Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2448/16.0T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE MANUEL LOUREIRO
Descritores: PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO
EXCLUSÃO DA INTERRUPÇÃO
Data do Acordão: 05/25/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO DO TRABALHO DE LEIRIA – J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 323º/2 DO C. CIVIL; 337º/1 DO CT/2009
Sumário: I – A exclusão da interrupção da prescrição prevista no artº 323º/2 do C. Civil só ocorre nos casos em que o autor tenha infringido objetivamente a lei, em qualquer termo processual, após o requerimento para citação e até à verificação desta, daí decorrendo o retardamento da citação para lá do prazo de cinco dias previsto nessa norma.

II – A exclusão do benefício não opera se o retardamento da citação foi determinado por razões ligadas à organização do sistema judicial (férias judiciais), sendo certo que o mesmo sempre se verificaria ainda que não ocorressem os vícios procedimentais apontados ao autor na primeira decisão judicial proferida no processo que, ao invés de ordenar a citação, determinou a sanação daqueles vícios.

III – A interrupção da prescrição prevista no artº 323º/2 C.Civil opera ao sexto dia subsequente ao da propositura da ação, incluindo este, sem necessidade de que na petição inicial se requeira expressamente a citação do devedor.

Decisão Texto Integral:




Acordam na 6.ª secção social do Tribunal da Relação de Coimbra

I – Relatório

Os autores propuseram contra a ré a presente acção com a forma de processo comum e emergente de contrato de trabalho, pedindo a condenação da ré a satisfazer-lhes os créditos emergentes de contratos de trabalho que melhor identificam e quantificam na petição.
Alegaram, em resumo, que tendo sido trabalhadores da ré, resolveram com justa causa subjectiva para o efeito, os contratos de trabalho, sendo que desses contratos e das suas cessações emergiram para os autores os créditos melhor identificados e quantificados na petição.
Citada, contestou a ré, sendo que, na parte com relevo para efeitos desta decisão, excepcionou a prescrição dos créditos invocados pelos autores.
No despacho saneador, julgou-se procedente a excepção de prescrição e absolveu-se a ré dos pedidos formulados pelos autores.
Não se conformando com o assim decidido, apelaram os autores, rematando as correspondentes alegações com as conclusões seguidamente transcritas:
A)
A Sentença recorrida dispõe que “ Assim, os AA ao interporem a acção no dia 31.07.2017 não só o fizeram sem se assegurar que a citação poderia ser realizada nos 5 dias posteriores, dado que não requereram a citação prévia sendo que a acção foi interposta em período de férias judiciais, no qual não se realizam actos senão urgentes, como omitiram atos essenciais para que pudesse concretizar a citação do réu em prazo útil após o início do ano judicial.
Assim, apenas por negligência dos AA se pode imputar o facto de não ser possível a citação da Ré atempadamente, pelo que se afasta a presunção legal e se julga procedente a exceção invocada pela Ré na contestação, mais absolvendo a Ré do pedido”
B)
Conforme se irá demonstrar, não só não se verificam preenchidos os requisitos atinentes à verificação da excepção peremptória de prescrição, como igualmente não se verifica qualquer negligência por parte dos Autores.
C)
Vem a Ré alegar, em sede de contestação que os créditos reclamados pelos Autores na sua petição Inicial, já haviam prescrito à data da sua citação, nos termos do art.º 337.º CPC.
D)
Alega ainda a Ré que pese embora os Autores tenham instaurado a presente ação em 31.07.2016, os mesmos não requereram a citação urgente da Ré, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 561.º CPC, a Ré apenas foi citada a 29.11.2016, ou seja, cerca de quatro meses após a data de entrada da ação.
E)
Mas e desde logo, analisemos toda a tramitação processual do presente processo.
F)
Os Autores deram entrada da Petição Inicial no dia 31.07.2016, tendo os mesmos sido notificados para a Primeira Audiência de Partes no dia 24/11/2016.
G)
A Audiência de Partes realizou-se no dia 05/12/2016, na qual não esteve presente a Ré, uma vez que se frustrou a sua citação.
H)
Sendo de referir que no presente processo foram agendadas 9 (NOVE) Audiências de Parte, tendo-se realizado 6 (Seis), nas quais nunca a Ré esteve presente, ao contrário dos Autores, que sempre estiveram presentes, através da sua I. Mandatária.
I)
Verificou-se no presente processo uma inatividade, morosidade de todas as diligências necessárias com vista ao normal prosseguimento da acção, Sendo ainda de referir que os Autores, TUDO fizeram para que todo o processado pudesse ser célere,
J)
Tendo fornecido todas as informações necessárias ao Douto Tribunal Recorrido para que o mesmo pudesse citar de forma célere, a Ré, em Janeiro, Março e Junho de 2017, sem que nada tivesse sido feito por parte do Douto Tribunal recorrido
K)
Aqui chegados convém desde já esclarecer que tanto Autores como Ré se encontravam em Julgamento, no âmbito do processo n.º 14724/16.7T8SNT que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo do Trabalho de Sintra - Juiz 2
L)
Julgamento esse que teve 06 Audiências para Discussão e Julgamento, tendo por diversas vezes sido junto requerimento ao presente processo, dando conhecimento, não apenas da marcação da Audiência para Discussão e Julgamento,
M)
Como tendo sido efectuado requerimento a fornecer moradas quer do legal representante da Ré, como inclusive do próprio Mandatário, tendo-se no entanto verificado uma inércia por parte do Douto Tribunal Recorrido, com vista a uma célere citação da Ré,
N)
Levando-nos a concluir que estamos aqui perante uma violação clara do disposto nos artigos 4.º e 6.º do Código de Processo Civil, uma vez que a Ré apenas foi citada mais de um ano após a entrada da acção, sem que nunca a Ré tivesse alterado a sua sede social, sócios, ou até I. Mandatário
O)
Tendo existido uma claríssima, violação do princípio da igualdade entre as partes: “O tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais.”
P)
Não tendo, por seu lado sido feito uso do principio da cognição, previsto no art.º 5.º Código Processo Civil, uma vez que, e repetimos, nunca fizeram uso da informação fornecida por parte dos Autores,
Q)
Nunca foi sequer solicitado ao Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste – Sintra, que procedessem à citação da Ré, mesmo quando os Autores, informaram o Douto Tribunal Recorrido que a Ré se fez sempre representar pelo seu legal representante,
R)
Levando a uma clara violação do n.º 4 do art.º 20.º Constituição da República Portuguesa: “Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.”
S)
Bem como do n.º 1 do art.º 6.º do Código de Processo Civil: “Cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável”.
T)
Mas foquemos nos no ponto principal da Douta Sentença Recorrida, ou seja, a alegada prescrição alegada pela Ré.
U)
De acordo com as Alegações da Ré, quanto à excepção da prescrição, alega a mesma que a presente acção não foi interposta com uma antecedência mínima de 5 dias face à data da consumação do prazo prescricional, não tendo sequer sido pedida a citação da Ré.
V)
Decidiu o Douto Tribunal Recorrido que “ Assim, os AA ao interporem a acção no dia 31.07.2017 não só o fizeram sem se assegurar que a citação poderia ser realizada nos 5 dias posteriores, dado que não requereram a citação prévia sendo que a acção foi interposta em período de férias judiciais, no qual não se realizam actos senão urgentes, como omitiram atos essenciais para que pudesse concretizar a citação do réu em prazo útil após o início do ano judicial.”
X)
Contudo, e com todo o devido respeito, não andou bem o Tribunal Recorrido com tal Sentença, pois conforme podemos ler: “Contando-se o prazo a partir do dia da entrada da petição inicial, o prazo de 5 dias previsto no art.º 323.º n.º 2 do Código Civil iniciar-se-ia no dia 01.08.2016 e completar-se-ia às 24:00 do dia 06.08.2016, data em que já se havia completado o prazo de prescrição”.
Y)
Ora, matematicamente falando, iniciando-se a contagem do prazo no dia 01.08.2016 o quinto dia ocorre às 24:00 o dia 05.08.2016, e não no dia 06.08.2016, conforme mencionado na Douta Sentença, logo, ainda não se encontravam prescritos os direitos dos Autores, uma vez que os mesmos apenas prescreveriam no dia 06.08.2016,
Z)
Assim, como se pode verificar no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo n.º 117/14.4 TTLRS.L1-4, relator Paula Santos, de 16.03.2016, www.dgsi.pt : “Nos termos do artigo 337º nº1 do CT “O crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.” (sic)”,
AA)
Verificamos que a figura da prescrição é vista como uma forma de extinção da obrigação, perpetrada pelo decurso do tempo, fazendo cessar a exercitabilidade destes mesmos direitos
BB)
Os créditos laborais são imprescritíveis na vigência da relação de trabalho, fixando a lei como termo inicial do prazo prescritivo o dia seguinte à data em que cessou o contrato de trabalho.
CC)
Refere ainda o Acórdão acima citado: “O art. 323º nº1 do C.Civil, que se refere à interrupção da prescrição promovida por qualquer titular[5], determina que “A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.
2-Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.” (sic)”
DD)
Importa por analisar a situação concreta da presente acção, e determinar se a propositura da mesma cumpriu os requisitos que subjazem à interrupção da prescrição, face ao disposto no art. 323º nº1 do Código Civil, ou seja, decorridos cinco dias a partir dessa data da propositura da acção.
EE)
A presente acção deu entrada em juízo em 31.07.2016, pelo que de acordo com a alínea b) do art.º 279º do Código Civil “a contagem de qualquer prazo não se inclui o dia, nem a hora, se o prazo for de horas, em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr,”
FF)
E assim sendo, e dado que a lei considera a prescrição interrompida logo que decorram os cinco dias, apenas às 24.00 horas do 5º dia se dá a interrupção, ou seja, tendo a acção entrado em juízo no dia 31.07.2016, iniciando-se o prazo dos cinco dias apenas no dia 01.08.2016, esses cinco dias decorreram às 24 horas do dia 06.08.2016.
GG)
Sendo ainda de referir que a figura da citação urgente, atendendo às alterações legislativas que se têm vindo a verificar, com a tramitação electrónica dos autos, tem vindo a perder a sua razão de ser,
HH)
Tanto mais que da própria letra da lei, no seu art.º 561.º Código Processo Civil, podemos verificar a falta de imperatividade na mesma, por parte do Autor:
“1 - O juiz pode, a requerimento do autor, e caso o considere justificado, determinar que a citação seja urgente.
2 - A citação declarada urgente tem prioridade sobre as restantes, nomeadamente no que respeita à realização de diligências realizadas pela secretaria nos termos do artigo seguinte.”
II)
Podendo a citação urgente ser considerada como uma faculdade do próprio Juiz, uma vez que a própria lei considera que “O juiz pode, (…), determinar que a citação seja urgente”, podendo fazê-lo, por requerimento, ou mesmo oficiosamente.
JJ)
Sendo igualmente omissa a Lei no que concerne à imperatividade de o Juiz aceder ao pedido formulado pelos Autores, quanto ao pedido de citação urgente.
KK)
Assim, como se pode verificar no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo n.º 872/11.3TTLSB.L1-4, relator JOSÉ EDUARDO SAPATEIRO, de 27.06.2012, www.dgsi.pt: “Quando o legislador estipula que «Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida….», afigura-se-nos que pretende afirmar o seguinte: se uma dada ação, logo após ter dado entrada em juízo, aí estiver pendente durante cinco dias sem ter a parte demandada sido citada, o prazo prescricional que estiver a decorrer considera-se interrompido no sexto dia.”
LL)
Mas refere ainda o referido Acórdão que : “Não se ignora que o Autor – como bem refere a Ré na sua contestação - não requereu expressamente a citação da recorrida no final da sua petição inicial mas tal irregularidade não tem qualquer relevância no julgamento da presente questão, não só porque a citação do réu não depende, em regra, da formulação do correspondente pedido, decorrendo antes e em termos obrigatórios da lei, como se pode interpretar o articulado inicial do Apelante no sentido de, através da sua mera apresentação em tribunal, estar a requerer, de forma implícita, a concretização do aludido ato judicial.”
MM)
Sendo ainda de considerar que na Sentença Recorrida, não é, porque não pode ser defensável a aplicação a situações como a dos autos do disposto no art.º 279.º Código Civil, ex vi artigo 295.º Código Civil, pois não só o artigo 323.º, número 2, do Código de Processo Civil é absolutamente claro no que afirma,
NN)
Como pode integrar, na nossa opinião, na sua contagem de 5 dias, o próprio dia da propositura da ação/pedido de citação, sendo de concluir que o facto de os Autores não terem requerido a Citação urgente da Ré não acarreta quaisquer consequências jurídicas para os mesmos.
Não foram produzidas contra-alegações.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - Principais questões a decidir

Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei 41/2013, de 26/6 – NCPC – aplicável “ex-vi” do art. 87º/1 do Código de Processo do Trabalho – CPT), integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, é a seguinte a única questão a decidir: saber se ocorreu a prescrição dos créditos invocados pelos autores.

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III – Fundamentação

A) De facto

Os autores e a ré estão de acordo em que os contratos de trabalho entre os primeiros e a segunda cessaram em 4/8/2015 (arts. 6.º, 19.º, 32.º, 45.º, 58.º e 71.º da petição inicial e art. 2º da contestação).
A petição inicial deu entrada em juízo, via Citius, no dia 31/7/2016.
O processo foi concluso, pela primeira vez, em 16/9/2016, tendo sido ordenada a notificação dos autores para juntarem alguns documentos em falta, de entre os referidos na petição, e procurações outorgadas por eles a favor da mandatária subscritora da petição.
Após resposta dos autores a tal despacho, satisfazendo o nele ordenado, a primeira carta para citação da ré foi expedida em 29/11/2016.
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B) De direito

Questão única: saber se ocorreu a prescrição dos créditos invocados pelos autores.

O crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.” – art. 337º/1 do CT/09.
Como assim, iniciou-se em 5/8/2015 o prazo de prescrição de um ano dos créditos a que os autores se arrogam.
Esse prazo esgotou-se às 24 horas do dia 5/8/2016.
Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.” – art. 323º/2 do CT/09.
A significar que a interrupção da prescrição opera ao sexto dia[1] subsequente ao da proposição da acção, incluindo este[2], sem necessidade de que na petição inicial se requeira expressamente a citação do devedor[3], pois que: i) a citação do réu numa acção não depende, em regra, da formulação de qualquer pedido nesse sentido, sendo antes um acto processual legalmente imposto[4]; ii) ao apresentar em juízo uma petição inicial e como simples efeito dessa apresentação, o autor está a requerer, ao menos de modo implícito, a citação do réu para o exercício do correspondente contraditório.
A presente acção ingressou em juízo no dia 31 de Julho de 2016, correspondendo o sexto dia subsequente ao dia 5/8/2016.
Como assim, a interrupção da prescrição subjacente ao estatuído no art. 323º/2 do CC operou às 00.01h do próprio dia em que, às 24h, se esgotaria do prazo de prescrição, razão pela qual esta não operou.
Tudo está agora em saber se a falta de realização da citação não ficou a dever-se a causa imputável ao requerente, com o consequente afastamento da interrupção ficcionada no citado art. 323º/2 do CC.
Segundo o decidido pelo STJ no seu acórdão de 14/5/2002, proferido no processo 02A1159, só pode usufruir do benefício decorrente do nº 2 do citado art 323º o demandante que não tenha adjectivamente contribuído para que a citação se não tenha realizado no aludido prazo de 5 dias; ao invés, se o retardamento lhe for imputável, não pode usufruir de tal benefício, devendo atender-se, antes, à data efectiva de citação.
A expressão causa não imputável ao requerente deve interpretar-se em termos de causalidade objectiva, a significar que a conduta do demandante exclui a interrupção da prescrição apenas nos casos em que tenha infringido objectivamente a lei, em qualquer termo processual, até à verificação da citação, daí decorrendo o retardamento desta para lá do aludido prazo de cinco dias.
Isto é, o benefício ora em questão não pode ser concedido nos casos em que a conduta do demandante tenha envolvido qualquer violação culposa de normas procedimentais ou adjectivas, radicando nessa infracção objectiva – ou também nela[5] – a causa do retardamento da citação para lá dos 5 dias referidos no art. 323º/2 CC, com a consequente preclusão do benefício em apreciação, não sendo de exigir ao autor qualquer diligência excepcional.
Importa não perder de vista, igualmente, que a conduta do autor relevante para os efeitos em análise é, apenas, a que tenha lugar após a apresentação da petição/requerimento de citação[6].
No caso em apreço, a decisão recorrida convoca, para efeito de imputar aos autores o retardamento da citação excludente do benefício do art. 323º/2 do CC, a falta de junção de alguns documentos invocados na petição inicial e a falta de procurações outorgadas pelos autores a favor da mandatária subscritora da petição inicial.
Não estão em causa, assim e como era suposto acontecer nos termos e para os efeitos do art. 323º/2 do CC, comportamentos activos ou omissivos do autor posteriores à apresentação da petição e que, por algum modo, tenham retardado a citação.
Além disso, é preciso não perder de vista que a presente acção ingressou em juízo no dia 31/7/2016, logo em pleno período das férias judiciais compreendidas entre 16/7/2016 e 31/7/2016 (art. 38º da Lei 62/2013, de 26/8).
A presente acção não era de natureza urgente (art. 26º/1 do CPT, a contrario), sendo que, por isso e por não ter sido requerida[7] citação urgente, a mesma não podia ser movimentada, como não foi, em férias judiciais (art. 137º/1 do NCPC), acabando a acção por ser movimentada e conclusa pela primeira vez em 16/9/2016.
A significar que mesmo que não se registassem os vícios invocados na decisão recorrida, o certo é que jamais poderia ter sido ordenada no presente processo, por impedimento legal decorrente do citado art. 137º/1 do NCPC, a realização da citação da ré em termos da mesma poder ser realizada até ao dia 5/8/2016, pois que a citação da ré só poderia fazer-se após a designação da audiência de partes (art. 54º/3 do CPT), sendo que a designação desta exige despacho judicial proferido nesse sentido (art. 54º/2 do CPT), o qual, como visto, não poderia ser proferido, por não estar e causa acção urgente, antes de ser retomada, em 1/9/2016, a actividade normal dos tribunais judiciais.
Também por isso tem de se concluir no sentido de que o retardamento da citação para lá dos cinco dias referidos no art. 323º/2 do CC não pode objectivamente imputar-se a qualquer comportamento adjectivamente culposo dos autores, mas sim a razões ligadas à organização do sistema judicial que sempre determinariam aquele retardamento mesmo que não tivessem ocorrido os vícios convocados na decisão recorrida para efeitos de se afastar o benefício interruptivo da prescrição que temos vindo a considerar[8].
Ora, a ratio legis ou finalidade do citado art. 323º/2 do CC tem subjacente uma pretensão legal de “… defender o credor contra a negligência do tribunal ou do funcionário, o dolo do devedor, a acumulação de serviço, a entrada em férias judiciais, ou outras circunstâncias anómalas do juízo.”  - Antunes Varela/Miguel Bezerra/Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 1985, p. 276.
Não existe, pois, nexo de causalidade/imputação objectiva entre o retardamento da citação para lá de 5/8/2016, por um lado, e qualquer comportamento processualmente reprovável dos autores posterior à apresentação da petição, por outro lado.
Consequentemente, não pode ser afastada a interrupção da prescrição determinada pelo art. 323º/2 do CC.
Não pode subsistir, assim, a decisão recorrida.


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IV- DECISÃO


Acordam os juízes que integram a sexta secção social do Tribunal da Relação de Coimbra no sentido de julgar a apelação procedente, revogando-se a decisão recorrida e julgando-se improcedente a excepção de prescrição invocada pela ré, devendo os autos prosseguir os seus termos subsequentes, se outras causas a tanto não obstarem.
Custas pela ré.
Coimbra, 25/5/2018
 
........................................
(Jorge Manuel Loureiro)

..........................
(Paula Maria Roberto)


........................
(Ramalho Pinto)


[1] Neste sentido, acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 27/6/2012, proferido na apelação 872/11.3TTLSB.L1-4, de 17/1/2007, proferido na apelação 9401/2006-4, de 22/10/2003, proferido na apelação 4533/2003-4.
[2] Neste sentido, acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27/6/2012, proferido na apelação 872/11.3TTLSB.L1-4
[3] Neste sentido, acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27/6/2012, proferido na apelação 872/11.3TTLSB.L1-4
[4] De notar que só a citação urgente é que está dependente de requerimento nesse sentido (art. 561º do NCPC), incumbindo à secretaria providenciar pela citação do réu (arts. 562º e 226º/1 do NCPC).
Por outro lado, em acções comuns do foro laboral como a presente, a citação do réu decorre processualmente da designação da audiência de partes (art. 54º/2/3 do CPT), mesmo que não tenha sido expressamente requerida pelo autor.
[5] No sentido de que o contributo objectivo do autor para o retardamento da citação, ainda que conjugado com outros factores de retardamento, exclui o benefício do art. 323º/2 do CC, pode consultar-se o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16/10/2017, proferido no processo 3432/14.3TBVNG-A.P1.
[6] Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum À Luz do Código Revisto, Coimbra Editora, 2011, p. 74, nota 29, acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 12/9/2009, proferido no processo 9253/06.0YYPRT-A.G1, acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13/6/2006, proferido no processo 471/06, acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13/1/2009, proferido no processo 9584/2008-1, acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 15/2/2018, proferido no processo 2048/16.4T8STR.E1.
[7] De modo inteiramente facultativo e sem qualquer relevância para efeitos de verificação da prescrição ora em questão – acórdãos do STJ de 19/12/2012, proferido no processo 3134/07.7TTLSB.L1.S1, e de 14/1/2009, proferido no processo 08S2060,  acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 18/9/2007, proferido no processo 1785/07-2.
[8] No sentido de que o retardamento da citação por razões ligadas às férias judiciais não pode ter-se por imputável ao autor para efeitos do art. 323º/2 do NCPC, pode consultar-se, a título de exemplo, os acórdãos do STJ de 19/12/2012, proferido no processo 3134/07.7TTLSB.L1.S1, de 14/1/2009, proferido no processo 2060/08, acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 29/10/2015, proferido no processo 11077/14, acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 12/9/2014, proferido no processo 01843/12.8BEPRT, acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 15/2/2018, proferido no processo 2048/16.4T8STR.E1, Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, I vol., 2.ª edição, pp.238/239.