Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
980/20.0T8CVL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
CONTEÚDO DA APÓLICE
MULTIRRISCOS HABITAÇÃO
CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
DEVERES DE COMUNICAÇÃO E INFORMAÇÃO POR PARTE DA SEGURADORA
Data do Acordão: 02/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DA COVILHÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 4.º, 5.º, 6.º E 8.º, A) E B) DO DL 446/85, DE 25/10
ARTIGOS 1.º, 37.º, 1, C) E D), 43.º, 2 E 123 E SEG.S DO RJCS
Sumário: 1. - Do conteúdo do contrato de seguro, vertido na respetiva apólice, tem de resultar definida a natureza do seguro e têm de estar concretamente delimitados os riscos cobertos, de acordo com o princípio da individualização do risco, que traduz a exigência de uma clara identificação do risco no contrato de seguro, devendo a determinação desse risco fazer-se, desde logo, no seguro de coisas, através do critério objetivo da exata descrição das coisas expostas ao risco, só respondendo o segurador por sinistros que afetem determinados bens e de acordo com as respetivas coberturas.

2. - Tendo as partes celebrado entre si um contrato multirriscos habitação – um típico seguro de danos, na vertente de seguro de coisas –, com recurso a cláusulas contratuais gerais, a que é aplicável, por isso, o regime das cláusulas contratuais gerais, cabia à ré/seguradora/predisponente, tendo a contraparte/aderente alegado deficit de comunicação e informação quanto a determinado clausulado contratual geral, o ónus da prova da devida comunicação/informação.

3. - A inobservância desse ónus probatório sujeita as respetivas cláusulas ao controlo de inclusão – a inclusão em contratos singulares de seguro depende, desde logo, da sua específica aceitação pelo aderente tomador do seguro –, inclusão essa que só opera se as cláusulas forem aceites como integrantes do conteúdo do contrato pelo tomador/aderente, o que implica o necessário e específico acordo de vontades (art. 4.º da LCCG), mediante comunicação e informação pelo segurador (art.ºs 5.º e 6.º).

4. - Caso contrário, tais cláusulas consideram-se excluídas do contrato (art. 8.º), tendo-se como não escritas.

5. - Não logrando a predisponente provar que ao tomador do seguro tenha sido comunicado e informado que os muros, portões, vedações, caminhos e outras superfícies asfaltadas, ladrilhadas ou empedradas só ficariam cobertos, relativamente ao imóvel/objeto seguro, se fosse contratada a cobertura de “reconstituição de muros, portões, vedações e jardins”, deve, por falta de adequada comunicação e informação, ter-se como não escrito o clausulado correspondente, com a consequência da operância no caso da respetiva cobertura.

Decisão Texto Integral:            

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:


                                                            ***

I – Relatório

AA, com os sinais dos autos,

intentou ação declarativa condenatória, com processo comum, contra

A... S. A.”, também com os sinais dos autos,

pedindo que seja a demandada condenada a pagar-lhe a quantia total de € 22.250,00, acrescida de juros legais de mora, desde a citação e até efetivo e integral pagamento.

Para o que alegou:

- ter contratado com a R. um “seguro multirriscos habitação”, relativo à sua residência, uma casa de habitação de três pisos, com a área coberta de 146,30 m2 e descoberta de 318,70 m2, seguro esse com cobertura do risco de tempestades, aluimentos de terras, inundações, demolições e remoção de escombros, tendo sido convencionado o valor de € 154.365,00 para o bem seguro e como limite de indemnização;

- em 21/12/2019, na sequência de depressão atmosférica, o logradouro daquele prédio aluiu, devido às chuvas torrenciais então ocorridas, causando danos no pavimento de acesso à garagem (o qual levantou), no anexo/arrecadação que serve de churrasqueira (que ficou sem suporte de terra e em risco de derrocada), em parte do muro de suporte de vedação do prédio (cedeu numa extensão de cerca de 20 metros por 4,5 metros de altura);

- esta situação provocou a insalubridade do edificado, pavimento e muro, impedindo o normal gozo da habitação;

- a R. declinou a responsabilidade pela indemnização dos danos, por entender que ocorre causa de exclusão de responsabilidade;

- a reparação ascende ao custo de € 22.250,00, como peticionado, devendo a R. ser condenada a pagar.

A R. contestou, impugnando diversa factualidade alegada pelo A. e concluindo pela improcedência da ação, para o que invocou:

- não ter o A. contratado a cobertura «Reconstituição de Muros, Portões, Vedações, e Jardins», pelo que não podem considerar-se como parte integrante do edifício – não sendo, por isso, bens seguros – os muros de contenção de terras ou de delimitação e ou separação da propriedade e respetivos portões, bem como os caminhos e outras superfícies asfaltadas, ladrilhadas ou empedradas, os jardins, os campos de jogos, outras instalações recreativas, respetivas vedações, muros e portões;

- por outro lado, o muro invocado encontrava-se desgastado e degradado, para além de não se encontrar construído de modo a exercer as funções de suporte de terras, designadamente, por falta de zona de armadura no seu interior e sistema eficiente de drenagem de águas do solo;

- a queda do muro resultou apenas da sua construção desajustada à sua função, o que também exclui a responsabilidade da seguradora, sendo que também ficaram contratualmente excluídos os danos em construções não inteiramente fechadas ou cobertas, como era o caso da aludida churrasqueira;

- o clausulado contratual exclui a cobertura do seguro, no caso, quanto a tempestades e inundações, atenta a situação e os danos caraterizados pelo A.;

- a cobertura de demolições e remoção de escombros tem um limite de indemnização de 10% dos prejuízos indemnizáveis, com um máximo de € 10.000,00.

O A. exerceu o contraditório, concluindo pela total improcedência da matéria de exceção deduzida pela R., âmbito em que deixou alegado:

- desconhecer, por não ter sido sequer informado, quer a cobertura de “Reconstrução de Muros, Portões, Vedações e Jardins”, quer as condições gerais e especiais que constituem o doc. n.º 3 junto com a contestação, que não lhe foi disponibilizado, tratando-se de cláusulas contratuais gerais, com violação do dever legal de especial esclarecimento (art.º 3.º);

- na eventualidade de ter sido comunicada ao A. esta exclusão, este teria perdido o interesse contratual no seguro (art.º 4.º);

- o A. solicitou expressamente ao mediador o envio das condições da apólice e recebeu apenas um documento que concretiza a proposta de seguro (art.º 5.º).

Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, com enunciação também do objeto do litígio e dos temas da prova.

Produzida prova pericial, teve lugar a audiência final, após o que foi proferida sentença, condenando a R., na parcial procedência da ação, no pagamento ao A.:

«- Da quantia de 11.894,75€ (onze mil, oitocentos e noventa e quatro euros e setenta e cinco cêntimos) + IVA, pela reconstrução do muro, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data de citação da ré até efetivo e integral pagamento;

- Da quantia de 465,00€ (quatrocentos e sessenta e cinco euros) + IVA, pela reparação do pavimento de acesso à garagem, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data de citação da ré até efetivo e integral pagamento.

Absolv[endo] a ré do demais peticionado pelo autor.».

Inconformada, recorre a R. do assim decidido, apresentando alegação, onde formula as seguintes

Conclusões ([1]):

«A. Vem o presente recurso interposto da, aliás douta, sentença do Juízo Local Cível ... (Juiz ...) na parte em que:

• decide que:

o o valor dos danos referentes à reconstrução do muro do A. que colapsou é de 11.894,75€ + IVA;

o o contrato de seguro celebrado entre o A. e a R. e titulado pela Apólice nº ...94 deve garantir a reparação daquele muro e a reparação do pavimento de acesso à garagem do A.;

• conclui que “O autor não foi informado que os muros, portões, vedações, caminhos e outras superfícies asfaltadas, ladrilhadas ou empedradas só seriam considerados parte integrante do imóvel (objeto seguro) se fosse contratada a cobertura de “reconstituição de muros, portões, vedações e jardins”;

• condena a R. no pagamento ao A.:

o “Da quantia de 11.894,75€ (onze mil, oitocentos e noventa e quatro euros e setenta e cinco cêntimos) + IVA, pela reconstrução do muro, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data de citação da ré até efetivo e integral pagamento”;

o “Da quantia de 465,00€ (quatrocentos e sessenta e cinco euros) + IVA, pela reparação do pavimento de acesso à garagem, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data de citação da ré até efetivo e integral pagamento”

B. O Tribunal recorrido deu como provados factos que deveriam ter sido considerados não provados e não considerou provada matéria que resultou demonstrada, não tendo – salvo melhor opinião – apreciado convenientemente a prova produzida;

C. O Tribunal recorrido não analisou nem interpretou adequadamente as condições contratuais aplicáveis ao caso dos autos, nem aplicou correctamente as respectivas cláusulas aos reais factos ocorridos, sendo certo que, se o tivesse feito, acabaria por absolver a R./recorrente de todos os pedidos do A.;

D. Por razões de simplificação e economia processuais, dão-se por integralmente reproduzidos os factos considerados provados na douta sentença recorrida e enumerados em 5. supra;

E. Afigura-se à recorrente existir erro na apreciação da prova por parte do julgador no que respeita ao ponto 16) e ao ponto 28) da “Matéria de facto provada” (ponto 2.1.1 da sentença);

F. Na perspectiva da recorrente, deverá considerar-se provado que:

• “O valor necessário para a reparação dos danos no muro de suporte referido em 8) é de 9.315,80€ + IVA” (conforme definido na perícia realizada nos autos);

• “O A. não contratou a cobertura “Reconstituição de Muros, Portões, Vedações e Jardins” (cfr. artigo 5. da contestação);

• “Não podem considerar-se “como parte integrante do edifício ou fração, os muros de contenção de terras ou de delimitação e ou separação da propriedade e respetivos portões, bem como os caminhos e outras superfícies asfaltadas, ladrilhadas ou empedradas, os jardins, os campos de jogos, outras instalações recreativas, respetivas vedações, muros e portões” (cfr. artigo 6. da contestação);

• “Não constituem “bens seguros” os bens que o A. diz terem ficado danificados, os quais não são, por isso, susceptíveis de integrar o objecto de qualquer indemnização no âmbito do contrato de seguro identificado em 1) [da “Matéria de facto provada”]” (cfr. artigo 7. da contestação);

G. E deverá dar-se como não provado que:

• “A reconstrução do muro de suporte referido em 8), em alvenaria de granito, com uma face à vista, 22,0 m de comprimento e 4,5 m de altura, incluído os trabalhos de escavação, aterro e compactação no tardoz do muro, colocação de tubagem para dreno envolvida em brita e manta geotêxtil, execução de sapata em betão ciclópico, fornecimento, transporte e colocação e travamento de pedras com dimensão superior a 1,5 m3, orça em 11.894,75€ + IVA, valor determinado pela empresa, contratada pelo autor, responsável pela realização das obras” [ponto 16) da “Matéria de facto provada”];

• “O autor não foi informado que os muros, portões, vedações, caminhos e outras superfícies asfaltadas, ladrilhadas ou empedradas só seriam considerados parte integrante do imóvel (objeto seguro) se fosse contratada a cobertura de “reconstituição de muros, portões, vedações e jardins” [ponto 28) da “Matéria de facto provada”].

H. A recorrente pretende que este Venerando Tribunal da Relação vá à procura da sua própria convicção, assim assegurando o exigível e efectivo duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto em crise e à subsequente aplicação do direito;

I. O A. alegou, na petição inicial e quanto à reparação do muro danificado, que:

• “[…] solicitou, em janeiro de 2020 pelo menos dois orçamentos para a reconstrução do muro de alvenaria em pedra e da churrasqueira, tendo o empreiteiro mais económico apresentado a proposta de €11894,75 para a reconstrução do muro […]” (artigo 13º do referido articulado);

• “Para a reparação dos prejuízos causados, são necessários os seguintes montantes pecuniários:

[…]

c) Trabalhos de escavação, construção de alicerces em betão ciclópico e pedra de dimensão igual ou superior a 1,50 m, aterro e compactação das terras a colocar a tardoz do muro, construção do dreno, brita e geotêxtil, transporte e aplicação das alvenarias com construção do muro de 22 m2 de comprimento por 4,50 de altura - €11500,00” (artigo 17º da petição inicial);

J. A condenação plasmada na sentença recorrida (relativamente à construção do muro em apreço) impõe o pagamento, pela R., do montante global de 14.630,54€ [11.894,75€ + IVA (23%)], quantia bem superior, como se vê, à efectivamente alegada e peticionada pelo A. (11.500,00€);

K. Para tanto, baseia-se o Tribunal a quo, exclusivamente, no facto de o A. ter já liquidado o montante referido; ora:

• da prova pericial (relatório de 14.04.2021 – referência Citius 2525513) resulta – expressamente – que a reparação em causa (“Parte significativa do muro de suporte e vedação dos terrenos do autor cedeu, numa extensão de 20 metros, por 4,5 metros de altura”) importa, na realidade, em não mais de 9.315,80€, ou seja 11.458,43€ (já com IVA), valor idêntico ao pretendido pelo A., mas, ainda assim, muito inferior ao fixado na decisão recorrida; ademais,

• produzida toda a prova acerca dos factos relacionados com a queda do muro do A. e com a respectiva reparação, o que se verificou foi, no essencial, que:

o “Parte significativa do muro de suporte e vedação dos terrenos do autor cedeu, numa extensão de 20 metros, por 4,5 metros de altura”;

o “Numa extensão de cerca de 19,15m e uma altura média de cerca de 4,50m, obrigando a uma reconstrução numa extensão de 22,00m”;

o o valor necessário para a reparação dos aludidos danos é de 8.910,00€ [Muro Suporte: 99,00m2 (22,0x4,5)] + 405,80€ [Guarda (alvenaria blocos): 20,29m2 (15,30x1,05 + 6,5x0,65) = 9.315,80€ (valor sem IVA)]

– cfr. relatório pericial citado;

L. E, segundo a testemunha BB [inquirido na sessão de julgamento realizada em 04.02.2022, com início pelas 14:52 horas e fim pelas 15:37 horas (vde. acta da audiência) – gravação em suporte informático – ficheiro 20220204145252_1801785_2870679]:

• a mesma foi a casa do A./Sr. AA (minuto 1.45);

• o muro não é uma reconstrução do anterior; é totalmente distinto (a partir do minuto 8.00 e a partir do minuto 32.15);

• nem dá para comparar uma pedra com a outra (minuto 8.30);

• em termos de dimensionamento são coisas distintas;

• quem agora fez o muro fez contas;

• basta ver as fotos das pedras que estavam e o que está (minuto 9.00);

• dá para analisar os dois muros;

• agora é um muro diferente (minuto 9.20);

• viu o muro que ficou (minuto 31.20);

• consegue perceber o tipo de construção (minuto 31.45);

• na reconstrução, devia ter sido todo feito e não aproveitar o que estava;

M. Para além do que fica dito acerca da avaliação dos danos, bem se percebe que o A. até possa ter gastado na reconstrução do muro um valor superior ao objectivamente necessário para repor a situação existente antes do sinistro; mas só este (insiste-se) – 11.458,43€ (já com IVA a 23%) – seria imputável à R., se os danos pudessem (e não podem) enquadrar-se nas garantias da Apólice;

N. Conjugando os meios probatórios (prova pericial e prova testemunhal gravada) acima convocados e atendendo também aos princípios do pedido e do dispositivo (artigos 3º, nº 1 e 5º nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), deverá concluir-se que “O valor necessário para a reparação dos danos no muro de suporte referido em 8) é de 9.315,80€ + IVA”, julgando-se, em consequência, não provado o ponto 16) da “Matéria de facto provada”;

O. Em resposta às excepções invocadas na contestação, o A. alega (além do mais) que “desconhece, por não ter sido sequer informado, quer da cobertura de “Reconstrução de Muros, Portões, Vedações e Jardins” quer das condições gerais e especiais que constituem o doc. n.º 3 junto com a Contestação que não foi disponibilizado ao Autor […]”;

P. Mas o A. nunca diz que contratou tal cobertura, nem que a mesma integra o contrato de seguro;

Q. Na sentença, conclui o douto Tribunal a quo, no que respeita à cobertura referida, que:

• “O autor não foi informado que os muros, portões, vedações, caminhos e outras superfícies asfaltadas, ladrilhadas ou empedradas só seriam considerados parte integrante do imóvel (objeto seguro) se fosse contratada a cobertura de „reconstituição de muros, portões, vedações e jardins‟” (ponto 28) da “Matéria de facto provada”];

R. Apesar do depoimento da testemunha CC (mediador de seguros) e face à (natural e previsível) negação por parte do A., a Mma. Juiz considerou não ter ficado esclarecida, com a segurança necessária, sobre se os muros, portões, vedações, caminhos e outras superfícies asfaltadas, ladrilhadas ou empedradas só seriam considerados parte integrante do imóvel (objecto seguro) se fosse contratada a cobertura de “reconstituição de muros, portões, vedações e jardins”;

S. Acontece que, por um lado, no que concerne às conversações e negociações prévias à celebração do contrato de seguro e que levaram à definição das respectivas coberturas concretas, não foi produzida qualquer prova que possa conjugar-se, de modo a confirmá-las, com as declarações do próprio A.;

T. Por outro, a indicada testemunha CC não referiu só (ao contrário do que se foca na sentença) “ter questionado o autor sobre se queria contratualizar a cobertura de “reconstrução de muros, jardins, vedações e portões”, ao que alega que o autor respondeu negativamente, referindo que tal encarecia o seguro”;

U. A testemunha explicou, pormenorizadamente [na sessão de julgamento realizada em 15.11.2021, depoimento com início pelas 16:21 horas e fim pelas 16:50 horas (vde. acta da audiência) – gravação em suporte informático – ficheiro 20211115161940_1801785_2870679] que o A. escolheu as condições da apólice que foi emitida e que, apesar da hipótese da cobertura adicional de muros que lhe foi proposta, o mesmo não a aceitou e não a quis contratar, por o prémio de seguro ficar mais caro, nomeadamente mais caro do que o acordado com a seguradora B... onde matinha o contrato de seguro então em vigor;

V. Dão-se aqui por reproduzidas as passagens da gravação da inquirição da testemunha em causa, indicadas, com precisão, em 37. supra;

W. Na sentença, não foram apontadas quaisquer razões para que o depoimento da testemunha CC não fosse convincente, o que, na perspectiva da recorrente, bem se compreende, uma vez que o mesmo, como resulta da respectiva gravação, foi claro, imparcial, plausível, coerente, objectivo, detalhado, sustentado e, por tudo isso, credível;

X. Em sentido oposto, as declarações do A. mostraram-se interessadas, parciais, subjectivas e contraditórias, denotando que sabia bem das consequências que para si resultariam/resultarão, em termos indemnizatórios, do (comprovado) facto de ter decidido não contratar a cobertura aqui em discussão;

Y. Dão-se aqui por reproduzidas as passagens da gravação das declarações de parte do A. indicadas, com precisão, em 40. e 41. supra;

Z. Quando da acareação entre o A. e a testemunha CC [sessão de julgamento realizada em 15.11.2021 – início pelas 16:54 horas e fim pelas 17:01 horas (vde. acta da audiência) – gravação em suporte informático – ficheiro 20211115161940_1801785_2870679], verificou-se, significativamente, que, não obstante o A. haver inicialmente dito que não havia sido falada a existência de outra seguradora (o que, a confirmar-se, demonstraria, pelo menos, que foram discutidos os termos do contrato então em vigor e a substituir, sendo previsível que se contemplassem os valores dos prémios de seguro em análise), depois e a final, já admitiu – perguntado sobre se chegara a falar na apólice na B... e se alguma vez disse que o valor que lhe estava a ser proposto, em comparação com o que pagava na B..., era mais caro ou mais barato – que:

• é possível que sim;

• isto foi em 2014;

• é provável que tenha falado na B..., uma vez que eu estava a retirar os seguros da B... para passar para a A... (gravação constante do citado ficheiro 20211115161940_1801785_2870679 – a partir do minuto 37.00),

• assim acabando o A. por atestar a existência de conversações e comparações com o contrato de seguro antes celebrado com tal seguradora;

AA. Também a testemunha DD (cujo depoimento não foi contemplado nem analisado na sentença) – confirmou [sessão de julgamento realizada em 04.02.2022, depoimento com início pelas 15:37 horas e fim pelas 15:58 horas (vde. acta da audiência) – gravação em suporte informático – ficheiro 20220204153717_1801785_2870679], além do mais, que:

• não foi contratada a cobertura de reconstituição de muros (minuto 3.30);

• o pavimento não enquadramento na cobertura de tempestades (minuto 4.25);

• o muro não tem cobertura (minuto 4.45);

• as apólices têm as coberturas; depois os clientes contratam as coberturas adicionais que pretendem (minuto 13.55);

• não contratando a cobertura de reconstituição de muros e jardins, não ficam com o muro garantido (minuto 14.10);

• o seguro garante o valor do imóvel; neste caso, o muro já não (minuto 14.45);

• o muro é à parte (minuto 14.50);

• o acesso à garagem não está enquadrado na cobertura de tempestades (minutos 17.10 e 17.30); só se funcionasse a cobertura de reconstituição de muros, jardins, … (minuto 17.50);

BB. Ademais, observando-se atentamente a prova documental junta pela R., constata-se que o tipo de cobertura em causa não figura em nenhum dos documentos que constituem a Apólice tituladora do contrato de seguro invocado (vde. docs. 1 a 3 juntos com a contestação), antes sendo certo que, das coberturas opcionais disponíveis, o A. apenas escolheu e contratou a garantia adicional referente a um “Painel solar no valor de 1550€” (cfr. doc. 1 citado), pelo que também daí resulta a impossibilidade de fazer funcionar as pretendidas coberturas daquele contrato;

CC. Pese embora se não ignore que as declarações de parte estão sujeitas ao princípio da livre apreciação da prova (artigo 607º, nº 5, do Código de Processo Civil), não concorda a recorrente com o entendimento, plasmado na (aliás douta) sentença recorrida, segundo o qual a mera negação, pelo A. (a parte mais interessada no desfecho da acção), de um facto (essencial para a demonstração da tese da parte contrária), é susceptível de, sem mais, infirmar os depoimentos (credíveis, objectivos e verosímeis) das testemunhas, para mais quando sustentados na restante prova (designadamente documental);

DD. Como é pacífico, no julgamento sobre a matéria de facto, deve fazer-se a indispensável análise crítica e plural da mesma, no conjunto da prova produzida, e, portanto, para lá de qualquer subjectividade interpretativa, apelando sempre à experiência vivencial e usando de prudência e de bom senso na interpretação dos sinais transmitidos pelas testemunhas e pelas partes, da sua segurança e da forma como se exteriorizam;

EE. Em nenhum momento se coloca, na sentença, em crise a objectividade nem a credibilidade da testemunha CC, nem se convoca sequer o depoimento da testemunha DD, também se não conjugando estas provas com a prova documental disponível;

FF.Para dar como provado o facto 28), bastou-se a sentença com a negação do A., não tendo relevado os meios probatórios disponibilizados ao longo do processo e da audiência de julgamento.

GG. Foi unicamente por as declarações de parte terem sido valoradas de forma auto-suficiente e sem se exigir, verdadeiramente, a sustentação em qualquer outra prova (nos termos acima expostos) que o douto Juízo Local Cível ... deu por demonstrado (apesar da restante prova) que “O autor não foi informado que os muros, portões, vedações, caminhos e outras superfícies asfaltadas, ladrilhadas ou empedradas só seriam considerados parte integrante do imóvel (objeto seguro) se fosse contratada a cobertura de “reconstituição de muros, portões, vedações e jardins”;

HH. Não pode esquecer-se que as declarações de parte – como meio probatório – devem ser atendidas e valoradas com algum cuidado, já que são declarações interessadas, parciais e não isentas, em que quem as produz tem um manifesto interesse na acção;

II. Afigura-se, pois, arriscado dar como provado, sem mais – nomeadamente sem o auxílio de outros meios probatórios – os factos alegados pela própria parte e só por ela admitidos e confirmados;

JJ. Deverá, por não haver (face à prova produzida) dúvidas razoáveis a esse respeito, concluir-se que:

• “O A. não contratou a cobertura “Reconstituição de Muros, Portões, Vedações e Jardins”;

• “Não podem considerar-se “como parte integrante do edifício ou fração, os muros de contenção de terras ou de delimitação e ou separação da propriedade e respetivos portões, bem como os caminhos e outras superfícies asfaltadas, ladrilhadas ou empedradas, os jardins, os campos de jogos, outras instalações recreativas, respetivas vedações, muros e portões”;

• “Não constituem „bens seguros‟ os bens que o A. diz terem ficado danificados, os quais não são, por isso, susceptíveis de integrar o objecto de qualquer indemnização no âmbito do contrato de seguro identificado em 1)”;

KK. E deverá considerar-se também provado que “O valor necessário para a reparação dos danos no muro de suporte referido em 8) é de 9.315,80€ + IVA”;

LL. Devem julgar-se, em consequência, não provados os pontos 16) e 28) da “Matéria de facto provada”;

MM. Houve, com o devido respeito, erro na apreciação da prova, que impõe decisão diversa quanto à matéria de facto julgada provada e não provada, devendo revogar-se a sentença recorrida na parte correspondente e alterar-se aquela matéria no sentido apontado;

NN. O A. contratou uma apólice de seguro do Ramo Multirriscos Habitação, referente ao imóvel sito na Rua ..., ... ..., com a utilização prevista “Habitação, garagem e arrecadação”, considerando-se, como parte integrante do edifício:

• o “Conjunto de elementos de construção e respetivas instalações fixas de água, gás, eletricidade, aquecimento, ar condicionado, comunicações, elevadores, monta-cargas, escadas rolantes, antenas de captação de imagem e som”; e também

• “As arrecadações, garagens, tanques e piscinas, bem como as respetivas coberturas fixas de construção definitiva a eles pertencentes” e “As benfeitorias introduzidas pelo seu proprietário com carácter permanente (…)”;

OO. Só se tivesse sido (e não foi) contratada a cobertura “Reconstituição de muros, portões, vedações e jardins” se considerariam “ainda como parte integrante do edifício os muros de contenção de terras ou de delimitação e ou separação da propriedade e respectivos portões, bem como os caminhos e outras superfícies asfaltadas, ladrilhadas ou empedradas, os jardins, os campos de jogos, outras instalações recreativas, respectivas vedações, muros e portões”;

PP. Na Apólice ...94, embora, a pedido do A., tenha sido prevista, adicionalmente, a cobertura opcional de danos num painel solar no valor de 1.550,00€, não foi acordada, por o mesmo o não pretender em virtude do correspondente acréscimo no valor do prémio do seguro, a inclusão (opcional) da cobertura de “Reconstituição de Muros, Portões, Vedações e Jardins”;

QQ. A recorrente/seguradora não assumiu, por isso, quando da celebração do contrato, o risco correspondente aos peticionados danos no muro (9.315,80€ + IVA, como acima se defendeu e fundamentou) e no pavimento (465,00€ + IVA) do A., nem recebeu – naturalmente – o prémio de seguro associado a esse tipo de risco, razão pela qual sempre se afiguraria injusto para a R. e configuraria um enriquecimento sem causa para o A. que aquela tivesse agora de suportar – como decidido na sentença recorrida – os identificados danos;

RR. Decidindo como decidiu, contrariou a douta sentença recorrida, designadamente e pelo menos, as disposições dos artigos 3º, nº 1; 5º, nºs 1 e 2; e 607º, nº 4, do Código de Processo Civil; e 342º, 798º e 804º, do Código Civil.».

Pugna, assim, pela revogação da sentença, «alterando-se a matéria de facto provada nos termos expostos, absolvendo-se, em consequência, a R./ora recorrente dos pedidos formulados».

O A. apresentou contra-alegação, pugnando pela total improcedência do recurso da R., e interpôs, por sua vez, recurso subordinado, oferecendo motivação, culminada com as seguintes

Conclusões ([2]):

«I - A matéria que a Ré entende dever ser dada como provada no Ponto F das conclusões das suas alegações, com exceção do valor necessário para a reparação dos danos no muro de suporte e constitui óbvia matéria conclusiva e de direito….

II - A Ré não tem razão na pretendida modificação da decisão de facto nos dois pontos de facto que impugna (16 e 28); logo porque a resposta dada pelo Tribunal recorrido a estes Pontos de Facto resultam da prova produzida no processo e da boa aplicação do direito.

III - Como tem defendido a doutrina e jurisprudência dominante, a título de exemplo cita-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 30 de Novembro de 2017 in www.dgsi.pt, o Tribunal da Relação quando chamado a intervir deve considerar todos os meios de prova para verificar se foi cometido ou não erro de apreciação que deva ser corrigido, sem esquecer que se mantém em vigor os princípios de imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova. Assim, em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e á fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira instância.

Tanto mais que,

IV - Quanto à impugnação do Ponto 28) a M.ma Juiza a quo também justificou a sua resposta com as versões contraditórias dos depoimentos e com o facto de o Tribunal não ter ficado esclarecido com a segurança necessária sobre se tal informação foi efetuada, mesmo após a realização de acareação.

V- Se atendermos aos restantes meios de prova, nomeadamente documental junta aos autos, constata-se que no documento n.º 1 (Proposta de Seguro) junto aos autos pela Ré não existe sequer a possibilidade de escolher a cobertura de reconstrução de muros.

VI – No documento n.º 2 (Apólice de Seguro) como objecto a segurar consta o imóvel que constitui a casa de habitação do Autor identificado claramente como habitação, garagem e arrecadação. Ora,

VII – A testemunha CC confirmou no seu depoimento prestado na sessão de julgamento realizada em 15.11.2021, depoimento com início pelas 16:21 horas e fim pelas 16:50 horas com gravação em suporte informático - ficheiro 20211115161940_1801785_2870679) que se passa a transcrever para atestar a correta valoração da prova levada a cabo pela M.ma Juíza a quo:

Minuto 18:09 - Pergunta Mandatária do Autor - “E em relação às condições gerais, foram disponibilizadas ao cliente?

Testemunha: Eu levei a apólice ao cliente, as condições gerais eu disse ao cliente que tinha as condições gerais no site da A... e se quisesse enviava-lhe por email. Eu não disse que lhe mandei. Ele não mas pediu…“Não não mandei as condições gerais…”

VIII – O Documento n.º 3 junto pela Ré com a sua contestação não foi sequer disponibilizado ao Autor (Veja-se a transcrição do depoimento da testemunha supra).

IX - O depoimento da testemunha CC (mediador de seguros) revelou-se confusa, embora tenha demonstrado ter a “lição bem estudada” quanto à questão da cobertura extra dos muros, descrevendo de forma pormenorizada uma conversa que teria decorrido 5 anos antes sem que se fizesse prever sequer a situação sub iudice; por outro lado, revelou total desconhecimento das restantes coberturas do seguro, como especificamente a questão dos anexos não totalmente fechados, vulgo “churrasqueira” que na sua perspetiva estava coberta pelas várias coberturas do seguro, ao contrário do que alega a própria Ré, o que, se bem se pensa, não revela a segurança necessária para este Venerando Tribunal concluir pelo erro na apreciação dos pontos de facto impugnados.

X - Como prova desta fragilidade de depoimento atente-se ainda nas seguintes passagens (sessão de julgamento realizada em 15.11.2021, depoimento com início pelas 16:21 horas e fim pelas 16:50 horas com gravação em suporte informático – ficheiro 20211115161940_1801785_2870679) que se passam a transcrever para atestar a correta valoração da prova levada a cabo pela M.ma Juíza a quo:

Pergunta do mandatário da Ré – As construções não inteiramente fechadas ou cobertas estão abrangidas pelas coberturas?

Resposta – Como, não percebi Dr. - Que não estejam cobertas não.

Minuto 23:22 – As construções que têm cobertura estão cobertas, não é preciso estarem fechadas mas aí estão …

Minutos 23:38 a 24:43 - Pergunta da Mandatária do Autor: A churrasqueira estava coberta ou não estava?

Testemunha: Aí estava a churrasqueira mas aquilo não é considerado anexo, a churrasqueira… É um anexo? Mas pronto… Pertencem ao imóvel também estão abrangidos…

XI - Atendendo ainda a que as declarações de parte do Autor mostraram-se objetivas, concisas e coerentes, a resposta à matéria de facto relativamente ao ponto 28) dada pela M.ma Juíza a quo nada tem a corrigir.

XII - O Autor alegou a existência de um contrato de seguro que se encontra sujeito ao Regime das Cláusulas Contratuais Gerais que tem, em relação a elas, o dever de comunicação e o dever de informação, nos termos do artigo 5.º do DL 446/85 de 25 de Outubro (Regime das Cláusulas Contratuais Gerais). Pois,

XIII - Decorre do n.º 3 do artigo 5.º do DL n.º 446/85 que o ónus da comunicação e informação adequada e efetiva das cláusulas cabe ao contraente que submeta a outrem as cláusulas gerais. Ou seja, o que releva aqui, é quer a prova da efetiva informação prestada pela Ré de que os muros, portões, vedações, caminhos e outras superfícies asfaltadas, ladrilhadas ou empedradas só seriam consideradas parte integrante do imóvel (objeto seguro) se fosse contratada a cobertura “reconstrução de muros, portões, vedações e jardins” quer a prova de ter levado ao conhecimento do Autor, de forma adequada e efetiva do teor constante da cláusula 1.ª das condições gerais, ponto II do documento referido em 1) da matéria de facto provada na douta sentença a quo.

XIV – Caso não sejam cumpridas esses deveres de comunicação e informação, como muito bem entendeu a M.ma Juíza a quo, têm-se por excluídas dos contratos singulares as cláusulas não comunicadas, mas subsistindo, na medida do possível, o contrato – ut Acórdão do STA de 11.04.2000 citado na douta sentença recorrida. Pois,

XV – O ónus da prova que pertencia exclusivamente à Ré, como decorre o n.º 3 do artigo 5.º do DL n.º 446/85.

Acresce que,

XVI - Tendo em conta o teor das informações constantes da apólice, onde falta expressamente a possibilidade de incluir a cobertura de muro, jardins, etc., etc, e, identifica, expressamente, o prédio no seu todo, a exclusão destes danos do risco assumido pela Ré consubstancia um atropelo à dinâmica de um adequado funcionamento do vínculo contratual estabelecido e, por isso, desproporcional e violador do princípio da boa fé – ut Acórdão do STJ - Proc. 534/15.2T8VCT.G1.S1

XVII - Ao abrigo do disposto no art.s 12.º, 15.º e 18.º, al. B) do DL 446/85 de 25/10, estas cláusulas (1.ª e 2.ª das condições gerais) não só devem ser consideradas inexistentes, por não terem sido efetivamente levadas ao conhecimento do Autor, como a específica exclusão da cobertura de “Reconstrução de Muros, Portões, vedações e Jardins” neste caso concreto deve considerar-se proibida e como tal nula, nos termos das disposições legais supra citadas.

Posto isto,

XVIII – Da matéria de facto que a Ré pretende ver reapreciada não resulta que o Autor tenha sido informado das circunstâncias e aspetos constantes quer da cláusula 1.ª quer da 2.ª das condições gerais do contrato, o que impõe que as mesmas no mínimo se tenham por inexistentes.

XIX – Do depoimento da testemunha DD não resulta qualquer facto pertinente relacionado com a comunicação e/ou informação adequada e efetiva das cláusulas do contrato ao Autor pelo que o seu depoimento não releva para a valoração do Ponto 28) da matéria de facto.

XX – Por último sempre se dirá que nas conclusões do recurso interposto pela Ré, principalmente no capítulo “VI – Da aplicação do direito” não se equaciona sequer a aplicação ao caso sub iudice do Regime das Cláusulas Contratuais Gerais, ignorando a aplicação deste regime na aplicação que faz do direito aos factos e labora em manifesto erro jurídico.

XXI - Resulta da matéria de facto provada na douta sentença a quo (pontos 8 e 9) que “a cedência do muro de suporte provocou o arrastamento dos solos sob as fundações do anexo/arrecadação em parte da sua implantação, implicando que a construção ficasse, parcialmente, sem solo de fundação, com paredes e estrutura fissurada, em risco de colapso e sem capacidade de utilização por perigo de ruína”. Ora,

XXII – Relativamente ao anexo/arrecadação, também conhecida como “churrasqueira”, a testemunha DD declarou, na qualidade de gestora de sinistros, na sessão de julgamento realizada em 04.02.2022, transcrita no artigo 49 destas alegações que aqui se dó por reproduzido que r “Apesar de ser uma estrutura aberta aquilo é uma coisa que faz pertence ao imóvel portanto … nós apesar da exclusão das estruturas abertas … nós tínhamos indicação em caso destes para … foi a Tempestade Elsa e outra poderíamos regularizar se fosse necessário, é uma questão de bom senso.

XXIII – Vem o presente recurso interposto de forma subordinada na parte em que a M.ma Juíza a quo não considerou que os danos ocorridos no anexo/arrecadação são subsumíveis na cobertura de “Aluimento, deslizamentos, derrocadas e afundimentos de terrenos”. Assim,

XXIV - Conjugado o depoimento da testemunha DD com o relatório pericial junto aos autos, na perspetiva do Autor, resultou indubitavelmente provados os seguintes pontos de facto:

Ponto 29) - O anexo/churrasqueira faz parte do imóvel.

Ponto 30) – O valor necessário para a reconstrução do anexo/churrasqueira ascende ao montante de €3600,00, acrescido de IVA.

XXV – A valoração destes factos reveste natureza relevante para uma melhor aplicação do direito no caso sub iudice.

Vejamos:

XXVI – A exclusão das “construções não inteiramente fechadas ou cobertas” constante na cláusula 2.ª das condições gerais, ponto 6.1 deve considerar-se como inexistente e não escrita (se atendermos à cobertura referente as “Tempestades” considerada pela M.ma Juiz a quo). Sem conceder, E ainda que assim não seja,

XXVII – Na perspetiva do Autor, na aplicação do direito aos factos, os danos causados no anexo/arrecadação estão também abrangidos pela cobertura de “Aluimento, deslizamentos, derrocadas e afundimentos de terrenos”.

XXVIII – A Ré é assim também responsável pelo pagamento ao Autor da quantia necessária à reconstrução da arrecadação/anexo que serve de churrasqueira, porquanto não aplica aqui sequer a exclusão dos danos em construções não inteiramente fechadas ou cobertas. Acresce que,

XXIX – No entendimento da gestora de sinistros da Ré, o que até constitui uma aceitação da responsabilidade, a churrasqueira faz parte do imóvel e, como tal, deveria ser indemnizado.

XXX – Dúvidas não restam que existe nexo de causalidade entre o aluimento das terras de suporte do anexo e a necessidade da sua reconstrução.

XXXI - Ter-se-á assim que concluir que estes danos específicos se enquadram na cobertura de “Aluimento, deslizamentos, derrocadas e afundimentos de terrenos”.

XXXII - Se atendermos também à peritagem realizada relativamente aos danos verificados no Anexo/arrecadação, com a certeza jurídica necessária temos para o Autor o prejuízo de €3600,00 acrescido de IVA.

XXXIII – Desta forma, não estamos a considerar uma churrasqueira nova, mas apenas o montante que o Sr. Perito nomeado pelo Tribunal considera necessário para a reparação dos danos que verificou terem existido no Anexo/arrecadação.

Consequentemente,

XXXIV – Deve a Ré, A..., SA ser condenada a pagar ao Autor, AA, as seguintes quantias:

- A quantia de 11.894,75€ (onze mil oitocentos e noventa e quatro euros e setenta e cinco cêntimos) + IVA pela reconstrução do muro que perfaz o montante de €14.630,54;

- A quantia de €465,00 (quatrocentos e sessenta e cinco euros) + Iva pela reparação do pavimento de acesso à garagem que perfaz o montante de €517,95;

. A quantia de €3600,00 + IVA (três mil e seiscentos euros) pela reconstrução do anexo/arrecadação que perfaz o montante de €4428,00;

Quantias estas acrescidas dos juros de mora, à taxa legal, desde 1 de setembro de 2020, até efetivo e integral pagamento.

Termos em que, com a ampliação da matéria de facto aditada pelo aqui recorrente/Autor deve proceder o recurso subordinado e improceder o recurso da Ré, com a condenação desta no pagamento da quantia global de €19.576,49 (dezanove mil quinhentos e setenta e seis euros e quarenta e nove cêntimos), acrescida dos juros legais vencidos e vincendos, como ato de Inteira e Sá Justiça».

A R. ofereceu resposta ao recurso subordinado, concluindo pela respetiva improcedência, «confirmando-se a douta sentença recorrida na parte em que conclui estarem excluídos da apólice contratada com a R. os danos no anexo/arrecadação/churrasqueira do A.».

Os recursos (principal e subordinado) foram admitidos como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo, tendo então sido ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem (com manutenção aqui de tais regime e efeito fixados).

Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.

II – Âmbito recursivo

Sendo o objeto dos recursos delimitado pelas respetivas conclusões, pressuposto o objeto do processo delimitado nos articulados das partes – nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do NCPCiv. –, está em causa na presente apelação saber:

a) Se deve proceder a impugnação da decisão relativa à matéria de facto (quanto a ambos os recursos);

b) Se ocorre a invocada inoperância, por não contratação específica, da garantia/cobertura do seguro ou, ao invés, prevalece o regime das Cláusulas Contratuais Gerais (CCG), com as inerentes consequências;

c) Se devem ser alterados o âmbito e os montantes da reparação arbitrada na sentença.

III – Fundamentação

A) Impugnação da decisão relativa à matéria de facto

1. - Quanto ao recurso principal

Começa a R./Recorrente por referir, no âmbito da sua impugnação da decisão relativa à matéria de facto, que deverá considerar-se provado (conclusão F) que:

a) “O valor necessário para a reparação dos danos no muro de suporte referido em 8) é de 9.315,80€ + IVA” (conforme definido na perícia realizada nos autos);

b) “O A. não contratou a cobertura “Reconstituição de Muros, Portões, Vedações e Jardins” (cfr. artigo 5. da contestação);

c) “Não podem considerar-se “como parte integrante do edifício ou fração, os muros de contenção de terras ou de delimitação e ou separação da propriedade e respetivos portões, bem como os caminhos e outras superfícies asfaltadas, ladrilhadas ou empedradas, os jardins, os campos de jogos, outras instalações recreativas, respetivas vedações, muros e portões” (cfr. artigo 6. da contestação);

d) “Não constituem “bens seguros” os bens que o A. diz terem ficado danificados, os quais não são, por isso, susceptíveis de integrar o objecto de qualquer indemnização no âmbito do contrato de seguro identificado em 1) [da “Matéria de facto provada”]” (cfr. artigo 7. da contestação).

Apreciação:

Quanto à a) – “O valor necessário para a reparação dos danos no muro de suporte referido em 8) é de 9.315,80€ + IVA” –, é de notar que o seu conteúdo se contrapõe ao facto do ponto 16 dado como provado na sentença, que a mesma R./Recorrente, coerentemente, pretende seja julgado como não provado, o qual apresenta o seguinte teor:

«16) A reconstrução do muro de suporte referido em 8), em alvenaria de granito, com uma face à vista, 22,0 m de comprimento e 4,5 m de altura, incluído os trabalhos de escavação, aterro e compactação no tardoz do muro, colocação de tubagem para dreno envolvida em brita e manta geotêxtil, execução de sapata em betão ciclópico, fornecimento, transporte e colocação e travamento de pedras com dimensão superior a 1,5 m3, orça em 11.894,75€ + IVA, valor determinado pela empresa, contratada pelo autor, responsável pela realização das obras.».

A 1.ª instância fundamentou assim a sua convicção positiva quanto a tal ponto 16:

«Os factos constantes dos pontos 16) a 20) da matéria de facto provada resultaram do depoimento da testemunha EE, legal representante da empresa C..., Lda. - empresa responsável pela execução dos trabalhos de reparação no imóvel do autor, contratada por este - sustentado pelo documento junto pelo autor com a petição inicial, elaborado por aquela empresa, o qual consubstancia o orçamento para execução dos trabalhos e nos quais se mostram descritos os valores que resultaram provados. Mais se teve em consideração o depoimento de tal testemunha e as declarações de parte do autor, coincidentes entre si, quanto aos trabalhos já executados e aos trabalhos em falta, bem como quanto ao montante já liquidado pelo autor, relativamente ao qual também se considerou a fatura e recibo juntos no decurso da audiência de discussão e julgamento.».

Esgrime a R./Recorrente com o que consta da prova pericial produzida no âmbito dos presentes autos, de onde se retira, segundo invoca, que a reparação dos danos no muro de suporte referido em 8) ascende a € 9.315,80 + IVA, num total, assim, de € 11.458,43.

O relatório de perícia – prova ordenada pelo Tribunal (cfr. despacho saneador e de produção de provas datado de 18/11/2020, a fls. 95 e seg. do processo físico) –, que se mostra junto a fls. 105 v.º e segs. do processo físico, tendo o perito nomeado, FF (engenheiro civil), prestado ainda esclarecimentos em audiência final (cfr. fls. 116 e seg. também do processo físico), foi objeto de valoração pelo Tribunal a quo, mas a propósito da convicção formada sobre a matéria de outros pontos fácticos, destacando-se as seguintes considerações (com que se concorda) a respeito na motivação da decisão de facto:

«As conclusões apresentadas no relatório pericial mostram-se devidamente fundamentadas e foram sustentadas de forma objetiva pelos esclarecimentos prestados pelo Sr. Perito em audiência de discussão e julgamento. No mais, resulta de forma perentória do referido relatório pericial que o colapso do muro foi provocado pela ação da água, o que foi confirmado pelo Sr. Perito em audiência, tanto mais que, todas as circunstâncias que poderiam ter concorrido para tal colapso, designadamente, o alegado estado de degradação e desgaste do muro e a sua construção desajustada/desadequada – alegadas pela ré na contestação – foram afastadas pelo Sr. Perito e não lograram ser demonstradas por qualquer outro meio de prova.

Ora, in casu, nada há a apontar pelo Tribunal nem o foi pelas partes que ponha em causa o rigor da prova realizada. Não se discute, designadamente, o profissionalismo do perito, os requisitos da perícia ou a observância, na elaboração da mesma, de parâmetros profissionais. Não está, por isso, em causa, a qualidade da perícia.

No nosso direito predomina o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no Código de Processo Civil: o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.

No nosso ordenamento legislativo a perícia é um meio de prova.

A finalidade da perícia é a perceção de factos ou a sua valoração de modo a constituir prova atendível.

O perito é um auxiliar do juiz, chamado a dilucidar uma determinada questão com base na sua especial aptidão técnica e científica para essa apreciação. A perícia tem como finalidade auxiliar o julgador na perceção ou apreciação dos factos a que há-de ser aplicado o direito, sempre que sejam exigidos conhecimentos especiais que só os peritos possuem.

O juízo técnico e científico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador; o julgador está amarrado ao juízo pericial, sendo que sempre que dele divergir deve fundamentar esse afastamento, exigindo-se um acrescido dever de fundamentação.

In casu, urge concluir que nenhuma prova foi produzida nos autos que infirmasse, de forma suficiente, as conclusões apresentadas no relatório pericial, uma vez que a única testemunha que prestou depoimento contrário àquele meio de prova foi a testemunha BB, arrolado pela ré, perito da GEP, o qual, na sequencia da participação do autor se deslocou ao local e elaborou o relatório junto com a petição inicial, no qual concluiu que o muro em causa nos autos colapsou não devido ao mau tempo mas sim devido ao facto de o mesmo não apresentar as características e condições necessárias ao exercício da sua função.

Ora, é verdade que o tribunal aprecia livremente as conclusões da prova pericial; porém, considerando sempre que se trata de um juízo técnico-científico que, no caso sub judice, escapa, quase em absoluto, à experiência comum, deve a mesma considerar-se uma prova largamente preponderante e influente.

Sendo que, se está em causa apurar um facto cuja solução depende de uma apreciação técnica e se a prova pericial for produzida segundo os padrões técnicos pertinentes e atendíveis – como foi no caso em apreço – esta deverá prevalecer sobre a opinião do leigo, designadamente, sob a opinião da testemunha BB, o qual, salvo o devido respeito, exercendo as funções de perito patrimonial (como se identificou em Tribunal, sendo o relatório por si elaborado denominado de “Relatório de Peritagem Patrimonial”), não tem o mesmo formação técnica na área da engenharia civil e os conhecimentos que eventualmente poderá ter a esse respeito não se reconduzem ao sentido técnico aqui exigível.

Entendeu-se, assim, não se ter elementos que, de alguma forma, infirmem a prova produzida pela perícia.» (destaques aditados).

Ora, consultado o relatório de perícia dos autos (mormente fls. 108 v.º e 109 do processo físico), constata-se que o perito indica os seguintes valores de reparação dos danos em discussão:

«- Pavimento acesso à Garagem:

- Área de intervenção: 31,00m2;

- Valor: 465,00€

-Anexo/Arrecadação:

- Área de intervenção: 18,00m2;

- Valor: 3.600,00€

- Muro de Suporte:

- Área de intervenção:

- Muro de Suporte: 99,00m2 (22,0x4,5);

- Guarda (alvenaria blocos): 20,29m2 (15,30x1,05+6,5x0,65);

- Valor: 8.910,00 + 405,80€ = 9.315,80€» (destaques aditados).

Assim, é certo, como refere a R./Recorrente, que da prova pericial produzida – realizada por técnico nomeado e habilitado (eng.º civil) – resulta que a reparação dos danos no muro de suporte ascende a € 9.315,80 + IVA, num total, pois, de € 11.458,43.

Como, aliás, referido pela 1.ª instância, esta perícia é credível, clara e inequívoca, tratando-se de prova técnica, realizada no âmbito dos autos, segundo as exigências do princípio do contraditório, nenhuma razão havendo para dúvidas sobre a idoneidade, isenção e credibilidade do perito, que, diversamente de quem elaborou o orçamento para o A., no intuito de obter a execução da obra (como ocorreu, já realizada em parte e em parte paga), manifesta posição de total desprendimento perante os interesses em causa.

Por isso, também nesta parte – como nas restantes em que o Julgador conferiu credibilidade a tal prova pericial – deve aderir-se ao que consta do relatório de perícia mencionado, sobrepondo-se ao que foi dito pela testemunha indicada pelo Tribunal a quo, EE, legal representante da sociedade «C..., Ld.ª», por ter interesse na realização da obra, bem como ao documento/orçamento junto pelo A., elaborado por tal empresa, reportado a valor mais elevado, tendo em conta, ademais, e como também notado por aquele Tribunal, os especiais conhecimentos técnicos do perito, enquanto engenheiro civil.

Assim sendo, em reapreciação pela Relação, na sua autónoma convicção perante as provas convocadas, é de conferir razão nesta parte à impugnação da R./Apelante, adotando-se, como provado, o dito valor/custo de reparação do muro de suporte de € 11.458,43 (com IVA incluído).

Termos em que o impugnado ponto 16 passará para o quadro dos factos julgados não provados, dando-se como provado, em sua substituição, que:

«29) O valor necessário para a reparação dos danos no muro de suporte referido em 8) é de € 11.458,43 (com IVA incluído)».

Quanto agora à mencionada al.ª b) – pretende a impugnante que se dê como provado que “O A. não contratou a cobertura “Reconstituição de Muros, Portões, Vedações e Jardins” –, deve dizer-se que o conteúdo essencial do contrato de seguro celebrado, no que a coberturas contratadas se refere (e ao demais conteúdo contratual, como «elementos do risco» e outros), já consta dado como assente sob os pontos 1 a 7 dos factos julgados provados, havendo mesmo um ponto fáctico específico – o ponto 2 – atinente à ditas coberturas contratadas «relativamente ao imóvel supra identificado».

Assim sendo, saber se o A. contratou, ou não, a cobertura “Reconstituição de Muros, Portões, Vedações e Jardins” é matéria conclusiva a retirar, perante os dados da apólice, dos factos já dados como provados quanto às ditas coberturas contratadas. Isto é – salvo sempre o devido respeito –, trata-se de conclusão/valoração a extrair, em sede de fundamentação de direito ([3]), daquele factualismo provado atinente ao conteúdo contratual, deixado transparecer nos ditos pontos fácticos (provados) 1 a 7.

Nada, pois, a aditar nesta parte ao quadro fáctico dado como provado, visto ao mesmo não deverem ser levados juízos conclusivos ou valorativos, mas apenas factos (cfr. art.º 607.º, n.º s 3 a 5, do NCPCiv.).

Passando à al.ª c) – refere a mesma impugnante que é de ter como provado que «Não podem considerar-se “como parte integrante do edifício ou fração, os muros de contenção de terras ou de delimitação e ou separação da propriedade e respetivos portões, bem como os caminhos e outras superfícies asfaltadas, ladrilhadas ou empedradas, os jardins, os campos de jogos, outras instalações recreativas, respetivas vedações, muros e portões» –, cabe dizer, mais uma vez, que se trata, também aqui, de matéria conclusiva/valorativa, a retirar dos dados fácticos que resultem provados, designadamente quanto às caraterísticas, configuração e composição do prédio do A..

Com efeito, não poderia, por exemplo, perguntar-se às testemunhas – e obter delas esclarecimento válido – se os muros de contenção de terras ou de delimitação e ou separação da propriedade e respetivos portões, bem como os caminhos e outras superfícies asfaltadas, ladrilhadas ou empedradas, os jardins, os campos de jogos, outras instalações recreativas, respetivas vedações, muros e portões, constituem, ou não, «parte integrante do edifício ou fração», posto se tratar já de matéria que implica uma valoração jurídica e, nessa medida, de dimensão conclusiva/valorativa, mormente no confronto dos dados contratuais com as caraterísticas do imóvel, a ter de ficar reservada, por isso, para a fundamentação jurídica (de direito).

E o mesmo se diga relativamente à al.ª d), sobre se constituem, ou não, “bens seguros” os bens que o A. diz terem ficado danificados, os quais não são, por isso, suscetíveis de integrar o objeto de qualquer indemnização no âmbito do contrato de seguro identificado em 1) dos factos provados.

Tratando-se, também aqui, de conclusão/valoração jurídica, a extrair do clausulado do contrato, no confronto com os bens em causa, para saber se são, ou não,“bens seguros” (objeto de cobertura pela garantia do seguro), não poderia tal matéria ser levada ao quadro fáctico da sentença, mormente ao factualismo provado, posto – reitera-se – não caberem aí enunciados conclusivos ou valorativos, matéria essa que tem de ser enfrentada na fundamentação de direito da decisão.

Nada, pois, a aditar neste particular ao quadro fáctico dado como provado, tendo em conta o disposto no art.º 607.º, n.º s 3 a 5, do NCPCiv., visto estarmos perante inequívoca matéria conclusiva/valorativa, que contende com o desfecho jurídico da ação, isto é, matéria de direito, no quadro do pleito, a ser objeto de apreciação no plano da dita fundamentação jurídica da sentença e não na parte fáctica desta, onde só pode ter assento a materialidade fáctica relevante.

Nesta parte, tem de improceder, por isso, a impugnação.

Por outro lado, pretende a mesma Recorrente que se julgue agora como não provado (conclusão G) ainda que:

“O autor não foi informado que os muros, portões, vedações, caminhos e outras superfícies asfaltadas, ladrilhadas ou empedradas só seriam considerados parte integrante do imóvel (objeto seguro) se fosse contratada a cobertura de “reconstituição de muros, portões, vedações e jardins”.

Trata-se do ponto 28 dos factos julgados provados, relativamente ao qual a 1.ª instância afirmou a seguinte fundamentação da convicção:

«O autor alegou em sede de resposta não ter sido informado nem lhe ter sido comunicado que os muros, portões, vedações, caminhos e outras superfícies asfaltadas, ladrilhadas ou empedradas só seriam considerados parte integrante do imóvel (objeto seguro) se fosse contratada a cobertura de “reconstituição de muros, portões, vedações e jardins”.

Tal consta da cláusula 1.ª das condições gerais, ponto III, do documento referido em 1), conforme matéria de facto provada.

Como é sabido, decorre do n.º 3 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 446/85, que o ónus da prova da comunicação e informação adequada e efetiva das clausulas cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas gerais.

Pelo que o ónus da prova de tal factualidade cabia, indubitavelmente, à ré, o que, salvo o devido respeito, não logrou fazer.

Quanto a esta matéria apenas prestou depoimento o autor, em declarações de parte, e a testemunha CC, mediador de seguros, o qual foi o mediador do contrato de seguro em causa nos autos, sendo que as versões apresentadas por ambos, no que a esta matéria diz respeito, foram opostas, o que originou, inclusive, a realização de uma acareação entre os dois.

Enquanto a testemunha CC referiu em audiência ter questionado o autor sobre se queria contratualizar a cobertura de “reconstrução de muros, jardins, vedações e portões”, ao que alega que o autor respondeu negativamente, referindo que tal encarecia o seguro, o autor referiu de forma perentória nunca ter sido questionado sobre tal circunstancia, nem nunca ter sido informado que tal cobertura se reconduzia a uma cobertura facultativa, estando convencido de que, com a celebração do contrato de seguro com a ré, o seu prédio estava seguro na totalidade e não apenas a casa de habitação.

Mais nenhuma prova foi produzida quanto a essa matéria, pelo que urge concluir não ter o Tribunal ficado esclarecido, com a segurança necessária, sobre se tal informação foi efetuada.

Não tendo tal factualidade sido provada pela ré, a quem incumbia o ónus da prova, teve a mesma que ser resolvida contra a parte a quem aproveita - a ré - tendo, por isso, resultado como não provada.» (destaques aditados).

Em contrário, esgrime a R./Recorrente que, por um lado, inexiste prova corroborante das declarações de parte prestadas pelo A. no sentido aludido, e, por outro lado, que a testemunha CC é merecedora de maior credibilidade, por ter deposto de forma pormenorizada, relatando, não só que o A. não pretendeu a cobertura em discussão por «encarecer o seguro», mas também que, tendo o A. escolhido «as condições da apólice», perante a «cobertura adicional de muros», que lhe foi proposta, a recusou, «por o prémio de seguro ficar mais caro, nomeadamente (…) que o acordado com a seguradora B... onde mantinha o contrato de seguro então em vigor» (cfr. conclusão U).

A impugnante convoca ainda o depoimento da testemunha DD (cfr. conclusão AA), mas apenas, que se veja, para se pronunciar/concluir sobre a não contratação da cobertura de reconstituição de muros, a não cobertura dos danos no pavimento, nem do muro, bem como sobre o modo, em geral, como são contratadas as coberturas das apólices e as conclusões a extrair do clausulado contratual, designadamente que «o muro é à parte», tal como «o acesso à garagem», por faltarem «coberturas adicionais».

Quer dizer, esta testemunha, ao contrário da anterior, não teria tomado parte – ou presenciado – no ocorrido aquando da contratação do seguro, pelo que nada poderia relatar com conhecimento direto e pessoal sobre o conteúdo dessa concreta negociação/contratação, mormente quanto à posição do A. sobre as coberturas em causa e, o que mais importa, se lhe foi, ou não, prestada, concretamente, a informação questionada neste horizonte da impugnação recursiva.

A contraparte, entre outros argumentos, pugna pela substancial fragilidade do depoimento da testemunha CC, que teria deposto de forma confusa e com evidência de relevantes faltas de conhecimento quanto a outras coberturas do seguro.

Para tanto, apresenta o A./Apelado a seguinte transcrição de passagens da gravação áudio do depoimento daquele CC:

«Minuto 18:09 - Pergunta Mandatária do Autor - “E em relação às condições gerais, foram disponibilizadas ao cliente?

Testemunha: Eu levei a apólice ao cliente, as condições gerais eu disse ao cliente que tinha as condições gerais no site da A... e se quisesse enviava-lhe por email.

Eu não disse que lhe mandei

Ele não mas pediu…

“Não não mandei as condições gerais…”

Pergunta do mandatário da Ré – As construções não inteiramente fechadas ou cobertas estão abrangidas pelas coberturas?

Resposta – Como, não percebi Dr.

Que não estejam cobertas não.

Minuto 23:22 – As construções que têm cobertura estão cobertas, não é preciso estarem fechadas mas aí estão …

Minutos 23:38 a 24:43

Pergunta da Mandatária do Autor: A churrasqueira estava coberta ou não estava?

Testemunha: Aí estava a churrasqueira mas aquilo não é considerado anexo, a churrasqueira…

É um anexo? Mas pronto…

Pertencem ao imóvel também estão abrangidos…».

Já a R./Recorrente apresenta a seguinte transcrição (quanto à mesma testemunha):

«• é mediador de seguros; só trabalha para a A... (minuto 1.30);

• foi a casa do A./Sr. AA – através de uma pessoa amiga, amigo comum (minuto 1.50);

• começámos a falar sobre as apólices (minuto 2.00);

• discutiram várias apólices;

• a apólice multirriscos era a que estava mais perto de vencer;

• o A. pediu-lhe cotações dos seguros (minuto 2.10);

• falaram das garantias;

• o A. disse que se mudasse um (se tivesse boas condições), mudava as apólices todas (minuto 2.15);

• recolheu os dados na primeira vez que foi à casa do Sr. AA, incluindo os dados da habitação (minuto 2.22);

• quando tinha as simulações feitas, foi novamente ter com o Sr. AA (minuto 2.35);

• apresentou-lhe os valores e disse-lhe as condições da apólice (minuto 2.35);

• apresentou-lhe as simulações tanto do multirriscos como dos dois carros e do seguro de caça (minuto 2.45);

• apresentei-lhe primeiramente do multirriscos porque era o que estava a vencer (minuto 2.57);

• o Sr. AA acompanhou-me na leitura da simulação (minuto 3.00);

• especificamente sobre a cobertura de muros, portões vedações e jardins, a testemunha refere (a partir do minuto 3.08) que:

- perguntou ao A. se queria essa cobertura, dizendo-lhe que era opcional, tanto como a de fenómenos sísmicos, que não vêm no simulador, tem de se incluir (minuto 3.15);

- o Sr. AA disse que não pretendia essa cobertura, porque a testemunha lhe disse que com essa cobertura o valor da simulação altera, tem um prémio adicional (minuto 3.25);

- o Sr. Zé disse que se fosse para ficar mais caro não concordava, porque não queria um seguro mais caro do que o seguro que tinha na B... (minuto 3.30);

- e então optou por não fazer aquela cobertura; por fazer o seguro, mas sem aquela cobertura (minuto 3.35);

- isto no segundo dia em que fui à casa do Sr. AA (minuto 3.42);

foi a casa do Sr. AA várias vezes;

a testemunha disse ao A. que a apólice não tinha fenómenos sísmicos, nem

muros/jardins;

é o cliente que escolhe se quer;

seja qual for o valor do imóvel, vai ficar mais caro com os muros;

naquele caso, o prémio ficava mais barato do que na B...; mas, com a cobertura de muros e fenómenos sísmicos, ficava mais caro (minuto 7.45);

o A. escolheu as condições da apólice que foi emitida (minuto 8.45);

deu a hipótese da cobertura adicional de muros, mas o cliente não aceitou (minuto 9.14);

disse ao A. que, com esta cobertura, seja qual for o valor, vai ficar mais caro (minuto 9.43);

levou-lhe as simulações que saem pré-definidas consoante os dados que nós metemos; explicou-lhe as condições; e explicou se queria incluir a cobertura dos muros/portões/jardins (a partir do minuto 10.10);

o cliente não quis a cobertura (minuto 10.47);

quando apresenta a simulação, diz ao Sr. AA que o multirriscos fica a este valor; ele diz que realmente fica assim um bocadinho mais barato do que na B..., mas se puder fazer mais barato ainda… (a partir do minuto 11.10);

a testemunha respondeu que não tem a cobertura de reconstituição de muros, portões, vedações, jardins; nem fenómenos sísmicos e perguntou se o A. queria incluir essas coberturas; que se incluir ficam mais caras (minuto 11.25);

e o cliente diz que não (11.32);

falou das coberturas e o cliente não aceitou (minuto 12.27);

a proposta de seguro foi assinada no terceiro dia que lá foi (a casa do A.) – minutos 12.50 e 14.38;

explicou e leu as coberturas ao A. (minuto 14.45);

falámos principalmente no multirriscos, que era o que era mais próximo do vencimento (minuto 15.00);

o A. recusou as propostas melhores que a testemunha lhe apresentou por causa do preço; para não pagar mais (minuto 17.00);

na situação da reconstrução do muro foi igual (minuto 17.15);

o cliente não pretendeu o valor dessa cobertura (minuto 17.27);

quando o A. disse que o muro caiu, a testemunha disse-lhe logo no dia que a cobertura não estava contratada (minuto 19.48);

na B... o A. pagava menos do que na A... com as coberturas adicionais (minuto 21.08);» (destaques aditados).

Aqui chegados, não podemos deixar de surpreender – salvo o devido respeito – uma inexatidão no raciocínio do Tribunal recorrido.

Com efeito, se é certo que, tendo o A. alegado, em sede de articulado de resposta, omissão de comunicação e informação quanto a clausulado contratual geral – não lhe ter sido comunicado/informado que os muros, portões, vedações, caminhos e outras superfícies asfaltadas, ladrilhadas ou empedradas só seriam considerados parte integrante do imóvel (objeto seguro) se fosse contratada a cobertura de “reconstituição de muros, portões, vedações e jardins” – e, bem assim, nessa sequência, que «decorre do nº 3 do artigo 5º do Decreto-Lei nº446/85, que o ónus da prova da comunicação e informação adequada e efetiva das clausulas cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas gerais», razão pela qual «o ónus da prova de tal factualidade cabia, indubitavelmente, à ré», então o facto a formular, segundo as regras do ónus da prova, não deveria ser um facto negativo, a provar pelo A., como o que foi vertido no ponto 28 em dissídio.

Se o «o ónus da prova (…) cabia, indubitavelmente, à ré», bastando, para tanto, ao A. alegar que foi inobservado o dever de comunicação e informação (art.ºs 5.º e 6.º do dito DLei n.º 446/85, de 25-10, na redação aplicável) quanto a determinadas cláusulas contratuais gerais, então a formulação fáctica haveria de ser elaborada de acordo com esse ónus da prova.

Isto é, em vez de se questionar – para dar como provado ou não provado – se «O autor não foi informado…» (formulação negativa do facto, a colocar o ónus da prova na esfera do demandante), o que teria de se indagar era a vertente positiva (o facto inverso), se «O autor foi informado…», cabendo à R./predisponente fazer essa prova positiva de que comunicou e informou o A./aderente.

Com efeito, o art.º 5.º, n.º 3, do aludido DLei dispõe que o ónus da prova da comunicação adequada e efetiva cabe ao contraente que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais ([4]). Contraente esse que ainda «deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte» dos aspetos naquelas compreendidos «cuja aclaração se justifique» (art.º 6.º, n.º 1, do mesmo diploma legal).

Ora, se o Tribunal ficou com dúvidas sobre se a R./predisponente comunicou/informou, ou não, ao A./aderente, como afirmado claramente na justificação da convicção probatória, então teria de dar o facto como não provado, mas na sua dita vertente/formulação positiva, aquela que adere às regras do ónus da prova (ónus forçosamente a cargo da R.).

Se, com efeito, vem exarado que, «Não tendo tal factualidade sido provada pela ré, a quem incumbia o ónus da prova, teve a mesma que ser resolvida contra a parte a quem aproveita - a ré - tendo, por isso, resultado como não provada», então, coerentemente, não poderia essa mesma factualidade, na sua formulação negativa, constar do elenco dos factos provados.

Para ser realmente coerente e consequente, o Tribunal recorrido, vista a convicção formada, teria de fazer constar o facto relevante do quadro não provado da sentença, mas na sua vertente/enunciação afirmativa/positiva, isto é, dando como não provado que ao A. foi comunicado/informado a respeito.

Assim sendo, por contrário às regras do ónus da prova – e ter resultado de formulação equívoca, para além de não corresponder ao sentido preciso da convicção (dubitativa, em vez de afirmativa) formada na 1.ª instância –, o questionado ponto 28 terá de ser suprimido do elenco dos factos provados.

Resta saber, ante a prova convocada, conhecida a convicção plasmada na sentença, de que discorda a R./Apelante, se deverá a respetiva materialidade ser julgada como provada, ou não provada, na sua formulação positiva, isto é, cabe à Relação, no quadro da impugnação empreendida, decidir se ao A. foi comunicado/informado pela R. quanto a essa matéria («que os muros, portões, vedações, caminhos e outras superfícies asfaltadas, ladrilhadas ou empedradas só seriam considerados parte integrante do imóvel (objeto seguro) se fosse contratada a cobertura de “reconstituição de muros, portões, vedações e jardins”».

Ora, nesta perspetiva, sendo a R. quem tinha de provar ter prestado a comunicação/informação legalmente exigida, apresentando-se o A. em postura de perentória negação – seja em sede de articulados, seja de declarações de parte –, recaía sobre ela (R./predisponente) a tarefa de convencer, com prova consistente, ter comunicado/informado ao A. cabalmente, em conformidade.

Por isso, já não é tão relevante, nesta perspetiva, a invocada falta de corroboração da prova por declarações de parte do A., antes importando, como dito, aferir da consistência e credibilidade da prova pessoal oferecida pela R. a respeito.

E, como visto, com evidenciado conhecimento pessoal e direto – por ter tomado parte na negociação, pelo lado da seguradora – apenas depôs a testemunha CC.

Bastará este depoimento para se poder dar como provado – por fundada convicção nesse sentido – que foi prestada a exigente comunicação/informação em apreço?

Ora, se a Relação deve formar a sua própria convicção perante a prova convocada, também, por isso, a de cariz pessoal, e se, nesse âmbito, apenas deve alterar-se a decisão da matéria de facto – no sentido de diversa convicção prevalecente – se a prova produzida impuser decisão diversa (cfr. art.º 662.º, n.º 1, do NCPCiv.), também é consabido que na apreciação da prova pessoal é decisiva a imediação do Julgador, plano em que apenas a 1.ª instância, diversamente da Relação, beneficia da total imediação perante aquela prova pessoal.

Como visto, no exercício da sua total imediação perante a prova produzida em audiência final, o Tribunal a quo ficou na dúvida sobre a matéria, razão pela qual se entendeu que, não tendo tal factualidade sido provada pela R., a quem incumbia o ónus da prova, teria a mesma que ser resolvida contra aquela, com uma convicção correspondente a um resultado de «não provado».

Sopesando, então, o depoimento da testemunha CC, perante a posição negativa do A., deve ter-se em conta que, como referido por este em sede de contra-alegação, tal testemunha, muito embora tenha mostrado conhecimento pessoal e direto da negociação (em que interveio) e tenha afirmado ter dado conhecimento ao A. da dita cláusula contratual geral, mostrou, todavia, alguma fragilidade no seu depoimento.

Com efeito, não deve agora olvidar-se que a testemunha, quando estava em equação a “transferência”/mudança de diversos seguros, em que o A. era o tomador, de um segurador concorrente para a R., com as inerentes vantagens para esta (conquista de seguros em mercado concorrencial), disse – como consta da transcrição oferecida pelo A. (supra mencionada) –, quanto à disponibilização ao cliente das condições contratuais gerais («Minuto 18:09»), que:

- «Eu levei a apólice ao cliente, as condições gerais eu disse ao cliente que tinha as condições gerais no site da A... e se quisesse enviava-lhe por email.

(…)

Eu não disse que lhe mandei

Ele não mas pediu…

“Não, não mandei as condições gerais…”».

Em suma, toda a contratação foi efetuada em casa do cliente/A. (onde se deslocou por diversas vezes a testemunha, como esta afirmou, com vista à “transferência” dos seguros daquele), sendo que, na realidade, não foi entregue ao tomador o clausulado contratual geral do seguro aqui em causa, como reconheceu a mesma testemunha, cuja gravação do depoimento foi ouvida nesta Relação.

Analisado criticamente este depoimento testemunhal, de pessoa funcionalmente ligada à R. (relação profissional), constata-se que, se a testemunha foi perentória em afirmar que foi o A. quem recusou a cobertura em discussão, também foi clara em admitir que não ocorreu entrega ao tomador do clausulado contratual geral, pelo que este não teve oportunidade de o ler, nem lhe foi comunicado, por consequência, o teor da cláusula «na íntegra», como alude o art.º 5.º, n.º 1, do dito DLei n.º 446/85.

O que significa que toda a negociação/contratação foi realizada à margem – na ausência – do clausulado contratual geral, que nunca esteve presente na concretização das negociações estabelecidas (sempre em casa do cliente), razão pela qual se justifica a dúvida quanto à comunicação e informação respeitante ao clausulado especificamente em discussão.

A testemunha DD ([5]), também já aludida, por sua vez, esclareceu que apenas teve intervenção após a reclamação do cliente, uma vez verificada a ocorrência dos danos, portanto, em fase posterior ao início de vigência do contrato de seguro. Daí que esta testemunha, não tendo tido intervenção na negociação para celebração do contrato, não mostre conhecimento direto e pessoal do que foi transmitido/comunicado/informado ao A., ao tempo da contratação, quanto às cláusulas contratuais gerais, designadamente quanto a cobertura relativamente a muros.

Assim sendo, subsiste a aludida fragilidade da prova testemunhal da R., por o depoimento da testemunha CC, para além do reconhecimento, por esta, de não ter disponibilizado o clausulado contratual geral ao A./tomador, não ter obtido, no mais, a necessária corroboração/confirmação por outra prova consistente, designadamente outro depoimento assente em conhecimento pessoal e direto das negociações/contratação.

Termos em que se conclui, no âmbito da formação da convicção, pela mesma dúvida para que apontava já o Tribunal recorrido, não logrando, assim, a R. provar ter comunicado e informado devidamente ao A., em termos de comunicação e explicação do teor do dito clausulado contratual geral, quanto à cobertura em discussão ([6]). Dúvida essa que, penalizando a R., determina que se dê o facto como não provado, pelo que constará ainda do quadro dos factos não provados o seguinte enunciado:

«Ao A. foi comunicado e informado que os muros, portões, vedações, caminhos e outras superfícies asfaltadas, ladrilhadas ou empedradas só seriam considerados parte integrante do imóvel (objeto seguro) se fosse contratada a cobertura de “reconstituição de muros, portões, vedações e jardins”.».

2. - Quanto ao recurso subordinado

O A./Apelante pugna, por sua vez, por duas alterações ao quadro fáctico da sentença, em termos de se dar como provado:

Ponto 29) - O anexo/churrasqueira faz parte do imóvel.

Ponto 30) – O valor necessário para a reconstrução do anexo/churrasqueira ascende ao montante de €3600,00, acrescido de IVA.

Convoca a conjugação do depoimento da testemunha DD com o relatório pericial junto aos autos, âmbito em que, na perspetiva do A., resultaram provados tais pontos, sendo que entende que a valoração destes factos reveste natureza relevante para uma melhor aplicação do direito in casu.

Afirma que, se atendermos também à peritagem realizada relativamente aos danos verificados no anexo/arrecadação, com a certeza jurídica necessária temos para o A. o prejuízo de € 3600,00 acrescido de IVA (conclusão XXXII).

Apreciação:

O pretendido ponto 29 é claramente conclusivo – na linha do que já foi dito anteriormente –, não tendo dimensão fáctica, pelo que haverá de ser tratado na fundamentação jurídica (cfr. aludido art.º 607.º, n.ºs 3 a 5, do NCPCiv.).

Já o outro ponto (30), depende do que consta da prova pericial, cujo relatório ficou anteriormente analisado e já se viu ser credível.

Ora, desse relatório pericial dos autos consta, como já referido, que o anexo/arrecadação, com uma área de intervenção de 18,00m2, tem um «valor de reparação dos danos» de «3.600,00€» (cfr. fls. 108 v.º do processo físico), a que acresce o respetivo IVA.

Assim, haverá de dar-se como provado, com base em tal prova pericial, que:

«Ponto 30) – O valor necessário para a reparação dos danos ocorridos no anexo/arrecadação ascende ao montante de € 3.600,00, acrescido de IVA.».

Assim sendo, na parcial procedência das impugnações da decisão de facto, operar-se-ão as necessárias alterações, nos locais próprios, mantendo-se em tudo o mais o decidido na parte fáctica da sentença em crise.

B) Quadro fáctico da causa

1. - É a seguinte, após a sindicância pela Relação, a factualidade julgada provada:

«1) Em 21 de dezembro de 2019 encontrava-se em vigor o contrato de seguro celebrado entre o autor e a ré em 13 de dezembro de 2014, titulado pela apólice nº ...94, do ramo multirriscos habitação, o qual havia sido renovado em 13 de dezembro de 2019 e no qual é tomador de seguro e segurado o aqui autor AA, tendo como objetos a segurar o imóvel sito na Rua ..., ..., ... ... e o conteúdo/recheio do mesmo, considerando-se, relativamente ao imóvel, os seguintes elementos do risco:

- Tipo de localização: Aglomerado populacional

- Tipo de ocupação: Habitação principal

- Tipo de construção exterior: Materiais incombustíveis

- Tipo de cobertura do telhado: Placa de cimento

- Estado de conservação do edifício: Bom

- Nº de assolhadas: 7

- Altura do edifício: Até 4 pisos

- A construção é antissísmica;

- % Ocupação Comercial: Sem ocupação comercial

- Utilização: Habitação, garagem e arrecadação

- Não existe curso de água a menos de 50m

- Atualização automática de capitais: Atualização indexada

- Nos últimos 3 anos não ocorreram sinistros enquadráveis numa das seguintes coberturas: Furto qualificado ou roubo; tempestades; inundações; incendio; ação mecânica de queda de raio e explosão; atos de vandalismo; danos aos bens seguros por rotura de canalizações interiores e riscos elétricos

- Meios de prevenção e proteção contra incendio: Sem proteção

-O risco proposto não está coberto por outros contratos de seguro.

2) No documento referido em 1) foram contratadas as seguintes coberturas relativamente ao imóvel supra identificado:

- Incendio, ação mecânica de queda de raio e explosão;

- Tempestades;

- Aluimento de terras;

- Danos aos bens seguros por rotura de canalizações interiores;

- Pesquisa de rotura em canalizações interiores (rede de água);

- Inundações;

- Danos causados ao edifício por furto ou roubo;

- Greves, tumultos e alterações de ordem pública;

- Atos de vandalismo;

- Queda de aeronaves;

- Impacto de veículos terrestres ou de animais;

-Quebra e queda de antenas;

- Quebra e queda de painéis solares;

- Quebra de vidros, espelhos, pedras decoração, louças sanitárias;

- Derrame acidental de instalações de aquecimento;

- Derrame acidental de sistemas de proteção contra incendio;

- Danos estéticos;

- Demolição e remoção de escombros;

- Privação temporária de uso da residência permanente;

- Proteção jurídica;

- Responsabilidade civil extracontratual – danos causados pelos bens seguros;

- Assistência ao lar;

- Danos em canalizações e instalações subterrâneas;

- Queda acidental de mobiliário fixo;

- Honorários de técnicos;

- Despesas com documentação;

- Readaptação de residência segura, por acidente do segurado;

- Riscos elétricos.

3) Na cláusula 1ª das condições gerais, ponto III, do documento referido em 1) consta, além do mais, o seguinte:

“Edifício ou Fração Autónoma de Edifício”

“Conjunto de elementos de construção e respetivas instalações fixas de água, gás, eletricidade, aquecimento, ar condicionado, comunicações, elevadores, monta-cargas, escadas rolantes, antenas de captação de imagem e som.

Consideram-se, igualmente, parte integrante do edifício ou fração:

- As arrecadações, garagens, tanques e piscinas, bem como as respetivas coberturas fixas de construção definitiva a eles pertencentes;

(…)

- As benfeitorias introduzidas pelo seu proprietário com carácter permanente (…);

(….)

Quando contratada a cobertura “Reconstituição de muros, portões, vedações e jardins”, consideram-se ainda como parte integrante do edifício ou fração, os muros de contenção de terras ou de delimitação e ou separação da propriedade e respetivos portões, bem como os caminhos e outras superfícies asfaltadas, ladrilhadas ou empedradas, os jardins, os campos de jogos, outras instalações recreativas, respetivas vedações, muros e portões.”

4) Na cláusula 2ª das condições gerais, ponto 6.1, do documento referido em 1), sob a epigrafe “Tempestades”, consta, além do mais, o seguinte:

“O que está seguro:

1. Pagamento, até ao limite do valor fixado nas Condições Particulares, de indemnizações por danos diretamente causados aos bens seguros em consequência de:

a) Tufões, ciclones, tornados e ventos fortes ou choque de objetos arremessados ou projetados pelos mesmos, sempre que a sua violência destrua ou danifique vários edifícios de boa construção, objetos ou árvores sãs, num raio de 5km envolventes do local onde se encontram os bens seguros;

b) Queda de neve ou granizo;

c) Alagamento pela queda de chuva, neve ou granizo, desde que estes agentes atmosféricos penetrem no interior do edifício em consequência dos riscos cobertos pela alínea a).

2. Para efeitos da presente cobertura consideram-se:

a) Como ventos fortes aqueles que atinjam uma velocidade superior a 90 quilómetros por hora;

b) Como edifícios de boa construção, aqueles cuja estrutura, paredes exteriores e cobertura sejam construídas de acordo com a regulamentação vigente à data da construção, utilizando materiais resistentes ao vento, designadamente betão armado, alvenaria e telha cerâmica.

3. Constituem um único sinistro todos os danos ocorridos durante as 72 horas que se seguem ao momento em que se verifiquem os primeiros danos nos bens seguros.”

“Exclusões Especificas”

1. Para além das exclusões previstas no número 5 da presente cláusula, esta cobertura também não garante:

(…)

2. Salvo convenção em contrário, constante das condições particulares, esta cobertura não garante os danos causados em:

a) Construções não inteiramente fechadas ou cobertas;

b) (…)

c) (…)

d) Construções que se encontrem em estado de degradação no momento da ocorrência.

(…)

5) Na cláusula 2ª das condições gerais, ponto 6.1, do documento referido em 1), sob a epigrafe “Aluimento de Terras”, consta, além do mais, o seguinte:

“O que está seguro:

Pagamento, até ao limite do valor fixado nas Condições Particulares, de indemnizações por danos diretamente causados aos bens seguros em consequência dos seguintes fenómenos geológicos:

a) Aluimentos;

b) Deslizamentos;

c) Derrocadas e afundimentos de terrenos.”

6) Na cláusula 2ª das condições gerais, ponto 6.1, do documento referido em 1) sob a epigrafe “Inundações”, consta, além do mais, o seguinte:

“O que está seguro:

1. Pagamento até ao limite do valor fixado nas Condições Particulares, de indemnizações por danos diretamente causados aos bens seguros em consequência de:

a) Tromba de água ou queda de chuvas torrenciais, como tal se considerando a precipitação atmosférica de intensidade superior a 10 milímetros em 10 minutos no pluviómetro;

b) Rebentamento ou obstrução de condutas adutoras ou de distribuição, coletores, drenos, diques e barragens;

c) Enxurrada ou transbordamento do leito de cursos de água naturais ou artificias.

2. Constituem um único sinistro todos os danos ocorridos durante as 72 horas que se seguem ao momento em que se verifiquem os primeiros danos nos bens seguros.

7) Na cláusula 2ª das condições gerais, ponto 6.1, do documento referido em 1), sob a epigrafe “Reconstituição de muros, portões, vedações e jardins”, consta, além do mais, o seguinte:

“O que está seguro:

1. Pagamento, até ao limite do valor fixado nas Condições Particulares e independentemente do capital em risco, de indemnizações por danos causados aos seguintes bens, em consequência direta dos riscos, salvo se abrangidos pela cobertura obrigatória de incendio, garantidos para o edifício ou fração seguro:

a) Jardins circundantes do edifício seguro, incluindo plantas, relva e sistemas de rega;

b) Campos de jogos e outras instalações recreativas;

c) Caminhos e outras superfícies asfaltadas, ladrilhadas ou empedradas;

d) Vedações e muros circundantes dos bens anteriormente referidos e ou do terreno em que se encontra implantado o edifício seguro, bem como os respetivos portões;

e) Muros de delimitação e ou separação da propriedade e respetivos portões, que não constituam parte integrante do edifício seguro;

f) Muros de contenção de terras, existentes na propriedade onde se encontra o edifício seguro;

g) Candeeiros, mastros e outros elementos fixos similares.

2. Para determinar o valor da indemnização apenas será tomado em consideração o custo efetivamente despendido ou a despender pelo segurado com a reconstrução ou reconstituição dos bens sinistrados, respeitando as suas características anteriores, desde que efetuada no prazo de 6 meses contados a partir da data do sinistro. A indemnização será paga à medida que o segurado comprove as despesas efetuados ou a efetuar.”

8) No dia 21 de dezembro de 2019 o muro de suporte sito a norte do logradouro do prédio referido em 1) cedeu/colapsou, numa extensão de 19,15metros e numa altura média de cerca de 4,50 metros de altura.

9) A cedência referida em 8) provocou o arrastamento dos solos sob as fundações do anexo/arrecadação em parte da sua implantação, implicando que a construção ficasse, parcialmente, sem solo de fundação, com paredes e estrutura fissurada, em risco de colapso e sem capacidade de utilização, por perigo de ruína.

10) A cedência referida em 8) e o arrastamento dos solos referido em 9) levou a que o revestimento do pavimento na zona de acesso à garagem ficasse fissurado e/ou partido.

11) Na zona do ..., na ..., nos dias 17 a 22 de dezembro de 2019:

- A quantidade de precipitação total referente aos dias 18 a 21 (294.5 milímetros, em 4 dias) corresponde a cerca de 230% do valor normal para o mês de dezembro (31 dias);

- A intensidade máxima de precipitação atingiu 9 a 10 milímetros em 10 minutos no final do dia 19, podendo pontualmente ter ultrapassado ligeiramente os 10 milímetros em 10 minutos;

- A quantidade de precipitação no dia 19 de dezembro de 2019 (da ordem de 129.7 milímetros) foi cerca de 230% superior ao valor médio;

- A quantidade de precipitação no dia 20 de dezembro de 2019 (da ordem de 104.5 milímetros) foi cerca de 160% superior ao valor médio;

- O valor da intensidade máxima de precipitação em 10 minutos no dia 19 de dezembro de 2019 (pontualmente superior a 10 milímetros em 10 minutos) foi cerca de 180% superior ao valor médio.

12) A cedência/colapso do muro referido em 8) foi provocada pela ação da água referida em 11).

13) O muro referido em 8) era um muro de suporte em alvenaria de pedra, granito, com junta aberta, o qual funcionava por gravidade, permitindo a drenagem de águas através das juntas existentes entre os elementos de granito que constituem o muro.

14) No muro referido em 8), sobre o muro base de pedra, foi executado, no seu topo, um muro de alvenaria de blocos de cimento, o qual provoca uma ação sobre o primeiro muro.

15) No logradouro junto ao muro referido em 8) tinha sido implantada relva e algumas árvores.

16) [SUPRIMIDO].

17) A reconstrução do anexo/arrecadação referida em 9), incluindo demolição dos elementos existentes, processamento, carga e transporte de resíduos de construção a vazadouro licenciado, reconstrução de parede em alvenaria, fornecimento e aplicação de churrasqueira, incluindo chaminé, orça em 8.196,37€ + IVA, valor determinado pela empresa, contratada pelo autor, responsável pela realização das obras.

18) As condições de adjudicação do orçamento referidos em 16) e 17) foram as seguintes:

- Encontram-se excluídos todos os trabalhos não mencionados na proposta;

- Aos valores apresentados acresce IV à taxa legal em vigor;

- Condições de pagamento: 30% com adjudicação e restante no final dos trabalhos;

- Prazo de execução: 20 dias úteis, com condições climatéricas favoráveis.

19) Dos trabalhos referidos em 16) e 17) encontra-se por executar apenas a colocação de tubagem.

20) Do valor orçamentado em 16) e 17) o autor já liquidou 6.000,00€ + IVA, no total de 7.380,00€.

21) O anexo/arrecadação referido em 9) não é inteiramente fechado.

22) O autor participou à ré, em 27 de dezembro de 2019, a ocorrência do sinistro, tendo a ré registado a abertura de sinistro ao qual foi atribuído o número ... e diligenciado pela realização de uma peritagem.

23) A ré declinou a responsabilidade pelo sucedido por entender que os danos participados não estão garantidos pela apólice referida em 1).

24) No documento referido em 1) consta o seguinte: “As condições gerais do seguro casa nº...12 estão disponíveis no site Mediadores da A..., S.A.”

25) Nos dias 19 e 20 de dezembro de 2019, abateu-se sobre as zonas Norte e Centro de Portugal Continental uma Depressão denominada “Elsa”, seguida da Depressão denominada “Fabien”, no dia 21 do mesmo mês.

26) A ré foi citada para os termos dos presentes autos em 01 de setembro de 2020.

27) O valor necessário à reparação do pavimento de acesso à garagem referido em 10) cifra-se em 465,00€ + IVA.

28) [SUPRIMIDO]».

«29) O valor necessário para a reparação dos danos no muro de suporte referido em 8) é de € 11.458,43 (com IVA incluído)» [ADITADO].

«30) O valor necessário para a reparação dos danos ocorridos no anexo/arrecadação ascende ao montante de € 3.600,00, acrescido de IVA.». [ADITADO].

2. - E resulta não provado ([7]):

«a) O muro referido em 8) apresentava, em momento anterior à sua cedência, falta de manutenção e degradação que pusessem em causa a sua estabilidade.

b) O muro referido em 8) não se encontrava construído de modo a exercer, eficazmente, as funções de suporte de terras.

c) O referido em 15) aumentou a pressão sobre o muro referido em 8).

d) A cedência/colapso do muro referido em 8) foi provocada pela ação do muro de blocos de cimento referida em 14).».

«e) A reconstrução do muro de suporte referido em 8), em alvenaria de granito, com uma face à vista, 22,0 m de comprimento e 4,5 m de altura, incluído os trabalhos de escavação, aterro e compactação no tardoz do muro, colocação de tubagem para dreno envolvida em brita e manta geotêxtil, execução de sapata em betão ciclópico, fornecimento, transporte e colocação e travamento de pedras com dimensão superior a 1,5 m3, orça em 11.894,75€ + IVA, valor determinado pela empresa, contratada pelo autor, responsável pela realização das obras» [ADITADO].

«f) Ao A. foi comunicado e informado que os muros, portões, vedações, caminhos e outras superfícies asfaltadas, ladrilhadas ou empedradas só seriam considerados parte integrante do imóvel (objeto seguro) se fosse contratada a cobertura de “reconstituição de muros, portões, vedações e jardins”.» [ADITADO].

C) O Direito

1. - Da não contratação de específica garantia/cobertura do seguro ou, diversamente, da prevalência do regime das CCG, e inerentes consequências

Ocorrida alteração do quadro fáctico da causa – nos moldes anteriormente explicitados –, cabe cuidar da impugnação jurídica oferecida pelos Apelantes, tal como plasmada nas respetivas conclusões de recurso (principal e subordinado), como supra transcrito.

Começando por um breve enquadramento jurídico, pode dizer-se que, atento o seu caráter indemnizatório, o seguro de danos, quanto ao seu objeto, «pode respeitar a coisas», como no caso, a «bens imateriais, créditos e quaisquer outros direitos patrimoniais», mas sempre devidamente delimitados, obviamente, no contrato de seguro – cfr. art.º 123.º do RJCS, aprovado pelo DLei n.º 72/2008, de 16-04 ([8]).

Na verdade, por efeito do contrato de seguro, o segurador cobre um risco determinado, obrigando-se a realizar a prestação convencionada em caso de ocorrência do evento contratualmente previsto, contra o pagamento do prémio correspondente (cfr. art.º 1.º do RJCS).

Risco e interesse são, pois, elementos essenciais ao contrato de seguro, sendo certo que, no seguro de danos, o interesse respeita à conservação ou à integridade da coisa, direito ou património seguros (cfr. art.º 43.º, n.º 2, do RJCS).

Do conteúdo do contrato, vertido na apólice de seguro, tem de resultar definida a natureza do seguro e têm de estar concretamente delimitados os riscos cobertos [art.º 37.º, n.º 1, al.ªs c) e d), do RJCS], sendo conhecido, como relevante nesta matéria, o princípio da individualização do risco, que «pretende traduzir[…] a exigência de uma clara identificação do risco no contrato de seguro, já que nenhum segurador pode segurar todos os riscos que possam afetar as pessoas, as suas coisas e o seu património», devendo a determinação do risco fazer-se, desde logo, através do critério, dito objetivo, da «exata descrição das coisas expostas ao risco», com o segurador a somente responder, no seguro de coisas, «por sinistros que afetem determinados bens», e não mais ([9]), tendo em conta, obviamente, as coberturas estabelecidas (âmbito da garantia do seguro).

Nesse âmbito, deve começar-se, in casu, pela apreciação de uma questão nuclear suscitada pela R./Apelante, com objeção do A./Apelado, qual seja a de saber se não ocorre, desde logo quanto a muro(s) de suporte, cobertura pela garantia do seguro, nos moldes invocados (por não contratação respetiva), ou se, ao invés, prevalece nessa parte o regime das CCG, determinando que, por falta de adequada comunicação/informação de clausulado contratual geral (aquele que afasta a cobertura do seguro), tal clausulado se deva ter por excluído do contrato [cfr. art.ºs 5.º, 6.º e 8.º, al.ªs a) e b), ambos do dito DLei 446/85, na redação atual (doravante, LCCG)].

Trata-se, como resulta das conclusões da R./Apelante, da cobertura referente a muros, portões, vedações, caminhos e outras superfícies asfaltadas, ladrilhadas ou empedradas.

Na economia do contrato (à luz das suas cláusulas contratuais predispostas), estes elementos só seriam considerados parte integrante do imóvel (objeto seguro) se fosse contratada a cobertura de “reconstituição de muros, portões, vedações e jardins”.

E a R./seguradora sempre invocou nos autos que comunicou/informou o A./tomador no sentido de tais muros, portões, vedações, caminhos e outras superfícies asfaltadas, ladrilhadas ou empedradas somente ficarem contemplados/cobertos (enquanto parte integrante do imóvel/objeto seguro) mediante contratação – especificamente – da cobertura de “reconstituição de muros, portões, vedações e jardins”. Cobertura esta que não foi contratada, como reconhecido na sentença recorrida.

Ora, é certo também que resulta não provado que ao A. tenha sido comunicado e informado que tais muros, portões, vedações, caminhos e outras superfícies asfaltadas, ladrilhadas ou empedradas só seriam considerados parte integrante do imóvel se fosse contratada a cobertura de “reconstituição de muros, portões, vedações e jardins”.

Na fundamentação jurídica daquela sentença expendeu-se assim:

«(…) urge concluir que, quanto à comunicação, no contrato de seguro celebrado entre as partes consta o seguinte: “As condições gerais do seguro casa nº...12 estão disponíveis no site Mediadores da A..., S.A.”

Não basta, contudo, a simples disposição do conteúdo das cláusulas contratuais gerais, para que tal dever se considere como correta e legalmente cumprido. Não basta dar à outra parte um exemplar do contrato, mesmo que esta o assine.

Uma vez que, quem utiliza as clausulas contratuais gerais, deve, além de comunicar o respetivo conteúdo, informar o aderente do seu significado e das suas implicações, tendo em conta as especificidades de cada caso em concreto, sob pena de não se poder ter por cumprido tal dever, cabendo, o ónus da prova de que assim aconteceu ao proponente.

O que está aqui em causa é, assim, o dever de informação, designadamente, quanto à cobertura de reconstituição de muros, portões, vedações e jardins.

Como resulta patente das condições particulares do contrato de seguro celebrado entre as partes, tal cobertura não foi contratada pelo autor.

Conforme resultou demonstrado, na cláusula 2ª das condições gerais, ponto 6.1, do contrato de seguro, sob a epigrafe “Reconstituição de muros, portões, vedações e jardins”, consta, além do mais, o seguinte:

“O que está seguro:

1. Pagamento, até ao limite do valor fixado nas Condições Particulares e independentemente do capital em risco, de indemnizações por danos causados aos seguintes bens, em consequência direta dos riscos, salvo se abrangidos pela cobertura obrigatória de incendio, garantidos para o edifício ou fração seguro:

a) Jardins circundantes do edifício seguro, incluindo plantas, relva e sistemas de rega;

b) Campos de jogos e outras instalações recreativas;

c) Caminhos e outras superfícies asfaltadas, ladrilhadas ou empedradas;

d) Vedações e muros circundantes dos bens anteriormente referidos e ou do terreno em que se encontra implantado o edifício seguro, bem como os respetivos portões;

e) Muros de delimitação e ou separação da propriedade e respetivos portões, que não constituam parte integrante do edifício seguro;

f) Muros de contenção de terras, existentes na propriedade onde se encontra o edifício seguro;

g) Candeeiros, mastros e outros elementos fixos similares.

2. Para determinar o valor da indemnização apenas será tomado em consideração o custo efetivamente despendido ou a despender pelo segurado com a reconstrução ou reconstituição dos bens sinistrados, respeitando as suas características anteriores, desde que efetuada no prazo de 6 meses contados a partir da data do sinistro. A indemnização será paga à medida que o segurado comprove as despesas efetuados ou a efetuar.”

No mais, na cláusula 1ª das condições gerais, ponto III, do documento referido em 1) consta, além do mais, o seguinte:

 “Edifício ou Fração Autónoma de Edifício”

“Conjunto de elementos de construção e respetivas instalações fixas de água, gás, eletricidade, aquecimento, ar condicionado, comunicações, elevadores, monta-cargas, escadas rolantes, antenas de captação de imagem e som.

Consideram-se, igualmente, parte integrante do edifício ou fração:

- As arrecadações, garagens, tanques e piscinas, bem como as respetivas coberturas fixas de construção definitiva a eles pertencentes;

(…)

- As benfeitorias introduzidas pelo seu proprietário com carácter permanente (…);

(….)

Quando contratada a cobertura “Reconstituição de muros, portões, vedações e jardins”, consideram-se ainda como parte integrante do edifício ou fração, os muros de contenção de terras ou de delimitação e ou separação da propriedade e respetivos portões, bem como os caminhos e outras superfícies asfaltadas, ladrilhadas ou empedradas, os jardins, os campos de jogos, outras instalações recreativas, respetivas vedações, muros e portões.”

Ora, face aos normativos citados é inequívoco que a obrigação de informar recai sobre a aqui ré, o que esta não cumpriu, porquanto, como vimos, resultou demonstrado que o autor não foi informado que os muros, portões, vedações, caminhos e outras superfícies asfaltadas, ladrilhadas ou empedradas só seriam considerados parte integrante do imóvel (objeto seguro) se fosse contratada a cobertura de “reconstituição de muros, portões, vedações e jardins”.

Ou seja, o aderente, aqui autor, não foi informado do significado e das implicações de não contratar a cobertura de “reconstituição de muros, portões, vedações e jardins”, o que, tendo em conta as especificidades do caso concreto, nos leva a concluir que não foi cumprido o dever de informação, nos termos do artigo 6º, nº1, do citado regime das clausulas contratuais gerais, uma vez que ao autor não foi explicado o conteúdo e alcance de tal cláusula do contrato, pelo que a ré seguradora não cumpriu tal obrigação a que estava legalmente obrigada, sendo certo que tal ónus sobre si impendia. Deste modo, dúvidas não nos restam em como a ré seguradora responde perante o autor pela falta de informação quanto à cobertura de reconstituição de muros, portões, vedações e jardins, uma vez que a mesma apenas poderia ser aceite pelo autor se deste fosse conhecida, ocorrendo, a não ser assim, vicio da formação da vontade, ficando o autor convicto de que o seu prédio estaria seguro na totalidade e não apenas a casa de habitação Mas quais são as consequências da violação deste dever?

(…) a clausula 2ª das condições gerais, ponto 6.1, do contrato de seguro, que estabelece a cobertura de “Reconstituição de muros, portões, vedações e jardins”, deve ter-se como inexistente. Dito de outro modo, deve ter-se por excluída do contrato de seguro celebrado entre o autor e a ré seguradora a cláusula de exclusão em análise, pois trata-se de uma cláusula contratual geral que, mesmo a considerar-se ter sido a mesma comunicada ao autor, foi-lhe comunicada com violação do dever de informação e, como tal, não pode ser aplicada, como pretende a ré seguradora.

Posto isto, temos que, não só o anexo/arrecadação se inclui no objeto seguro, por tal se considerar parte integrante do edifício (conforme já resultava claro do contrato de seguro), mas também o pavimento na zona de acesso à garagem e o muro de suporte que cedeu/colapsou integram tal objeto seguro, atenta a exclusão da clausula supra referida, pelo que também o pavimento e o muro têm de ser considerados como parte integrante do edifício.».

Ante o que resulta provado e o julgado não provado, tem de concordar-se, em geral – e salvo sempre o devido respeito por diverso entendimento –, com o assim expendido na sentença.

Com efeito, não entregue o clausulado contratual geral ao A., não resulta que o mesmo lhe tenha sido adequadamente comunicado, nem que lhe tenha sido explicado, com adequada informação a respeito, o que se reportava à cobertura em discussão.

Reitera-se que não se provou que, aquando da contratação do seguro, ao A. tenha sido comunicado e/ou informado no sentido de os muros, portões, vedações, caminhos e outras superfícies asfaltadas, ladrilhadas ou empedradas só poderem ficar cobertos (seriam considerados parte integrante do imóvel) se fosse contratada a cobertura de “reconstituição de muros, portões, vedações e jardins”.

Ora, como o aqui relator já defendeu noutro âmbito:

«Normalmente, o predisponente segurador, sendo um especialista, é dotado de manifesta superioridade organizacional, económica, técnica e jurídica perante os seus massificados interlocutores, comummente simples leigos na matéria, com o que logo se estabelece marcada assimetria estrutural entre as partes, uma desigualdade típica manifesta, ponto de partida para a sujeição, na regulação do negócio, da contraparte inferiorizada.

Tal superioridade permite ao segurador o total domínio da estrutura e conteúdo do contrato, por si previamente elaborado, de acordo com os seus conhecimentos técnicos e jurídicos e segundo a total salvaguarda dos seus interesses negociais, contrato esse normalmente hiper-clausulado, seja pela extensão e detalhes, seja pela abrangência de conteúdo, das “condições” produzidas unilateralmente, ademais frequentemente conexionadas entre si – dependendo o sentido de umas da sua conjugação, aliás, não linear, com outras –, o que confere grande complexidade aos dados contratuais apresentados à contraparte, à qual esta forma de contratação é imposta. Ora, ante as exigências de celeridade no apressado ritmo de vida da sociedade de produção e consumo em que vivemos, em que ninguém pretende perder tempo, aquela complexidade e massificação leva a que o tomador do seguro seja tentado, muitas vezes, a assinar o contrato sem sequer o ler na totalidade das suas “condições”.

Tudo isto transporta inúmeros perigos para o aderente/tomador do seguro ou segurado, o qual pode vir a sentir-se enganado quando, efectuado o contrato, se sente seguro, e, ocorrido finalmente o sinistro (…), vem a verificar, por exemplo, que o segurador, escudado no jogo articulado das “condições”, afirma que ocorre exclusão da garantia ou cláusula de exoneração e se recusa a realizar a prestação esperada a seu cargo (…).

Consciente de tais perigos, o legislador optou por intervir, fazendo-o em termos imperativos, através, entre nós, da publicação da dita LCCG (…).

Havia, pois, que estabelecer mecanismos de controlo adequado de tais cláusulas. A opção legislativa foi, nesta sede, em primeiro lugar, por um controlo de inclusão. Por isso, a inclusão de cláusulas contratuais gerais em contratos singulares de seguro depende, desde logo, da sua específica aceitação pelo aderente tomador do seguro – a inclusão só opera se as cláusulas forem aceites como integrantes do conteúdo do contrato pelo tomador de seguros aderente, o que implica o necessário e específico acordo de vontades (cfr. art. 4.º da LCCG).

Daí a necessidade e importância, no âmbito deste primeiro tipo de controlo, da adequada comunicação de tais cláusulas: elas devem – imperativamente – ser integralmente comunicadas ao tomador do seguro aderente (art. 5.º, n.º 1, da LCCG); e devem sê-lo de modo adequado e com a antecedência necessária, em cada caso, a possibilitar o seu conhecimento, completo e efetivo, por um tomador de seguro aderente normalmente diligente (n.º 2); sendo que o ónus da prova dessa exigente comunicação impende sobre o segurador predisponente (n.º 3 do mesmo artigo).

Mas a esse dever de comunicação acresce um imperativo dever de informação: o segurador predisponente deve informar o tomador do seguro aderente dos aspetos compreendidos nas cláusulas gerais utilizadas cuja aclaração se deva ter por justificada (art. 6.º, n.º 1); devendo ainda prestar todos os esclarecimentos razoáveis que lhe sejam solicitados nesse processo negocial, desde que reportados a tais cláusulas (n.º 2), no escopo de que estas sejam realmente entendidas pelo aderente.

Cumprido este requisitório legal, as ditas cláusulas contratuais gerais consideram-se aceites pelos aderentes e, como tal, objeto de inclusão nos singulares contratos de seguro (arts. 4.º e 8.º, este a contrario sensu). Caso contrário, tais cláusulas consideram-se excluídas desses contratos (art. 8.º), tendo-se como não escritas.

Verificada fica, assim, a influência do princípio da transparência, enquanto subprincípio decorrente da boa-fé, a impor uma conduta de lealdade, abertura e cooperação informativa da parte mais forte perante a parte débil, disponibilizando-lhe um conjunto de informações contratuais indispensáveis a conferir paridade material à relação negocial, por forma a superar o deficit estrutural de capacidade negocial de uma das partes, repondo-se nessa relação o equilíbrio necessário, reclamado pelas exigências de justiça contratual, próprias do princípio da boa-fé.» ([10]).

Assim, por falta de adequada comunicação e informação, deve ter-se como não escrito o clausulado mencionado, a que alude a sentença em crise – maxime, a dita clausula 2.ª das condições gerais, ponto 6.1, do contrato de seguro, que estabelece a cobertura de “Reconstituição de muros, portões, vedações e jardins” –, com a consequência de ficar «excluída do contrato de seguro (…) a cláusula de exclusão em análise», por ocorrida violação do dever de comunicação e informação «e, como tal, não pode ser aplicada», importando que, «não só o anexo/arrecadação se inclui no objeto seguro, por tal se considerar parte integrante do edifício (conforme já resultava claro do contrato de seguro), mas também o pavimento na zona de acesso à garagem e o muro de suporte que cedeu/colapsou integram tal objeto seguro».

Donde que improcedam as conclusões da R./Apelante em contrário, ficando também afastada, nesta perspetiva, a argumentação no sentido da existência de «enriquecimento sem causa» por parte do A./tomador/segurado (cfr. conclusão QQ).

Ao invés, subsiste, quanto à cobertura operante, a fundamentação da sentença no seguinte sentido:

«No mais, a cobertura “Tempestades” também não garante os danos causados em construções não inteiramente fechadas ou cobertas.

Como vimos, o autor nestes autos peticiona, além do mais, o pagamento pela ré do montante necessário à reconstrução do anexo/arrecadação que serve de churrasqueira.

Conforme matéria de facto provada, tal anexo/arrecadação não é inteiramente fechado, pelo que a mesma está excluída do âmbito da cobertura “Tempestades” do contrato de seguro celebrado entre as partes.

Assim, será a ré responsável pelo pagamento ao autor da quantia necessária à reconstrução do muro, na parte que cedeu, bem como à reparação da pavimentação de acesso à garagem, mas já não será responsável pelo pagamento da quantia necessária à reconstrução do anexo/arrecadação, em virtude de o mesmo estar excluído do âmbito da única cobertura passível de ser acionada pelo sinistro em causa.».

É certo que o A. (recorrente subordinado) pugna (na sua conclusão XXVI) por dever a «exclusão das “construções não inteiramente fechadas ou cobertas” constante na cláusula 2.ª das condições gerais, ponto 6.1 (…) considerar-se como inexistente e não escrita (se atendermos à cobertura referente as “Tempestades” considerada pela M.ma Juiz a quo)».

Porém, nada na factualidade a atender permite concluir nesse sentido, não se mostrando que tenha ocorrido, nesta parte, violação dos aludidos deveres de comunicação e/ou informação quanto a CCG.

E, como explicado na sentença, a cobertura operante é, no caso, a referente a “Tempestades”, e não “Aluimento, deslizamentos, derrocadas e afundimentos de terrenos”, já que «o sinistro em causa nos autos, mais concretamente, a cedência/colapso do muro, foi provocada pela ação da água que, como vimos, nos dias 18 a 21 de dezembro de 2019 correspondeu a cerca de 230% do valor normal para o mês de dezembro (31 dias)», sendo tal cedência «que provocou o arrastamento dos solos sob as fundações do anexo/arrecadação em parte da sua implantação, bem como levou a que o revestimento do pavimento na zona de acesso à garagem ficasse fissurado e/ou partido».

Quer dizer, é de afastar o «nexo de causalidade entre o aluimento das terras e o colapso de parte do muro, uma vez que, não resultou provado que tenha sido o aluimento de terras que originou o colapso do muro, mas sim o inverso, o colapso do muro é que provocou o arrastamento dos solos.

Ora se, como vimos, as causas climatéricas não podem ser qualificadas ou entendidas como fenómenos geológicos, o evento em causa não é passível de acionar a cobertura “Aluimento de Terras”.» ([11]).

Improcede, assim, a conclusão XXVII do Recorrente subordinado, ante o que consta dos pontos 11 e 12 dos factos provados – a cedência/colapso do muro referido foi provocada pela ação da água resultante da abundante pluviosidade ocorrida (causa climatérica) e não de um aluimento decorrente de fenómeno geológico.

2. - Da alteração dos montantes da reparação

Na sentença em crise foram arbitrados os seguintes montantes a prestar pela R./Apelante:

- reconstrução do muro, € 11.894,75 + IVA;

- reparação do pavimento de acesso à garagem, € 465,00 + IVA.

Acontece que ficou provado um diverso valor quanto àquela reconstrução do muro. Com efeito, apurou-se (ponto 29), após sindicância pela Relação, que o valor necessário para a reparação dos danos no muro de suporte referido é de € 11.458,43 (com IVA incluído).

Mantendo-se provado (ponto 27) que o valor necessário à reparação do pavimento de acesso à garagem é de € 465,00 + IVA.

Termos em que, na parcial procedência do recurso principal e improcedência do recurso subordinado, são estes os valores a prestar pela R. ao A., a que acrescem juros moratórios, à taxa supletiva legal (a aplicável às dívidas de natureza civil), desde a citação e até integral pagamento, inexistindo qualquer invocada violação de lei.

***

(…)

                                                            ***    

V – Decisão

Pelo exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação da R. (recurso principal) e improcedente a apelação do A. (recurso subordinado), alterando-se a decisão recorrida, somente, quanto ao montante arbitrado para reconstrução do muro, que se fixa em € 11.458,43 (com IVA incluído).

No mais, subsiste o dispositivo da sentença apelada.

Custas da ação por ambas as partes, na proporção do respetivo decaimento, dependente de simples cálculo aritmético (cfr. art.ºs 527.º, n.ºs 1 e 2, 529.º, n.ºs 1 e 4, e 533.º, todos do NCPCiv.).

Custas do recurso principal por R./Recorrente e A./Recorrido, na proporção do respetivo decaimento (dependente de simples cálculo aritmético).

Custas do recurso subordinado pelo A./Recorrente, atento o seu decaimento nesta parte.

Coimbra, 07/02/2023

Escrito e revisto pelo relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinaturas eletrónicas.

Vítor Amaral (relator)

Luís Cravo

Fernando Monteiro



([1]) Que se deixam transcritas, com destaques retirados.
([2]) Cujo teor se deixa transcrito, com destaques retirados.
([3]) Como foi feito pelo próprio Tribunal a quo, o que se constatará adiante.
([4]) Sobre a matéria da proteção do tomador de seguros nos contratos de adesão, designadamente, no âmbito do denominado «controlo de inclusão» – dependente da «aceitação pelo aderente tomador do seguro» –, o ónus da prova da «adequada comunicação» das cláusulas (a que acresce um dever de informação), que «impende sobre o segurador predisponente», cfr. José Vítor dos Santos Amaral, Contrato de Seguro, Responsabilidade Automóvel e Boa-Fé, Almedina, Coimbra, 2017, ps. 95 e segs., mormente 99-100.
([5]) Cuja gravação do depoimento também foi ouvida nesta Relação.
([6]) O que também não resulta da prova documental junta, posto estar em causa a comunicação adequada de clausulado contratual geral ao tempo da negociação, esta estabelecida verbalmente entre os respetivos interlocutores.
([7]) Fez-se constar, neste âmbito, na sentença: «A restante matéria alegada pelas partes que não consta da matéria de facto provada ou não provada é matéria de direito, conclusiva, repetitiva ou irrelevante para o desfecho da presente ação, considerando todas as soluções plausíveis de direito. // No mais, os factos que constam da matéria de facto provada que não tenham sido alegados pelas partes resultaram da instrução da causa, sendo que as partes tiveram possibilidade se pronunciar sobre os mesmos, em sede de audiência de discussão e julgamento.».
([8]) Como referido no art.º 128.º do RJCS, a prestação devida pelo segurador está limitada ao dano decorrente do sinistro até ao montante do capital seguro, assim se consagrando, nesta matéria (seguros de danos), o chamado «princípio indemnizatório». Em decorrência, estabelece o n.º 1 do art.º 130.º do mesmo RJCS que, no seguro de coisas, «o dano a atender para determinar a prestação devida pelo segurador é o do valor do interesse seguro ao tempo do sinistro».
([9]) V. José Vítor dos Santos Amaral, op. cit., ps. 69 e segs..
([10]) V. Contrato de Seguro …, cit., ps. 96 e segs..
([11]) Citação da sentença, que alude a “fenómenos geológicos”, reportando-se ao seguinte conteúdo contratual:
«Na cláusula 2ª das condições gerais, ponto 6.1, do contrato de seguro celebrado entre as partes, sob a epigrafe “Aluimento de Terras”, consta, além do mais, o seguinte:
“O que está seguro:
Pagamento, até ao limite do valor fixado nas Condições Particulares, de indemnizações por danos diretamente causados aos bens seguros em consequência dos seguintes fenómenos geológicos:
a) Aluimentos;
b) Deslizamentos;
c) Derrocadas e afundimentos de terrenos.”».
Neste âmbito, a decisão recorrida invoca o Ac. STJ de 05/06/2018, Proc. 4077/14.3T8VNF.G1.S1 (Cons. Sousa Lameira), em www.dgsi.pt, em cujo sumário foi deixado expresso que, para efeitos de um seguro de danos referente a uma habitação que garante os danos sofridos em virtude de aluimento de terras em consequência de fenómenos geológicos, do que se trata é «de uma acção nova e rara associada à geodinâmica da crosta terrestre».