Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
277/11.6BEAVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO MONTEIRO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRA-CONTRATUAL DO ESTADO
FUNÇÃO JURISDICIONAL
ERRO JUDICIÁRIO
Data do Acordão: 11/20/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: MARINHA GRANDE - 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: LEI Nº 6/2007 DE 31/12, ARTS.342, 390, 562, 566 CC
Sumário: 1.- O Estado é civilmente responsável pelos danos decorrentes de decisões jurisdicionais manifestamente inconstitucionais ou ilegais ou injustificadas por erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos de facto.

2.- Não fornecendo a lei uma noção do erro judiciário, ela aponta as características desse erro: ter sido praticada uma decisão jurisdicional manifestamente inconstitucional ou ilegal (erro manifesto de direito), ou que seja injustificada por erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto (erro grosseiro de facto).

3.- Os conceitos de manifesto e grosseiro traduzem uma elevada relevância ou importância, não bastando qualquer erro, o erro corrente ou comum.

4.- Tratar-se-á de um erro crasso, clamoroso, evidente, palmar, intolerável, indiscutível e de tal modo grave que torne a decisão judicial numa decisão claramente arbitrária, assente em conclusões absurdas, demonstrativas de uma actividade dolosa ou gravemente negligente.

Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

            L (…), casado, residente na Rua da Pedreira, nº 101, Oiã, intentou acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra o Estado Português, pedindo a condenação deste a pagar-lhe 134.189,36 €, cômputo dos danos derivados do encerramento judicialmente decretado.

            Para tanto, alegou o A:

            Corre termos no 2º Juízo da Marinha Grande, sob o nº 1380/09.8TBMGR, um procedimento cautelar contra si movido por P (…), Lda., no qual, em 4.11.2009, veio a ser decretado o encerramento do estabelecimento comercial denominado “Optical Low Cost” que o Autor explorava;

            Nesse procedimento cautelar, a 9.11.2009, foi considerada extemporânea a oposição que o Autor (ali requerido) apresentara;

            O Autor recorreu desta decisão que não admitiu a sua oposição, tendo a Relação de Coimbra dado provimento a esse recurso, revogando a decisão da primeira instância e considerando tempestiva a oposição e ordenando a sua admissão;

            O estabelecimento do Autor esteve encerrado, por força da decisão recorrida, desde 19.11.2009 até 20.03.2010, acarretando diversos danos, patrimoniais e morais.

           

            O Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro declarou-se incompetente em razão da matéria.

            O Juízo de Grande Instância Cível de Anadia – Comarca do Baixo Vouga julgou-se territorialmente incompetente, declarando a competência do Tribunal Judicial da Marinha Grande.

            O Autor recorreu deste último despacho, que foi confirmado pela Relação de Coimbra.

            Citado, o Réu contestou, argumentando pela improcedência da acção.

            O A. replicou, defendendo a improcedência das excepções.

            Foi realizada a audiência preliminar, na qual foi proferido despacho saneador, em que se julgaram improcedentes as excepções e se procedeu à elaboração dos factos assentes e da base instrutória, sem reclamações.

            Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, tendo sido decidida a matéria de facto, sem reclamações.

            O Autor apresentou alegações sobre o aspecto jurídico da causa.

            Por fim foi proferida sentença a absolver o Estado do pedido.


*

            Inconformado, o Autor recorreu, concluindo do seguinte modo:

            Correu termos pelo 2º Juízo da Marinha Grande sob o nº. 1380/09.8TBMGR um procedimento cautelar movido contra o Autor por P (…)ldª, no qual em 04.11.2009 veio a ser decretado o encerramento do estabelecimento comercial denominado “Optical Low Cost”, que o Antor explorava.

            Nesse procedimento cautelar foi considerada em 09.11.2009 extemporânea a oposição que o Autor apresentara.

            O Autor recorreu dessa decisão que não admitiu a sua oposição, tendo o Tribunal da Relação de Coimbra dado provimento a esse recurso, revogando a decisão da 1ªinstância e considerando tempestiva a oposição.

            O estabelecimento do Autor esteve encerrado, por força da decisão recorrida, desde 19.11.2009 até 20.03.1010, acarretando diversos danos patrimoniais e não patrimoniais.

            O tribunal deu como provados os factos que enuncia.

            Consta dos factos assentes que houve um erro na aplicação do direito por parte do 2ºJuízo Cível do Tribunal da Comarca da Marinha Grande. Que existiu uma nulidade da sentença por falta de fundamentação de direito.

            A oposição foi apresentada tempestivamente, e ao não ser admitida, causou prejuízos graves e elevados ao recorrente.

            As providências cautelares têm que ser decretadas com muita cautela e parcimónia, pois podem causar danos irreparáveis, como no presente caso aconteceu, tendo havido culpa por parte da Meritíssima Juíza, o que constitui um ato censurável. Existiu violação do direito a uma boa decisão judicial.

            O ora recorrente tem que ser indemnizado pelos danos patrimoniais e por danos não patrimoniais que sofreu, em consequência da frustração da confiança no Estado de

Direito e interrupção do seu projecto profissional e de vida, causado pela decisão do 2º

Juízo da Comarca da Marinha Grande.

            A responsabilidade aqui em causa assenta na culpa do titular do órgão que indeferiu a Oposição ao procedimento cautelar.

            Agir com culpa significa actuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito. O lesante, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, podia e devia ter agido de outro modo. É um juízo que assenta no nexo existente entre o facto e a vontade do autor, e pode revestir duas formas distintas: o dolo e a negligência ou a mera culpa.

            Este caso insere-se no âmbito da mera culpa. A Meritíssima Juíza que decretou a providência cautelar previu a produção da facto ilícito como possível, mas por leviandade, precipitação e desleixo acreditou na sua não verificação, e por isso não tomou as providências necessárias para o evitar (culpa consciente), cometendo um erro manifesto de direito, em si mesmo grosseiro, evidente, indesculpável, diria mesmo crasso. E pelas suas consequências foi grave.

            A mera culpa (quer consciente, quer inconsciente) exprime, como conclui o Prof. Antunes Varela, uma ligação da pessoa com o facto menos incisiva que o dolo, mas ainda assim reprovável ou censurável.

            Aos danos em causa aplica-se o art.12 da Lei nº6//2007, que abrange os danos causados pela administração da justiça em geral.

            E este regime por factos ilícitos cometidos no exercício da actividade administrativa encontra-se aflorado no art.7º a 10º, 12º e 13º da referida Lei.

           

            Não importa, para o efeito, o grau de culpa dessas acções ou omissões.

            Quer isto significar que o julgador não estará vinculado às práticas de desleixo, de desmazelo ou de incúria, que porventura se tenham generalizado no meio, se outra for a conduta exigível dos homens de boa formação e de são procedimento.

            Exigia-se do então 2º Juízo do Tribunal que vem sendo referido uma actuação séria, cuidadosa, indesculpável. Este dano que prejudicou o autor, tem que ser apreciado á luz da responsabilidade civil extracontratual.

            Sendo certo que, relativamente aos danos patrimoniais terá que se aplicar o art.562º e 566ºdo código civil.

            E em relação aos danos não patrimoniais, deve-se levar em conta o disposto no art.496ºnº1 do código civil e o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, atendendo-se ao grau de culpabilidade do agente, a situação económica difícil do lesado e as demais circunstâncias do caso.

            Nos termos dos art.7º a 10º, 12º e 13º da Lei nº67/2007, de 31/12 deve o presente recurso obter provimento e em consequência a acção ser julgada procedente por provada e o autor ser indemnizado pelos danos de que foi vitima.

            O tribunal fez uma errada interpretação da Lei, violando desse modo o disposto no art. 12, nº. 2, 2ª parte do Código Civil; violando o disposto nos artigos 7º a 10º, 12º e 13º da Lei 67/2007 de 31/12 e violando o disposto no art. 22º da Constituição da República Portuguesa.


*

            As questões que nos são colocadas são:

            1ª A decisão judicial de 9.11.2009, ao considerar a oposição ao procedimento cautelar extemporânea, manifesta um erro legalmente atendível para a responsabilização do Estado?

            2ª É aquela decisão a causadora dos danos? Que relevância tem o facto de correr termos a providência cautelar com o pedido de encerramento da loja, o encerramento que destrói as vantagens económicas que o Autor retira da loja?


*

            Consideremos os factos provados:

            1. O Autor, L (…), casou com M (…) no dia 17 de Julho de 2005.

            2. Em data posterior a 15.07.2009, a “P(…), Lda.,” instaurou procedimento cautelar contra o estabelecimento “Optical Low Cost”, que correu termos sob o nº1380/09.8TNMGR, no 2º Juízo do Tribunal Judicial da Marinha Grande.

            3. Por sentença datada de 04.11.2009, foi julgado procedente o referido procedimento cautelar e determinado: “1. o imediato encerramento do estabelecimento comercial do requerido, sito na Rua da Palmeira, nº 5, São Bernardo, Aveiro; e 2. Que o requerido se abstenha de comercializar quaisquer produtos ópticos concorrentes com os da requerente”.

            4. Por despacho datado de 09.11.2009, proferido no dito procedimento cautelar, foi considerada extemporânea a oposição aí apresentada pelo requerido no dia 05.11.2009, tendo a mesma sido mandada desentranhar e devolvida ao apresentante.

            5. No dia 18.11.2009, no âmbito do referido procedimento cautelar, foi efectuado o encerramento do estabelecimento do Autor e a substituição da fechadura da porta, tendo sido lavrado o competente “Auto”.

            6. Por Acórdão datado de 02.02.2010, proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, foi julgado procedente o recurso interposto pelo Autor quanto ao despacho referido em 4, revogada a decisão impugnada e anulada a sentença, declarando que a oposição foi apresentada em tempo pelo Autor, ordenando-se que a mesma fosse admitida caso não ocorra outro fundamento legal para a sua rejeição, prosseguindo os autos os seus normais termos.

            7. No dia 9.2.2009, o Autor e a “P(…), Lda.,” ajustaram entre si - mediante a celebração do denominado “Contrato de Concessão de Licença de Marca” - que a segunda concedia ao primeiro a exploração da Licença de Marca “Optical Low Cost”.

            8. Através de tal contrato, o Autor ficou com o direito de explorar a referida marca, em exclusividade, e em zona pré-definida e pré-delimitada (correspondendo à zona de São Bernardo, em Aveiro).

            9. Para obter financiamento para a loja, o Autor apresentou junto da Segurança Social de Aveiro um “Estudo de viabilidade” e a “Identificação do Projeto e dos Promotores”.

            10. E obteve ajuda da Segurança Social de Aveiro para o financiamento da loja.

            11. Tendo antecipado o Autor o subsídio de desemprego para montagem do estabelecimento denominado “Optical Low Cost”.

            12. Em Abril de 2009, a “Optical Low Cost” foi aberta ao público na Rua da Palmeira, nº 5, São Bernardo, em Aveiro.

            13. Desde essa data até ao dia 15 de Julho de 2009, a loja esteve a funcionar sem anomalias.

            14. Para a abertura da “Optical Low Cost”, a P (…) Lda. entregou-lhe móveis pejados de defeitos, bem como ferramentas e utensílios inaptos para a actividade óptica.

            15. (…) a formação ministrada pelos formadores da P(…)era insuficiente e inadequada.

            16. (…) os fornecimentos de matérias primas eram defeituosos e de fraca qualidade.

            17. (…) os óculos de sol com lentes “Dgradê” eram nocivos para a saúde das pessoas.

            18. Por virtude do referido de 14 a 17, o Autor, por carta datada de 15.7.2009, comunicou à “P (…), Lda.” que era sua intenção proceder à “resolução imediata e com justa causa do contrato assinado”.

            19. Por virtude da sentença aludida em 3., o estabelecimento “Optical Low Cost” esteve encerrado desde 19.11.2009 até 20.03.2010.

            20. Na sequência do referido encerramento do estabelecimento, o Autor deixou de conseguir pagar a fornecedores.

            21. (…) os fornecedores deixaram de conceder crédito ao Autor.

            22. (…) no mês de Dezembro de 2009, o Autor deixou de facturar a quantia de €

6.000,00.

            23. (…) e suportou, durante tal período, um prejuízo mensal de € 3.547,34 (correspondente a despesas que suportou e receitas que deixou de auferir).

            24. Durante o período em que o estabelecimento esteve encerrado, o Autor continuou a proceder ao pagamento da respectiva renda, no montante mensal de € 400,00.

            25. (…) a suportar o pagamento da prestação mensal ao Banco, em valor não concretamente apurado mas não inferior a € 78,82.

            26. O Autor continuou a pagar água, energia elétrica, internet e telefones no valor global mensal de € 72,26.

            27. (…) a pagar os encargos da Segurança Social no valor de € 118,75.

            28. (…) a pagar um ordenado ao seu colaborador no valor de € 620,00/mês.

            29. Por virtude do referido de 19 a 28, o Autor teve de entregar a casa de habitação ao Banco Millennium BCP, por deixar de conseguir suportar o pagamento da prestação.

            30. (…) O Autor vendeu um veículo de marca Citroen, de valor não apurado, a um gerente da agência do Millenium BCP, por preço não apurado.

            31. (…) ficou inibido de abrir contas bancárias.

            32. (…) deixou de poder recorrer ao crédito bancário.

            33. (…) ficou inibido do uso de cheques.

            34. (…) Em consequência do encerramento da loja, o Autor não conseguiu recuperar toda a sua anterior clientela.

            35. Na sequência do referido de 29 a 34, o Autor teve que pedir ajuda a pessoas amigas que o auxiliaram entregando-lhe quantias monetárias.

            36. (…) o que o fez sentir vexado e inferiorizado.

            37. (…) deixando, tais pessoas, de o considerar bom comerciante.

            38. Em consequência do encerramento do estabelecimento, o Autor perdeu o prestígio que adquiriu na sua área de trabalho.

            39. (…) o que lhe causou profunda angústia.

            40. (…) deixando de confiar em si próprio.

            41. O Autor foi viver para casa do seu pai.

            42. O pai do Autor tem uma perna amputada e já teve vários enfartes.

            43. (…) ficou a sofrer com a situação do Autor.


*

            Lembremos a 1ª questão: a decisão judicial de 9.11.2009, ao considerar a oposição ao procedimento cautelar extemporânea, manifesta um erro legalmente atendível para a responsabilização do Estado?

            Nas suas conclusões do recurso, o Autor mistura os diferentes níveis (as fontes) da responsabilidade do Estado.

            Mas não há dúvidas que o Autor fundou o seu direito à indemnização nos danos provocados pela concreta decisão judicial, a que considera intempestiva a sua oposição ao pedido de encerramento da sua loja.

            O regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado encontra-se previsto na Lei nº 67/2007, de 31.12 (entrou em vigor no dia 30.01.2008 – seu art.6º), e especificamente no que respeita aos danos decorrentes do exercício da função jurisdicional, surge no seu capítulo III, nos seguintes termos:

“Responsabilidade civil por danos decorrentes do exercício da função jurisdicional.”

Artigo 12.º

“Regime geral

Salvo o disposto nos artigos seguintes, é aplicável aos danos ilicitamente causados pela administração da justiça, designadamente por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, o regime da responsabilidade por factos ilícitos cometidos no exercício da função administrativa.”

Artigo 13.º

“Responsabilidade por erro judiciário

1 — Sem prejuízo do regime especial aplicável aos casos de sentença penal condenatória injusta e de privação injustificada da liberdade, o Estado é civilmente responsável pelos danos decorrentes de decisões jurisdicionais manifestamente inconstitucionais ou ilegais ou injustificadas por erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos de facto.

2 — O pedido de indemnização deve ser fundado na prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente.”

            Esta lei é já a concretização das preocupações constitucionais, nomeadamente do previsto no art. 22º da Constituição da República Portuguesa.

            O que o Autor invoca nesta acção (dano decorrente de uma concreta decisão jurisdicional) convoca a previsão do artigo 13º citado.

            O artigo 12º (que também refere nas suas conclusões, juntamente com os artigos 7º a 10º) é relativo ao regime geral aplicável “aos danos ilicitamente causados pela administração da justiça”.

            Administração da justiça é uma das funções do Estado prosseguida por um conjunto de órgãos e pessoas aos quais a lei atribui competência para o efeito.

            Nela, mais especificamente, estão as decisões jurisdicionais.

            Ora, o Autor não imputa os seus danos à deficiente administração da justiça mas, sim e concretamente, imputa os seus danos à delimitada decisão judicial.

            Sendo assim, para o caso específico desta, regula o referido art.13º.

            Analisou este normativo o acórdão do STJ de 3.12.2009, no processo 9180/07.3TBBRG.G1.S1 (relator Moreira Camilo), que nos diz:

            “A leitura deste normativo leva-nos a concluir que, até à entrada em vigor da Lei de que faz parte, o Estado não era responsável pelos danos decorrentes das situações nele tipificadas.
            “Conforta-nos esta asserção a interpretação que surpreendemos na Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 56/X que, nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo 197º da Constituição da República Portuguesa, foi apresentada à Assembleia de República e que, por força da sua entrada em vigor, a suportou.
            “Lê-se na mesma:
“…Avança-se, por outro lado, no sentido do alargamento da responsabilidade civil do Estado por danos resultantes do exercício da função jurisdicional, fazendo, para o efeito, uma opção arrojada: a de estender ao domínio do funcionamento da administração da justiça o regime da responsabilidade da Administração, com as ressalvas que decorrem do regime próprio do erro judiciário e com a restrição que resulta do facto de não se admitir que os magistrados respondam directamente pelos ilícitos que cometam com dolo ou culpa grave, pelo que não se lhes aplica o regime de responsabilidade solidária que vale para os titulares de órgãos, funcionários e agentes administrativos, incluindo os que prestam serviço na administração da justiça”.
            “E, pormenorizando, quanto ao erro judiciário, o legislador logo acrescentou o seguinte: “No que se refere ao regime do erro judiciário, para além da delimitação genérica do instituto, assente num critério de erro de direito ou na apreciação dos pressupostos de facto, entendeu-se dever limitar a possibilidade de os tribunais administrativos, numa acção de responsabilidade, se pronunciarem sobre a bondade intrínseca das decisões jurisdicionais, exigindo que o pedido de indemnização seja fundado na prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente”.
            “Foi esta “justificação” que deu azo à redacção do nº 2 do supra citado artigo 13º: “O pedido de indemnização deve ser fundado na prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente”.

            “Há-de ser na decisão revogatória que terá de reconhecer-se o carácter «manifesto» do erro de direito ou o carácter grosseiro na apreciação dos factos, que são pressupostos substantivos da responsabilidade do Estado.”

            No nosso caso, a decisão proferida no procedimento cautelar foi revogada pelo Tribunal da Relação de Coimbra.

           

            No regime legal descortinamos como pressupostos materiais do dever de indemnizar, o erro grosseiro de facto ou o erro manifesto de direito.

            Não fornecendo a lei uma noção do erro judiciário, ela aponta as características desse erro: ter sido praticada uma decisão jurisdicional manifestamente inconstitucional ou ilegal (erro manifesto de direito), ou que seja injustificada por erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto (erro grosseiro de facto). (No sentido do advérbio “manifestamente” se estender também às decisões “injustificadas por erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos de facto”, ver Guilherme da Fonseca, A responsabilidade civil… (Em especial, o erro judiciário), Revista Julgar, nº5, pág.55.)

            Os conceitos de manifesto e grosseiro traduzem uma elevada relevância ou importância, não bastando qualquer erro, o erro corrente ou comum.

            Tratar-se-á de um erro crasso, clamoroso, evidente, palmar, intolerável, indiscutível e de tal modo grave que torne a decisão judicial numa decisão claramente arbitrária, assente em conclusões absurdas, demonstrativas de uma actividade dolosa ou gravemente negligente.

            Não será a simples diferença de interpretação da lei, nem a normal valoração dos factos e das provas.

            No nosso caso, o Tribunal que revogou a decisão jurisdicional danosa não emitiu qualquer juízo sobre o carácter manifesto ou grosseiro da decisão sob censura.

            De qualquer maneira, o acórdão da Relação escreveu que “em casos como o presente, em que a notificada proposta de decisão de nomeação de patrono se converte em definitiva sem necessidade de nova notificação e em que não chega a constar dos autos a notificação da nomeação, tendo entretanto o impetrante prescindido inequivocamente da assistência de patrono (por ter praticado o acto com mandatário constituído), o nº 5 do citado art. 24º deve ser interpretado e aplicado em termos hábeis”.

            Ora, poderá entender-se, como salientou o tribunal da 1ª instância, “uma interpretação feita em “termos hábeis” de um preceito legal significa que a decisão que a primeira instância deveria ter tomado não era evidente ou absolutamente pacífica.

            A nossa leitura não é a de reconduzir a falha detectada pela Relação a uma interpretação jurídica.

            A decisão em questão está titulada a fls.36, onde consta:

           

            “Conclusão - 9.11.2009, com a informação de que, salvo o devido respeito e melhor opinião, a oposição é extemporânea.

(Termo electrónico elaborado por Escrivão…)

“Compulsados os autos e tendo em conta a informação constante de fls.91 e ss. da segurança social, bem como o disposto no art.24º, nº5, al. b) da Lei nº34/2004, de 29.7, constata-se que a oposição junta a fls.112 e seguintes é manifestamente extemporânea.

Deste modo, desentranhe e devolva ao apresentante.”

            O pressuposto factual da decisão é o constante da informação da Segurança Social.

            Esta dava conhecimento ao Autor da proposta de decisão sobre o apoio judiciário, segundo a qual o pedido era indeferido. Mas também dizia que, se o interessado nada dissesse em 10 dias (como não disse), a decisão definitiva seria a de conceder o apoio do pagamento faseado da taxa e encargos e a nomeação de patrono com pagamento faseado da sua compensação.

            Mas o Autor reagiu a 5.11.2009 com mandatário constituído.

            Em primeiro lugar, importa assinalar que a comunicação da Segurança Social não é do ponto de vista linguístico clara e simples.

            Por um lado indefere e por outro lado, se ocorrer o silêncio do interessado, afinal concede um apoio diferente do pedido.

            Neste contexto, quando o tribunal deparou com a constituição de mandatário judicial, ao contrário da vontade anterior expressa no pedido de patrocínio judiciário, terá interiorizado que o interessado aceitou o indeferimento. (É até possível que o tribunal tenha interiorizado (mal) apenas o indeferimento.)

            Sendo assim, o erro do tribunal de 1ª instância está na apreciação dos pressupostos de facto – o que disse realmente a Segurança Social. Por isso refere o art.24º, nº5, al. b) da Lei nº34/2004, de 29.7, fazendo contar o prazo da “notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono.”

            No caso deste erro, a lei exige que seja grosseiro.

            Ora, considerando a deficiente comunicação da Segurança Social, a indução suscitada pela Senhora Escrivã na conclusão e o facto do interessado ter vindo ao processo com mandatário constituído, como assinalado, julgamos que o erro não é grosseiro, evidente, palmar, intolerável.

            Sem prejuízo desta conclusão, lembremos a 2ª questão:

            É aquela decisão a causadora dos danos? Que relevância tem o facto de correr termos a providência cautelar com o pedido de encerramento da loja, o encerramento que destrói as vantagens económicas que o Autor retira desta?

            A decisão que impõe considerar a oposição do Autor, requerido no pedido cautelar de encerramento da sua loja, não determina directa e imediatamente que a decisão de encerramento não seja válida e justificada. (Não o será naquele momento.)

            A decisão de encerramento não assenta apenas na não consideração da oposição do Autor, assenta também nos argumentos da parte contrária e no contrato e legislação pertinentes.

            Para se aceitar o nexo de causalidade entre a não consideração da oposição e o encerramento seria necessário demonstrar que a decisão de encerramento não se proferiria.

            Repete-se, pode dizer-se que o encerramento terá sido “antecipado” e proferido em momento inoportuno.

            Sim, mas o pedido de encerramento já estava feito e é legítimo pensar que, a ser decretado, seja reportado patrimonialmente à data daquele pedido.

            A ser assim, os danos do encerramento aconteceriam sempre e seriam imputáveis ao próprio Autor.

            Como assinalou o tribunal de 1ª instância, “está por demonstrar (e tal ónus competia ao Autor – art.342º do CC - visto que, inclusivamente, intentou a presente acção já em 30.03.2011 - mais de um ano após a Relação ter mandado admitir a oposição -, numa altura em que, previsivelmente, já haveria decisão final na providência, sobre o mérito da oposição) que, a ter sido, ab initio, admitida a oposição, a sentença do 2º Juízo da Marinha Grande teria sido diferente, indeferindo a providência requerida pela “P (…) Lda.”. Quem nos garante que, admitindo-se desde logo a oposição, a sorte da providência não se manteria idêntica, com o decretamento do encerramento do estabelecimento e, por força desse encerramento, com a ocorrência dos mesmos danos que o Autor aqui reclama?”

            (Embora tentadora (pela analogia), “a relevância da causa virtual” não permite uma solução, por serem excepcionais os casos previstos. Ver A. Varela, Das Obrigações, vol.1, Almedina, 1973, páginas 497/498.)

            Também é relevante, a ser injustificada a providência, depois de decretada (o que pressupõe uma ou mais decisões de mérito acerca da mesma), ter o Autor ao seu

dispor a garantia prevista no art.390º, nº 1, do CPC, chamando à responsabilidade pelos danos, no todo ou em parte, a requerente do encerramento. (ver L. Freitas, M. Machado, R. Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol.2, 2ª edição, C. Editora, pág.62.)

            Porém, não dispomos dos elementos necessários para juízos de valor a este nível.

            Por tudo isto, fundada a acção na “responsabilidade por erro judiciário derivado de decisão jurisdicional”, conclui-se que inexiste o erro fundamento para o Estado Português indemnizar o Autor.


*

            Decisão.

            Julga-se o recurso improcedente e mantém-se a decisão recorrida.

            Custas pelo Autor, sem prejuízo do decidido quanto ao apoio judiciário.


*

           

 Fernando de Jesus Fonseca Monteiro ( Relator )

 Maria Inês Carvalho Brasil de Moura

 Luís Filipe Dias Cravo