “sonhara” ser motorista de autocarros, pelo que se sentia completamente realizada no seu trabalho.

54. Atualmente a A. é uma mulher triste e amargurada, e sem esperança no futuro, sentindo-se profissionalmente insatisfeita e com grande desgosto por coxear, por ter feias cicatrizes e por não poder fazer tudo aquilo que antes do acidente fazia.

55. Para lá de que as dores ao nível do tornozelo permanecem, são diárias, sendo o quantum doloris fixado no grau 5/7.

57. Por outro lado, nas funções que agora lhe foram atribuídas a A. não terá qualquer progressão na carreira profissional e viu, desde logo, a sua remuneração passar de uma retribuição ilíquida mensal de € 852,92 à data do acidente (1) (dos quais € 638,05 de remuneração base e o restante de: € 29,46 de diuturnidades, € 121,49 de subsídio agente único motorista, € 41,85 de subsídio de atividades complementares, € 17,81 de subsídio de horários irregulares e € 4,26 de abono de falhas), durante 14 meses por ano, para uma retribuição mensal ilíquida de € 861,30 em outubro de 2005 (dos quais € 667,08 de remuneração base, € 61,60 e € 132,62 de um único subsídio agente único motorista)

(1) sujeita aos descontos legais em vigor: T.S.U, de 11,5% e I.R.S. de 8,5%.

58. Perdeu o direito aos subsídios de Atividades Complementares, de Horários Irregulares e de Abono para Falhas.

59. E perdeu ainda a possibilidade de auferir prémios pelo bom desempenho profissional, pois que a sua Entidade Patronal atribui, e atribuía à data, prémios aos Motoristas que não apresentassem acidentes no seu currículo.

60. Receia poder vir a ser considerada “excedentária” pela sua Entidade Patronal e que lhe seja proposta a rescisão “amigável” do seu contrato de trabalho.

61. Durante o período em que efetuou fisioterapia, a A., residente em Vialonga, deslocou-se a Lisboa cinco vezes por semana.

62. Não podia utilizar transportes públicos, dada a sua condição física, pelo que teve de se socorrer de viaturas automóveis de familiares e amigos, que a transportavam.

64. O Instituto de Segurança Social, I.P., pagou a T..., entre 10.06.2003 e 25.04.2004, a quantia de € 6.484,23 e, entre 11.05.2004 e 01.08.2004, a quantia de € 9.494,98, a título de subsídio de doença, e subsídio de natal de 2004 no valor de € 491,58.

*

Sendo consignado o seguinte em termos de factos “não provados” pelo tribunal a quo:

«Do elenco dos factos controvertidos, não se provaram os factos acima não descritos e os factos contrários aos factos acima descritos.

Designadamente, e com interesse, não se provou:

- que o período em que a Autora frequentou a fisioterapia se prolongou até, concretamente, abril de 2004 – artº 34º da douta petição aperfeiçoada;

- que a Autora tenha estado com a perna e o pé direito imobilizados com gesso “até fevereiro de 2005” – artº 48º;

- que a Autora não consiga estar de pé durante mais de 5 minutos – artº 58º;

- que o filho menor da Autora tivesse então, exatamente, quatro anos de idade – artº 62º;

- que a Autora nunca tenha podido levantar-se ou andar durante os primeiros três meses de internamento – artsº 64º e 65º;

- que a Autora tenha ajudado a pagar a gasolina às pessoas que a transportaram à fisioterapia – artº 86º;

- que tenham ficado destruídas as roupas, o calçado e que tenha desaparecido o ouro que a mesma então levava – artsº 90º a 92º;

- que o acidente tenha resultado do rebentamento do pneu dianteiro esquerdo da viatura conduzida pelo Réu M (…) – artº 9º da sua douta contestação;

- que, no momento do acidente, tal Réu seguia atento à condução e bem desperto – artº 12º da mesma contestação.».

                                                                       *

3.2 – A primeira ordem de questões que com precedência lógica importa solucionar é a que se traduz na alegada incorrecção das respostas dadas aos pontos “8.” e “9.” dos factos “provados” (relativamente aos quais reclama redacção parcialmente diversa), e bem assim quanto a dois dos factos “não provados” (correspondentes ao alegado nos arts. 9º e 12º da sua contestação, relativamente aos quais reclama que a resposta devia ter sido de “provado”, com inserção no elenco atinente).

Começando, na linha da metodologia da alegação recursiva, pelos factos “provados”.

Efetivamente, dos ditos pontos de facto, que tinham o teor literal que se vai passar a reproduzir, reclama o Réu M (…) a seguinte concreta redacção:

«8. O veículo (...) GZ circulava no momento do acidente a uma velocidade não apurada mas que não excederia os 100 Km/hora.»

Redacção reclamada: «8. O veículo (...) GZ circulava no momento do acidente a uma velocidade inferior a 90 Km/hora.»

                                                           ¨¨

«9. Ao Km 127,875, em circunstâncias não apuradas, o GZ invadiu a fila de trânsito da esquerda, atento o seu sentido de marcha.»

Redacção reclamada: «9. Ao Km 127,875, o GZ entrou em despiste de forma totalmente imprevista e com uma violência tal que impossibilitou o seu condutor de a controlar, assim invadindo a fila de trânsito da esquerda, atento o seu sentido de marcha.»

                                                           ¨¨

(…)

Termos em que improcede globalmente esta pretensão do Réu M (…), isto é, tanto a que visava a alteração de redacção ao ponto “9.” dos factos “provados”, como a que pugnava no sentido de que dois dos factos “não provados” (correspondentes ao alegado nos arts. 9º e 12º da sua contestação) transitassem para os factos “provados” (os ditos aspectos do despiste da viatura pesada GZ ser única e concretamente motivado pelo “rebentamento do pneu dianteiro esquerdo da viatura”, pois que o condutor desta viatura GZ “seguia atento à condução e bem desperto”).  

                                                           *

            4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1 – questão do incorrecto julgamento da matéria de direito, quanto à presunção de culpa relativamente à pessoa do condutor do veículo pesado GZ, cuja aplicação não seria juridicamente compatível com o caso vertente (questão suscitada no recurso do Réu M (…)):

Deve-se subsequentemente dar precedência à apreciação e decisão desta questão, na medida em que, a ter ela procedência, tal se reflectiria nos aspectos da responsabilidade pelo acidente ajuizado, mormente sobre quem competiria o dever de indemnizar os danos reclamados pela Autora, o que deixaria de ter lugar no quadro da culpa (presumida) do condutor do veículo pesado GZ (como foi operado na sentença), para passar a ter lugar no quadro da responsabilidade objectiva (pelo risco), mormente em função do disposto no art. 506º do C.Civil… 

Decidindo então.

Sustenta este Réu/recorrente, em síntese, que a condenação do próprio com recurso a uma presunção de culpa, e na presença da uma quase ausência de alegação de matéria dirigida a fazer prova da sua culpa do condutor, quando a Autora (companheira do mesmo) era transportada gratuitamente na circunstância, “viola o principio da igualdade previsto no art.º 13.º da Constituição da Republica Portuguesa, na vertente da proporcionalidade, uma vez que coloca a parte que pode ser prejudicada pela presunção numa posição de desigualdade manifesta e insustentavel em termos de defesa”, termos em que conclui invocando “Mostra-se assim violado o disposto, nomeadamente, no art.º 503.º, do Código Civil, na interpretação segundo a qual é licito o recurso à presunção de culpa aí prevista, quando o beneficário seja transportado a titulo gratuito e lúdico e não desenvolva uma atividade processual adequada a culpa daquele que é o prejudicado pela presunção, alegando e trabalhando na respetiva prova, mostramdo-se igualmente violados os principios da cooperação e do ónus de alegação previstos nos art.º 5.º e 7.º do CPC”.

Que dizer?

Salvo o devido respeito, esta alegação desde logo ignora ostensivamente as regras de direito probatório material que vigoram quando há presunções legais.

Na verdade, prescreve muito claramente o art. 350º, nº1 do C.Civil, que “Quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz”.

Assim, se nos termos gerais da responsabilidade civil extra-contratual (domínio da presente ação) competia à Autora, enquanto lesada, a prova da culpa do demandado, enquanto facto constitutivo do seu direito (cf. art. 342º, nº1 do C.Civil), tal regra inverte-se nos casos de presunção legal (cf. art. 344º, nº1 do mesmo C.Civil).

Neste sentido e esclarecendo inapelavelmente a questão, preceitua o art. 487º, nº1 do C.Civil que “É ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa”.  

Ora é precisamente esta a situação que se verifica no caso vertente, tendo em conta o art. 503º, nº3 do C.Civil prescrever a presunção de culpa do motorista profissional por conta de outrem que circule no desempenho da sua atividade (situação do Réu M (…) invocada na p.i. e insofismavelmente apurada – cf. ponto de facto “ provado” sob “14.”).

Dito de forma breve: tendo em conta a invocada presunção legal de culpa do demandado motorista da viatura pesada GZ estava a Autora dispensada de alegar e provar a culpa efetiva do mesmo, face ao que competia ao próprio, isto é, na circunstância ao Réu aqui recorrente M (…), “provar que não houve culpa da sua parte” (cf. citado art. 503º, nº3 do Civil).

Este é o quadro normativo que rege para esta situação, sendo de interpretação unívoca e consensual, face ao que nos dispensamos de qualquer citação doutrinal ou jurisprudencial de apoio a uma tal linha de entendimento.

Ora se assim é, afigura-se como completamente desajustado invocar que a Autora não colaborou para o esclarecimento dos factos, senão mesmo que incumpriu com um dever de prova…

Donde, soçobra inapelavelmente esta questão recursiva, também enquanto fundamentada em alegada violação do princípio constitucional da igualdade (na vertente da proporcionalidade), relativamente ao qual, aliás, este Réu/recorrente M (…) não substanciou materialmente essa sua invocação.

                                                           *

4.2 – Do quantum indemnizatório correspondente aos danos patrimoniais (questão suscitada, em sentidos diferentes, no recurso do Réu FGA e no recurso subordinado da Autora).

Recorde-se que, a este título (dano patrimonial), a indemnização foi fixada na sentença no montante de € 80.000,00, pugnando o Réu FGA para que tal montante seja reduzido para € 57.211,04, e a Autora para que o mesmo seja aumentado para € 125.000,00.

Que dizer?

De referir que está neste particular em causa a indemnização a que a Autora tem direito a título de “perda permanente da capacidade de ganho”, invocando mais singelamente a Autora a “incapacidade de que ficou a padecer”.

Para o efeito, importa ter basicamente em consideração que “Em função das sequelas de que é portadora, a A. apresenta um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixado em 13,55 pontos, sendo que as sequelas descritas são, em termos de repercussão permanente na atividade profissional, impeditivas do exercício da atividade profissional habitual, sendo no entanto compatíveis com outras profissões da área da sua preparação técnico-profissional” (cf. facto “provado” sob “40.”).

A sentença recorrida fixou esse montante equitativamente, nos termos do disposto no artigo 566º nº 3 do C.Civil, no montante supra referido, depois de ter ensaiado o cálculo correspondente com base em fórmulas matemáticas usadas em alguns significativos arestos jurisprudenciais, com apoio nos quais chegou a um montante inicial de € 107.865,00 (tendo em conta uma taxa de juros de capital de 1,5%, sendo esse um valor que partia de um montante salarial ilíquido), face ao que numa ponderação final, o reduziu para os apontados € 80.000,00.

Para estes cálculos foi considerada a idade de 52 anos à data da prolação da sentença , a idade de 70 anos como limite da vida activa útil, sem prejuízo do valor da esperança média de vida igualmente aplicável, e sempre tendo como referência que “O rendimento mensal ilíquido que a Autora tinha, à data do acidente, era de € 852,92, auferido durante 14 meses, o que lhe confere o vencimento anual ilíquido de € 11.940,88”, que “segundo a declaração da sua entidade patronal, junta a fls. 38, o vencimento da Autora valor estava sujeito aos descontos legais em vigor: T.S.U, de 11,5% e I.R.S. de 8,5%”, e que, “Sendo o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixado em 13,55 pontos, a perda da capacidade de ganho no caso vertente cifra-se em € 115,57 ilíquidos mensais”.

Terá isso sido correcto?

Com relevância para este efeito, encontra-se apurado que:

- Em função das sequelas de que é portadora, a A. apresenta um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixado em 13,55 pontos, sendo que as sequelas descritas são, em termos de repercussão permanente na atividade profissional, impeditivas do exercício da atividade profissional habitual, sendo no entanto compatíveis com outras profissões da área da sua preparação técnico-profissional (cf. facto “provado” sob “40.”);

- Os Serviços de Medicina do Trabalho da «C (...) S.A.», em 06 de outubro de 2005 consideraram a Autora Definitivamente Incapaz para a sua função de Motorista de Serviços Públicos (cf. facto “provado sob “41.”);

- A Autora desempenhou posteriormente as funções de Arquivista num dos serviços administrativos da sua entidade patronal, encontrando-se agora numa situação de mobilidade, parada, à espera que lhe arranjem alguma função (cf. facto “provado” sob “42.”);

- Por outro lado, nas funções que agora lhe foram atribuídas a A. não terá qualquer progressão na carreira profissional e viu, desde logo, a sua remuneração passar de uma retribuição ilíquida mensal de € 852,92 à data do acidente (1) (dos quais € 638,05 de remuneração base e o restante de: € 29,46 de diuturnidades, € 121,49 de subsídio agente único motorista, € 41,85 de subsídio de atividades complementares, € 17,81 de subsídio de horários irregulares e € 4,26 de abono de falhas), durante 14 meses por ano, para uma retribuição mensal ilíquida de € 861,30 em outubro de 2005 (dos quais € 667,08 de remuneração base, € 61,60 e € 132,62 de um único subsídio agente único motorista) (1) sujeita aos descontos legais em vigor: T.S.U, de 11,5% e I.R.S. de 8,5%. (cf. facto “provado” sob “57.”);

- Perdeu o direito aos subsídios de Atividades Complementares, de Horários Irregulares e de Abono para Falhas (cf. facto “provado” sob “58.”);

- E perdeu ainda a possibilidade de auferir prémios pelo bom desempenho profissional, pois que a sua Entidade Patronal atribui, e atribuía à data, prémios aos Motoristas que não apresentassem acidentes no seu currículo (cf. facto “provado” sob “59.”);

- A Autora desempenhava à data do acidente as funções de motorista de autocarros, como efetiva do quadro da (...) (cf. facto “provado” sob “53.”);

- A Autora nasceu no dia 05.06.1964 (cf. facto “provado” sob “47.”);

- O acidente ocorreu em 09 de junho de 2003, a consolidação médico-legal das lesões foi fixada em 01.08.2005, e a sentença foi proferida em 04.11.2016 (cf. factos “provados” sob “1.”e “38.”, e fls. 537).

Vejamos então.

Consabidamente a indemnização por “dano patrimonial futuro” deve corresponder à quantificação da vantagem que, segundo o curso normal das coisas, ou de harmonia com as circunstâncias especiais do caso, o lesado teria obtido não fora a ação ou a omissão lesiva em causa, sendo certo que mesmo nas hipóteses em que a afetação da pessoa do ponto de vista funcional não se traduz em perda de rendimento de trabalho, deve todavia relevar o designado dano biológico, porque determinante de consequências negativas a nível da atividade geral do lesado.[2]

Contudo, importa que a avaliação autónoma deste dano seja acompanhada duma correta delimitação de realidades e conceitos, para que não haja sobreposições ou super-equações de danos (com indemnizações em duplicado, em triplicado ou até mesmo em quadruplicado).

E, na verdade, o apelo às linhas jurisprudenciais para o cálculo diferenciado de montantes indemnizatórios para este último efeito, invocadas na sentença recorrida, cobra mais plena e integral justificação quando se pretende, uma indemnização em dinheiro do dano futuro de incapacidade permanente, que haja de corresponder [como é entendimento jurisprudencial nesse particular] a um capital produtor do rendimento que a vítima não irá auferir, mas que se extinga no final do período provável da vida.

Tenha-se presente que quanto a esta concreta questão, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial[3], tal compensação do “dano biológico” tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança ou reconversão de emprego pelo lesado, enquanto fonte atual de possíveis e eventuais acréscimos patrimoniais, frustrada irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afetar, quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua atividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas; a perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediatamente refletida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando, de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha de profissão, eliminando ou restringindo seriamente qualquer mudança ou reconversão de emprego e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à disposição, erigindo-se, deste modo, em fonte atual de possíveis e futuros lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais.

O que cremos ter toda a pertinência num caso como o ajuizado em que a Autora se encontra definitivamente impossibilitada para o exercício futuro da atividade de Motorista (de Serviços Públicos), sendo certo que não obstante as sequelas de que é portadora serem “compatíveis com outras profissões da área da sua preparação técnico-profissional”, tal não invalida que tendo a Autora desempenhado posteriormente as funções de Arquivista num dos serviços administrativos da sua entidade patronal, o último dado apurado seja o de que se encontrava numa situação de mobilidade, parada, à espera que lhe arranjassem alguma função …

Sem embargo do vindo de dizer, na medida em que inequivocamente resultou para a aqui lesada uma “perda da capacidade de ganho”, e também uma “perda de capacidade de trabalho”, cremos que o mais curial e juridicamente correto é valorizar este dano a título do que se designa por “dano biológico”[4]

É efetivamente hoje comummente aceite que este dano integra uma categoria autónoma, cujo ressarcimento deve ser encontrado segundo critérios de equidade, conforme já foi sublinhado em douto aresto, de que se destaca o seguinte ponto: “A lesão do direito ao corpo e à saúde é, enquanto dano autónomo (dano biológico), fonte de obrigação de indemnização, independentemente de quaisquer consequências pecuniárias ou repercussões patrimoniais de qualquer natureza, cujo critério legal de fixação é a equidade”.[5]

Em todo o caso, quanto a nós, embora aderindo no essencial aos pressupostos em que assenta o critério da indemnização com referência ao tempo de provável vida ativa e da representação de um capital de rendimento, rejeita-se a aplicação automática das fórmulas matemáticas propostas (e que a pouco e pouco se têm vindo a complexificar[6]) para o cálculo “a se”, de um “dano biológico”, pois que essas fórmulas, para além de não serem infalíveis e de realização de justiça assegurada, acabam precisamente por ignorar o grande critério que a lei consagrou – o da equidade.

Ainda assim, como mera referência, caso se aplicasse a tabela referenciada no acórdão do STJ por último citado[7], havia que tomar em consideração quer a idade da própria, quer a idade da reforma, sem prejuízo dos dados da esperança de vida.

Ora, no caso da A., enquanto nascida em 05.06.1964, e considerando a data da consolidação médico-legal das lesões (fixada em 01.08.2005), teríamos uma vida ativa de 25 anos à data da prolação da sentença de 1ª instância[8] (a considerar-se que é de 66 anos e 3 meses a idade para aceder à Pensão de Velhice nos termos do Regime Geral – cfr. Portaria n.º 67/2016, de 1 de Abril, que introduziu algumas alterações no regime das pensões de velhice e invalidez do regime geral da segurança social constante do DL nº 187/2007, de 10 de Maio), mas se considerarmos como hoje é até mais razoável que a Autora, em vez de trabalhar até aos 66 anos e 3 meses, terá que o fazer até mais próximo dos 70 (já considerados na esmagadora maioria dos acórdãos proferidos pelo STJ), teríamos uma vida ativa de 29 anos.

Sendo certo que tal não conflitua com os dados da esperança de vida.  

Na verdade, quanto à esperança de vida, segundo os dados da Pordata referentes ao ano de 2016[9], com última atualização em 2016.05.30, tal é de 76,2 anos para o sexo masculino e de 82,2 anos para o sexo feminino, o que revertendo ao caso da A., enquanto nascida em 1964, nos dá uma esperança de vida para a mesma, também à data da prolação da sentença de 1ª instância, de mais 38 anos.

Para este efeito, começou por considerar a sentença recorrida – e bem! – o seguinte:

«O rendimento mensal ilíquido que a Autora tinha, à data do acidente, era de € 852,92, auferido durante 14 meses, o que lhe confere o vencimento anual ilíquido de € 11.940,88.

Segundo a declaração da sua entidade patronal, junta a fls. 38, o vencimento da Autora valor estava sujeito aos descontos legais em vigor: T.S.U, de 11,5% e I.R.S. de 8,5%.

Sendo o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixado em 13,55 pontos, a perda da capacidade de ganho no caso vertente cifra-se em € 115,57 ilíquidos mensais.»  

Tendo sido com base nesse valor que aí se concluiu que «a lesada deixou de obter um rendimento anual ilíquido de € 1.617,98 (€ 115,57 x 14)».   

Para depois expressar o seguinte raciocínio para obter o primeiro montante referencial:

«Tendo em atenção a tendência de descida dos juros de remuneração praticadas por instituições bancárias e financeiras (em alguns casos, já de 0%) considerar-se-á uma taxa de juros de capital que apenas em condições particularmente especiais pode ser de 1,5% e, utilizando-a, obtém-se um montante de € 107.865,00 (€ 1.617,98 x 100 : 1,5).»

Ora, se se seguisse o critério constante da dita tabela do acórdão do STJ de 04-12-2007[10], teríamos o seguinte resultado preliminar:

€ 11.940,88 x 19,18845 x 0,1355 = € 31.067,50

Porém, é preciso ter em conta que o valor resultante das fórmulas matemáticas ou tabelas financeiras dá-nos um valor estático, porque parte do pressuposto que o lesado não mais evoluiria na sua situação profissional; não conta com o aumento de produtividade; não inclui no cálculo um fator que contemple a tendência, pelo menos a médio e longo prazo, quanto à melhoria das condições de vida do país e da sociedade; não tem em consideração a tendência para o aumento da vida ativa para se atingir a reforma; não conta com a inflação; nem tem em conta o aumento da própria longevidade; daí que a utilização das fórmulas matemáticas, ou tabelas financeiras só possa servir para determinar o “minus” indemnizatório, o qual, terá posteriormente de ser corrigido com vários outros elementos, quer objetivos quer subjetivos, que possam conduzir a uma indemnização justa.

Por outro lado, uma taxa de juro de 3% num depósito a prazo – que foi o que foi usado como critério na dita fórmula do acórdão do STJ em referência – hoje em dia, não existe; e se pode existir em algumas aplicações especiais, elas sempre implicam permanência do capital, incompatível com o usufruir de uma quantia ao longo do tempo.

Acresce que este apontado critério opera em função de percentagens de incapacidade, o que, como é sabido, não tem que corresponder com os pontos de incapacidade [que actualmente constam da Tabela Nacional de Incapacidades Permanentes em Direito Civil e nas Portarias com os quadros dos valores orientadores para as indemnizações, a saber, a Portaria 377/2008, de 26/05 (atualizada pela Portaria 679/2009 de 25/06)], porquanto se trata de unidades de apreciação diversa.[11]

Enfim, estamos novamente reconduzidos ao valor e critério da equidade.

Não obstante o vindo de dizer, este último valor introduz um fator não despiciendo na baliza da ponderação que tem de ser feita.

Ao que também não pode ser estranho o valor reclamado pelo Réu FGA com base nos “critérios legais”. 

Temos presente que, como repetidamente tem observado o nosso mais alto Tribunal, o critério fundamental para a determinação judicial das indemnizações é fixado pelo Código Civil – a equidade – donde, os critérios seguidos pela Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio, com ou sem as alterações introduzidas pela Portaria nº 679/2009, de 25 de Junho, invocados pelo Réu FGA, «destinam-se expressamente a um âmbito de aplicação extra-judicial e, se podem ser ponderados pelo julgador, não se sobrepõem àquele».[12]

Sem embargo, no caso vertente entendemos que este último valor, a saber, o aduzido pelo Réu FGA – de € 57.211,04 – traduz muito mais a justa ponderação que importa fazer do caso.

Com efeito, não poderá deixar de se ter presente, como referência, o decidido pelo STJ em algumas decisões recentes, atribuindo valores desta ordem de grandeza para situações com grau de incapacidade aproximado e/ou com inegável paralelismo.[13]

Isto na medida em que, como se diz em outro douto aresto do STJ, «naturalmente que o recurso à equidade não afasta a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso[14]

Assim, em linha com todas as considerações já feitas, ainda que se trate de uma situação de incapacidade que se prolongará até ao final da vida da lesada (sendo que o fator do avanço na idade não a atenuará), igualmente importa ter presente que não obstante a Autora se encontrar definitivamente impossibilitada para o exercício futuro da atividade de Motorista (de Serviços Públicos), as sequelas de que é portadora são “compatíveis com outras profissões da área da sua preparação técnico-profissional”, o que, objetivamente, minimiza as suas perdas de capacidade de trabalho e de ganho, pelo que, importa concluir no sentido de que se reconhece justeza e equilíbrio, em geral, a um montante menos elevado que o fixado na sentença recorrida, isto é, em vez dos ditos € 80.000.00, mostra-se ajustado computar «ex aequo et bono» tal prejuízo em € 65.000,00 (art. 566º, nº 3, do C.Civil).

Consequentemente, improcede a pretensão indemnizatória da Autora reclamada nas alegações do recurso subordinado, a saber, de € 125.000,00 …

Sendo certo que improcede parcialmente, nos termos expostos, o suscitado pelo Réu FGA quanto a esta sub-questão.

                                                           *

4.3 – Do quantum indemnizatório correspondente ao dano não patrimonial (questão suscitada, em sentidos diferentes, no recurso do Réu FGA e no recurso subordinado da Autora):

Recorde-se que, a este título (dano não patrimonial), a indemnização foi fixada na sentença no montante de € 30.000,00, pugnando o Réu FGA para que tal montante seja reduzido para € 27.717,88, e a Autora para que o mesmo seja aumentado para € 50.000,00.

Assistirá materialmente razão a algum deles?

Cremos que quanto a estas categorias de danos, importa proceder a um mais compartimentado enquadramento e definição doutrinal.

Entre os chamados danos de natureza “não patrimonial” é efetivamente possível distinguir como significativos e mais importantes o chamado “quantum doloris” (que sintetiza as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária), o “dano estético” (que simboliza o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e de recuperação da vítima), o “prejuízo de afirmação pessoal” (dano indiferenciado, que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadíssimas vertentes – familiar, profissional, sexual, afetiva, recreativa, cultural, cívica), o “prejuízo da saúde geral e da longevidade” (aqui avultando o dano da dor e o défice de bem estar, em que se valoriza os danos irreversíveis na saúde e no bem estar da vítima e conta na expectativa da vida) e, finalmente, o “pretium juventutis” (que realça a especificidade da frustração do viver em pleno a primavera da vida).

Vejamos com o necessário detalhe e pormenor os factos efetivamente a relevar para este efeito:

«16. Em consequência dos descritos embates, a Autora sofreu:

– Traumatismo craneano com perda de conhecimento,

– Traumatismo do membro superior direito, com feridas inciso-contusas do cotovelo e antebraço,

– Traumatismo do membro inferior direito, com esfacelo gravedo terço inferior da perna,

– Fratura exposta do maleolo interno.

17. Imediatamente após o acidente, foi de ambulância para o Hospital de Leiria e daí transferida, no dia seguinte ao acidente, para o Serviço de Urgência do Hospital de São José, em Lisboa.

18. Durante o internamento foi operada:

– Por Ortopedia para osteosíntese do maleolo com 2 parafusos,

– Por Cirurgia Plástica e Reconstrutiva para sutura, limpeza e desbridamento das feridas dos membros superior e inferior direitos, e para enxertos vários.

19. Durante o internamento foi submetida a várias intervenções cirúrgicas no foro da Cirurgia Plástica e Reconstrutiva, para limpeza da ferida e enxertos vários.

20. A A. esteve internada no Hospital de São José, em Lisboa, entre 10 de junho e 10 de outubro de 2003.

21. Durante o internamento hospitalar sofreu dores, sendo que o quantum doloris é fixado no grau 5/7.

22. E, durante esse período de internamento padeceu de angústia, de uma forma quase permanente, por se sentir inutilizada, sem saber o que iria acontecer à sua perna direita.

23. Após a alta hospitalar, iniciou o regime de consultas externas e recuperação com fisioterapia, deambulando apenas com o auxílio de duas canadianas.

24. Foi submetida a tratamentos de fisioterapia nos Hospitais Civis de Lisboa durante vários meses, tratamentos esses que eram diários.

25. E durante todo esse período de tratamentos, particularmente em cada uma das sessões de fisioterapia, sofria dores, sendo que o quantum doloris é fixado no grau 5/7.

26. Para lá dos transtornos e incómodos próprios de uma deslocação diária de Vialonga a Lisboa, e regresso.

27. Em 24 de abril de 2004, quando ainda não podia dispensar as canadianas, foi-lhe dada alta na consulta externa, com indicação de que “nada mais haveria a fazer” e de que deveria voltar meses mais tarde para aferir da evolução clínica.

28. Apesar de se sentir então absolutamente incapaz de retomar as suas funções, de caminhar ainda com o auxílio de duas canadianas e de continuar a sentir fortes dores, apresentou-se em 26 de abril de 2004 na sua Entidade Patronal, a “C (...) S.A.”, para retomar o trabalho, uma vez que lhe havia sido dada alta na consulta externa de Ortopedia.

29. Foi nesse mesmo dia submetida a observação pelos Serviços de Medicina do Trabalho da sua Entidade Patronal, tendo o médico especialista em ortopedia diagnosticado que apresentava então artrose grave, grau IV, do tornozelo direito com queixas de anquilose

30. Pelo que foi sugerido por aquele clínico que fosse colocada provisoriamente noutras funções, até ser submetida a nova intervenção cirúrgica para artrodese do tornozelo, pois que não estava apta para a sua profissão habitual de “Motorista de Serviços Públicos”.

31. Face à decisão dos Serviços de Medicina do Trabalho da (...) , a A. foi afastada das suas funções e foi-lhe determinado pela sua Entidade Patronal que ficasse a aguardar que lhe fossem designadas novas funções;

32. Em virtude disso, a A. passou a apresentar-se todos os dias no Terminal da (...) , em Lisboa, onde ficava durante todo o período normal de trabalho “encostada a um canto”, absolutamente sem nada para fazer, e sem que nada lhe fosse ordenado, a não ser que teria de esperar que lhe encontrassem um trabalho que pudesse realizar.

33. Após duas semanas nesta situação, foi novamente observada pelos Serviços de Medicina do Trabalho, os quais determinaram que a Autora não estava em condições de prestar qualquer trabalho à «C (...) S.A.», pelo que lhe deram novamente baixa, com a indicação de que deveria retomar a sua recuperação.

34. Face à posição da sua Entidade Patronal, confirmada pelas dores que se mantinha e pela impossibilidade que sentia para trabalhar, sendo manifesto que desenvolvera artrose pós-traumática do tornozelo direito, voltou à consulta externa de Ortopedia dos Hospitais Civis de Lisboa.

35. Foi submetida a intervenção cirúrgica em 17 de novembro de 2004, para artrodese da tibio-társica direita (tibioastragalina e subastragalina).

36. Para tanto sofreu novo internamento, entre 16 e 22 de novembro de 2004.

37. Após esta cirurgia, a perna e pé direitos da A. foram de imediato engessados e permaneceu com a perna e pé imobilizados com gesso durante um período em que apenas andava com o auxílio de duas canadianas, auxílio que manteve até junho de 2005.

38. A data da consolidação médico-legal das lesões ocorreu em 01.08.2005, sendo o período de défice funcional temporário total de 130 dias; período de défice funcional temporário parcial de 655 dias; o período de repercussão temporária na atividade profissional total de 768 dias; e o período de repercussão temporária na atividade profissional parcial de 17 dias.

39. A A. apresenta atualmente, em consequência do acidente, as seguintes sequelas:

– Cicatriz distrófica de pequena extensão no cotovelo direito,

– Cicatriz distrófica de grande extensão – 12 cm – na perna e tíbio-társica direita, coberta por um enxerto de desbridamento,

– Artrodese da tíbio-társica, com pequeno ângulo de flexão plantar,

– Claudicação na deslocação por andamento,

Sendo o dano estético permanente fixado no grau 4/7.

40. Em função das sequelas de que é portadora, a A. apresenta um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixado em 13,55 pontos, sendo que as sequelas descritas são, em termos de repercussão permanente na atividade profissional, impeditivas do exercício da atividade profissional habitual, sendo no entanto compatíveis com outras profissões da área da sua preparação técnico-profissional.

41. Os Serviços de Medicina do Trabalho da «C (...) S.A.», em 06 de outubro de 2005 consideraram a Autora Definitivamente Incapaz para a sua função de Motorista de Serviços Públicos.

42. A Autora desempenhou posteriormente as funções de Arquivista num dos serviços administrativos da sua entidade patronal, encontrando-se agora numa situação de mobilidade, parada, à espera que lhe arranjem alguma função.

43. Tem dores, sendo que o quantum doloris é fixado no grau 5/7.

44. Não pode e não consegue caminhar por longas distâncias.

45. Não pode correr, nem sequer consegue esboçar uma corrida.

46. Ficou a claudicar.

47. A Autora nasceu no dia 05.06.1964.

48. À data do acidente era divorciada e vivia sozinha com um filho menor.

49. Durante o período de internamento hospitalar, a A. teve de entregar o seu filho a familiares, para que dele cuidassem.

50. Após as altas hospitalares, a A. regressou a casa sem poder desenvolver nenhuma das normais tarefas de uma “dona-de-casa”, pelo que teve de se socorrer de terceiros para a ajudarem.

51. Toda esta situação de afastamento do filho, de ter de o entregar a outrem para que dele cuidassem, de impossibilidade de desenvolver as tarefas do lar, da absoluta incapacidade de retomar a sua profissão, causou à Autora, desde a data do acidente e até à data da alta, um profundo desgosto e abatimento, frequentemente manifestado por grandes crises de choro, desgosto esse que se consolidou após a alta, quando a A. se viu declarada incapaz para o trabalho que anteriormente exercia e a claudicar com dores.

52. Até à data do acidente a A. era uma mulher saudável, alegre, cheia de vida e de vontade de viver.

53. Desempenhava as funções que ambicionava, como efetiva do quadro da (...) , pois que sempre “sonhara” ser motorista de autocarros, pelo que se sentia completamente realizada no seu trabalho.

54. Atualmente a A. é uma mulher triste e amargurada, e sem esperança no futuro, sentindo-se profissionalmente insatisfeita e com grande desgosto por coxear, por ter feias cicatrizes e por não poder fazer tudo aquilo que antes do acidente fazia.

55. Para lá de que as dores ao nível do tornozelo permanecem, são diárias, sendo o quantum doloris fixado no grau 5/7.

57. Por outro lado, nas funções que agora lhe foram atribuídas a A. não terá qualquer progressão na carreira profissional e viu, desde logo, a sua remuneração passar de uma retribuição ilíquida mensal de € 852,92 à data do acidente (1) (dos quais € 638,05 de remuneração base e o restante de: € 29,46 de diuturnidades, € 121,49 de subsídio agente único motorista, € 41,85 de subsídio de atividades complementares, € 17,81 de subsídio de horários irregulares e € 4,26 de abono de falhas), durante 14 meses por ano, para uma retribuição mensal ilíquida de € 861,30 em outubro de 2005 (dos quais € 667,08 de remuneração base, € 61,60 e € 132,62 de um único subsídio agente único motorista)

(1) sujeita aos descontos legais em vigor: T.S.U, de 11,5% e I.R.S. de 8,5%.

58. Perdeu o direito aos subsídios de Atividades Complementares, de Horários Irregulares e de Abono para Falhas.

59. E perdeu ainda a possibilidade de auferir prémios pelo bom desempenho profissional, pois que a sua Entidade Patronal atribui, e atribuía à data, prémios aos Motoristas que não apresentassem acidentes no seu currículo.

60. Receia poder vir a ser considerada “excedentária” pela sua Entidade Patronal e que lhe seja proposta a rescisão “amigável” do seu contrato de trabalho.

61. Durante o período em que efetuou fisioterapia, a A., residente em Vialonga, deslocou-se a Lisboa cinco vezes por semana.

62. Não podia utilizar transportes públicos, dada a sua condição física, pelo que teve de se socorrer de viaturas automóveis de familiares e amigos, que a transportavam.»    

Ora, face a este conspecto fáctico, a liminar conclusão que importa retirar é a de que apenas alguns dos referidos e consagrados componentes do dano não patrimonial se expressam, no caso vertente – mas ainda assim em dose relevante – tendo em conta a especificidade dos danos não patrimoniais sofridos pela lesada [consegue-se discernir com relevância danos em todas as apontadas vertentes, ainda que minimizada no tocante á ultima delas, o “pretium juventutis”], acrescendo, ainda, os constrangimentos pessoais decorrentes da assistência médica e hospitalar mas também do subsequente repouso doméstico, dores associadas e consequentes às duas intervenções cirúrgicas a que foi submetida, incómodos da perda funcional e constrangimentos pessoais de nível psicossomático, é certo que tudo com natural reflexo direto no bem estar geral.

Consabidamente, no que toca à indemnização de danos não patrimoniais, temos o disposto no artigo 496º, nº 1 do C.Civil que dispõe que “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”, face ao que são irrelevantes, designadamente, os pequenos incómodos ou contrariedades, assim como os sofrimentos ou desgostos que resultam de uma sensibilidade anómala.

Na verdade, a doutrina e a jurisprudência, quase unanimemente, fazem uma interpretação concretizadora desta postulada “gravidade”, limitando a indemnização àqueles casos que tenham efetiva relevância ética e moral por ofenderem profundamente a personalidade física ou moral, designadamente as ofensas à honra, à reputação, à liberdade pessoal, à integridade física e saúde, e aos demais direitos de personalidade.[15]

Assim, não serão indemnizáveis os simples incómodos ou pequenos desgostos, sendo, no entanto, objeto de reparação aqueles danos morais naturais cuja reparação pecuniária se destina a compensar, embora indiretamente, os sofrimentos físicos, morais e desgostos e que, por serem factos notórios, não necessitam de ser alegados nem quesitados, mas só pedidos[16].

Temos então que a gravidade do dano mede-se por um padrão objetivo, embora atendendo às particularidades de cada caso, e não à luz de fatores subjetivos, como uma sensibilidade exacerbada ou requintada, e tudo segundo critérios de equidade, devendo ter-se ainda em conta a comparação com situações análogas decididas em outras decisões judiciais e que a indemnização a arbitrar tem uma natureza mista: a de compensar esses danos e a de reprovar ou castigar, no plano civilístico, a conduta do agente.[17]

Importa também ter presente que a quantia devida por estes danos não tem por fim «a reconstrução da situação anterior ao acidente, mas principalmente compensar o autor, na medida do possível das dores e incómodos que suportou e se mantém como resultado da situação para que o acidente o arrastou, e deve a mesma ser calculada pondo em confronto a situação patrimonial do lesado (real) e a que teria se não tivessem existido danos»[18], jurisprudência esta que se mantém atual conforme as inúmeras decisões que se podem consultar a propósito no caderno de “jurisprudência temática” disponível no sítio do STJ.[19]

Por outro lado, o montante da indemnização a atribuir é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º do mesmo C.Civil, sendo certo que este dispositivo estabelece uma limitação da indemnização no caso de mera culpa ou negligência referindo que a indemnização poderá ser fixada em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que “o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem”.

Revertendo estas considerações para o caso ajuizado, não pode considerar-se que os danos sofridos pela lesada em causa se traduzam em meros transtornos, incómodos ou preocupações, mas sim danos com suficiente gravidade para, de acordo com as circunstâncias em que se verificaram, merecerem a tutela do direito.

Ora, à luz dos supra referenciados elementos de facto, se nos socorrermos do constante da Portaria 377/2008, de 26 de Maio[20], constata-se que sob a epígrafe de “danos morais complementares”, se estatui sob o art. 4º que, além dos direitos indemnizatórios previstos no artigo anterior, o lesado tem ainda direito a ser indemnizado por danos morais complementares, autonomamente, nos termos previstos no anexo I da mesma Portaria, nas seguintes situações:

- por cada dia de internamento hospitalar;

- pelo dano estético;

- pelo quantum doloris;

- quando resulte para o lesado uma incapacidade permanente absoluta para a prática de toda e qualquer profissão ou da sua profissão habitual;

- quando resulte para o lesado uma incapacidade permanente que lhe exija esforços acrescidos no desempenho da sua actividade profissional habitual;

- quando resulte uma incapacidade permanente absoluta para o lesado que, pela sua idade, ainda não tenha ingressado no mercado de trabalho e por isso não tenha direito à indemnização prevista na alínea a) do artigo anterior.

Assim e se atentarmos no anexo I da citada Portaria 377/2008[21], temos, de acordo com a factualidade provada e apenas se considerando os parâmetros que estejam verificados:

– pelo internamento: no caso da lesada esteve esta internada durante 4 meses (1º internamento) e 7 dias (2º internamento), donde um valor a considerar, à razão entre € 20,52/dia e € 30,78/dia, nunca inferior a € 2.606,04.

– pelo dano estético (grau 4), até € 4.104,00;

– pelo quantum doloris (grau 5), até € 1.641,60;

– pela repercussão na vida laboral, até € 15.390,00;

Ou seja, era admissível, apenas, por estes itens, um valor superior a € 20.000,00!

Por outro lado, salvo o devido respeito, tendo sido na sentença fixado o montante indemnizatório a este título em € 30.000,00, não cobra grande sentido o recurso do Réu FGA, enquanto estribado num valor de € 27.717,88…, pois que se trata, afinal, de valores muito aproximados e dentro da mesma baliza.

Sendo certo que – e como de resto já se referiu – as tabelas a que se vem fazendo referência servem de guia orientador, sendo que, em sentido contrário ao que vinha defendendo a esmagadora maioria da nossa jurisprudência, parece ter existido o propósito de nivelar por baixo todas as indemnizações, quando estão em causa pequenas incapacidades.

Aliás, como se escreve no relatório que precede a publicação da Portaria n.º 377/2008, “o objectivo da portaria não é a fixação definitiva de valores indemnizatórios mas, nos termos do n.º 3 do artigo 39.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, o estabelecimento de um conjunto de regras e princípios que permita agilizar a apresentação de propostas razoáveis, possibilitando ainda que a autoridade de supervisão possa avaliar, com grande objectividade, a razoabilidade das propostas apresentadas”.

 Ao invés, a esta luz, já não se pode considerar justo e equitativo o valor reclamado pela Autora no seu recurso subordinado, de € 50.000,00!

Regressando ao caso vertente, ninguém pode duvidar que a assistência médica e hospitalar prestada à lesada (tratamentos a que foi submetida por força do sinistro), constituíram causa inequívoca para um relevante sofrimento físico e psicológico.

Sendo certo que o desgosto de se ver com a perna e tíbio-társica direitas ostentando relevantes cicatrizes, senão mesmo a perna “desfigurada”, igualmente configura um dano permanente.

Acresce ainda o apurado condicionamento – ao nível da autonomia pessoal – para a realização dos atos inerentes a qualquer atividade profissional, para além do referente à realização dos atos correntes da vida diária, familiar e social.

Temos presente que o lesado tinha direito a uma compensação adequada às sequelas decorrentes do sinistro que sempre o afetarão, sendo para esse fim que deve servir o constante aumento dos prémios dos seguros.

Efetivamente, assim tem decidido o Supremo Tribunal de Justiça, como lapidarmente pode ver-se no seguinte sumário de um seu recente acórdão: “I - O objectivo essencial do aumento continuado e regular dos prémios de seguro que tem ocorrido em Portugal no âmbito do seguro obrigatório de responsabilidade civil por acidentes de viação não é o de garantir às companhias seguradoras a obtenção de lucros desproporcionados, mas antes o de, em primeira linha, assegurar aos lesados indemnizações adequadas”.[22]

Isto é, o critério e a justiça que se procura é a das “indemnizações adequadas

Em arestos recentes do Supremo Tribunal de Justiça, quer numa situação em que o lesado ficou com incapacidade permanente, carecendo doravante de auxílio de terceira pessoa, quer numa outra situação em que houve um período de internamento hospitalar efetivo, para além de incapacidade permanente, quer ainda numa situação de 7 pontos de incapacidade mas sem afectação da capacidade e do exercício da actividade profissional habitual, fixou-se nos dois primeiros a indemnização pelos danos não patrimoniais no montante equitativo de € 10.000,00, e no último em € 20.000,00.[23]

Portanto, situações objetivamente com gravidade, ainda que de menor relevo à ajuizada, na qual, recorde-se, ainda houve, para além do défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 13,55 pontos, um dano estético permanente, para além de um relevante prejuízo de afirmação pessoal, como é a claudicação na deslocação por andamento…  

Obviamente que com a indemnização aqui em causa não se pretendia fazer desaparecer o prejuízo, concreta ou abstratamente, considerado, eliminando-o na sua própria materialidade ou substituindo-o por um equivalente da mesma natureza, mas sim proporcionar à lesada meios económicos suscetíveis de lhe propiciarem alguma satisfação e que, de algum modo, a compensem do desgosto sofrido.

O que tudo serve para dizer que o montante reclamado pela Autora no recurso subordinado se encontra claramente acima do que vem sendo praticado pela atual Jurisprudência, particularmente a dos Tribunais Superiores.

Tudo ponderado, e tendo sempre em consideração que o tribunal há-de decidir segundo a equidade, tomando em consideração a culpabilidade do agente, aqui igualmente Réu/recorrente M (…) (de culpa presumida), a situação económica dos demandados e da lesada[24], a idade desta (39 anos à data do acidente) e as demais circunstâncias do caso, bem como as exigências do princípio da igualdade, entende-se ser de manter no preciso montante de € 30.000,00 – objecto da sentença recorrida – a indemnização a pagar pelos RR. à Autora a título de indemnização por danos não patrimoniais, quantia esta que não destoa da jurisprudência mais recente dos nossos Tribunais Superiores.

Improcede assim quanto a este particular o suscitado quer pelo Réu FGA, quer pela Autora.

                                                           *

            Desta forma conclui-se, a final, pela revogação apenas parcial da sentença proferida na 1ª instância, isto é, apenas no particular da indemnização a título de danos patrimoniais, a qual fica reduzida de € 80.000,00 para € 65.000,00, em tudo o demais se mantendo a sentença de 1ª instância, no que se inclui a franquia aplicável à condenação do Réu FGA, com a correspondente aplicação àquele novo montante, o que se traduz na parcial procedência do recurso deste mesmo Réu FGA.

            Sendo certo que improcederam totalmente os recursos do Réu M (…) e o da Autora.  

                                                                       *

5 – SÍNTESE CONCLUSIVA

I – Não são de adotar fórmulas puristas que levem a determinar matematicamente, e de forma abstrata e mecânica, os montantes indemnizatórios, antes estes só devem relevar como mero instrumento de trabalho, com função adjuvante da avaliação equitativa, principalmente quando está em causa um dano a indemnizar ao Autor/recorrente como dano patrimonial futuro, por forma englobante no contexto do “dano biológico”.

II – O critério fundamental para a determinação judicial das indemnizações é fixado pelo Código Civil – a equidade – donde, no que respeita aos critérios seguidos pela Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio, com ou sem as alterações introduzidas pela Portaria nº 679/2009, de 25 de Junho, deve-se entender que se destinam expressamente a um âmbito de aplicação extra-judicial e, se podem ser ponderados pelo julgador, não se sobrepõem àquele.

III – Sem embargo, o recurso à equidade não afasta a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso.

IV – Na compensação por danos não patrimoniais, o tribunal há-de igualmente decidir segundo a equidade, tomando em consideração a culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso, bem como as exigências do princípio da igualdade.

                                                                       *

6 - DISPOSITIVO

            Pelo exposto, acordam a final em dar apenas parcial procedência à apelação do Réu FGA, alterando-se o montante indemnizatório constante da sentença recorrida a título de danos patrimoniais da Autora, o qual se fixa agora em € 65.000,00 (sessenta e cinco mil euros), em tudo o demais se mantendo a sentença de 1ª instância, no que se inclui a franquia aplicável à condenação do Réu FGA, com a correspondente aplicação àquele novo montante.  

Custas da acção e dos recursos principais pela Autora e pelos RR., na proporção dos seus decaimentos.

Custas do recurso subordinado pela Autora.

                                                                       *

Coimbra, 6 de Junho de 2017

 

Luís Filipe Cravo ( Relator )

Fernando Monteiro

António Carvalho Martins


[1] Relator: Des. Luís Cravo
  1º Adjunto: Des. Fernando Monteiro
  2º Adjunto: Des. Carvalho Martins
[2] Nesta linha de entendimento vide o acórdão do S.T.J. de 04.05.2010, no proc. nº 1288/03.0TBLSD.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[3] Na verdade, há quem defenda – cremos que minoritariamente – que o ressarcimento do denominado “dano biológico” deve ser feito em sede de dano não patrimonial, casuisticamente, verificando se a lesão origina, no futuro, durante o período activo do lesado ou da sua vida e, só por si, uma perda da capacidade de ganho ou se traduz, apenas, uma afectação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, para além do agravamento natural resultante da idade, entendendo-se ainda que a mera necessidade de um maior dispêndio de esforço e de energia, mais traduz um sofrimento psico-somático do que, propriamente, um dano patrimonial; desenvolvendo e explicitando esta segunda perspectiva, afirma-se que nem sempre é concretamente previsível que determinada IPP, sobretudo de reduzido grau (inferior a 10 % ou a 5 %), seja adequada a determinar consequências negativas ao nível da actividade geral do lesado ou a reflectir-se, ainda que de modo indirecto, no desempenho da sua actividade profissional ou a implicar, para o mesmo, uma maior dificuldade ou esforço no exercício de actividades profissionais ou da vida quotidiana, pelo que nem sempre será possível sustentar a consideração do dano biológico como de cariz patrimonial para fundamentar a procedência do pedido de indemnização a título de danos patrimoniais futuros, esgotando-se a sua valoração e ressarcimento em sede de dano não patrimonial - cf., neste sentido, os acórdãos do STJ de 20-01-2010, no proc. nº 203/99.9TBVRL.P1.S1 e o de 13-04-2010, no proc. nº 4028/06.9TBVIS.C1.S1, ambos acessíveis em www.dgsi.pt/jstj; desenvolvendo largamente esta problemática e propendendo para esta segunda perspetiva, cf., ainda, o acórdão do STJ de 20-01-2011, no proc. nº 520/04.8GAVNF.P2.S1, igualmente acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[4] E na circunstância a dever ser valorado como “dano patrimonial futuro”.
[5] Citámos o Ac. do T.R.Coimbra de 06.03.2012, no proc. nº 1679/04.0TBPBL.C1, consultável em www.dgsi.pt/jtrc.  
[6] Dando nota de uma tal situação e da dificuldade em que se encontra colocado o julgador (e o intérprete do direito em geral) e intentando contrariá-la, através da sugestão para a utilização de uma tabela de cálculo mais simplificada, que para o efeito é fornecida no mesmo, veja-se o acórdão do STJ de 04-12-2007, correspondente ao proc. nº 07A3836, acessível in www.dgsi.pt/jstj.
[7] Cf. nota [16] antecedente.
[8] Isto é, o dia 04.11.2016, enquanto sendo a data do “encerramento da discussão”, cf. o art. 611º, nº1 do n.C.P.Civil.
[9] Cf. sítio www.pordata.pt.
[10] Melhor identificado e referenciado supra nas notas [16] e [17], sendo certo que o factor 19,18845 é o correspondente a 29 anos de vida ativa.
[11] cfr. JOAQUIM JOSÉ DE SOUSA DINIS, “Avaliação e reparação do dano patrimonial e não patrimonial (no domínio do Direito Civil)”, in Revista Portuguesa do Dano Corporal, Ano XVIII, n.º 19, a págs. 60.
[12] Assim, inter alia, o acórdão do STJ de 7 de Julho de 2009, no proc. nº 205/07.3GTLRA.C1, acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[13] No acórdão do STJ de 26-01-2017, no proc. nº 1862/13.7TBGDM.P1.S1, à Autora/lesada, com 29 anos de idade à data do acidente, e que ficou com uma incapacidade de 13 pontos, foi-lhe fixada uma indemnização pelo dano biológico em € 70 000,00; no acórdão do STJ de 04-06-2015, no proc. nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1, à Autora/lesada, com 17 anos de idade à data do acidente, e que ficou com uma incapacidade de 16,9 pontos, foi-lhe fixada uma indemnização pelos danos patrimoniais futuros em € 55 000,00.
[14] Trata-se do acórdão de 24-9-09, no proc. nº 09B0037, acessível em www.dgsi.pt/jstj.

[15] Cf. ANTUNES VARELA, in “Das Obrigações em Geral”, Volume I, a págs 572 e VAZ SERRA, in “Reparação do Dano Não Patrimonial”, BMJ 83.º, a págs. 69;  na jurisprudência, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 12 de Outubro de 1973, in BMJ 230.º, a págs.107e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 26 de Junho de 1991, in BMJ 408.º, a págs. 538.

[16] Neste sentido VAZ SERRA, in “Revista de Legislação e Jurisprudência”, anos 105.º e 108.º, página 37 e segs. e 223; também com pertinência neste particular, vide CAPELO DE SOUSA, in “O Direito Geral de Personalidade”, a págs. 555.
[17] Conforme desde há muito vem decidindo o Supremo Tribunal de Justiça, como se extrai, inter alia, do Ac. do STJ, de 30.10.96, in BMJ 460.º, a págs. 444.
[18] Cfr. Ac. do STJ de 26.01.94 in CJSTJ, Tomo I, a págs. 65 e de 16.12.93, in CJSTJ, Tomo III, a págs.181.
[19] Inter alia, Ac. STJ de 19-05-2009, no Proc. n.º 298/06.0TBSJM.S1, acessível em www.dgsi.pt/stj.

[20] Através da qual se fixaram, como já antes referenciado, “os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal”.
[21] De referir que foi entretanto publicada a Portaria nº 679/2009 de 25 de Junho, que cuidou de proceder à revisão/atualização legalmente prevista na Portaria em referência.
[22] Citámos o Ac. STJ de 05-07-2007, Revista n.º 1734/07 - 6.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt/jstj.

[23] Cf. os acórdãos do STJ de 31-05-2012, no proc. nº 1145/07.1TVLSB.L1.S1, o de 28-06-2012, na Revista n.º 1692/05.0TBMCN.P1.S1, e o de 6-10-2016, no proc. nº 1043/12.7TBPTL.G1.S1, todos eles acessíveis em www.dgsi.pt/jstj.
[24] Sendo que apenas a desta última é efetivamente, ainda que somente em parte, conhecida...