Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1977/14.4TJCBR-G.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUIS CRAVO
Descritores: INSOLVÊNCIA
RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE
NOTIFICAÇÃO
Data do Acordão: 10/18/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - INST. LOCAL - SECÇÃO CÍVEL - J3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.125 CIRE, 83, 342 CC
Sumário: I – Nos termos do disposto no art. 123º do C.I.R.E., a declaração de resolução pode ser efectuada por carta registada com aviso de receção, face à qual, enquanto declaração com carácter recetício, não é dispensável a garantia de que essa declaração chegou ao destinatário, que tem legitimidade para intentar a respetiva ação de impugnação.

II – De acordo com o disposto no artigo 342º, nº2, do C.Civil, incumbe ao Administrador da Insolvência alegar e provar factos donde se possa concluir que foi eficaz, além de válida, a mencionada declaração de resolução de contrato.

III – Se o Administrador da Insolvência optou por fazer a notificação dessa declaração na pessoa do gerente da sociedade comercial ajuizada, e em função da morada registada na sede desta, na medida em que estava em causa o domicílio profissional do mesmo, o qual atenta a relação que estava em causa, corresponde ao “lugar onde a profissão é exercida” (cf. art. 83º do C.Civil), ao ser a carta enviada devolvida com a indicação de “mudou-se”, era temerário considerar-se a notificação eficazmente feita sem mais nessa morada – que era público e oficial já não ser então a da sede da sociedade.
IV – Assim, a causa adequada da não receção da carta não pode deixar de ser co-imputada à atuação menos atenta da Exma. Administradora da Insolvência, a qual, senão antes de enviar a carta, pelo menos depois de a receber devolvida, devia ter diligenciado por se certificar da actual
sede da sociedade tal qual constava formalmente registada na matrícula da dita Sociedade na Conservatória do Registo Comercial, e, a manter a opção de notificar a declaração de resolução na pessoa do gerente desta, devia tê-lo feita em função dessa real morada.

V – Donde, não se pode ter o dito gerente como notificado/vinculado pela declaração de resolução através da dita carta, pois que, não só claramente o conteúdo da declaração não chegou efectivamente ao seu poder e conhecimento, como também porque nem ela foi colocada ao seu alcance, nem só uma atitude exclusivamente sua o impediu de dela tomar conhecimento.

Decisão Texto Integral:         





    Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]

                                                                       *

            1 – RELATÓRIO

P(…), Ld.ª”, NIPC (....), com sede no (....), em Antanhol veio instaurar contra “MASSA INSOLVENTE DA D (…), Ld.ª” a presente acção de IMPUGNAÇÃO da RESOLUÇÃO em BENEFÍCIO da MASSA INSOLVENTE, por apenso ao processo de insolvência nº 1977/14.4TJCBR, pedindo que a acção seja julgada procedente, devendo declarar-se nula a resolução a favor da massa insolvente.

Alega, para tanto, que no dia 3 de Novembro de 2014 foi proferida sentença que declarou a insolvência da D (…), Ldª, tendo sido nomeada a Srª administradora da insolvência, a qual, em 19 de Dezembro do mesmo ano apresentou o relatório a que alude o artigo 155º do CIRE, do qual consta que a insolvente alienou prédios urbanos, concretamente os armazéns, pelo que a Srª AI tem conhecimento do negócio que agora pretende resolver desde 18 de Dezembro de 2014.

Assim sendo, a Srª AI só poderia ter efectuado a resolução do negócio em causa nos autos até ao dia 18 de Junho de 2015.

Sucede que a autora só foi notificada da carta com aviso de recepção no dia 29 de Setembro de 2015.

Conclui, dizendo que caducou o direito de resolver o negócio.

*

Devida e regularmente citada, a ré apresentou contestação, alegando que caducou o pedido da autora, uma vez que no dia 20.08.2015 a AI remeteu a A (…), por si e enquanto gerente das sociedades D (..) Ldª e P (…), Ldª, comunicação com o teor que consta do documento nº 3 junto com a petição inicial. Esta comunicação foi remetida para a R (....) Coimbra e foi devolvida à remetente com a indicação de “mudou-se”.

Sucede que na matrícula da sociedade autora esta era a morada do gerente A (…).

Para além desta comunicação, no mesmo dia foram remetidas comunicações às sócias e gerentes da sociedade insolvente (…)com o mesmo teor, ambas tendo sido igualmente devolvidas, a primeira com indicação de “mudou-se” e a última com indicação de “não atendeu” e “objecto não reclamado”.

Em 24.08.2015, a AI remeteu novas comunicações para a morada fornecida pelos trabalhadores da insolvente, as quais vieram devolvidas em 03.09.2015 com a indicação de “não atendeu” e “objecto não reclamado”.

A 04.09.2015, a Massa Insolvente requereu a notificação dos três sócios através de notificação Judicial Avulsa.

A Srª agente de execução deslocou-se a todas as moradas indicadas nos dias 12.09.2015, 19.09.2015, 20.09.2015 e 22.09.2015, sendo que no dia 19 foi recebida pelas Srªs (…) as cartas, não tendo sido possível notificar A (…).

Sucede que no dia 14.09.2015 os sócios e gerente da autora (…)cederam as suas quotas e A (…) renunciou à gestão da autora em benefício de (…), sabendo que a massa insolvente pretendia notificá-los da resolução em benefício da massa insolvente.

Só após a publicação de tal alteração na composição dos órgãos sociais é que permitiram a notificação da resolução em benefício da massa insolvente.

Em 29.09.2015 (…) foi notificado da referida resolução.

Se o gerente da autora mudou de residência cabia a esta e ao gerente rectificar o registo comercial em conformidade, o que não sucedeu, motivo pelo qual deverá ser responsabilizada pelos prejuízos causados a terceiros.

A autora deve considerar-se notificada da resolução em benefício da massa insolvente do contrato de compra e venda outorgado por escritura pública no Cartório Notarial de (…), a 12.04.2013, perante a Srª Notária e no dia 20.08.2015 na pessoa do seu gerente à data, pelo que o direito de a autora impugnar a resolução caducou a 20.11.2015.

Termina pedindo que seja indeferido o pedido da autora por caducidade do prazo de acção.

*

Na audiência prévia, o Tribunal considerou que o processo reunia todos os elementos a fim de ser proferida decisão, tendo as partes sido notificadas para se pronunciarem.

A autora respondeu pedindo que a excepção da caducidade seja julgada improcedente.

*

            Na sequência, a Exma. Juíza a quo cuidou de apreciar e decidir a caducidade invocada pela Ré – “por se tratar de questão prévia ao prosseguimento dos presentes autos” – relativamente ao que entendeu que tinha de se considerar notificado o gerente da autora da carta da resolução enviada pela administradora da insolvência no dia 21.08.2015, pelo que, tendo a acção dado entrada em juízo no dia 21.08.2015 (isto é, mais de quatro meses depois), resultava que o direito da Autora caducou, termos em que se julgou verificada a exceção da caducidade invocada pela Ré e intempestiva a propositura da ação.  

                                                           *

   Inconformada com essa decisão, apresentou a Autora, “P (…), Ld.ª”, recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

(…)

Apresentou a Ré as suas contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões :

(…)

                                                                       *

            E, por sua vez, também apresentou o credor B (…) resposta às alegações de recurso da Autora, das quais extraiu as seguintes conclusões :

(…)

                                                                       *

            Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

                                                                       *

            2 – QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela Recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635º, nº4 e 639º, ambos do n.C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608º, nº2, “in fine” do mesmo n.C.P.Civil), face ao que é possível detectar o seguinte:

- da correção da decisão de considerar verificada a exceção de caducidade do direito de impugnar judicialmente.

                                                                       *

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Consiste a mesma na enunciação do elenco factual que foi considerado/fixado pelo tribunal a quo (“por acordo das partes e pelos documentos juntos”), a que se aditará a final um facto com relevância para a decisão e que resulta provado pela mesma ordem de razões (acordo das partes e documentos juntos, a saber, a certidão de matrícula da Sociedade “P (…) L.da” junta aos autos, de fls. 232-236, e não impugnada), sendo certo que o recurso deduzido não questiona a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto. 

 1. No dia 3 de Novembro de 2014 foi proferida, no processo principal, sentença que declarou a insolvência da D (…), Ldª;

2. No dia 20 de Agosto de 2015, a administradora da insolvência remeteu a A (…), por si e enquanto gerente das sociedades D (…), Ldª e P (…), Ldª, comunicação com o teor do documento de fls. 142 e seguintes a declarar resolvida e ineficaz a escritura outorgada no Cartório Notarial de (…), a 12.04.2013, perante a Srª Notária e em que transmitiram por venda à sociedade P (…), Ldª, os prédios ali identificados;

3. Esta comunicação foi remetida para a Rua (....) Coimbra e foi devolvida à remetente com a indicação de “mudou-se”;

4. Na matrícula da sociedade autora era esta a morada do gerente A (....);

5. Na mesma data foram remetidas comunicações às sócias e gerentes da sociedade D (…), Ldª, (…)

6. Ambas foram devolvidas, a primeira com a indicação de “mudou-se” e a última com indicação de “não atendeu” e “objecto não reclamado”;

7. A 24.08.2015, a massa insolvente remeteu novas comunicações para a morada Trav (....) São Martinho do Bispo;

8. Tais comunicações vieram devolvidas em 03.09.2015 com a indicação de “não atendeu” e “objecto não reclamado”;

9. No dia 04.09.2015, a Massa Insolvente deu entrada a um requerimento para que fossem os identificados (…) notificados da resolução em benefício da massa insolvente através de notificação judicial avulsa;

10. No dia 19.09.2015, (…) receberam as notificações que lhes eram dirigidas, não tendo sido possível notificar (…);

11. No dia 14.09.2015, os sócios e gerentes da autora (…) cederam as suas quotas a (…), por escritura pública outorgada no cartório Notarial da Drª (…);

12. Esta alteração da composição dos órgãos sociais foi publicada no sítio da internet de acesso público disponível a 16.09.2015;

13. No dia 29.09.2015, (…) foi notificado da referida resolução;

14. A presente acção deu entrada em juízo no dia 23 de Dezembro de 2015.

15. Constava do registo da constituição da sociedade “P (…), Ldª” que esta tinha a sua sede na “Rua (....), Coimbra”, mas pela Insc. 2 – Ap. 20/20140630, foi registada uma “Alteração ao Contrato de Sociedade”, no sentido de que a sede passava a ser no “Condomínio (....) Coimbra” (facto aditado nos termos e pelas razões supra explicitadas).

                                                                       *

4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Correção da decisão de considerar verificada a exceção de caducidade do direito de impugnar judicialmente:

Que dizer?

Será efetivamente correta a decisão do Tribunal a quo que considerou o gerente da autora notificado da carta da resolução enviada pela administradora da insolvência no dia 21.08.2015, pelo que, atento o disposto no art. 125º, nº 3, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas[2] – segundo o qual “O direito de impugnar a resolução caduca no prazo de três meses (…)” – considerou estar caducado o direito de impugnar, na medida em que a acção de impugnação havia dado entrada apenas em 23.12.2015 (mais de quatro meses depois)?

Em nosso entender – e releve-se o juízo antecipatório! – não pode efectivamente ser sancionado o entendimento perfilhado na decisão recorrida, na medida em que avaliou perfunctoriamente a situação.

Senão vejamos.

A resolução em benefício da massa insolvente dos actos praticados pelo devedor antes da insolvência está prevista nos arts. 120º e segs. do C.I.R.E., onde se estabelecem as situações em que tal resolução pode ter lugar, bem como os termos e o prazo em que deve ser efectuada.

De facto, a resolução em benefício da massa insolvente é um instituto especial do processo de insolvência que se destina à tutela da generalidade dos credores do insolvente na medida em que permite ao Administrador da Insolvência que a eficáciaC de toda uma panóplia de actos seja destruída, verificados que sejam certos requisitos de ordem temporal, subjectiva e objectiva.

É um instituto cujos antecedentes se encontram nos artigos 1168º, 1170º e 1171º, do Código de Processo Civil de 1939, nos artigos 1200º, 1202º e 1203º, do Código de Processo Civil de 1961 e nos artigos 156º, 158º e 159º do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência.

No regime actualmente vigente, constante do citado C.I.R.E., a legitimidade exclusiva para o accionamento deste instituto pertence ao administrador da insolvência, determinando o art. 123º do mesmo normativo, no que ao aspecto activo concerne, que a resolução pode ser efectuada por carta registada com aviso de receção e o subsequente art. 126º, nº2, que também o pode ser pelo mesmo através de ação intentada para o efeito.

De referir que pese embora o art. 123º do C.I.R.E. não refira a quem deve ser dirigida a carta registada com aviso de receção afigura-se-nos fora de dúvida que a mesma terá de ter como destinatária a contraparte do negócio celebrado com o insolvente, já que estamos na presença de uma declaração de caráter recetício.[3]

Donde, volvendo ao caso vertente, o destinatário primeiro dessa declaração de resolução seria naturalmente a sociedade aqui Autora/recorrente, “P (…), Ld.ª”, por estar em causa um negócio celebrado entre a sociedade “D (…) LDA.” (oportunamente declarada Insolvente) e a Autora/recorrente, no dia 14/04/2013 (cf. facto provado sob “2.”).

 Importa também ter presente que a declaração recetícia ou recipienda – que é  aquela que carece de ser dada a conhecer a um destinatário – à luz do disposto no art. 224º do C.Civil, é eficaz nos casos seguintes:

- quando chegue ao poder do destinatário ou seja dele conhecida (nº 1 do citado normativo);

- quando seja enviada, mas só por culpa do destinatário não tenha sido oportunamente recebida (nº 2 do mesmo normativo).

Dito de outra forma: sendo a declaração recipienda, não podia ser considerada eficaz pela sua simples emissão.

Não obstante, é plenamente justificável que se considere eficaz uma declaração que só não foi recebida por culpa do destinatário: paradigmático de tal com referência ao caso vertente, serão os casos em que, por exemplo, o carteiro tivesse avisado o impugnante que tinha uma carta registada para levantar, ou, com maior evidência, se este se tivesse recusado expressamente a recebê-la.

Temos então que o disposto no art. 224º do C.Civil traduz a assunção da teoria da receção, de tal modo que a eficácia da declaração negocial (ainda que de natureza resolutiva) depende do seu recebimento pelo destinatário, a tal equivalendo também a situação em que a declaração entra na sua esfera de influência.

Já foi doutamente sustentado a tal propósito que a «solução legal dá relevância jurídica, no sentido de originar a perfeição da declaração negocial, àquele pressuposto que se verifica primeiro, combinando, nesta medida, a teoria da receção (“… logo que chega ao poder…”) com a teoria do conhecimento (“…logo que…é dele conhecida”)».[4]

Sem embargo, o legislador salvaguardou outras situações, atribuindo também eficácia à declaração remetida, nos casos em que só por culpa do destinatário não foi por este oportunamente recebida (cf. art. 224º, nº 2, do C.Civil), previsão que nos aproxima da chamada teoria da expedição, se bem que o acto de recebimento significa, nos termos da teoria da receção, chegada ao poder.

E, por outro lado, a declaração é ineficaz quando recebida pelo destinatário em condições de, sem culpa sua, não poder ser conhecida – art. 224º, nº3, do C.Civil (relevância negativa da teoria do conhecimento).

Pode-se então dizer que no art. 224º, nos 2 e 3, do C.Civil se estipulam regras auxiliares para proteger os interesses do declarante e do declaratário: - no n.º 2 verifica-se um desvio ao critério da chegada ao poder; no n.º 3 há uma clarificação do conceito de chegada ao poder.[5]

 Neste sentido já foi sustentado que «O artigo 224º, nº 2, do Código Civil consagra a Teoria da Recetação, mas numa forma mista: O declaratário fica vinculado não só quando o conteúdo da declaração chega efectivamente ao seu poder e conhecimento, mas ainda quando ela seja colocada ao seu alcance e só uma atitude sua o impediu de dela tomar conhecimento.»[6]

No caso vertente está apenas em causa a eficácia da declaração, na medida em que a declaração de resolução, nos termos em que foi realizada, precisava de ser eficaz em relação à Autora, ora Apelante, enquanto destinatário da declaração.

De referir que de acordo com o disposto no art. 342º, nº2, do C.Civil, incumbia ao Administrador da Insolvência alegar e provar factos de que se pudesse concluir que o contrato acima descrito, em que interviera Autora, ora Apelante, se extinguira por resolução.

Ora, sendo pacífico ter alegado e provado que emitiu declaração de resolução dirigida à Autora, ora Apelante, importa agora aprofundar a análise sobre se logrou provar que essa declaração chegou ao poder ou ao conhecimento desta, ou que só por culpa desta não foi recebida.

Obviamente que está aqui em causa a data de 20 de Agosto de 2015 (cf. facto provado sob “2.”) – e não a de 29 de Setembro de 2015 (cf. facto provado sob “13.”) – pois que a procedência da exceção de caducidade do direito de impugnar judicialmente perfilhada pela decisão recorrida assentou no pressuposto de facto de que a notificação se considerava como eficazmente efectuada em 21-08-2015, na pessoa do gerente A (....)…

Sendo certo que estava em causa um prazo de 3 meses, que não estaria ainda decorrido quando a ação deu entrada em juízo (em 23 de Dezembro de 2015 – cf. facto provado sob “14.”) – tomando como referência só ser válida e eficaz a notificação operada na outra data, a de 29 de Setembro de 2015!

Neste quadro, o que é que temos?

Que a Exma. Administradora de Insolvência cuidou de fazer em 20 de Agosto de 2015 a notificação da declaração de resolução à Sociedade “P (....), L.da” – que é a que para este efeito releva – na pessoa do gerente desta, A (....).

Se nada obstava a tal – tendo em conta a possibilidade legalmente conferida pelo art. 261º, nº3 do C.Soc. Comerciais – cremos que não podia ser tal feito sem se ter em conta que, nos termos legais, “a pessoa que exerce uma profissão tem, quanto às relações que a esta se referem, domicílio profissional no lugar onde a profissão é exercida” (cf. art. 83º, nº1 do C.Civil).

Estamos a relevar este aspeto, porque a notificação foi remetida para a morada que figurava como sendo a da antiga sede da Sociedade “P (…), L.da” (“Rua (....), Coimbra”) – sendo certo que, na matrícula da sociedade autora era esta a morada do gerente (…) – quando desde 30 de Junho de 2014 a sede dessa sociedade passara a ser no “Condomínio (....) Coimbra”.

É certo que à data do envio da notificação em referência, não constava formalmente registado na matrícula da dita Sociedade na Conservatória do Registo Comercial, que a morada do gerente (…) se encontrava modificada.

Mas atendendo a que estava em causa o domicílio profissional do mesmo, o qual atenta a relação que estava em causa, corresponde ao “lugar onde a profissão é exercida” (cf. art. 83º do C.Civil), ao ser a carta enviada devolvida com a indicação de “mudou-se” (cf. facto provado sob “3.”), era temerário considerar-se a notificação eficazmente feita sem mais nessa morada – que era público e oficial já não ser então a da sede da sociedade!

Esse mesmo parece ter sido o entendimento da Exma. Administradora de Insolvência que insistiu na sequência com novas notificações…

Acontece que não fez nenhuma delas para a morada que se evidenciava como sendo a correspondente à nova sede da Sociedade – no Condomínio (....) Coimbra!

O que é mais incompreensível quando se tratava de efectuar uma notificação à e da Sociedade “P (…), L.da”!

Acresce que era este igualmente “ex vi legis” o novo domicílio profissional do dito gerente (…)…

O que tudo serve para dizer que se a Sociedade “P (…)L.da”, designadamente pela pessoa do seu gerente (…), foi descuidada e negligente em não ter publicitado expressa e formalmente na matrícula da Sociedade a nova morada do gerente…, ainda assim, esta (nova morada) era um dado de facto facilmente apreensível pelo homem médio colocado naquelas circunstâncias.

Correspondentemente, a causa adequada da não receção da carta não pode deixar de ser co-imputada à atuação menos atenta da Exma. Administradora da Insolvência, a qual, senão antes de enviar a carta, pelo menos depois de a receber devolvida, devia ter diligenciado por se certificar da actual sede da sociedade tal qual constava formalmente registada na matrícula da dita Sociedade na Conservatória do Registo Comercial, e, a manter a opção de notificar a declaração de resolução na pessoa do gerente desta, devia tê-lo feita em função dessa real morada.

Dito de outra forma: não podemos segura e convictamente concluir que a declaração, em 20 de Agosto de 2015, não chegou à posse do destinatário (gerente A (....)) por culpa exclusiva deste.[7]             

Donde, consideramos ineficaz a declaração de resolução com e pela carta em questão, isto é, a enviada em 21 de Agosto de 2015, pelo que, ao só se poder considerar válida e eficaz a notificação da resolução operada já na pessoa do novo gerente da Sociedade “P (…), L.da” ((…)), em 29 de Setembro de 2015 (cf. facto provado sob “13.”), improcede a exceção de caducidade do direito de impugnação que foi apreciada como “questão prévia”. 

Procede nestes termos o recurso, o que implica a revogação da decisão recorrida, tendo o tribunal de 1ª instância que prosseguir com os autos, apreciando e decidindo as demais questões nele suscitadas em termos de mérito, sem prejuízo da instrução a tanto necessária, sendo disso caso.

                                                           *

5 - SÍNTESE CONCLUSIVA

I – Nos termos do disposto no art. 123º do C.I.R.E., a declaração de resolução pode ser efectuada por carta registada com aviso de receção, face à qual, enquanto declaração com carácter recetício, não é dispensável a garantia de que essa declaração chegou ao destinatário, que tem legitimidade para intentar a respetiva ação de impugnação.

II – De acordo com o disposto no artigo 342º, nº2, do C.Civil, incumbe ao Administrador da Insolvência alegar e provar factos donde se possa concluir que foi eficaz, além de válida, a mencionada declaração de resolução de contrato.

III – Se o Administrador da Insolvência optou por fazer a notificação dessa declaração na pessoa do gerente da sociedade comercial ajuizada, e em função da morada registada na sede desta, na medida em que estava em causa o domicílio profissional do mesmo, o qual atenta a relação que estava em causa, corresponde ao “lugar onde a profissão é exercida” (cf. art. 83º do C.Civil), ao ser a carta enviada devolvida com a indicação de “mudou-se”, era temerário considerar-se a notificação eficazmente feita sem mais nessa morada – que era público e oficial já não ser então a da sede da sociedade.
IV – Assim, a causa adequada da não receção da carta não pode deixar de ser co-imputada à atuação menos atenta da Exma. Administradora da Insolvência, a qual, senão antes de enviar a carta, pelo menos depois de a receber devolvida, devia ter diligenciado por se certificar da actual
sede da sociedade tal qual constava formalmente registada na matrícula da dita Sociedade na Conservatória do Registo Comercial, e, a manter a opção de notificar a declaração de resolução na pessoa do gerente desta, devia tê-lo feita em função dessa real morada.

V – Donde, não se pode ter o dito gerente como notificado/vinculado pela declaração de resolução através da dita carta, pois que, não só claramente o conteúdo da declaração não chegou efectivamente ao seu poder e conhecimento, como também porque nem ela foi colocada ao seu alcance, nem só uma atitude exclusivamente sua o impediu de dela tomar conhecimento.                                                                                                                                   *

6 - DISPOSITIVO

Pelo exposto, decide-se a final, na procedência da apelação, revogar a decisão recorrida, declarando improcedente a exceção de caducidade do direito de impugnação, tendo o tribunal de 1ª instância que prosseguir com os autos, apreciando e decidindo as demais questões nele suscitadas em termos de mérito, sem prejuízo da instrução a tanto necessária, sendo disso caso.  

Sem custas.

Coimbra, 18 de Outubro de 2016

 Luís Cravo ( Relator )

Fernando Monteiro

António Carvalho Martins


[1] Relator: Des. Luís Cravo
  1º Adjunto: Des. Fernando Monteiro
  2º Adjunto: Des. Carvalho Martins
[2] Doravante designado abreviadamente como “C.I.R.E.” (aprovado pelo DL nº 53/2004, de 18 de Março, e alterado pelo DL nº 200/2004, de 18 de Agosto, que o republicou).
[3] Neste mesmo sentido GRAVATO MORAIS in “Resolução em Benefício da Massa Insolvente”, Livª Almedina, Coimbra, 2008, a págs. 150.

[4] Assim por HEINRICH HÖRSTER em «Sobre a formação do contrato segundo os arts. 217º e 218º. 224º a 226º e 228º a 235º do CC», in Rev. de Direito e Economia, nº 9, a págs. 135.
[5] Cf. o mesmo autor na obra citada na nota antecedente, ora a págs.137. 
[6] Cf. o acórdão do T. Rel. Évora de 07.11.2002, no proc. nº 1370/02-3, acessível em www.dgsi.pt/tre.
[7] Cf., com paralelismo, a decisão constante do acórdão do T. Rel. Porto de 30.11.2015, no proc. nº 715/12.0TJPRT-G.P1, acessível em www.dgsi.pt/trp.