Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
119/14.0PFCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALCINA DA COSTA RIBEIRO
Descritores: PROCESSO SUMÁRIO
SENTENÇA
NULIDADE DA SENTENÇA
Data do Acordão: 02/04/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (INSTÂNCIA LOCAL – SECÇÃO CRIMINAL - J2)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: DECLARAÇÃO DE NULIDADE
Legislação Nacional: ART. 389.º, N.º 5, DO CPP
Sumário: No âmbito de processo sumário, padece de nulidade a “sentença” onde apenas consta, reduzido a escrito, o dispositivo, com imposição a arguido de pena privativa da liberdade.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em Conferência na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I. RELATÓRIO

1. Por sentença datada de 25 de Julho de 2014, foi condenado o arguido, A... , m. id. nos autos, pela prática, como autor material, de um crime de condução de veiculo sem habilitação legal, previsto e punido pelo art. 3º, nº 1 e  2, do Decreto Lei nº 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de  dezoito meses de prisão.

2. Inconformado com a condenação apenas no que respeita à pena aplicada, interpôs o arguido o presente recurso, formulando as conclusões que a seguir se sintetizam:

1ª. A pena concretamente aplicada ao arguido – 18 meses de prisão – mostra-se desajustada perante a ilicitude e o dolo verificados no caso concreto.

2ª. Deverá a sentença recorrida ser substituída por outra, que reduza a medida concreta da pena para prisão inferior a doze meses.

3ª .Tendo em conta as circunstâncias da prática do facto e a personalidade e condição de vida do arguido, nomeadamente, a sua situação familiar e profissional, entende-se, salvo melhor opinião, que é de suspender a pena de prisão concretamente aplicada, ou qualquer outra que se entenda como adequada por período a fixar por V. Exas. com regime de prova.

4ª. O Tribunal a quo deveria ter substituído a pena de prisão por outra pena não detentiva, seja de prestação de trabalho a favor da comunidade, seja de multa, nos termos dos art.s 58~º e 43º, do Código Penal.

5ª. Por outro, sendo aplicado ao arguido pena de prisão não superior a 12 meses, esta deveria ser cumprida em regime de permanência na habitação, nos termos do art. 44º, do Código Penal.

3 – Em primeira instância, o Ministério Público respondeu à Motivação de Recurso, como consta a fls. 52 e 53, concluindo pela improcedência do recurso.

4 – Nesta Relação, o Digno Procurador-Geral Adjunto, no parecer de fls. 60 e 61, defende a manutenção da decisão recorrida.

5 – Cumprido o disposto no art. 417º, nº 2, do Código de Processo Penal e colhidos os vistos legais, nada obsta ao conhecimento de mérito.

 

II – QUESTÕES A DECIDIR

Antes de se conhecerem as questões suscitada pelo recorrente - a determinação da medida concreta da pena e à possibilidade da sua substituição por pena não detentiva – há que apreciar se a condenação do arguido em pena de prisão, em processo sumário, legitima a prolação oral de sentença e na negativa, quais as consequências legais.

 III – FUNDAMENTAÇÃO

Neste processo sumário, foi o recorrente julgado e condenado -  por ter praticado em 25 de Julho de 2014, um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo art. 3º, nº 2, do Decreto-Lei nº 2/98, de 3 de Janeiro - na pena de 18 meses de prisão, através de sentença oral, cuja documentação ficou registada através do sistema integrado de gravação digital.

Como é sabido, uma das alterações inovadoras ao Código de Processo Penal levada a acabo pela Lei 26/2010, de 30 de Agosto, incidiu no regime de elaboração de sentença, em processo sumário e abreviado.

«A sentença, proferida oralmente, deixa de ser ditada para a acta, passando a ser gravada em suporte digital, contendo os seguintes elementos essenciais: factos provados e não provados, exame crítico conciso da prova, motivação concisa de facto e de direito e, em caso de condenação, fundamentação da sanção, concluindo-se com o dispositivo.

Face à gravação, apenas o dispositivo é ditado para a acta. Para assegurar integralmente os direitos de defesa, é entregue uma cópia da gravação aos sujeitos processuais, no prazo máximo de 48 horas.

A sentença é escrita apenas nos casos de aplicação de pena privativa da liberdade ou, excepcionalmente, se as circunstâncias do caso o justificarem[1]».

O art. 389º A, do Código de Processo Penal deu corpo àquela intenção legislativa,  permitindo, no seu nº 1, a prolação oral da sentença e exigindo, no nº 5, a elaboração de sentença escrita  e a respectiva leitura, quando  for aplicada pena privativa da liberdade ou quando as circunstâncias do caso o tornarem necessário.

Ou seja, finda a fase da discussão da causa, o juiz formula interiormente a sua decisão. Se optar pela condenação do arguido em pena privativa de liberdade, elaborará a sentença escrita e procederá à sua leitura. Se decidir pela condenação em pena não detentiva, então, a sentença não é reduzida a escrito (excepto, se as circunstâncias do que o exigirem), sendo logo proferida oralmente.

Em qualquer dos casos, a sentença deve conter, sob pena de nulidade [art. 379º, nº 1, al. a), e 389º A, nº 1, al. a) a d), do Código de Processo Penal]:

a) A indicação sumária dos factos provados e não provados, que pode ser feita por remissão para a acusação e contestação, com indicação e exame crítico sucintos das provas;

b) A exposição concisa dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão;

c) Em caso de condenação, os fundamentos sucintos que presidiram à escolha e medida da sanção aplicada;

d) O dispositivo, nos termos previstos nas alíneas a) a d) do n.º 3 do artigo 374.º

A elaboração escrita da sentença com a respectiva leitura assenta na exigência de uma maior ponderação, quando se trate de casos que, muito embora, sejam julgados em processo sumário, assumem alguma complexidade que não se coaduna com a prolação verbal da sentença.

Não podemos esquecer que a celeridade processual – um dos valores subjacentes a todo o processo -  não se pode sobrepor à ponderação de uma decisão e à respectiva fundamentação, muito menos quando esteja em causa, a condenação de uma pessoa em pena de prisão efectiva.

  Vale isto para dizer que, mesmo em processo sumário, sempre que seja aplicada uma pena privativa de liberdade, a sentença deve, obrigatoriamente, ser elaborada por escrito e proceder-se à sua leitura.

No caso concreto, inexistem dúvidas que a sentença recorrida violou esta regra.

Aqui chegados, importa, agora, qualificar juridicamente este vício, conhecendo-se a divergência jurisprudencial já formada.

Para uns[2], a prolação oral da sentença, quando deveria ser escrita, consubstancia a inexistência jurídica, com os seguintes fundamentos:

A sentença oral prefigura-se sempre como uma sentença inexequível, nos termos do art. 468º, al. b), do Código de Processo Penal.

Dizer-se que uma decisão judicial é inexequível é algo de qualitativamente diverso da nulidade, desde logo porque o acto nulo, ainda que de nulidade insanável se trate, tem de ser declarado como tal, sendo que, enquanto não for declarada nulo, produz efeitos jurídicos (cf. proémio do art. 119º e art. 122º, nº 2). Já a inexistência, por força da própria configuração do vício, impõe os seus efeitos independentemente de prévio reconhecimento nesse sentido.

Ora, uma sentença oral que condena em pena privativa de liberdade não é exequível, independentemente de qualquer prévia declaração judicial.

E não o é, porque ainda que exista de facto – existirá uma decisão gravada em suporte magnético e um dispositivo reduzido a escrito – não existe no domínio do jurídico. É esta característica que permite identificar o vício da inexistência. A inexistência não se afirma no domínio da materialidade, na existência material ou fáctica, mas no domínio imaterial  da pura juridicidade.

Para outros[3], a violação da forma escrita da sentença constitui uma mera irregularidade, de conhecimento oficioso, nos termos do art. 123º, nº 2, do Código de Processo Penal.

Com efeito, a lei não comina com a nulidade a sentença oral, quando deveria ter sido reduzida a escrito.

A sentença, apesar de oral, contém os requisitos previstos no art. 389º, nº1, alíneas a) a d), do Código de Processo Penal, não cabendo, por isso, na al. a) do nº1, do art. 379º, do Código de Processo Civil.

Não estando este vício expressamente cominado como nulidade, trata-se de uma irregularidade de conhecimento oficioso, porque afecta o valor do próprio acto, conforme o preceituado nos art.s 118º e 123º, do Código de Processo Penal.

Por último, uma terceira orientação[4] qualifica a falta de redução a escrito da sentença, quando o deveria ter sido, como uma nulidade de sentença, prevista no art. 379º, nº1, al. a), do Código de Processo Penal, porquanto, sem margem para qualquer dúvida, não contém, na forma prevista na lei, os elementos estruturantes referidos nas alíneas a) a c), do nº 1, do art. 389º, A, do Código de Processo Penal.

Quanto a nós, acolhemos esta última posição, pelos motivos que constam no Acórdão de 28 de Setembro de 2011,  a saber:

« (…) De acordo com o sistema do Código de Processo Penal (cfr. artigos 118.º, 119.º e 120.º e demais normas dispersas no mesmo diploma), as invalidades dos actos processuais estão previstas de forma tipificada e taxativa, ou mesmo em absoluto, pelo menos quanto aos moldes em que cada espécie de invalidade poderá ser declarada e quanto aos efeitos decorrentes dessa verificação e declaração (ficando, naturalmente, de fora os casos de inexistência de actos processuais, categoria admitida pela doutrina e jurisprudência e cuja consagração legal foi tida por desnecessária face à evidência da invalidade absoluta e irredimível dos actos afectados pela mesma).

Como sabemos, a nulidade dita relativa consente a sua sanação. O acto relativamente nulo pode ser convalidado.

A nulidade absoluta é insanável, necessitando, no entanto, de ser declarada. Pode ser arguida ou declarada oficiosamente. O acto praticado tem existência jurídica, embora defeituosa, e ainda que o vício seja insanável; e, consequentemente, a falta de anulação deixa-o subsistir. No processo, a nulidade absoluta é coberta pela impossibilidade, depois de findo aquele, de a fazer reviver, no seu todo ou parcialmente. A decisão judicial com trânsito em julgado não se anula, como se não declara a nulidade de actos dum processo que findou com decisão irrevogável (Manuel Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, lições proferidas no ano lectivo de 1954-1955, pág. 267 e 268).

Dito por outras palavras: no direito processual os actos nulos só podem ser anulados até ao trânsito em julgado da decisão final. Com a formação de caso julgado, mesmo as nulidades arguíveis em qualquer estado do procedimento, incluindo os vícios da própria sentença, tornam-se insidicáveis. O valor da segurança jurídica acaba por sobrepor-se à justiça processual, inviabilizando qualquer modificação da sentença definitiva.

Diversamente, a categoria da inexistência afasta-se do princípio geral da tipicidade das nulidades e de igual princípio geral da sua sanação.

Embora a lei só aluda de forma expressa e explicita aos vícios de nulidade e irregularidade, seria tecnicamente inconcebível, para além de profundamente iníquo, deixar sem tutela invalidades de acto processual bem mais graves do que a lei prevê como constituindo nulidades.

A redução das nulidades aos casos previstos na lei e a impossibilidade de aplicar analogicamente as normas dos outros ramos de direito aos casos omissos criam espaço suficiente para o germinar da inexistência. Não seria compreensível deixar sem tutela situações mais graves do que as previstas pelo legislador. Intransponíveis ideais de justiça material justificam que nestes casos, apesar da falta de previsão legal, o acto seja destruído e o processo remetido para o caminho original (João Conde Correia, Contributo para a Análise da Inexistência e das Nulidades Processuais Penais, Boletim da Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra, 1999, pág. 119).

A função da categoria da inexistência não é outra senão a de ultrapassar, usando as palavras de Germano Marques da Silva (Curso de Processo Penal, tomo II, 2.ª edição, Editorial Verbo, 1999, pág. 88), a barreira da tipicidade das nulidades e da sua sanação pelo caso julgado: a inexistência é insanável. A inexistência do acto, de facto, impede de modo irremediável a produção dos efeitos próprios do acto perfeito, como acontece nas nulidades e irregularidades. 

No âmbito material, em princípio, a distinção entre inexistência e nulidade apresenta-se assim: se o acto contém o mínimo de elementos ou de requisitos indispensáveis para a sua existência jurídica, mas está inquinado de vícios de formação, estamos perante a figura da nulidade; se falta esse mínimo, estamos perante a figura da inexistência jurídica (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, Coimbra, 1952, vol. V, pág. 117).

Ou, segundo refere, com maior completude, João Conde Correia (ob. cit.), a inexistência consiste numa imperfeição da fattispecie. O acto praticado, embora se identifique com determinado modelo legal, não lhe corresponde na íntegra, faltando-lhe, pelo menos, um dos seus elementos. Apesar de ter existência jurídica o direito não o considera válido. Por seu turno, no caso de inexistência, nem sequer se pode falar em imperfeição da fattispecie. A anomalia é tão grande que o acto nem sequer é comparável com o seu esquema normativo, não alcançando aquele mínimo imprescindível para poder ser reconhecido como tal e ter vida jurídica. Nas nulidades absolutas o acto, ainda que imperfeito, é idóneo para produzir os efeitos jurídicos que a lei lhe atribui. Na existência jurídica o acto é inidóneo para a produção de quaisquer efeitos jurídicos, não os devendo, em caso algum produzir.

Não tem sido consensual na doutrina, a marcação da fronteira dos actos concretos de nulidade e de inexistência jurídica.

Todavia, como observa João Conde Correia (ibidem, pág. 121), não deve perder-se de vista que a inexistência jurídica corresponde a um recurso excepcional, utilizado para repor a justiça em situações extremas, que quase ultrapassam as figuras do imaginável. Importa, portanto, utilizar a figura criteriosamente, apenas em casos de gravidade superior àqueles que se encontram previstos na lei como causa de nulidade.

Tem-se dito, com certa unanimidade, que a sentença é inexistente, inter alia, se não houver um documento em que se achem representados os respectivos elementos (Alberto dos Reis, citando Betti, idem, pág. 118); se proferida verbalmente quando a lei exige forma escrita (Francisco Luso Soares, Direito Processual Civil, Almedina, Coimbra, 1980, pág. 505, e Paulo Cunha, Processo Comum de Declaração, 2.º, págs. 354 e 355, Gil Moreira dos Santos, Noções de Processo Penal, 2.ª edição, pág. 209).

Na situação que os autos revelam, existe manifesta violação da disposição contida no artigo 389.º-A, n.º 5, do CPP; por ter sido imposta ao arguido uma pena privativa de liberdade (…), deveria ter sido elaborada sentença por escrito.

Ao invés, descurando aquela norma, a Mm.ª seguiu o modelo geral, tendo documentado a sentença nos termos dos artigos 363.º e 364.º do CPP, e ditado para a acta a parte do dispositivo.

Não obstante, embora conscientes da dificuldade da solução, entendemos que o acto em análise (sentença), apesar de patentemente imperfeito, por não corresponder, na íntegra, ao modelo definido no artigo 389.º-A, n.º 1, do CPP, ainda assim tem existência jurídica.

Secundando a posição do Sr. Procurador-Geral Adjunto, que se nos afigura a mais conforme, afinal de contas a sentença existe face à alteração da Lei n.º 26/2010, de 30-10, revestindo uma das formas legalmente possíveis do processo sumário, ainda que não o modelo que deveria ter sido aplicável ao caso concreto.

Mas, sobretudo, a sentença não é omissa quanto a todos os elementos exigidos no artigo 389.º-A, do CPP. Dela consta a identificação do arguido e o dispositivo contendo a disposição incriminadora aplicável, a concreta decisão condenatória, a ordem de remessa de boletins ao registo criminal e a data e a assinatura do membro do tribunal.

A sentença padece de nulidade, (fr. artigo 389.º-A e 379.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do CPP), uma vez que, sem margem para qualquer dúvida, não contém, na forma prevista na lei, os elementos estruturantes referidos nas alíneas a) a c) do n.º 1 do primeiro dos referidos artigos».

Acresce que;

Nos termos do art.  468º, al. b), do Código de Processo Penal, a decisão penal que não estiver reduzida a escrito, não é exequível.

Parece resultar deste preceito que toda a sentença que não for reduzida a escrito não produz qualquer efeito.

Porém, nem sempre será assim.

A decisão penal para ter força executiva tem de estar registada, documentada, objectivamente corporizada, sendo que até à alteração legislativa de 2010, o era sempre, em documento escrito: fosse ditada para a acta ou elaborada pelo próprio punho do julgador.

Porém, com a alteração do art. 389º A, do Código de Processo Penal, pela  Lei nº 26/2010, de 30 de Agosto, permite-se, no processo sumário  - e abreviado (art. 391º- F do diploma citado) - , que a sentença proferida oralmente não seja ditada para a acta, podendo ficar documentada através da gravação no sistema de áudio integrado. Em acta consigna-se o dispositivo da sentença ditado ao funcionário pelo juiz (cf. nº 1 e 3).

Com a introdução da oralidade na fase da sentença, estamos em crer que a expressão «reduzida a escrito» inserta no art. 468º, al. b), do Código de Processo Penal, inclui as formas de documentação dos actos previstos nos art. 363º e 364º, do Código de Processo Penal, de entre elas, o sistema de gravação.

Salvo melhor opinião, uma sentença só será inexequível, quando não se encontrar objectivamente corporizada em nenhuma das formas legais supra referidas, quando se verificar uma inexistência material.

Pressuposto é que a sentença esteja documentada nos autos pela forma prevista na lei.

Já vimos que o nº, 5, do mencionado art. 389º A, do Código de Processo Penal, impõe ao juiz que, em caso de pena privativa de liberdade, elabore a sentença por escrito. O mesmo é dizer que se, neste caso, a sentença for proferida oralmente (quando devia ser reduzida a escrito), é, de todo ineficaz, não produzindo qualquer efeito, sendo, por isso inexistente.

Do mesmo modo, todos os elementos que constarem na sentença oral, muito embora estejam registados no sistema de gravação, são, também eles ineficazes, não gerando nenhum efeito. Ao fim e ao cabo, tudo se passa, como se não existisse o acto material da sentença.

Resta-nos, assim, apreciar se, no caso dos autos, existe alguma sentença escrita, e, na afirmativa, se obedece aos requisitos formais do art. 389º A, do Código de Processo Penal.

A sentença corresponde, nos termos do art. 97º, nº 1, al. a), do Código de Processo Penal, ao acto decisório do juiz, quando conhece, a final, do objecto do processo que, no processo penal, é delimitado pela acusação e defesa (cf. a este propósito os art. 358º e 369º, do Código de Processo Penal).

Dito de outro modo, «uma sentença é a decisão através da qual, o tribunal realizada a audiência de discussão e julgamento, materializa a deliberação que tomou acerca do objecto de processo, o mesmo é dizer, do crime ou crimes imputados ao arguido, absolvendo-os ou condenando-os[5]».   

A sentença constitui, assim, «um acto de jurisdição com destinatário ao qual é imediatamente dirigido, e que deve ter um conteúdo decisório preciso na definição do direito do caso e das respectivas consequências. Funcionalmente adstrita à produção de efeitos (e a ser executada), a sentença como qualquer outro acto com destinatários que produza efeitos externos (e internos no processo), deve ser precisa e clara no conteúdo da decisão, e não susceptível de interpretações plurais não convergentes[6]». 

No caso dos autos, resulta da acta de audiência de julgamento (fls. 33), que o juiz da primeira instância conheceu o objecto do processo, na medida em que julgou procedente a acusação e condenou o arguido, A..., como autor material, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo art. 3º, nº 2, do Decreto-Lei nº 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 18 meses de prisão.

Ou seja, após a audiência de discussão e julgamento, o tribunal recorrido, não só conheceu a acusação do Ministério Público, julgando-a procedente, como em consequência, condenou o arguido pela prática do crime que lhe era imputado, aplicando-lhe uma pena de prisão.

O mesmo é dizer que esta decisão final sobre o objecto do processo assume a forma de sentença, tal como é definida no art. 97º, nº1, al. a), do Código de Processo Penal.

Esta sentença está documentada por escrito em acta e foi autenticada pelo juiz que a proferiu, como resulta da assinatura aposta na acta de fls. 31 a 33 (cf. art. 101º, e 97º, do Código de Processo Penal).

A sentença existe, foi proferida por entidade competente e encontra-se documentada por escrito nos autos, sendo, por isso, exequível.

Já não contém, como e bem se refere no Acórdão desta Relação de 28 de Setembro de 2011, os demais elementos exigidos pelo art. 389º A, nº1, al. a) a c), do Código de Processo Penal, sendo, por isso nula, nos termos do art. 379º, nº 1, al. a), Código de Processo Penal.

Esse vício é de conhecimento oficioso, como decorre do nº 2 do artigo 379º, que estatui que:

«As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, sendo lícito ao tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 414.º» (sublinhado nosso). 

 

IV – DECISÃO

Nestes termos, acordam, em conferência, os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar em declarar a nulidade da sentença, devendo o tribunal de primeira instância proceder à elaboração de nova decisão final que observe o disposto no art. 389º A, nº 5, do Código de Processo Penal.

Sem tributação.

Notifique.

Coimbra, 4 de Fevereiro de 2015

(Alcina da Costa Ribeiro - relatora)

(Cacilda Sena - adjunta)

[1] Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 12/XI.

[2] Acórdão da Relação de Coimbra de 5 de Junho de 2013, acessível em www.dgsi.pt, local onde poderão ser visualizados os demais Arestos a que, de ora em diante, aludirmos.

[3] Entre outros, Acórdãos da Relação de Lisboa de 7 de Abril de 2011; 23 de Abril de 2013 e da Relação de Coimbra de 3 de Dezembro de 2014.
[4] Acórdão desta Relação de 28 de Setembro de 2011 e 28 de Novembro de 2012, este último, in Colectânea de Jurisprudência, Ano XXXVII, Tomo V, pág. 42 e Acórdão da Relação de Évora de 18 de Novembro de 2014.
[5] Noções de Processo Penal, Simas Santos e Leal Henriques, pág. 424.
 
[6] Conselheiro Henriques Gaspar, em Código de Processo Penal Comentado (2014), pág. 326.