Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1444718.7T8CTB-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: SEGURO DE GRUPO
DEVER DE INFORMAÇÃO
DECLARAÇÃO DE RISCO
ÓNUS DA PROVA
MÚTUO
EXECUÇÃO
EXIGIBILIDADE
EXTINÇÃO
Data do Acordão: 12/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO - C.BRANCO - JL CÍVEL - JUIZ 3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 342 Nº2, 576 Nº3 CC, DL Nº 72/208 DE 16/4
Sumário: 1. Nos seguros de grupo, de tipo contributivo, a prestação prometida pela seguradora destina-se à tomadora do seguro (financiadora) e a esta impõe-se o ónus da prova de ter informado o segurado sobre as obrigações e os direitos, em caso de sinistro.

2. O risco de morte resultante de doença pré-existente, bem como outros riscos excluídos da cobertura contratual do seguro de vida, traduzem-se em factos ou causas impeditivas do efeito jurídico dos factos articulados pelo executado (normalmente, o mutuário ou herdeiros), que à seguradora ou à embargada/exequente, como defesa por excepção, caberá demonstrar, nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 342º, n.º 2, do CC e 576º, n.º 3, do CPC.

3. No habitual circunstancialismo em que o contrato de seguro de grupo é concluído, verificado o sinistro, a vontade usual das partes será a de que o credor se pague primeiro à custa do segurador, sendo que a exigência de que o mutuante procure, primeiro, a satisfação do seu crédito junto do segurador, não deixa sem tutela aquele credor, pois sempre poderá demonstrar que não lhe é comprovadamente possível obter aquela satisfação junto do segurador, porque, por exemplo, o contrato de seguro é inválido ou não se verificam as condições convencionadas para que aquele se constitua no dever de prestar a que se vinculou.

4. Transferindo-se para a seguradora a responsabilidade pelo saldo em dívida ao mutuante, beneficiário do seguro, no âmbito do contrato de crédito pessoal, por invalidez permanente do embargante/mutuário, que se apresentava como um risco coberto pelo seguro, antes de mais, cabia ao exequente/beneficiário interpelar a chamada seguradora (para o eventual pagamento da quantia em dívida), primeira responsável pelo pagamento da quantia mutuada, sob pena de, não o fazendo, se extinguir a instância executiva.

Decisão Texto Integral:









           

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:       

I. Em 15.10.2018, P (…) e mulher C (…) deduziram oposição por embargos à execução que lhes é movida por Banco (…), S. A.[1], pedindo que seja declarada extinta.

Alegam, em síntese: a livrança dada à execução garante o contrato de mútuo celebrado entre as partes; celebraram em simultâneo um contrato de seguro de vida crédito pessoal com a O (…) - Companhia de Seguros de Vida, S. A., cuja apólice cobria a invalidez absoluta e definitiva por doença; o embargante accionou o seguro por comprovada invalidez; a embargante é doente oncológica, já requereu a pensão de invalidez e quando deferida irá accionar o mesmo seguro.

Requereram também a intervenção principal provocada da O (…)-Companhia de Seguros de Vida, S. A..           

A exequente contestou, alegando, nomeadamente: foi informada pela O (…) Companhia de Seguros de Vida, S. A., que “após apreciação clínica o processo de indemnização por Invalidez da Pessoa Segura foi recusado por doença considerada pré-existente à data da subscrição da apólice de seguro de vida em causa, pelo que não haverá lugar ao pagamento do respectivo Capital Seguro” e que iria “proceder à anulação do contrato de seguro”; desconhece a situação clínica da executada; os executados são devedores solidários e, por isso, o contrato de seguro não os exonera das obrigações assumidas. Concluiu pela improcedência da oposição à execução e pelo indeferimento do incidente de intervenção principal provocada.

Foi admitida a intervenção principal provocada da O (…) - Companhia de Seguros de Vida, S. A., que, devidamente citada, não contestou.

No despacho saneador, a Mm.ª Juíza a quo firmou o objecto do litígio e enunciou os temas da prova.

Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal a quo, por sentença de 23.5.2019, julgou os embargos de executado totalmente procedentes com fundamento na inexigibilidade da obrigação exequenda e, em consequência, determinou a extinção da execução a que a estes autos são apensos.

Inconformadas e visando a revogação da sentença recorrida, a exequente/embargada e a chamada apelaram, formulando, a primeira, as conclusões que assim vão sintetizadas:

1ª - O apelante celebrou com os embargantes/executados um contrato de mútuo, mais conhecido por contrato de crédito pessoal, em 14.7.2016 que deixou de ser pago por estes em Agosto de 2017.

2ª - Na mesma data, os embargantes/executados celebraram um contrato de seguro com a O (…)-Companhia de Seguros, S. A., para garantir o pagamento daquele contrato.

3ª - Em 24.7.2017, o embargante/executado P (…) accionou o seguro com fundamento em invalidez total e permanente e a O (…) enviou carta ao embargante a declinar o pagamento da quantia em dívida com os fundamentos constantes do ponto 14 dos factos considerados provados.

4ª - Não foi considerado provado pelo tribunal a quo a invalidez definitiva do embargante P (…)

5ª - Tendo a seguradora O (…) informado o embargante/executado que anulava o seguro e não procedia ao pagamento da quantia devida ao apelante.

6ª - O apelante preencheu a livrança-caução assinada pelos executados e executou a mesma.

7ª - A garantia/livrança assinada pelos embargantes/executados pode ser executada pelo apelante, cabendo aos primeiros instaurar, se assim o entenderem, acção contra a seguradora para pagamento da quantia devida ao apelante para discussão da situação da saúde/invalidez do embargante/executado.

8ª - O apelante tinha legitimidade para exigir dos embargantes/executados as quantias emergentes do incumprimento do aludido contrato de mútuo, sendo que a livrança serviu para determinar o valor em dívida face ao incumprimento verificado.

9ª - No âmbito da sua actividade celebrou o mútuo/crédito pessoal com os embargantes/executados, agindo com a devida legitimidade para exigir o pagamento da quantia mutuada em dívida, assim como para accionar os mesmos em face do incumprimento verificado no mútuo.

10ª - A acção executiva instaurada destinou-se a permitir ao apelante, de forma legítima e devidamente titulada, obter o pagamento dos seus créditos.

11ª - Quanto à apólice de seguro contratada, o apelante solicitou que subscrevessem, antes da celebração do contrato de mútuo-crédito pessoal, onde consta como beneficiário - situação corrente e normal neste tipo de operações, visando proteger a sua posição enquanto entidade que concede o crédito.

12ª - Apesar do apelante constar como beneficiário do dito seguro, o respectivo contrato de seguro foi celebrado entre a O (…) e os embargantes/executados.

13ª - A recusa da seguradora em assumir o alegado sinistro, inviabiliza o pagamento ao apelante.

14ª - A discussão da situação da invalidez entre a seguradora e os embargantes/executados, a propósito da ocorrência ou não do sinistro e da sua integração nas condições da apólice, não obriga ou vincula o apelante a qualquer acto ou omissão, numa relação jurídica onde é apenas terceiro interessado.

15ª - O tribunal a quo considera que o apelante tem um direito sobre a seguradora O(…), mas não tem - esta declinou o pagamento da quantia em dívida com os fundamentos expostos na carta enviada aos embargantes/executados. Logo, não pode o apelante obter o pagamento da seguradora.

16ª - Não existe qualquer fundamento de facto ou de direito que possa determinar a procedência dos embargos e extinção da execução.

E concluiu a chamada:[2]

1ª - A existência de um contrato de seguro de vida não é meio adequado para fazer cessar os efeitos jurídicos do título executivo dado à execução: a livrança.

2ª - O exequente pode escolher, como credor, a garantia que julgar mais conveniente uma vez que o contrato de mútulo entrou em incumprimento.

3ª - A questão do contrato de seguro não tem que ser discutida aqui neste processo, pois é de todo alheia ao título executivo dado à execução.

4ª - Deve a sentença que julgou os embargos procedentes ser revogada, com as consequências legais, ou seja, julgando-se os mesmos improcedentes.

            Os embargantes responderam concluindo pela improcedência dos recursos.

Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto dos recursos, importa apreciar e/ou decidir se existe fundamento para a procedência dos embargos (se antes de exigir o pagamento aos executados, impendia sobre a apelante/exequente a obrigação - prévia - de accionar o seguro associado ao contrato de mútuo do qual emerge o seu crédito) ou se, pelo contrário, é (desde já) exigível a quantia exequenda.


*

II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:

1. Em 04.9.2018, o Banco (…), S. A., deu entrada de requerimento executivo pelo qual deu à execução uma livrança (para pagamento da quantia de € 28 747,66 de capital, € 65,62 de juros de mora vencidos, dos juros de mora vincendos à taxa de 4 % e do imposto de selo)[3].

2. É do seguinte teor o requerimento executivo: “Os factos constam exclusivamente do título executivo.”.

3. A livrança dada à execução tem aposta os seguintes dizeres: “Local e Data de Emissão: Porto, 2016.07.14; Importância em EUROS: € 28 747,66; VALOR: CONTRATO DE EMPRÉSTIMO ILS (...) ; VENCIMENTO: 2018.08.14” e está subscrita por P (…) e C (…)..

4. Por documento particular denominado “Crédito Pessoal - Contrato n.º (...) ”, datado de 14.7.2016, foram identificados como mutuários P (…) e C (…) e consta do mesmo que “Pelo presente, o(s) Mutuários contratam com o Banco (…), S. A. o presente empréstimo nas Condições Particulares aqui indicadas e submetidas às Cláusulas das Condições Gerais que se seguem infra.”

5. Consta do documento identificado no número anterior: “CONDIÇÕES PARTICULARES DO EMPRÉSTIMO”:

Finalidade: Multifinalidades

Montante Total do Empréstimo: 28.106,28 EUR

Dia de Vencimento das Prestações: 5

Data de Vencimento da Prestação intercalar: 05-8-2016

Descritivo da Taxa de Juro: Taxa Base Crédito Pessoal

TAEG 11,8 %

Livrança subscrita em branco pelos Mutuários: Sim (indispensável)

Prazo do Empréstimo 96 meses

Regime de Prestações: Constantes (Capital e Juros)

Montante da prestação intercalar: 136,41 EUR

Regime de Taxa Juro: Taxa Fixa

(PERÍODO INICIAL)

Taxa Juro Nominal do período inicial: 8,000 %

Período de aplicação da Taxa de juro: 12 meses

N.º Prestações constantes de Capital e Juros: 12

Montante (indicativo) de cada Prestação: 401,92 EUR/cada, inclui imposto de selo de 4 %

Data de vencimento da 1ª Prestação de Capital e Juros: 05-9-2016

Periodicidade das Prestações de Capital e Juros: mensal

Montante dos juros diários (indicativo): 6,25 EUR

(PERÍODO REMANESCENTE)

Taxa Juro Nominal do período 10,000 %

Remanescente

Período de aplicação da Taxa de juro: 84 meses

N.º de Prestações constantes de Capital e Juros: 84

Montante (indicativo) de cada Prestação: 429,04 EUR/cada, inclui imposto do selo de 4 %

Data de vencimento da 1ª Prestação de Capital e juros

Periodicidade das Prestações de Capital e Juros: mensal

Montante dos juros diários (indicativo): 7,81 EUR.

6. Consta das “CONDIÇÕES GERAIS” do contrato identificado em II. 1. 4., na cláusula 10: “Para titulação e garantia das obrigações emergentes deste contrato o(s) Mutuário(s) obrigam-se a entregar, nesta data, ao Banco, uma livrança subscrita em branco, ficando, desde já, o Banco expressamente autorizado, através de qualquer um dos seus funcionários, a proceder, livre e integralmente, ao preenchimento do referido título de crédito, designadamente quanto à data de emissão, montante em dívida, à data de vencimento e ao local de pagamento pelo valor correspondente à totalidade dos créditos e encargos emergentes do presente contrato (incluindo o capital em dívida, juros remuneratórios e moratórios), acrescida de todos e quaisquer encargos com a selagem caso se verifique o incumprimento por parte do Mutuário de qualquer das obrigações que lhe competem e que aqui são referidas, o Banco poderá descontar essa livrança e utilizar o seu produto para pagamento dos créditos emergentes deste contrato.”

7. Na mesma data, 14.7.2016, os executados/mutuários subscreveram a proposta de seguro de vida crédito pessoal/Ramo Vida Grupo n.º (...) da O (..) Companhia de Seguros de Vida, S. A..

8. Consta da referida proposta a seguinte declaração: “Declaro que até à presente data não me foi atribuído qualquer grau de incapacidade funcional, que estou de boa saúde e que no último ano não estive sujeito a qualquer tratamento médico regular nem fui aconselhado a ser hospitalizado para me submeter a uma intervenção cirúrgica ou a tratamento médico. Mais declaro que nos últimos 3 anos não estive sujeito a tratamento clínico durante mais de 3 semanas consecutivas. Declaro ainda que sei que a omissão ou falsas declarações conduzem à nulidade da minha adesão à apólice de seguro subjacente ao presente contrato.”

9. A Companhia de Seguros O(…) - Companhia de Seguros de Vida, S. A., emitiu, com data de 14.7.2016, a apólice n.° (...) , com início de adesão a 14.7.2016 e válida desde 14.7.2016, com data de vencimento até 14.7.2024.

10. Consta da apólice de seguro subscrita por P (…) e C (…)que o beneficiário do seguro é o Banco (…), S. A..

11. E que tem como objecto a garantia, em caso de morte e invalidez total e permanente por acidente ou invalidez absoluta definitiva de qualquer dos segurados, do pagamento ao beneficiário do capital seguro, ou seja, do capital mutuado, até ao valor de € 27 684,67.

12. O contrato identificado em II. 1. 4., 5. e 6. encontra-se em incumprimento desde Agosto de 2017.

13. Em 24.7.2017, o embargante P (…) accionou o seguro identificado em II. 1. 7. com fundamento em invalidez total e permanente.

14. A O (…)- Companhia de Seguros de Vida, S. A., enviou carta ao embargante P (…) datada de 09.8.2017, que este recebeu, do seguinte teor: “Exmo. Senhor/ Acusamos a recepção da documentação enviada aos nossos Serviços relativa à situação de invalidez que lamentavelmente afecta V. Exa., a qual nos mereceu a nossa melhor atenção.

Da apreciação efectuada pelo nosso Departamento Clínico à informação médica disponibilizada, concluímos que V. Exa., não fez qualquer referência, no acto de subscrição do Contrato de Seguro de Vida em análise, a qualquer tipo de doença pré-existente, tendo, pelo contrário, respondido em sentido negativo a todas as questões relacionadas com a existência de eventuais problemas de saúde.

Assim aquando do preenchimento da referida Proposta de Adesão e respectiva Declaração de Saúde em 13 de Julho de 2016 (cópia em anexo) não foi mencionada a patologia pré-existente, conforme referido no relatório médico emitido por Sr. Dr. (…) em 03 de Julho de 2017.

Nestas condições verificámos que existia um quadro clínico pré-existente que se tivesse sido declarado teria condicionado a aceitação do risco. Esclarecemos ainda que é através da Proposta de Seguro e respectiva Declaração de Saúde que este Segurador pode avaliar e aceitar os riscos garantidos ao abrigo do referido Contrato de Seguro.

As declarações inexactas, reticentes ou que omitam qualquer facto, designadamente, relativas a alguma doença pré-existente, isto é, que tenha ocorrido antes da data de entrada em vigor do Contrato de Seguro, e que por isso se encontram excluídas do âmbito de cobertura de riscos, tornam nulo o pedido de adesão ao Contrato de Seguro de Vida em causa.

Nestas circunstâncias lamentamos informar V. Exa. que, nos termos do estabelecido nas Condições Gerais e Especiais da Apólice, de que juntamos cópia, declinamos qualquer responsabilidade pelo pagamento do Capital Seguro na Apólice, procedendo, nesta data, à anulação do Contrato de Seguro.

Entretanto, e dado que o Certificado Individual de Seguro n.º (...) , agora anulado, estava associado ao Crédito Pessoal n.º (...) contraído junto do M (…) e tinha como 2ª Pessoa Segura a Sra. D. (…), vamos proceder à emissão de nova Apólice apenas a favor da mesma, informando[4] nesta data o credor hipotecário, beneficiário irrevogável deste Contrato, da presente situação. (…)”.

2. E deu como não provado:

a) A embargante C (…) sofre de doença oncológica e requereu pensão de invalidez.

b) Banco (…), S. A., obteve junto da O (…) Companhia de Seguros de Vida, S. A., a seguinte informação: “Cumpre-nos informar que após apreciação clínica o processo de indemnização por invalidez da pessoa segura foi recusado por doença considerada pré-existente à data da subscrição da apólice de seguro de vida em causa, pelo que não haverá lugar ao pagamento do respectivo capital seguro. Mais esclarecemos que em 09 de agosto de 2017, e através de carta registada com aviso de recepção, comunicámos à pessoa segura esta decisão da Companhia, com base na qual vamos proceder à anulação do contrato de seguro.”

3. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

As alegações de recurso não enjeitam, antes pressupõem, a conclusão de que o contrato de mútuo identificado em II. 1. 4. a 6., supra, tinha associado o seguro de grupo celebrado com a chamada, aludido em II. 1. 7. a 11., supra, destinado ao (eventual) reembolso da dívida contraída pelos mutuários junto da exequente, em caso de morte ou de invalidez absoluta e definitiva dos segurados/mutuários.

Assente, igualmente, que a dita livrança garantia o mencionado mútuo, bem como a falta de pagamento das prestações vencidas após comunicação da invalidez absoluta do embargante (cf. II. 1. 12. e 13., supra).

Decorre, ainda, dos factos provados que em 14.7.2016, os executados/embargantes subscreveram a proposta de seguro de vida crédito pessoal - Ramo Vida Grupo n.º (...) da seguradora chamada e que esta emitiu, com data de 14.7.2016, a apólice n.° (...) , com início de adesão a 14.7.2016 e válida desde 14.7.2016, com data de vencimento até 14.7.2024, sendo beneficiária do seguro a exequente, tendo por objecto a garantia, em caso de morte e invalidez total e permanente por acidente ou invalidez absoluta definitiva de qualquer dos segurados, do pagamento à beneficiária do capital seguro/mutuado, até ao valor de € 27 684,67 (cf. II. 1. 7., 9., 10. e 11., supra).

De reter, sobretudo, dado o objecto do recurso, a existência de um seguro vida grupo em que o tomador e beneficiário é a exequente, a pessoa segura, os mutuários, e o objecto do seguro, o financiamento concedido.

4. Atendo-nos, ainda, à sequência das “questões” conhecidas na sentença, também nenhuma dúvida suscita o montante considerado em dívida à data da instauração da execução, inscrito na livrança, o demais nela contido e que o embargante accionou o seguro identificado em II. 1. 7., supra, baseado em invalidez total e permanente (cf. II. 1. 3., 12. e 13., supra), situação de facto que resulta suficientemente evidenciada num dos documentos que acompanharam a oposição à execução (cf. o documento de fls. 8 verso do Centro Nacional de Pensões, onde se alude à pensão de invalidez do regime geral fixada ao embargante, com início em 01.5.2017 - fica, assim, claramente afastada a “proposição” de sentido contrário contida, entre outras, na “conclusão 4ª” da exequente/ponto I., supra).

5. Relativamente às duas últimas “questões”/matérias versadas na decisão sob censura, a saber, “qual a natureza do contrato de mútuo e de seguro entre si” e, depois, se “os executados estão obrigados a pagar o capital em dívida referente ao mútuo”, reproduzem-se, de seguida, alguns excertos do que, com acerto, ficou expendido naquela decisão, para, depois, rematar com algumas considerações finais atentas as especificidades do caso.

6. Seguindo de perto a jurisprudência e a doutrina maioritárias, refere-se na sentença recorrida:

«A situação em apreço identifica-se com a recorrente solução negocial no mercado financeiro nos termos da qual o contrato de seguro de vida em causa foi celebrado por ocasião e por causa do contrato de crédito referido, tendo por objecto a cobertura do risco morte ou invalidez definitiva dos mutuários, e assegurando a satisfação do crédito do banco exequente no caso do falecimento ou invalidez dos mutuários, pelo capital mutuado e juros devidos.

Em tais casos, onde se inclui o dos autos, há uma dependência funcional entre um e outro contrato: o contrato de seguro nasce e subsiste ao serviço do contrato de crédito, tendo por fim assegurar o reembolso do capital mutuado no caso da verificação de um sinistro, no caso a invalidez definitiva do mutuário; (…) o segurado é o mutuário e o beneficiário do seguro, no caso de sinistro, é o banco mutuante, pelo valor do capital em dívida no contrato de crédito. É ainda frequente acontecer que tal contrato de seguro seja um seguro de grupo a que o mutuário/segurado adere e no qual o tomador do seguro, isto é, a parte no próprio contrato de seguro e responsável pelo pagamento do respectivo prémio ao segurador é o próprio banco beneficiário. Nessa hipótese, o prémio do seguro surge adicionado à prestação do mútuo, para que aquele seja repercutido como um custo do mútuo, para o mutuário/segurado.

É, assim, evidente a ligação funcional entre ambos os contratos, de sentido unilateral, estando o de seguro ao serviço do contrato de mútuo, só se justificando a existência daquele por causa deste. Trata-se de uma situação que a doutrina vem classificando como “união de contratos” – ver F. Gravato de Morais[5], União de Contratos de Crédito e de Venda para o Consumo, Teses, Coimbra 2004, na qual, mantendo cada um deles a sua individualidade, acabam por não assumir verdadeira autonomia, já que as partes os concebem e pretendem como um “conjunto económico” (cf. Fernando Baptista de Oliveira, Contratos Privados, Vol. III, pg. 587 e 588).

Em consequência, existindo um seguro vida grupo em que o beneficiário é o exequente, a pessoa segura, os mutuários, e o objecto do seguro, o financiamento concedido, e accionado o seguro, sem que o exequente demonstre que não consegue cobrar o seu crédito junto da seguradora, entendemos que não pode demandar os aqui executados, entendimento que se segue na sequência da doutrina sufragada no acórdão do STJ de 25.11.2014 (…)

Contrato de seguro (…) “É um contrato de adesão, já que, por via de regra (sobretudo nos seguros de massa), o tomador do seguro dispõe da possibilidade de aderir ou rejeitar em bloco um conjunto de cláusulas contratuais padronizadas prévia e unilateralmente elaboradas pela empresa seguradora.

(…) “[A] arquitectura do seguro de grupo revela uma estrutura triangular: o tomador celebra um contrato com o segurador, com vista a que a este adiram os membros de um determinado grupo, tornando-se então segurados. A adesão pressupõe o cumprimento de deveres de informação relativa ao conteúdo do contrato, que estão primacialmente a cargo do tomador de seguro, podendo também ser pactuado entre tomador e segurador que seja último a cumpri-los.”

(…) estamos perante dois contratos distintos. Por um lado, entre o segurador e o tomador e por outro entre aquele e os segurados. Reúnem-se num só contrato dois tipos de interesses e duas relações jurídicas distintas ou pelo menos com finalidade distinta. Por um lado, o tomador do seguro que será o beneficiário e por outro o segurado que estando preservado do sinistro - ou mais concretamente, das consequências nocivas que adviriam para o seu património da sobrevivência do evento danoso - vê repercutir na esfera de outrem o benefício do risco pactuado.

 (…) a entidade seguradora, no caso não contestou os embargos.

Na fisionomia do contrato de seguro de grupo de vida (…) cada contrato tem vida própria que repercute-se nas vicissitudes obrigacionais próprias de cada relação jurídica estabelecida, nomeadamente, quanto ao contrato de mútuo a falta de pagamento das prestações acordados e quanto ao contrato de seguro de grupo de vida a necessidade de verificação, pela entidade seguradora, da situação infortunística que desencadeie a obrigação de pagamento da quantia que, no momento e nos termos contratuais, esteja em dívida no contrato de mútuo. (…)

Ora, tem sido entendimento da jurisprudência que sendo a exequente portadora de um título executivo e tendo (…) accionado o título executivo contra os mutuários inadimplentes, excede os limites da boa-fé, por se ter abstido de accionar, em primeira linha, a beneficiária do seguro de vida, por invalidez do tomador de um seguro de vida, quando o tomador comunicou à exequente e à seguradora a referida invalidez definitiva. Isto porque a vontade usual das partes é a de que o credor procure primeiro a sua satisfação através da garantia disponibilizada pelo seguro. De facto, em cumprimento da vontade das partes subjacente à união dos contratos em causa, impõe-se ao exequente que diligencie efectiva e eficientemente pela satisfação do seu crédito por via da activação do contrato de seguro associado, só lhe sendo admissível a cobrança por outra via quando tal se revele razoavelmente difícil ou inviável.

É certo que o exequente alegou ter obtido informação da seguradora de que não iria proceder ao pagamento do montante em dívida do empréstimo com fundamento na pré-existência de doença não declarada do embargante mas tal informação não é suficiente para accionar os executados, não só porque não foi comprovada como também porque a entidade seguradora não o confirmou.

No caso, o exequente aceitou “como boa” a simples recusa do segurador em honrar o contrato, demandando o garante do mútuo como se um tal contrato de seguro não existisse, não tivesse vigorado e os seus prémios não tivessem sido pagos. Acresce que, perante a invocação da matéria que qualificamos como excepção de inexigibilidade, o ora exequente, sem deixar de a discutir, não veio alegar quaisquer factos impeditivos donde decorresse, por exemplo, a superação daquela inexigibilidade, (…) não demonstrou a impossibilidade ou razoável dificuldade de satisfação do crédito exequendo por via do contrato de seguro de vida em que são segurados os executados.

Aliás, acresce que foi admitida a intervenção principal provocada da seguradora O (…)- Companhia Portuguesa de Seguros de Vida, S. A., e esta, devidamente citada, não contestou e, portanto, não justificou a sua recusa de pagamento da quantia exequenda.

Ou seja, não só a exequente não alegou qualquer facto que verificado demonstrasse a impossibilidade ou razoável dificuldade de satisfação do crédito exequendo, como também a seguradora obrigada em primeira mão não alegou nem provou qualquer facto que justificasse a sua recusa em proceder ao pagamento da quantia exequenda.

Do exposto, resulta que está provada a existência de um contrato de seguro de vida válido e, em consequência, a obrigação do exequente obter o pagamento da quantia exequenda demandando, em primeiro lugar, a seguradora. (…).»[6]

7. Remata a mesma sentença:

«Ora, tendo em conta a validade do contrato de seguro vida e a obrigação do exequente de antes de exigir o pagamento aos executados exigi-lo da seguradora, então temos que concluir que os executados não estão obrigados a pagar o capital em dívida referente ao contrato de mútuo já que a dívida não lhes é exigível.

(…) O exequente, sendo beneficiário de um seguro não pode accionar um título de crédito fundado em livrança que possui a seu favor contra o devedor que deixou de cumprir as suas prestações (de pagamento do empréstimo), se tem possibilidade de obter o pagamento - legítimo e em primeira demanda - da seguradora.

No caso concreto, a seguradora admitiu a existência do seguro e não demonstrou a verificação de qualquer cláusula que limitasse a sua obrigação de pagamento da quantia em dívida.

Assim sendo, ficou demonstrado que o banco, beneficiário do seguro de vida, pode obter em primeira linha, o pagamento do seguro da seguradora, dado ser esta detentora do capital que tinha por destino (seguro) o pagamento da dívida. (…)

O banco tem que agir contra quem deveria, em primeira linha, proceder ao pagamento.  (…)

Os executados só devem pagar se, por qualquer razão a entidade obrigada ao pagamento não o fizer fundadamente mas a verdade é que a seguradora não apresentou qualquer razão para não proceder ao pagamento.

 (…)

Pelo exposto, (…) em face defesa do exequente e da posição da chamada, o banco não tem o direito de accionar um título executivo contra os devedores, tem que accionar, em primeira e necessária demanda, aquele que estava contratualmente obrigado a pagar o capital mutuado, por haver transferido essa responsabilidade para a seguradora, por invalidez absoluta e definitiva.

Estamos perante uma inexigibilidade da obrigação exequenda resultante da subsidiariedade dessa obrigação perante uma outra, resultante do contrato de seguro, traduzindo-se, em suma, na necessidade de o exequente demonstrar a impossibilidade de satisfação do seu crédito junto da seguradora, o que não fez.»

8. Decorre do regime jurídico do contrato de seguro (aprovado pelo DL n.º 72/2008, de 16.4):

- Por efeito do contrato de seguro, o segurador cobre um risco determinado do tomador do seguro ou de outrem, obrigando-se a realizar a prestação convencionada em caso de ocorrência do evento aleatório previsto no contrato, e o tomador do seguro obriga-se a pagar o prémio correspondente (art.º 1º).

- O tomador do seguro ou o segurado está obrigado, antes da celebração do contrato, a declarar com exactidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador (art.º 24º, n.º 1). O disposto no número anterior é igualmente aplicável a circunstâncias cuja menção não seja solicitada em questionário eventualmente fornecido pelo segurador para o efeito (n.º 2). O segurador que tenha aceitado o contrato, salvo havendo dolo do tomador do seguro ou do segurado com o propósito de obter uma vantagem, não pode prevalecer-se: a) Da omissão de resposta a pergunta do questionário; b) De resposta imprecisa a questão formulada em termos demasiado genéricos; c) De incoerência ou contradição evidentes nas respostas ao questionário (n.º 3).

- O contrato de seguro de grupo cobre riscos de um conjunto de pessoas ligadas ao tomador do seguro por um vínculo que não seja o de segurar (art.º 76º).

- Sem prejuízo do disposto nos art.ºs 18º a 21º, que são aplicáveis com as necessárias adaptações, o tomador do seguro deve informar os segurados sobre as coberturas contratadas e as suas exclusões, as obrigações e os direitos em caso de sinistro, bem como sobre as alterações ao contrato, em conformidade com um espécimen elaborado pelo segurador (art.º 78º, n.º 1). Compete ao tomador do seguro provar que forneceu as informações referidas nos números anteriores (n.º 3).

- O sinistro corresponde à verificação, total ou parcial, do evento que desencadeia o accionamento da cobertura do risco prevista no contrato (art.º 99º).

- No seguro de vida, o segurador cobre um risco relacionado com a morte ou a sobrevivência da pessoa segura (art.º 183º).

- O disposto relativamente ao seguro de vida aplica-se aos seguros complementares dos seguros de vida relativos a danos corporais, incluindo, nomeadamente, a incapacidade para o trabalho e a morte por acidente ou invalidez em consequência de acidente ou doença (art.º 184º, n.º 1, alínea a)).

9. A resposta dada pela 1ª instância (cf. II. 6. e II. 7., supra), atento o descrito enquadramento fáctico e normativo, tem encontrado adequado acolhimento na doutrina e jurisprudência, que cremos maioritária.

 Como noutras situações similares, no caso em apreço, existem dois contratos típicos distintos (contrato de crédito ao consumo e o contrato de seguro) ligados entre si por um nexo funcional, com uma finalidade económica comum e que devem ser objecto de uma aplicação unitária[7]; daí, a interpretação negocial não pode deixar de ser sistémica, convocando os princípios, como o da justiça contratual, da boa fé, da segurança, do equilíbrio das prestações.[8]

A exigência da celebração de seguros de vida (e seguros complementares) coenvolve uma relação empresarial em que, por regra, a seguradora é indicada pelo Banco mutuante, tomador e beneficiário do seguro, sendo a apólice acordada entre eles e, naturalmente, conforme aos interesses dessa equação económico-empresarial; os mutuários são meros aderentes ao seguro de vida de grupo, e, como no caso vertente, sendo o contrato de adesão, sem nenhuma influência negocial, gerando-se uma relação trilateral: tomador do seguro, seguradora e aderente (este,  com a posição contratual mais fraca); tratando-se de uma relação negocial complexa, imposta pelo interesse contratual do banco mutuante e da seguradora que, normalmente lhe está associada em ostensiva sinergia económica[9], o aderente fica entre dois colossos e sem meios de defesa eficazes.

O contrato de seguro de vida, coligado com o contrato de crédito, se é uma garantia exigida pelo credor bancário (garantindo o pagamento do empréstimo contraído pelo mutuário), também é uma garantia dos mutuários contra o infortúnio da doença, da morte ou de grandes incapacidades, que afectam a sua vida, mormente, o emprego e a solvabilidade, em caso de ocorrência de risco, pelo que não actua de boa fé o Banco que, sem ter demonstrado qualquer diligência (quando sabedor do direito que lhe assiste de poder accionar o seguro que lhe garante o reembolso da quantia mutuada ainda em dívida, por via da ocorrência do risco verificado em relação aos segurados do ramo vida), não acciona a sua seguradora, e antes instaura execução contra os mutuários, prescindindo de actuar prontamente a garantia.[10]

Nos seguros de grupo, de tipo contributivo, a prestação prometida pela seguradora destina-se à tomadora do seguro (financiadora) e a esta impõe-se o ónus da prova de ter informado o segurado sobre as obrigações e os direitos, em caso de sinistro, sem perda de garantias, por parte deste, até que se mostre cumprida aquela obrigação. O risco de morte resultante de doença pré-existente, bem como outros riscos excluídos da cobertura contratual do seguro de vida, traduzem-se em factos ou causas impeditivas do efeito jurídico dos factos articulados pelo executado (normalmente, o mutuário ou herdeiros), que à seguradora ou à embargada, como defesa por excepção, caberá demonstrar, nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 342º, n.º 2 do Código Civil e 576º, n.º 3 do Código de Processo Civil.[11]

No habitual circunstancialismo em que o contrato de seguro de grupo é concluído e dada a sua finalidade, verificado o sinistro, a vontade usual das partes será a de que o credor se pague primeiro à custa do segurador, sendo que a exigência de que o mutuante procure, primeiro, a satisfação do seu crédito junto do segurador, não deixa sem tutela aquele credor, pois sempre poderá demonstrar que não lhe é comprovadamente possível obter aquela satisfação junto do segurador, porque, por exemplo, o contrato de seguro é inválido ou não se verificam as condições convencionadas para que aquele se constitua no dever de prestar a que se vinculou pelo contrato. E a razão que talvez explique que, por vezes, o mutuante (beneficiário primeiro da prestação convencionada no contrato) não procure satisfação junto do segurador consiste no facto de o segurador pertencer ao mutuante ou, ao menos, ambos se compreenderem no universo do mesmo grupo económico.

O que, de todo, parece contrário à norma comportamental objectiva da boa fé - à luz deste entendimento - é exigir a contracção de um seguro (e o sacrifício económico do pagamento do prémio) com um certo conteúdo e junto de determinado segurador e impor-se como seu beneficiário, e, depois, aceitar como boa qualquer recusa, mesmo que exasperadamente infundada do segurador em honrar o contrato, e demandar o segurado como se um tal contrato não existisse.

Ora, perante a dita estrutura triangular do seguro de grupo, tanto o tomador do seguro e o beneficiário do seguro como o segurado podem demandar o segurador e exigir dele a prestação convencionada, nada impondo, portanto, que só o segurado possa - ou deva - demandar o segurador.[12]

10. A questão em análise não é isenta de dificuldades.

Porém, cremos que as suas conhecidas especificidades apontam no sentido da justeza, razoabilidade e adequação da solução encontrada em 1ª instância.

Na verdade, existe uma total sintonia e comunhão de interesses entre a Seguradora e a Instituição Bancária, bem ilustrada, desde logo, no cabeçalho da “proposta de seguro” reproduzida a fls. 33, na qual se concretizam os “dados do contrato de crédito associado” e a exequente surge identificada como “tomador do seguro”.

O “certificado individual da apólice” junto a fls. 40 indica-nos, claramente, que se tratou de um crédito pessoal com determinado prazo de amortização (a que respeita o documento de fls. 43 dos autos, datado de 14.7.2016), bem como o prémio único pago pelos executados/segurados/mutuários (meros aderentes ao seguro de vida de grupo[13], sem nenhuma influência negocial)[14], as coberturas principal e complementares (entre as quais, a invalidez permanente) e o beneficiário/tomador (a exequente).

E se aquela comunhão de interesses ou convergência estratégica[15] terá determinado o “silêncio” da seguradora chamada, tudo ponderado, cremos pois justificada a decisão proferida em 1ª instância, porquanto também verificados os pressupostos objectivos que condicionam o accionamento/funcionamento do benefício/“garantia” constante do seguro de grupo (levando à conclusão de que a responsabilidade pelo pagamento derivada da situação de invalidez é da responsabilidade da seguradora, sendo o banco o beneficiário), os embargantes/executados informaram, tempestivamente, os factos relevantes e não se demonstra matéria de índole exceptiva concernente à pretensa exclusão dos riscos cobertos, alegação e prova que onera as recorrentes[16]

Deste modo, transferindo-se para a seguradora a responsabilidade pelo saldo em dívida à entidade mutuante, como beneficiária do seguro, no âmbito do contrato de crédito pessoal, por invalidez permanente do embargante/mutuário, que se apresentava como um risco coberto pelo seguro (à data do sinistro), antes de mais, cabia à exequente/beneficiária interpelar a chamada seguradora (para o eventual pagamento da quantia em dívida), primeira responsável pelo pagamento da quantia mutuada (primeiramente tinha, portanto, que ir junto da seguradora procurar obter aquilo a que tinha direito), sob pena de, não o fazendo[17], se extinguir a instância executiva.[18]

11. Soçobram, desta forma, as “conclusões” da alegação de recurso.


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III. Face ao exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela exequente/apelante.


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10.12.2019

Fonte Ramos ( Relator )

Alberto Ruço

Vítor Amaral


[1] Instaurada em 04.9.2018.
[2] Conclusões expurgadas do recurso (“do despacho que admitiu a intervenção principal provocada da recorrente”) não admitido (por “intempestivo”) por despacho da Mm.ª Juíza a quo de 17.9.2019, não reclamado.
[3] Acrescenta-se a matéria do parêntesis, incluída pela Mm.ª Juíza a quo no relatório da sentença.
[4] Rectifica-se lapso manifesto (cf. o documento de fls. 54, que reproduz a carta da seguradora datada de 09.8.2017).
[5] Sublinhado nosso, como o demais a incluir no texto sem outra indicação.

[6] Neste sentido, foram indicados, na decisão recorrida, os acórdãos do STJ de 18.4.2006-processo 06A818 e 03.02.2009-processo 08A3947, da RP de 16.7.2007-processo 0753388 e da RC de 11.02/2011-processo 5559/04.0TBCRA e 01.4.2014-processo 1386/12.0TBVNO.C1, publicados no “site” da dgsi.

[7] Vide F. M. Pereira Coelho, Coligação Negocial e Operações Negociais Complexas, Boletim da Faculdade de Direito, Volume Comemorativo, 2003, págs. 209 e seguintes.

[8] Cf. o acórdão da RC de 01.4.2014-processo 1386/12.0TBVNO.C1 (depois de enunciar as três orientações jurisprudenciais sobre a questão de saber se a existência de seguro de vida implica a exoneração da responsabilidade dos herdeiros do mutuário, veio a concluir: «I - Muito embora sendo dois contratos típicos distintos (contrato de crédito ao consumo e o contrato de seguro), em face da dependência recíproca ambos os contratos se completam na obtenção da finalidade económica comum, consubstanciando coligação de contratos, que deve ser perspectiva através de uma “concepção unitária”, com reflexos ao nível da interpretação negocial. II - A existência de seguro de vida implica, em princípio, a exoneração da responsabilidade dos herdeiros do mutuário.»), publicado no “site” da dgsi.

[9] Fenómeno designado por “bancassurance” e que se traduz na ligação e colaboração entre os Bancos e as Companhias de Seguros, para o desenvolvimento de sinergias e economias de sistema, designadamente, na produção-comercialização de “produtos” concorrentes (seguros de vida, que vencem juros e capitalizam) ou “produtos” complementares (seguros de vida para garantia de empréstimos bancários - cf. o acórdão do STJ de 02.6.2015-processo 109/13.0TBMLD.P1.S1, publicado no “site” da dgsi.
[10] Cf., nomeadamente, o acórdão do STJ de 11.12.2018-processo 3049/15.5T8STB-B.E1.S1, publicado no “site” da dgsi.
[11] Cf. o acórdão do STJ de 03.02.2009-processo 08A3947, publicado no “site” da dgsi.
[12] Cf. o acórdão da RC de 21.01.2014-processo 16/11.1TBSCD-B.C1, que divergirá do anterior aresto quanto à problemática do ónus da prova [assim sumariado: «I – O facto de o segurador se mostrar vinculado à obrigação de garantir, ao mutuante, a realização da prestação, não desvincula o mutuário segurado da obrigação garantida, nem impede o mutuante de accionar qualquer outra garantia que tenha sido prestada para assegurar a obrigação de restituição do capital mutuado e de pagar a remuneração convencionada. II - Admitindo-se, porém, que nos casos em que o mutuante impõe ao mutuário a contracção de seguro, em que o primeiro figure como beneficiário, se deve entender que a vontade usual das partes será a de que o credor se pague primeiro à custa do segurador, deve exigir-se ao segurado a prova de que o segurador está efectivamente vinculado ao dever de prestar ao mutuante.»], publicado no “site” da dgsi.
[13] Definindo o contrato de seguro de grupo como o contrato celebrado entre o tomador do seguro e a seguradora, a que aderem, como pessoas seguras, os membros dum determinado grupo ligado ao tomador, vide Paula Ribeiro Alves, Estudos de Direito dos Seguros, Intermediação de Seguros e Seguros de Grupo, Coimbra, 2007, pág. 345.
[14] Cf., entre outros, o referido acórdão do STJ de 11.12.2018-processo 3049/15.5T8STB-B.E1.S1.
   Se bem que não impugnada a decisão sobre a matéria de facto, sempre se poderá dizer ser essa a prática conhecida de todos (facto notório! – cf. o art.º 412º, n.º 1 do Código de Processo Civil) e que se entrevê da prova pessoal produzida no decurso da audiência de julgamento...
[15] Na expressão do citado acórdão do STJ de 03.02.2009-processo 08A3947, que, numa situação similar à dos presentes autos, refere: «A esta constatação pode não (ser) indiferente a circunstância de exequente e chamada fazerem parte do mesmo grupo económico, como decorre do logotipo das cláusulas gerais do contrato de seguro// (…) verifica-se uma estreita conexão entre ao aludidos contratos de crédito ao consumo e de seguro, (…) uma íntima ligação entre a entidade seguradora e a entidade financiadora, denunciada no contrato de crédito, através da alusão a uma única instituição, sendo, aliás, esta entidade financiadora a única beneficiária do seguro, em oposição à ausência de quaisquer contactos entre o consumidor e a seguradora

[16] Nada será de apontar à decisão recorrida quando refere que “nem o exequente nem a chamada puseram em causa a adesão dos executados ao seguro, competindo àquelas entidades alegar e provar que o seguro a que os executados aderiram não era válido, por qualquer omissão ou falta de verdade nas declarações prestadas”.
[17] Na situação em análise, diga-se, o contributo da chamada e da própria exequente para o integral esclarecimento da relação contratual complexa, que aqui releva, foi manifestamente insuficiente.

[18] Cf., neste sentido, por exemplo, os acórdãos do STJ de 03.02.2009-processo 08A3947, 26.6.2014-processo 3220/07.3TBGDM-A.P1.S1 (com judiciosas considerações, também, acerca da ética e do dinheiro) e 24.11.2016-processo 7531/12.8TBMTS-A.P1.S1, da RP de 16.7.2007-processo 0753388 [constando do sumário: “Ao Banco que concedeu o crédito, como parte no contrato de seguro, é que compete solicitar à seguradora, a outra parte daquele contrato, o cumprimento das obrigações derivadas do mesmo.”], da RC de 11.01.2011 [assim sumariado: «1. Sendo o risco contratado o de assegurar o pagamento da quantia mutuada em caso de morte da pessoa segura antes de terminado o prazo fixado para o mútuo, passando a caber à seguradora a responsabilidade pelo pagamento das quantias em dívida à data em que tal risco (morte da pessoa segura) ocorrer, é ao mutuário que incumbe comunicar ao beneficiário do seguro a ocorrência do facto que condiciona a responsabilidade da seguradora e fornecer os elementos e dados que se tornem necessários para que a seguradora possa assumir as responsabilidades que contratualmente assumiu, sob pena de o devedor continuar a ser responsável, perante o beneficiário, financiador, pelo pagamento das prestações em dívida. 2. Fornecidos ao Banco mutuante os dados sobre a morte do mutuário - pessoa segura - caberá àquele formular, perante a seguradora, o pedido de pagamento do capital em dívida após a morte da pessoa segura.»], da RL de 24.10.2019-processo 33/09.1TCSNT-A-6 e da RE de 15.11.2016-processo 802/05.1TBPSR-C.E1 e 06.4.2017-processo 115/14.8TBBNV-A.E1, publicados no “site” da dgsi.

   Com uma abordagem porventura mais ortodoxa mas dando o devido relevo às particularidades de cada caso, cf., entre outros, os acórdãos do STJ de 27.10.2009 [com um voto de vencido do Senhor Conselheiro relator do mencionado acórdão de 03.02.2009-processo 08A3947; consta do sumário: «I. O seguro de vida funciona como reforço da garantia resultante da hipoteca ficando o banco mutuante a gozar de duas garantias, uma resultante da hipoteca e outra proveniente do seguro de vida, ainda que esta somente quando o sinistro previsto se concretiza. II. O segurador garante a obrigação do mutuário, no caso de verificação do sinistro, mas essa obrigação de garantia não se substitui à obrigação assegurada, podendo, por isso, o mutuante exigir do mutuário ou, no caso de morte, dos seus herdeiros o cumprimento da obrigação de restituição das quantias mutuadas e da remuneração acordada. III. Daí que, os mutuários ou, no caso de morte, os seus herdeiros não possam, enquanto executados, opor à execução a existência de seguro de vida válido, sem embargo de poderem demandar o segurador exigindo dele a indemnização correspondente.»], da RP de 26.11.1998-processo 9831247 [concluindo-se: “I - A existência de um contrato de seguro de vida, pelo qual, falecido o segurado, a beneficiária fica liberta de certos encargos como por exemplo, os inerentes à cobrança de um crédito à habitação, não obsta a que a entidade bancária titular de um crédito hipotecário, possa accionar a dívida hipotecária através da execução. II - A eventual questão da nulidade do contrato de seguro deve ser dirimida entre a seguradora e os herdeiros da beneficiária do seguro, em acção própria.”], da RC de 12.7.2011-processo 5282/09.0T2AGD-A.C1, [subscrito pelo aqui relator como 1º adjunto, numa situação em que foram constituídas diversas garantias em ordem a assegurar o reembolso do capital mutuado e juros, nomeadamente garantias pessoais, reais e contratos de seguro de vida (mero reforço das garantias hipotecárias), sendo que o exequente participara o sinistro à seguradora e esta declinara a assunção do sinistro] e 18.12.2013-processo 821/12.1TBGRD-A.C1 [seguiu o princípio/regra que nada poderá «obrigar o exequente, munido de título executivo válido e subsistente contra o mutuário/executado, a demandar previamente a seguradora do seguro de vida daquele, conexo ao contrato de mútuo hipotecário, para que esta seja condenada no pagamento das prestações (e juros de mora) do mútuo», mas considerou poder existir «um quadro factual em que tal tratamento jurídico “regra” se apresenta e conduz a um resultado claramente injusto, o que, em consequência, convoca uma solução e enquadramento excepcionais», mormente em determinadas situações de contratos de crédito com seguro associado se for de concluir pela existência de circunstâncias  que envolvem «uma composição de interesses em flagrante desconformidade aos padrões de uma justa repartição de direitos e deveres».], publicados, o primeiro,  na CJ-STJ, XVII, 3, 106, e, os restantes, no “site” da dgsi.