Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
149/12.7TELSB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ABÍLIO RAMALHO
Descritores: CASO JULGADO FORMAL
Data do Acordão: 01/28/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 620.º E 628, DO CPC; ART. 4.º, DO CPP
Sumário: Reconhecida, e aceite, expressamente, a competência própria do TCIC para a realização dos pertinentes actos jurisdicionais até à eventual remessa do processo para julgamento, pelo despacho de 26/09/2012, exarado a fls. 81/83, e não havendo sido jurídico-processualmente impugnado, fez-se caso-julgado-formal, intraprocessualmente vinculativo.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 4.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO

1 – Recorreram os assistentes A...,SA, B..., SA e C... (por si e na qualidade de accionista das duas id.as sociedades) – pela peça ínsita a fls. 1293/1324, cujo teor nesta sede se tem por integrado – dos despachos judiciais (dois) exarados nas peças documentadas a fls. 1273/1275 e 1284/1289, por cujos respectivos conteúdos [a)] se declarou a incompetência do Tribunal Central de Instrução Criminal para apreciação do requerimento de abertura de instrução (RAI) por si (ora recorrentes) formulado pela peça junta a fls. 1236/1256 – na sequência de anterior arquivamento [pelo despacho (do M.ºP.º) de fls. 1168/1190] da queixa-crime que oportunamente haviam apresentado contra D..., SA, E...(seu legal representante), F..., SA, G...(seu legal representante), H... e incertos, por pretenso e respectivo cometimento de ilícitos criminais de burla, abuso de confiança, infidelidade e usurpação de coisa imóvel –, e [b)] se rejeitou tal RAI – na Instância Central de Instrução Criminal de Leiria, para onde o processo logo foi remetido – por inadmissibilidade legal, aduzindo o seguinte sintetizado (sob o quadro-conclusivo da respectiva peça) argumentário e peticionamento:

«[…]

1. O presente recurso terá por objecto:

a. A apreciação da competência do Tribunal Central de Instrução Criminal para a apreciação do RAI em apreço e,

b. A admissibilidade legal do requerimento de abertura de instrução.

Assim,

3. No entender dos recorrentes, o Tribunal Central de Instrução Criminal é o competente para a apreciação do Requerimento de Abertura da Instrução em apreço, porque:

3. O artigo 120.º da Lei n.º 62/2013, define "Casos especiais de competência".

4. Sendo que o Tribunal Central de Instrução Criminal é competente para conhecer dos crimes enunciados no n.º 1 do artigo 47.º da Lei 60/98 de 27 de Agosto, relativo aos crimes cometidos em comarcas pertencentes a diferentes distritos.

5. A decisão recorrida viola a norma legal supra referida e, ainda o disposto nos artigos 3.º da Lei 60/98, de 27 de Agosto, artigo 47.º, n.º 3, da Lei 47/86.

6. Atento o disposto no artigo 120.º, da Lei n.º 62/2013, no caso concreto, é manifesto, e resulta dos elementos constantes dos autos, que a actividade criminosa ocorre em comarcas diferentes pertencentes a diferentes tribunais.

7. Nomeadamente, ocorre nas seguintes, várias e diferentes comarcas:

a. Gouveia, Portela de Carnaxide, Carnaxide, Lisboa, Marinha Grande e Espanha.

8. Acresce a isto, o que justifica a competência do Tribunal Central de Instrução Criminal, o decidido e vertido a fls. 73, 74 e 75 dos autos, que se mantém válido, actualizado e é, absolutamente, pertinente e que, com o devido respeito se transcreve e dá por integralmente reproduzido, assim se aproveitando tal para efeito de alegação.

9. E, por isso, decidiu o Tribunal Central de Instrução Criminal, conforme constante de fls. 81 e 82, dos autos: "... Naquela denúncia é dado conta, em síntese, de factualidade que, a comprovar-se, é susceptível de integrar a prática dos crimes de burla, abuso de confiança, infidelidade e usurpação de coisa imóvel. Adiantam ainda os denunciantes que os denunciados agiram de forma concertada no desenvolvimento de um "esquema" para lograrem retirar da denunciante a unidade fabril sita em Gouveia e passar a utilizar aquela, bem como as suas maquinarias e licença industrial.

Assim, não obstante a fase bastante embrionária dos autos, atenta a complexidade dos mesmos, o tipo de crimes, a sua alegada dispersão territorial, face à indiciada actuação dos seus agentes, que se estende, pelo menos, por Oeiras, Marinha Grande, Gouveia e ainda por Espanha, bem como a sua urgência, aceita-se a competência deste TCIC, para praticar os actos jurisdicionais até à eventual remessa do processo para julgamento – ex vi das disposições conjugadas dos artigos 46.º, n.º 1, 47.º, ns. 1 e 3, ambos da Lei 60/98, de 27/08, com referência aos artigos 79.º e 80.º, n.º 1, da Lei 3/99, a que corresponde o art. 112.º da Lei 52/08, de 28/08 e art. 17.º do CPP."

10. Assim, não se descortina, antes se impugna, da justeza e legalidade da decisão recorrida.

11. O despacho de arquivamento e o requerimento de abertura de instrução, como não poderia deixar de ser, tem na sua origem e base a denúncia apresentada.

12. Sendo que, por isso, o despacho que aferiu e determinou a competência do Tribunal Central de Instrução Criminal se mantém certo e actualizado.

13. Todos os argumentos e fundamentação que justificou este despacho, verifica-se no arquivamento e, bem assim, no requerimento de abertura de instrução.

14. Sendo falso, como resulta das peças processuais, despachos, promoções e documentação, que a factualidade descrita se mostra circunscrita à área da unidade fabril das denunciantes.

15. Resulta evidenciado, na documentação junta, no requerimento de abertura de instrução e no demais vertido nos autos, que a dispersão territorial dos ilícitos imputados se verifica, nomeadamente a sua transdistritalidade que convoca a competência do Tribunal Central de Instrução Criminal.

16. Padecendo, aliás, o despacho recorrido de lapso e contradição manifesta.

17. De facto, refere aquele despacho, erradamente, que os ilícitos em causa se mostram circunscritos à Comarca da Marinha Grande e, em simultâneo, refere que a factualidade descrita se mostra circunscrita à área da unidade fabril das denunciantes, ou seja, Gouveia.

18. Os ilícitos em causa, na factualidade descrita, na denúncia, no despacho de arquivamento e no requerimento de abertura de instrução, estão territorialmente dispersos, verificando-se, manifestamente, a sua transdistritalidade, que convoca a competência deste Tribunal Central de Instrução Criminal.

19. Sendo, aliás, esta transdistritalidade que terá estado na origem do lapso/contradição, vertido no despacho recorrido.

20. Impondo-se revogar este despacho e, antes, reconhecer da competência do Tribunal Central de Instrução Criminal para apreciar os autos e, nomeadamente, apreciar e julgar a instrução requerida.

Além disso,

21. A abertura de instrução é legalmente admissível, impondo-se a sua admissão e revogando-se a sua rejeição, porquanto:

22. Antes do demais que se disse a este respeito, o despacho recorrido para "sustentar" a decisão de rejeição do requerimento de abertura de instrução, dá por reproduzidos os fundamentos vertidos na pronúncia do Ilustre Representante do Ministério Público.

23. A verdade é que, esta pronúncia nunca foi notificada aos ora recorrentes.

24. Por isso, sempre por falta de fundamentação ou, pelo menos, por desconhecimento da mesma, sem culpa dos recorrentes, deve a decisão recorrida ser considerada e declara nula, por falta de fundamentação.

Sem prescindir,

25. Entende a decisão recorrida que "a peça processual apresenta vícios que não permitem concluir pela estrutura de uma acusação.", "... ainda que tão só em relação aos elementos subjectivos dos crimes em causa".

26. Ora, no caso, não ser verifica o apontado, mas inexistente vício, de falta de indicação de factos em relação aos elementos subjectivos.

27. Ao longo da denúncia, e bem assim do requerimento de abertura de instrução, que reproduz o teor daquela, são indicados os factos que permitem concluir pela verificação dos elementos subjectivos dos crimes em causa.

28. Sem prescindir, e, antes de mais, sempre importa atentar à TEORIA DO FACTO PUNÍVEL OU TEORIA DA INFRACÇÃO.

29. O conjunto dos pressupostos de punibilidade e de punição que são comuns a todos os crimes, a todos os factos tipificados na lei como crime.

30. Os requisitos comuns é que um facto deve ter para ser considerado criminoso e para que dele decorra uma responsabilidade jurídico-penal para o seu autor, para o agente daquela infracção.

31. Pode-se formalmente definir crime como um comportamento humano que consiste numa acção penalmente relevante, acção essa que é típica, ilícita, culposa e punível.

32. Esta teoria permite desde logo uma aplicação certa, segura e racional da lei penal.

33. Passa-se dum casuísmo, de verificar caso a caso o que é crime para através da teoria da infracção, ter-se uma vocação generalizadora de factos penalmente relevantes, de factos criminosos.

34. E através do estudo destas categorias analíticas pode-se determinar a responsabilidade jurídico-penal duma pessoa, pode-se firmá-la ou excluía, através duma análise de subsunção progressiva.

35. Importando ter presente que é uma acção penalmente relevante – todo o comportamento humano dominado ou dominável pela vontade.

36.No caso concreto, está descrito no requerimento de abertura de instrução que o comportamento denunciado é, manifestamente, dominado pela vontade e preenche um tipo legal de crime.

37. Resulta do requerimento de abertura de instrução que estamos perante uma acção típica, isto é, estão preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal de crime.

38. Do vertido no requerimento de abertura de instrução, e resulta da sua simples análise, retira-se a verificação dos elementos objectivos e subjectivos dos tipos legais.

39. Verifica-se do descrito no requerimento, que a actuação denunciada se subsume aos tipos normativos, na previsão dos seus elementos objectivos e subjectivos.

40. Vê-se, da leitura do requerimento, que o elemento objectivo do tipo está preenchido.

41. Vê-se, da leitura do requerimento, que o elemento subjectivo geral do tipo, o dolo, está presente.

42. Pois que, como vertido naquele requerimento, existe a consciência e vontade de realizar os elementos objectivos de um tipo legal.

43. Estando preenchida a tipicidade, verifica-se, o que resulta do requerimento de abertura de instrução, que esta categoria analítica, que é composta por elementos subjectivos e objectivos, está integralmente preenchida, denotando a ilicitude.

44. Como participado, os denunciados, como se pode ler no requerimento de abertura de instrução, praticam um facto ilícito, enquanto facto contrário à ordem jurídica, contrário ao direito, com uma danosidade social.

45. Já a Culpa, também vem alegada e consubstanciada em factos e, por isso, indicados factos, no requerimento de abertura de instrução, que permitem concluir pela verificação dos elementos subjectivos dos crimes em causa.

46. Os agentes, como descrito, têm capacidade de culpa e consciência da ilicitude do facto que praticam e, não actuam em circunstâncias tão extraordinárias que o desculpem.

47. Assim, e atento o disposto nos artigos 287.º e 283.º, ambos do CPP, diremos:

a. A abertura da instrução foi requerida, no prazo de 20 dias, a contar da notificação do arquivamento, conforme tempestividade reconhecida no despacho recorrido;

b. A abertura de instrução foi requerida pelo assistente, sendo que, o procedimento não depende de acusação particular, e, é, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não deduziu acusação.

c. O requerimento não está sujeito a formalidades especiais,

d. O requerimento, como se impõe, contem, "em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à não acusação, bem como a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar. E, contem;

e. A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena, incluindo, dentro do possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e as circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhes deve ser aplicada; e,

f. A indicação das disposições legais aplicáveis.

48. Assim, o requerimento não pode ser rejeitado, porque, não é extemporâneo, não há incompetência do juiz e, é, legalmente admissível a instrução.

E, ainda que assim não se entenda, o que se considera por dever de patrocínio,

49. Sempre, e fazendo alusão ao acórdão da Relação de Évora, de 16-12-1997, frisado no despacho recorrido, "O Juiz de Instrução deverá convidar o requerente a aperfeiçoar o seu requerimento."

50. O que, sempre se impunha, tanto mais porquanto, e, agora, considerando o acórdão de fixação de jurisprudência, também aludido no despacho recorrido, não está, alegadamente, de acordo com o próprio despacho, em causa, omissão "em relação à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido". Pois que, só nesse caso, como concluiu o Supremo Tribunal de Justiça, não há lugar a convite para aperfeiçoar.

51. Não existe, no caso concreto, o que, nem sequer, é concretizado no despacho recorrido,"ausência de factos que permitam enquadrar subjectivamente os crimes imputados".

52. Senão, atentamos às passagens do requerimento de abertura de instrução, supra reproduzidas, que não dispensam a leitura atenta de todo o requerimento de abertura de instrução, para se concluir pela inexistência de vícios do requerimento de abertura de instrução e, nomeadamente, pela alegação dos factos que permitam enquadrar subjectivamente os crimes imputados:

53. Daqui, e da leitura atenta do requerimento de abertura de instrução, retira-se que o mesmo não padece de qualquer vício.

54. E, ainda que assim não se entenda, conforme jurisprudência já citada, sempre se impunha o convite ao aperfeiçoamento.

55. O que, a não se verificar, injustificadamente, fere de nulidade, também aqui, o processado,

56. Impondo a revogação da decisão recorrida, como aqui se requer.

57. Termos em que, nomeadamente, por violação das normas supra referidas, devem as decisões recorridas ser revogadas e substituídas por outras que concluam:

a. Pela declaração de competência do Tribunal Central de Instrução Criminal para a apreciação do RAI em apreço e realização da instrução. E,

b. Pela admissibilidade legal do requerimento de abertura de instrução e, sempre, a assim não se entender, pelo convite ao aperfeiçoamento desse mesmo requerimento.

c. Ordenando-se seja aberta a instrução, realizadas as diligências probatórias já requeridas em sede de inquérito e não obstante, injustificadamente não realizadas, realizado debate instrutório, proferido despacho de pronúncia, pronunciando-se os denunciados, pelos factos participados, atentos os indícios suficiente de se terem verificado os pressupostos de que depende a acusação, condenação e aplicação aos participados das penas inerentes as crimes supra enumerados, que, por agora se subsumem à prática de crimes de burla, de abuso de confiança, infidelidade, e de usurpação de coisa imóvel.

[…]»

2 – Apenas o Ministério Público se manifestou – em 1.ª instância e nesta Relação –, pronunciando-se pela inconsistência/insubsistência jurídica de tal argumentário, e, consequentemente, pela improcedência recursória, (vide referentes peças processuais – de resposta e parecer –, a fls. 1328/1339 e 1347/1348, cujos conteúdos ora identicamente se têm por integrados).

3 – O id.º assistente C...exerceu a faculdade legal conferida pelo n.º 2 do art.º 417.º do CPP, reiterando a tese e pretensões recursórias, (vide peça de fls. 1356/1360).

II – AVALIAÇÃO

§ 1.º – CONTEXTUALIZAÇÃO

Emerge da economia do argumentário recursivo a demanda pelos id.os assistentes/recorrentes à Relação da verificação e pertinente reparação da suposta ilicitude dos dois caracterizados actos decisórios do Tribunal Central de Instrução Criminal e da Instância Central de Instrução Criminal de Leiria, respectivamente de declaração da própria incompetência para a prossecução da fase instrutória do processo e de rejeição do enunciado RAI.

§ 2.º – APRECIAÇÃO

a) Excepção de incompetência:

1 – Com vista à pertinente dirimência da concernente problemática, importa desde já reter a essencialidade do sindicado despacho do Tribunal Central de Instrução Criminal(TCIC), de 01/07/2014, documentado a fls. 1273/1275:

«[…]

Por despacho proferido em 26 de Setembro/2012, pese embora a fase embrionária em que os autos se encontravam, atento o tipo de crimes e a sua indiciada dispersão territorial, aceitou-se a competência deste TCIC, para a prática dos actos jurisdicionais – cfr. fls. 81 a 83.

Verifica-se, porém, que foi proferido despacho de arquivamento dos autos, por parte do M.ºP.º – cfr. fls. 1168 a 1190.

Não se conformando com tal arquivamento, vieram os ofendidos requerer a sua constituição como assistentes e, bem assim, a abertura de instrução.

[…]

Antes de se tomar posição conclusiva sobre a admissibilidade da instrução ora requerida, importa, desde já, aferir da subsistência ou não dos pressupostos que determinaram a aceitação de competência do TCIC, para a realização da instrução.

A estrutura acusatória do processo criminal, imposta a nível constitucional, implica que o conhecimento do Tribunal esteja limitado pelo objeto processual, que começa por ser inicialmente delimitado, ainda que com grande flexibilidade, pela denúncia, e, posteriormente, em definitivo, pela acusação ou, em caso de arquivamento, pelo requerimento de abertura de instrução.

Antes de mais, importa, face ao despacho de arquivamento dos autos e ao novo impulso provindo dos ofendidos/assistentes, levando em conta a factualidade descrita no requerimento de abertura de instrução ora apresentado, aferir da subsistência ou não, da competência deste TCIC, para a realização da fase instrutória.

Para tal, importa, desde logo, aferir do local em que, a existirem, se terão consumado os crimes.

Sem embargo, da constatação da existência, no RAI ora em apreço, de alguns vícios elencados pelo M.ºP.º, verifica-se que a factualidade descrita se mostra circunscrita à área da unidade fabril das denunciantes.

Ou seja, não resulta evidenciado, à face da factualidade descrita no RAI, a dispersão territorial dos ilícitos imputados, nomeadamente a sua transdistritalidade que convoca a competência deste TCIC.

Assim, verificando-se que os ilícitos em causa, a terem ocorrido, se mostram circunscritos à Comarca da Marinha Grande, sem necessidade de mais considerações, entendemos que o Tribunal competente para a apreciação do RAI em apreço, deverá ser o Tribunal da Comarca de Marinha Grande.

Notifique e DN.

Após, remetam-se os autos ao Juiz que exerce as funções de instrução Criminal, no Tribunal Judicial da Comarca de Marinha Grande.

[…]»

2 – Com o devido respeito, tal acto decisório encontra-se inexoravelmente inquinado pelo vício jurídico-processual de nulidade insanável, prevenido pelo art.º 119.º, al. e), do Código de Processo Penal (compêndio legal doravante também referenciado pela sigla CPP), pela seguinte ordem-de-razões:

2.1 – Como aí reconhecido, a competência do próprio TCIC para a realização dos pertinentes actos jurisdicionais até à eventual remessa do processo para julgamento fora já expressamente aceite pelo despacho de 26/09/2012, exarado a fls. 81/83, que, não havendo sido jurídico-processualmente impugnado, fez caso-julgado-formal, intraprocessualmente vinculativo, (cfr .arts. 620.º, n.º 1, e 628.º, do Código de Processo Civil de 2013, subsidiariamente aplicáveis por força do comando normativo ínsito sob o art.º 4.º do CPP).

2.2 – Consequentemente, nada já legitimaria a respectiva inflexão/declinação, de todo, ademais absolutamente vedada pela dimensão normativa decorrente da conjugada interpretação dos dispositivos ínsitos sob os arts. 32.º, n.º 9, da Constituição Nacional; 79.º e 80.º, n.º 1, e 22.º e 23.º, da Lei n.º 3/99, de 13/01; 112.º, n.º 1, e 24.º e 25.º, da Lei n.º 52/08, de 28/08; e 17.º do CPP, com referência aos arts. 3.º, n.º 1, da Lei n.º 60/98, de 27/08, e 47.º, n.º 1, da Lei n.º 47/86, de 15/10, (na versão introduzida pela citada Lei n.º 60/98, de 27/08) – verificada a inaplicabilidade ao caso sub judice do convocado art.º 120.º da Lei n.º 62/2013, de 26/08, cuja entrada em vigor no ordenamento jurídico nacional apenas ocorreu em 01/09/2014, por efeito da estatuição do respectivo art.º 188.º, n.º 1, e do art.º 118.º, n.º 1, do DL n.º 49/2014, de 27/03 (!).

3 – Por conseguinte, observada tal corrupção jurídico-processual, impõe-se a respectiva anulação, bem como, logicamente, de todo o subsequente processado, incluindo o segundo enunciado/questionado despacho judicial, de fls. 1284/1289, como axiomaticamente preceituado pelos arts. 118.º, n.º 1, 119.º, al. e), e 122.º, n.º 1, do CPP. 

III – DISPOSITIVO

Destarte – sem outras considerações, por inócuas [e, como tal, ilícitas/proibidas, (cfr. art.º 130.º do actual Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26/06)] –, o pertinente órgão colegial judicial reunido para o efeito em conferência neste Tribunal da Relação de Coimbra em estrito respeito pela referenciada/caracterizada dimensão normativa, delibera:

1 – A anulação do sinalizado despacho do Tribunal Central de Instrução Criminal(TCIC), de 01/07/2014, documentado a fls. 1273/1275, bem como do subsequente processado, até ao despacho judicial de rejeição do enunciado RAI, de fls.1284/1289.

2 – A determinação aocompetenteTribunal Central de Instrução Criminal(TCIC) de pertinente apreciação do dito RAI, (cfr. ainda n.º 2 do citado art.º 122.º do CPP).

***

            Sem tributação.

***

Acórdão elaborado pelo relator, primeiro signatário, (cfr. art. 94.º, n.º 2, do C. P. Penal).

***

Coimbra, 28/01/2015.

Os Juízes-desembargadores:

 (Abílio Ramalho, relator)

 (Luís Ramos, adjunto)