Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
810/13.9TBCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALEXANDRE REIS
Descritores: PERDA DE CHANCE
RESPONSABILIDADE CIVIL
Data do Acordão: 01/20/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 483º E 563º DO C. CIVIL.
Sumário: I – Ao demandar o Advogado que o patrocinou em anterior acção no foro laboral, o Autor teria de alegar – para os vir a demonstrar – factos idóneos ao reconhecimento do seu arrogado direito a créditos que, segundo a convicção manifestada, mantinha em relação à sua ex-entidade patronal e que, alegadamente, o R, com violação dos seus deveres profissionais, não peticionara naquela acção, pois só assim poderia vir a evidenciar nesta acção que da conduta alegadamente omissiva (ilícita e culposa) do demandado resultaram os prejuízos cujo ressarcimento aqui peticiona e que estes foram causados pelo cumprimento defeituoso do mesmo.

II - Não foi a conduta do R – mesmo que, porventura, tivesse sido omissiva – que importou para o A. a perda dos seus créditos, quando foi este quem, conformando-se com o valor indemnizatório pelo qual veio a celebrar uma transacção, homologada por sentença, pôs termo ao “litígio mediante recíprocas concessões”, na sequência da cessação do seu contrato de trabalho.

III - Em geral, a mera perda de uma chance não terá virtualidade jurídico-positiva para fundamentar uma pretensão indemnizatória.

IV - A doutrina da perda de chance propugna, em tese, a compensação quando fique demonstrado, não que a perda de uma determinada vantagem é consequência segura do facto do agente (o nexo causal entre o facto ilícito e o dano final), mas, simplesmente, que foram reais e consideráveis as probabilidades de obtenção de uma vantagem ou de obviar um prejuízo.

V - A mesma doutrina distribui o risco da incerteza causal entre as partes envolvidas, pelo que o lesante responde, apenas, na proporção e na medida em que foi autor do ilícito, sendo o dano que se indemniza constituído apenas pela perda de chance, que não pode ser igual à vantagem que se procurava, nem igual à quantia que seria atribuída caso se verificasse o nexo causal entre o facto e o dano final.

VI – No nosso ordenamento jurídico, a identificação de um dano constitui pressuposto incontornável de toda a responsabilidade civil e daí que, perante a apontada insuficiência de causa de pedir, o A. nunca poderia vir a demonstrar que a alegada actuação omissiva do R lhe acarretou a perda de chance ou de oportunidade de alcançar os falados créditos, através da muito provável condenação da sua ex-entidade patronal na respectiva satisfação.

Decisão Texto Integral:
Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

P… instaurou a presente acção contra M…, pedindo que este seja condenado a pagar-lhe as quantias que deixou de receber da sua ex-entidade patronal e a que teria direito – segundo afirma –, devido ao exercício negligente por parte do demandado do mandato (judicial) em que o instituiu para o representar em acção do foro laboral, bem como a pagar-lhe a quantia de € 5.000, para compensação dos danos não patrimoniais que também disse ter sofrido em virtude de tal conduta.

O R contestou, alegando não ter incumprido qualquer dever profissional e inexistir nexo de causalidade entre o seu comportamento e os incertos e hipotéticos danos alegados pelo A., sendo que, a haver dano, foi o A que o causou, pondo termo à acção por transacção por um valor muito inferior ao peticionado.

No despacho saneador, o Sr. Juiz, além do mais, proferiu sentença, julgando a acção improcedente e absolvendo o réu do pedido.

Inconformado com tal decisão, apelou o A, delimitando o objecto do recurso com conclusões que colocam a questão de saber se se mostram provados os pressupostos da obrigação de indemnizar correspondente ao direito que exerce nesta acção, ou seja, que perdeu a hipótese de obter a totalidade dos créditos laborais a que tinha direito, por falta de diligência do R na execução da prestação a que se encontrava adstrito.

São os seguintes os factos considerados assentes pela 1ª instância (por decisão que, nesse segmento, não foi impugnada):

Importa apreciar a suscitada questão e decidir.

Como se viu, o apelante sustentou a sua pretensão numa linha de raciocínio que tem tanto de simples como de patente falha de substância. Bem vistas as coisas, essa pretensão assenta na mera convicção do A de que perdeu a hipótese de obter um conjunto de créditos laborais a que teria direito em relação à sua ex-entidade patronal e de que tal teria sucedido porque tais créditos não foram oportunamente peticionados devido a falta de diligência do R na execução da prestação a que se encontrava contratualmente adstrito.

Porém, não bastaria, para tanto, a mera enunciação dos créditos que, supostamente, o R não incluíra na petição que apresentou na jurisdição laboral, aliada a essa sua convicção. A possibilidade de tais créditos serem adquiridos nos autos enquanto danos efectivamente sofridos pelo apelante dependeria da demonstração de factos idóneos ao reconhecimento de que ele era, realmente, titular do direito aos créditos a que se arroga em relação à sua ex-entidade patronal, o que nunca lograria fazer, desde logo, porque nada alegou a tal propósito.

Importa, portanto, reter que estamos perante uma invocação insusceptível de ser provada e que nunca se corroboraria a existência na esfera jurídica do apelante de tais créditos. O que tem como consequência que, não podendo afirmar-se o arrogado direito do A a tais créditos, também nunca se poderia asseverar a existência dos danos supostamente sobrevindos para o mesmo.

E, assim sendo, ainda que se viesse a demonstrar que o R. violou, nas circunstâncias apontadas, qualquer dos seus deveres profissionais para com o A (o cliente), ou seja, que se pudessem vir a revelar nesta acção quaisquer factos que, eventualmente, permitissem afirmar que o R se teria sujeitado a um juízo de reprovação com a conduta que adoptou no cumprimento da prestação decorrente do mandato judicial, tal não conduziria, evidentemente, à responsabilização do mesmo, com fundamento em cumprimento defeituoso do mandato. Realmente, não é sequer configurável a possibilidade de vir a ser reconhecido o exercido direito e a correspondente obrigação de indemnização (disciplinada nos arts. 562º a 572º do CC ([1])): em caso algum se preencheriam os pressupostos de tal obrigação, porque não se comprovaria a existência efectiva dos alegados danos em consequência de conduta do R, supostamente ilícita e censurável, consistente na não inclusão daqueles créditos na petição que elaborou e apresentou (cf. art. 483º do CC).

Na verdade, sendo o dano a reparar o ponto de partida da apreciação que se imporia nesta acção, logo se constata que nunca o apelante evidenciaria que da conduta alegadamente omissiva (ilícita e culposa) do apelado resultaram os prejuízos cujo ressarcimento aqui é peticionado, causados pela falta de cumprimento da prestação debitória do mesmo.

Também não seria susceptível de comprovação a real verificação do insucesso do A como sendo alegadamente causado pela conduta profissional do R – com fundamento em que este não formulara todos os aludidos pedidos – porquanto, foi o próprio A quem pôs termo ao litígio atinente aos créditos laborais que lhe eram devidos, mediante transacção celebrada na mencionada acção pendente no Tribunal de Trabalho, em cujo âmbito reduziu o seu pedido para a quantia de € 20.000, que a aí R se obrigou a pagar-lhe como compensação global pela cessação do contrato de trabalho.

Logo, como mais detalhadamente explicou o Sr. Juiz na decisão recorrida, não foi a conduta do R – mesmo que, porventura, tivesse sido omissiva – que importou para o A a perda dos seus créditos, quando foi este quem, conformando-se com o valor indemnizatório pelo qual veio a celebrar a referida transacção, homologada por sentença, pôs termo ao “litígio mediante recíprocas concessões” (cf. art. 1248° do CC), na sequência da cessação do seu contrato de trabalho.

Por fim, não ignoramos que a pretensão em apreço nos autos também foi abordada, designadamente por parte do Sr. Juiz, à luz do conceito da perda de chance, perspectiva em que poderia ser indemnizável (apenas) a perda da oportunidade – considerada autonomamente – de o ora A ter visto a sua pretensão – tal como entende que a mesma lhe assistiria – apreciada pelo Tribunal de Trabalho ou de aí, eventualmente, poder ter feito cessar o litígio em condições que lhe fossem mais favoráveis ([2]).

Todavia, não nos parece que a doutrina da perda de chance ou de oportunidade possa ser encarada em termos muito simplistas, por falta de apoio linear no nosso ordenamento jurídico, nomeadamente perante o disposto no art. 563º do CC([3]), como é salientado pelo Ac. do STJ de 26/10/2010 ([4]): «a mera perda de uma chance não terá, em geral, virtualidade jurídico-positiva para fundamentar uma pretensão indemnizatória».

Realmente, essa doutrina não representa uma mera revisão ou ampliação do conceito de dano, antes deve ser assumida como uma ruptura com a concepção clássica da causalidade, que não nos parece ser absolutamente vedada pelo art. 563º do CC se for entendida em termos não de aplicação geral e em termos ilimitados, mas com pressupostos e limites bem definidos ([5]).

Para este mesmo sentido, aliás, parece ter inflectido recentemente Júlio Gomes, ao aceitar que a letra do art. 563º do CC «seria ainda compatível com um sistema em que o lesado apenas teria que demonstrar que a não ocorrência do dano seria mais provável do que a sua ocorrência (bastando 51% de probabilidades) sem a conduta do agente (…)», que, «(…) quando a chance ou oportunidade se tenha “densificado” e fosse mais provável a sua realização do que a sua não verificação, se considere existir já um lucro cessante suficientemente “certo” para que a fixação do seu montante possa ser feita pelo tribunal recorrendo à equidade (…)» ([6]).

Mas o que essa doutrina aventa é, tão-somente, a possibilidade de, em determinadas situações, a relação causal entre o facto e a lesão, enquanto um dos pressupostos da obrigação de indemnizar, sofrer uma nova abordagem quanto à respectiva demonstração. Como expôs a Sra. Juíza Dra. Patrícia Costa ([7]), a essa luz, «o juízo de prova [do nexo de causalidade] não está dependente da ultrapassagem de um determinado limiar matemático de probabilidade, antes se fazendo apelo a conceitos de outra natureza, como sejam “a verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável” ou “estado de convicção assente num grau de probabilidade o mais elevado possível” (...) não tem que ser provado com certeza absoluta ou matemática; a prova é considerada suficiente quando leva à conclusão de que a existência do facto probando é mais provável do que o inverso (regra do more probable than not). Não é necessário, assim, que seja altamente provável, muito provável ou substancialmente provável. Mas, por outro lado, não é suficiente provar que existe uma possível relação causal entre o facto e a lesão. Este critério é entendido usualmente como determinando que o demandante deve demonstrar que a probabilidade de o demandado ter causado a lesão é superior a 50%.».

Neste campo, é igualmente muito relevante a feliz síntese conclusiva do Ac. do STJ de 5/2/2013 ([8]): «O ordenamento jurídico nacional consagra a doutrina da causalidade adequada, ou da imputação normativa de um resultado danoso à conduta reprovável do agente, nos casos em que pela via da prognose póstuma se possa concluir que tal resultado, segundo a experiência comum, possa ser atribuído ao agente como coisa sua, produzida por ele, mas na sua formulação negativa, porquanto não pressupõe a exclusividade da condição como, só por si, determinante do dano, aceitando que na sua produção possam ter intervindo outros factos concomitantes ou posteriores.

Enquanto a teoria geral da causalidade, no âmbito da responsabilidade contratual, tem subjacente o princípio do “tudo ou nada”, porquanto obriga a que o risco de incerteza da prova recaia em conjunto sobre um único sujeito, a teoria da “perda de chance” distribui o risco da incerteza causal entre as partes envolvidas, pelo que o lesante responde, apenas, na proporção e na medida em que foi autor do ilícito.

Ao ver desentranhado o requerimento probatório do autor, a ré fê-lo, desde logo, perder toda e qualquer expectativa de ganho de causa na acção, independentemente das vicissitudes processuais que a mesma conheceria, na hipótese de tal não haver sucedido, o que, por si só, representa um dano ou prejuízo autónomo para aquele.

A doutrina da “perda de chance”, ou da perda de oportunidade, diz respeito, não à teoria da causalidade jurídica ou de imputação objectiva, mas antes à teoria da causalidade física, pelo que a perda de oportunidade apenas pode colocar-se, verdadeiramente, quando o julgador, depois de aplicar as regras e critérios positivos que orientam e limitam a sua capacidade de valoração, não obtém a prova de que um determinado facto foi causa física de um determinado dano final.

O dano da “perda de chance” que se indemniza não é o dano final, mas o dano “avançado”, constituído pela perda de chance, que deve ser medida em relação à chance perdida e não pode ser igual à vantagem que se procurava, nem superior nem igual à quantia que seria atribuída ao lesado, caso se verificasse o nexo causal entre o facto e o dano final.

Para o que importa proceder a uma tarefa de dupla avaliação, isto é, em primeiro lugar, realiza-se a avaliação do dano final, para, em seguida, ser fixado o grau de probabilidade de obtenção da vantagem ou de evitamento do prejuízo, após o que, obtidos tais valores, se aplica o valor percentual que representa o grau de probabilidade ao valor correspondente à avaliação do dano final, constituindo o resultado desta operação a indemnização a atribuir pela perda da chance.».

Portanto, a doutrina da perda de chance ou de oportunidade propugna, em tese geral, a compensação quando fique demonstrado, não o nexo causal entre o facto ilícito e o dano final, mas, simplesmente, que as probabilidades de obtenção de uma vantagem ou de obviar um prejuízo, foram reais, sérias, consideráveis, permitindo indemnizar a vítima nos casos em que não se consegue demonstrar que a perda de uma determinada vantagem é consequência segura do facto do agente, mas em que, de qualquer modo, há a constatação de que as probabilidades de que a vítima dispunha de alcançar tal vantagem não eram desprezíveis, antes se qualificando como sérias e reais ([9]). Dito de outro modo, a chance, quando credível, é portadora de um valor de per si, sendo a respectiva perda passível de indemnização, desde logo quanto à frustração das expectativas que fundadamente nela se filiaram para o expectante, mas só poderá ser valorada em termos de uma possibilidade real de êxito que se frustrou ([10]). A vantagem em causa deve ser aferida em termos de probabilidade, reportando-se o dano ao valor da oportunidade perdida e não ao benefício esperado.

Também o Ac. da RL de 29/10/2013 ([11]) ponderou:

 «Assim, numa causa em que se discuta a responsabilidade do advogado pelo insucesso obtido noutra acção, ao credor lesado incumbe provar, além da verificação desse insucesso, os factos demonstrativos de que o advogado não usou dos meios técnico-jurídicos e dos recursos da experiência ao seu alcance, requeridos pelas respectivas regras profissionais estatutárias e deontológicas, de forma a qualificar a ilicitude dessa conduta; provado que seja esse comportamento ilícito, impenderá então sobre o advogado o ónus de provar factos que revelem não lhe ser subjectivamente exigível ou censurável tal comportamento, de modo a ilidir a presunção de culpa estabelecida no art.º 799.º, n.º 1, do CC.

 (…) Assim, no campo da responsabilidade civil contratual por perda de chances processuais, em vez de se partir do princípio de que o sucesso de cada acção é, à partida, indemonstrável, talvez se deva questionar, perante cada hipótese concreta, qual o grau de probabilidade segura desse sucesso, pois pode muito bem acontecer que o sucesso de determinada acção, à luz de um desenvolvimento normal e típico, possa ser perspectivado como uma ocorrência altamente demonstrável, à face da doutrina e jurisprudência então existentes.

Nessa linha, uma vantagem perdida por decorrência de um evento lesivo, desde que consistente e séria, deve ser qualificada como um dano autónomo, não obstante a impossibilidade absoluta do resultado tido em vista, reconduzindo-se a um dano autónomo existente à data da lesão, portanto qualificável como dano emergente, segundo um juízo de probabilidade suficiente, independente do resultado final frustrado.

A garantia dos princípios da certeza do dano e das regras da causalidade ficará, pois, assegurada pelo grau de consistência a conferir à vantagem ou prejuízo em causa, tal como sucede no domínio dos lucros cessantes ou dos danos futuros previsíveis.

No caso de perda de chances processuais, a primeira questão está em saber se o frustrado sucesso da acção assume tal padrão de consistência e seriedade, para o que releva ponderar, face ao estado da doutrina e jurisprudência então existente, ou mesmo já em evolução, se seria suficientemente provável o êxito daquela acção, devendo ter-se em linha de conta, fundamentalmente, a jurisprudência então seguida nessa matéria pelo tribunal daquela causa, impondo-se fazer o chamado “julgamento dentro do julgamento”, atentando no que poderia ser considerado como altamente provável por esse tribunal; tal apreciação inscreve-se, enquanto tal, numa questão de facto, que não de direito.

Assim demonstrada essa espécie de dano, questão diferente será a da avaliação do quantum indemnizatório devido, segundo o critério da teoria da diferença nos termos prescritos no art.º 566.º, n.º 2, do CC, podendo então lançar-se mão, em última instância, do critério da equidade ao abrigo do n.º 3 do mesmo normativo, o qual não pode, pois ser utilizado em sede de determinação da própria consistência da perda de chance.

Em caso de perda de chances processuais, a frustração do investimento feito pelo autor na preparação e instauração da causa perdida, desde que se inscreva na finalidade da prestação assumida pelo advogado de diligenciar pelo sucesso final da acção e na confiança que o autor depositara nele para tal efeito, constitui dano patrimonial emergente e ressarcível.».

Por conseguinte, mesmo aderindo a uma tal perspectiva de solução jurídica da questão em apreço, sempre seria necessário que se concluísse, com elevado grau de probabilidade ou verosimilhança, que se não tivesse sido essa chance perdida em consequência da conduta negligente do R, o aqui A teria alcançado determinadas quantias, em suma, que se verificou o seu real insucesso porque o R não fez o devido uso dos meios técnico-jurídicos e dos recursos da experiência ao seu alcance, requeridos pelas respectivas regras profissionais. Para tanto, exigir-se-ia a demonstração de, pelo menos, uma probabilidade de sucesso razoável na acção perdida (ou parcialmente perdida) ([12]) – o que pressuporia uma profunda indagação quanto ao fundo da causa respectiva, assente na demonstração dos fundamentos agora invocados para o direito que nela deveria ter sido exercido –, sob pena de não se poder considerar verificada a certeza do dano ([13]).

Ora, o aqui demandante, convicto de que seria titular de uma série de créditos em relação à sua ex-entidade patronal, quedou-se por os pedir ao ora demandado em substituição daquela, mas não alicerçou essa sua crença em quaisquer factos, como dissemos, que os retirassem do limbo das hipóteses e incertezas e, ao invés, os revestissem, pelo menos, de probabilidade ou verosimilhança, para já não falar de idoneidade para o seu reconhecimento.

Enfim, acentue-se que no nosso ordenamento jurídico, a identificação de um dano constitui pressuposto incontornável de toda a responsabilidade civil e daí que o apelante, perante a apontada insuficiência de causa de pedir, nunca poderia vir a demonstrar que a alegada actuação omissiva do R lhe acarretou a perda de chance ou de oportunidade de alcançar os falados créditos, através da condenação da sua ex-entidade patronal na respectiva satisfação.

Síntese conclusiva.

1ª - Ao demandar o Advogado que o patrocinou em anterior acção no foro laboral, o A teria de alegar – para os vir a demonstrar – factos idóneos ao reconhecimento do seu arrogado direito a créditos que, segundo a convicção manifestada, mantinha em relação à sua ex-entidade patronal e que, alegadamente, o R, com violação dos seus deveres profissionais, não peticionara naquela acção, pois só assim poderia vir a evidenciar nesta acção que da conduta alegadamente omissiva (ilícita e culposa) do demandado resultaram os prejuízos cujo ressarcimento aqui peticiona e que estes foram causados pelo cumprimento defeituoso do mesmo.

2ª - Não foi a conduta do R – mesmo que, porventura, tivesse sido omissiva – que importou para o A a perda dos seus créditos, quando foi este quem, conformando-se com o valor indemnizatório pelo qual veio a celebrar uma transacção, homologada por sentença, pôs termo ao “litígio mediante recíprocas concessões”, na sequência da cessação do seu contrato de trabalho.

3ª - Em geral, a mera perda de uma chance não terá virtualidade jurídico-positiva para fundamentar uma pretensão indemnizatória.

4ª - A doutrina da perda de chance propugna, em tese, a compensação quando fique demonstrado, não que a perda de uma determinada vantagem é consequência segura do facto do agente (o nexo causal entre o facto ilícito e o dano final), mas, simplesmente, que foram reais e consideráveis as probabilidades de obtenção de uma vantagem ou de obviar um prejuízo.

5ª - A mesma doutrina distribui o risco da incerteza causal entre as partes envolvidas, pelo que o lesante responde, apenas, na proporção e na medida em que foi autor do ilícito, sendo o dano que se indemniza constituído apenas pela perda de chance, que não pode ser igual à vantagem que se procurava, nem igual à quantia que seria atribuída caso se verificasse o nexo causal entre o facto e o dano final.

6ª – No nosso ordenamento jurídico, a identificação de um dano constitui pressuposto incontornável de toda a responsabilidade civil e daí que, perante a apontada insuficiência de causa de pedir, o A nunca poderia vir a demonstrar que a alegada actuação omissiva do R lhe acarretou a perda de chance ou de oportunidade de alcançar os falados créditos, através da muito provável condenação da sua ex-entidade patronal na respectiva satisfação.

Decisão.

Pelo exposto, julgando improcedente a apelação, decide-se confirmar a sentença recorrida.

Custas pelo apelante.

                   Coimbra, 20/01/2015

Alexandre Reis (Relator)

Jaime Ferreira

Jorge Arcanjo

[1] Particularmente, o do art. 563º («A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão» e o do art. 564º («O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão»).

[2] Plano em que o apelante não colocou juridicamente a questão suscitada até porque, aparentemente, rejeitou que a mesma fosse encarada à luz do referido conceito da perda de chance.

[3] Citado na anterior nota.

[4] P. 1410/04.0TVLSB.L1.S1-Azevedo Ramos.

[5] Cf., neste sentido, Rui Cardona Ferreira, in “A PERDA DE CHANCE REVISITADA (a propósito da responsabilidade do mandatário forense)”, consultável em www.oa.pt/upl/%7Bc8303c60-83ae-4dbf-af6a-cf29f1c61ba4%7D, que, aludindo à florescente jurisprudência do STJ sobre o tema da perda de chance, anota a sua «considerável flutuação, embora seja já facilmente detetável uma corrente favorável à ressarcibilidade, em determinadas circunstâncias, da perda de chance, no domínio da responsabilidade civil profissional dos advogados».

[6] Ainda sobre a figura do dano da perda de oportunidade ou perda de chance”, in Cadernos de Direito Privado — II Seminário dos Cadernos de Direito Privado (“Responsabilidade Civil”), Dezembro de 2012 (pp. 17-29).

[7] In “O Dano da perda de chance e a sua perspectiva no Direito Português, Dissertação de Mestrado”, 25, consultável in www.verbojuridico.com/doutrina/.../patriciacosta_danoperdachance.

[8] P. 488/09.4TBESP.P1.S1 - Hélder Roque, in www.dgsi.pt. Deve ponderar-se, também, o que expendeu o Ac. do STJ de 29/4/2010 (P. 2622/07.0TBPNF.P1.S1 – Sebastião Póvoas, in www.dgs.pt): «A perda de chance não se confunde com perda de expectativa, já que aqui há uma esperança de um direito, por se ter percorrido um “iter” que a ele conduziria com forte probabilidade. Trata-se de situação dogmatizada na responsabilidade pré contratual. Na perda de chance, ou de oportunidade, verificou-se uma situação omissiva que, a não ter ocorrido, poderia razoavelmente propiciar ao lesado uma situação jurídica vantajosa. Trata-se de imaginar ou prever a situação que ocorreria sem o desvio fortuito não podendo constituir um dano presente (imediato ou mediato) nem um dano futuro (por ser eventual ou hipotético) só relevando se provado que o lesado obteria o direito não fora a chance perdida. Se um recurso não foi alegado, e em consequência ficou deserto, não pode afirmar-se ter havido dano de perda de oportunidade, pois não é demonstrada a causalidade já que o resultado do recurso é sempre aleatório por depender das opções jurídicas, doutrinárias e jurisprudenciais dos julgadores chamados a reapreciar a causa.».

[9] Nesse sentido, Patrícia Costa, Dissertação cit., 27 e 28.

[10] Cfr. Ac. do STJ de 10/3/2011 (P. 9195/03.0TVLSB.L1.S1-Távora Victor).

[11] P. 1922/05.8TVLSB.L1-7 – Tomé Gomes.

[12] Hipótese também não verificada, relembre-se, porque o A lhe pôs termo por transacção.

[13] Cf., neste sentido, a referência feita por Rui Cardona Ferreira, acima citado, p. 1304.