Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
658/08.2TBTND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: INVENTÁRIO
RELAÇÃO DE BENS
RECLAMAÇÃO
SUCESSÃO LEGITIMÁRIA
DOAÇÃO
BENFEITORIAS
Data do Acordão: 02/21/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - TONDELA - JUÍZO C. GENÉRICA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS. 1345, 1348, 1353, 1355 CPC, 2031, 2109, 2114, 2156, 2157, 2159, 2162 CC
Sumário: 1. No processo de inventário quando seja deduzida reclamação contra a relação de bens (art.º 1348º do CPC de 1961) e o cabeça-de-casal não confessar a existência dos bens cuja falta foi acusada, o juiz decide da existência de bens e da pertinência da sua relacionação, sem prejuízo do disposto no art.º 1350º - casos de insuficiência das provas para decidir das reclamações (art.º 1349º, n.ºs 2 e 3 do mesmo Código).

2. No mesmo processo, o juiz tem o poder de reconhecer a existência das dívidas, quando, sendo embora todos ou parte dos interessados contrários à aprovação, a questão possa ser resolvida com segurança pelo exame dos documentos apresentados (art.ºs 1355º e 1356º do CPC de 1961).

3. A sucessão legitimária, necessária ou forçada comporta diversas normas imperativas (direito imperativo), entre as quais, as que impõem que as doações inter vivos se mantenham dentro dos limites da quota disponível e as que enumeram os herdeiros legitimários (cf. os art.ºs 2156º e seguintes do CC).

4. As benfeitorias feitas pelo donatário que não possam ser por ele levantadas deverão figurar na relação de bens mas a sua verba não será tida como efectiva dívida da herança mas como valor dedutível ao acervo dos bens doados ao interessado respectivo, a determinar por avaliação e atento o benefício que trouxeram aos prédios em causa, segundo as regras do enriquecimento sem causa.

Decisão Texto Integral:      









      

           
            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:        
           

            I. Nos autos de Inventário supra referidos, para partilha de bens da herança de E (…) e L (…)[1], em que são interessados M (…) (requerente) casada com J (…), no regime da comunhão geral de bens, F (…) (cabeça-de-casal) casado segundo o regime da comunhão geral de bens com M (…), e J (…) (donatário), a referida M (…) interpôs recurso da sentença homologatória da partilha, proferida a 08.6.2017, impugnando ainda as decisões dos “Incidentes da Reclamação de Bens” proferidas em 28.6.2011, 08.3.2016 e 30.8.2016 e o despacho sobre a forma da partilha de 27.10.2016, com as seguintes conclusões:

            1ª - Em 01.9.2011 foi interposto recurso da decisão proferida pelo Tribunal a quo, em 28.6.2011, que, julgando improcedente as reclamações deduzidas pelos aqui interessados/recorrentes relativamente à falta da relacionação de bens móveis e de dinheiro auferido pela autora da herança, L (…)  entre 1992 e a data do seu óbito, por parte do cabeça-de-casal e aqui recorrido, F (…), que subiu ao Tribunal da Relação de Coimbra-Proc. n.º 658/08.2TBTND-A.C1, Apelação–1ª, 2ª Secção, mas que não foi o mesmo admitido, naquele momento, “como apelação autónoma, antes cabendo na previsão legal do n.º 2, 2ª parte do disposto no artigo 1396º do CPC, não podendo por isso ser conhecido, como decorre dos arts. 700º, n.º 1, b), e 704º, do anterior CPC” e consequentemente merecido a seguinte decisão: “Pelo, exposto, não se admite o recurso interposto pelos interessados M (…) e marido J (…)”, ou seja, a sua apreciação foi relegada para o recurso que agora se vai propor.[2]

            Os recorrentes mantêm aqui o interesse no prosseguimento de tal recurso e continuam a dar aqui por inteiramente reproduzidas as alegações oportunamente apresentadas em 01.9.2011[3].

            2ª - São herdeiros legitimários nos presentes autos de inventário, os dois filhos dos inventariados, E (…) e mulher L (…), de seus nomes M (…), aqui recorrente e seu irmão e cabeça-de-casal F (…).

            3ª - É ainda interessado, mas não herdeiro legitimário dos inventariados, o neto destes, J (…), filho do cabeça-de-casal, em virtude de em vida dos inventariados terem estes feito doação por conta das suas quotas disponíveis de seus bens a este seu neto dos prédios relacionados sob as verbas 85 a 87 da Relação de Bens corrigida apresentada em juízo em 17.11.2015.

            4ª - No âmbito da apresentação das várias Relações de Bens pelo cabeça-de-casal, ocorreram reclamações, respostas e decisões de tais reclamações, respectivamente, proferidas em 28.6.2011, sobre a qual incide o recurso referido supra, em 02.7.2014, 28.10.2015 e 08.03.2016.

            5ª - E ainda ocorreu a avaliação de todos os bens doados pelos inventariados a seus filhos e, ainda, ao seu indicado neto, por parte de perito nomeado pelo Tribunal, avaliação essa que teve em conta o decidido em 02.7.2014, tudo como melhor consta do Relatório apresentado em 12.12.2014, e, ainda, dos esclarecimentos prestados por requerimentos de 19.02.2015 e 06.05.2015.

            6ª - Sucede que, ao arrepio do decidido pelo Tribunal a quo em 02.7.2014 e 28.10.2015, este mesmo Tribunal, em 08.3.2016, violando o caso julgado resultante daquelas duas anteriores decisões e, ainda, o disposto nos art.ºs 2109º, n.º 1 e 2162º, n.º 1, do Cód. Civil (CC), veio a considerar como valores correctos para os bens doados e que constam das verbas 80, 81, 83 e 84, os valores apurados pelo senhor perito nomeado pelo Tribunal de acordo com a realidade matricial desses mesmos prédios (€ 42 450) e já não de acordo com a realidade efectiva desses mesmos prédios (€ 65 400), valores estes que se encontram uns e outros apurados e mencionados no Relatório apresentado em 12.12.2014, pág. 4.

            7ª - Daí que, na Relação de Bens corrigida que deu entrada em 17.11.2015, os prédios descritos sob as verbas 80, 81, 83 e 84, os seus valores não correspondem aos valores de mercado (comercial), mas antes aos valores apurados de acordo com a realidade matricial desses mesmos prédios, podendo esta diferença de valores vir a ferir a legítima dos recorrentes, tendo em conta que a quota disponível dos inventariados havia sido feita ao outro filho e nos autos cabeça-de-casal e, ainda, ao neto, J (…).

            8ª - Pela decisão proferida pelo Tribunal a quo em 30.8.2016, foi aprovado o passivo relacionado naquela Relação de Bens corrigida, sob as verbas 1 a 7, o qual não havia sido aprovado pelos aqui interessados/recorrentes, com excepção do passivo da verba 1 (mas já não quanto ao seu pagamento), na conferência de interessados realizada no dia 16.6.2016.

            9ª - Todas as alegadas obras/benfeitorias, relacionadas sob as verbas 3 a 7 da dita Relação de Bens corrigida, Passivo, a terem sido realizadas pelos referidos donatários, F (…) e J (…), a verdade é que o foram nos prédios que ficaram a pertencer-lhes e, por isso mesmo, só a eles aproveitam e a mais ninguém (os bens em causa não foram licitados pelos interessados/recorrentes - art.º 1 365º, n.º 3, al. a) do Código de Processo Civil/CPC) - confrontar acta de conferência de interessados do dia 23.9.2016.

            10ª - Não podendo os interessados/recorrentes serem obrigados a pagar as alegadas benfeitorias realizadas em prédios que não lhes foram doados, adjudicados e/ou licitados, que não lhes pertencem.

            11ª - Acresce que os valores achados/encontrados pelo cabeça de casal para essas alegadas benfeitorias, descritas nas verbas 3 a 7 da dita Relação de Bens corrigida foram apuradas pelo senhor perito nomeado pelo Tribunal, como consta do Relatório Pericial que deu entrada em juízo em 12.12.2014, sendo que a avaliação levada a efeito pelo senhor perito no que tange ao passivo, ocorreu sem que tal lhe tivesse sido solicitado e/ou ordenado pelos interessados e/ou pelo Tribunal - veja-se, designadamente, o que consta da conferência de interessados do dia 23.11.2012.

            12ª - Assim, a avaliação levada a efeito pelo senhor perito, no que tange ao passivo, terá que ser considerada como não escrita e/ou considerada nula e de nenhum efeito jurídico e, consequentemente, também os valores que constam dessas verbas 3 a 7 do passivo e que vieram a ser aprovados pela Mm.ª Juiz a quo devem ser considerados nulos e de nenhum efeito jurídico.

            13ª - As benfeitorias alegadamente realizadas pelos donatários, F (…) e J (…) naqueles seus prédios, sujeitos a conferência não constitui dívida - não tem aplicação às benfeitorias realizadas pelos referidos donatários nos prédios que lhe foram doados e que lhes ficaram a pertencer nos presentes autos de inventário a segunda parte do art.º 1345º, n.º 5 do CPC que manda descrever como dívidas da herança, as benfeitorias feitas por terceiro em prédio da herança - as benfeitorias em causa foram realizadas pelos referidos donatários em prédios que lhes foram doados pelos inventariados, que não foram feitas pelos autores das heranças, nem por terceiros, estranhos relativamente às heranças.

            Assim não têm que ser descritas, nem como créditos, nem como débitos.

            14ª - O cabeça-de-casal não juntou aos autos qualquer documento, factura, recibo, contrato de empreitada, etc., que minimamente comprovassem a existência de tais alegadas benfeitorias, e, ainda, o seu valor, para que viessem a ser reconhecidas e não aprovadas pela Mm.ª Juiz a quo, nos termos do disposto no art.º 1355º do CPC.

            15ª - Note-se ainda que o juiz, no processo de inventário, limita-se a reconhecer ou não a existência da dívida, não lhe competindo deliberar a sua aprovação, como a Mm.º Juiz a quo o fez, ou ainda, rejeitar a dívida.

            16ª - A decisão de qualquer questão em processo de inventário, deve revestir-se de um grau de elevada certeza sobre a existência ou inexistência dos bens reclamados, com conclusão segura e consciente, não discricionária, que não se compadece, a maior parte das vezes, com uma averiguação sumária.

            17ª - Em 03.10.2016, o cabeça-de-casal, veio, nos termos do disposto no art.º 1373º, n.º 1 do CPC apresentar a forma à partilha, incorrendo numa errada aplicação do direito, designadamente por ter ocorrido a violação do disposto nos art.ºs 1345º, n.º 5 e 1373º, n.º 1, do CPC e, ainda, ao não ter em conta o usufruto da inventariada e ao não respeitar o decidido em 02.7.2014, o que tudo conduz à nulidade e/ou ineficácia daquela forma à partilha e que aqui se invocam para os devidos efeitos.

            18ª - O despacho determinativo da forma à partilha de 27.10.2016, viola o disposto no artigo 1373º, n.º 2 do CPC, pois que limita-se a aderir à forma à partilha dada pelo cabeça-de-casal, que, como vimos, é nula e/ou ineficaz - ao juiz compete resolver todas as questões pendentes e o momento idóneo é o despacho determinativo à partilha.

            19ª - Não o tendo feito, como aliás mais tarde veio a reconhecer em 18.01.2017, 24.01.2017, 27.02.2017 e 08.6.2017, o referido despacho determinativo à partilha não tendo cumprido o disposto no art.º 1373º, n.º 2 do CPC, enferma de nulidade e/ou ineficácia que o impedem de produzir os efeitos jurídicos pretendidos.

            20ª - Tanto assim que o senhor escrivão de direito ao elaborar o Mapa Informativo em 31.10.2016, de forma errada apurou que os interessados/recorrentes seriam devedores de tornas no valor de € 34 430,48 ao interessado/donatário, J (…), que não é herdeiro legitimário dos inventariados, mas que o Tribunal a quo o veio a considerar em violação de normas imperativas, quando o mesmo era e é tão-somente donatário, sendo que o valor de tornas apurado é superior ao valor das alegadas benfeitorias por este donatário realizadas nos prédios que lhe haviam sido doados pelos inventariados e que ficaram a pertencer-lhe pelo presente processo de inventário.

            21ª - Sendo que por isso mesmo, tanto o referido Mapa Informativo, como ainda, o Mapa de Partilha elaborado em 23.01.2017, enfermam de nulidades que os impedem de produzir os efeitos pretendidos por Lei, antes ostensivamente a violam.

            22ª - Detectadas tais nulidades pelo Tribunal a quo, este ainda tentou com a marcação e realização de uma conferência de interessados que teve lugar no dia 27.02.2017 mas sem terem sido alcançados os resultados pretendidos, pois que os interessados mantiveram inalteradas as suas posições.

            23ª - Deste modo, também a sentença homologatória do mapa de partilha com a consequente adjudicação aos interessados dos respectivos quinhões, proferida a 08.6.2017 é nula por violar o disposto no art.º 615º, n.º 1, alíneas c), d) e e) do CPC.

            24ª - Tendo decidido como decidiu o Tribunal recorrido violou, entre outros, o disposto nos art.ºs 2109º, 2156º, 2157º, 2159º, 2162º, do CC e, ainda, nos art.ºs 615º, 1, alíneas c), d) e e), 1345º, n.º 5, 1353º, 1355º, 1356º, 1365º, n.º 3, al. a), 1373º, 1375º, 1376º, 1378º e 1382º do CPC.

             Remata pugnando pela revogação da sentença homologatória da partilha e a declaração de nulidade de todo o processado desde a prolação da decisão proferida em 08.3.2016, incluindo esta decisão e todo o demais processado daí em diante e até à dita sentença homologatória.

            O cabeça-de-casal respondeu concluindo pela improcedência dos recursos e consequente manutenção das decisões recorridas.

            Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do(s) recurso(s), importa apreciar, sobretudo, da (i)legalidade dos despachos de 28.6.2011, 08.3.2016 e 30.8.2016, e subsequente tramitação deles dependente, incluindo a sentença homologatória.


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            II. 1. Para a decisão dos recursos releva o que se descreve no antecedente relatório e a seguinte factualidade:

            a) Na decisão (de 28.6.2011) referente ao incidente de reclamação contra a relação de bens apresentado a fls. 74, foram dados como provados os seguintes factos:

            1 - A inventariada faleceu no dia 05.5.2008, na freguesia de x (...) , concelho de y (...) , com 104 anos.

            2 - Atenta a idade e dificuldade de movimentação da inventariada era o cabeça-de-casal que procedia ao levantamento do dinheiro segundo a orientação e pedido da mesma, o qual após o levantamento entregava integralmente à inventariada e que esta geria de harmonia com as respectivas necessidades e vontade.

            3 - A inventariada era uma pessoa instruída, tendo como formação académica o grau de professora do Ensino Básico.

            4 - Esteve sempre lúcida até à data em que sofreu um AVC, o que ocorreu em Janeiro de 2008.

            5 - A nível de tratamentos tomava diversos medicamentos.

            6 - Ia frequentemente a consultas ao médico particular e pelo menos ao Hospital de y (...) .

            7 - Em Janeiro de 2008 sofreu um AVC que originou o seu internamento no Hospital de (...) em (...) , por período não concretamente apurado.

            8 - Sempre foi o cabeça-de-casal e a mulher que trataram, cuidaram e prestaram todos os auxílios e cuidados necessários à vida da inventariada, confeccionavam-lhe as refeições, lavavam-na, levavam-na ao médico e faziam-lhe companhia.

            9 - Nos últimos meses que precederam a respectiva morte a inventariada era somente alimentada por uma sonda, facto que exigia cuidados acrescidos na respectiva alimentação.

            10 - Pelo menos cinco anos antes da morte da inventariada, esta começou a usar fraldas e produtos de higiene pessoal de harmonia com a respectiva idade.

            11 - No período em que esteve acamada durante cerca de 4 (quatro) meses antes do respectivo falecimento, o cabeça-de-casal e esposa não conseguiam tratar da inventariada sozinhos, atentas as suas idades.

            12 - Pelo que, foi contratada L (…) que se deslocava à morada da inventariada duas vezes por dia todos os dias da semana, durante o período aludido em 11), onde permanecia quatro horas para ajudar o cabeça-de-casal e a esposa a tratar da mesma.

            13 - A inventariada era dona e legítima possuidora de um cordão em ouro e de brincos em ouro, além de outra peça em ouro, os quais após o óbito do inventariado passaram a estar a posse da interessada M (…).

            14 - Relativamente ao tractor agrícola marca Same, matrícula (...) , foi emitida declaração de venda pela inventariada e interessada M (…), a favor do cabeça-de-casal, nos termos constantes dos documentos de fls. 242 a 245 dos autos.

            15 - Pelo Centro Nacional de Pensões, foi emitida a certidão de fls. 255/256 e 274 da qual consta que a inventariada no período de Abril de 1996 a Maio de 2008 recebeu as quantias discriminadas na lista de fls. 256, através de vale de correio.

            16 - A inventariada era titular da conta (...) 0 na Caixa Geral de Depósitos, da qual tinha autorização de movimentação o cabeça-de-casal, sendo que em 29.4.2008 o saldo era de € 249,42 (verba n.º 1 da relação de bens de fls. 89 e seguintes).

            17 - A inventariada era titular da conta (...) 8 na Caixa Geral de Depósitos, da qual tinha autorização de movimentação o cabeça-de-casal, tendo o saldo contabilístico de € 7 980,79 (verba n º 2, da mesma relação de bens).

            18 - Pela Caixa Geral de Aposentações foi prestada a informação de fls. 413 dos autos, da qual consta além do mais que a inventariada auferiu as pensões mensais aí discriminadas por crédito na conta da Caixa Geral de Depósitos com o NIB (...) .

            b) E foi aí dado como não provado:

            - Que a inventariada ao longo dos quinze anos da sua vida não despendesse quantia superior a € 300 mensais.

            - Que o tractor agrícola marca Same, matrícula (...) integre o acervo hereditário deixado por óbito dos inventariados.

            c) Na parte injuntiva da dita decisão foi julgado improcedente o incidente e em consequência: determinou-se que se mantivessem relacionados “os objectos em ouro indicados nas verbas 11 a 14”; relativamente ao passivo reclamado, remeteu-se “a sua apreciação/aprovação para a conferência de interessados, nos termos do disposto no art.º 1353º, n.º 3 do CPC”; e, no mais, julgaram-se “as reclamações apresentadas improcedentes, com excepção das consideradas prejudicadas em virtude do acordo alcançado pelas partes nos termos exarados em acta de fls. 461 e seguintes”.

            d) Por testamento de 03.5.1989 celebrado no 2º Cartório Notarial de (...) , lavrado de fls. 33 a 33 verso do Livro n.º 119, a inventariada L (…) pelas forças da sua quota disponível, legou ao cabeça-de-casal F (…) a raiz de uma casa de habitação com todo o seu recheio, quintal e dependências que servem de aviários, sita ao (...) , no lugar de (...) , reservando usufruto vitalício para o inventariado E (…) (cf. doc. de fls. 48).

            e) Por testamento de 03.5.1989 celebrado no 2º Cartório Notarial de (...) , lavrado de fls. 32 a 32 verso do Livro n.º 119, o inventariado E (…) pelas forças da sua quota disponível, legou ao cabeça-de-casal F (…) a raiz de uma casa de habitação com todo o seu recheio, quintal e dependências que servem de aviários, sita ao (...) , no lugar de (...) , reservando usufruto vitalício para a inventariada L (…) (cf. doc. de fls. 52).

            f) Por escritura de doação lavrada em 08.01.1993, no Cartório Notarial de y (...) , a folhas 91 verso a fls. 93 do Livro n.º 263-A, os inventariados doaram ao seu neto, J (…), filho do aqui cabeça-de-casal, pela quota disponível de seus bens e com reserva para eles doadores do usufruto, os prédios rústicos sitos à (...) , limite da Freguesia de x (...) (...) , concelho de y (...) , inscritos na matriz sob os artigos 8804, 8806 e 8808 (verbas 85 a 87 da relação de bens de fls. 728 e doc. de fls. 107).

            g) Por escritura de justificação e doação lavrada no dia 12.6.1995, no 1º Cartório Notarial de (...) , a fls.. 46 a fls. 47 vº do livro n.º 69-E, os inventariados doaram ao cabeça-de-casal, F (…), com dispensa de colação e reserva de usufruto até à morte do último, o prédio rústico da freguesia de x (...) (...) , inscrito na matriz sob o artigo 8616 e o prédio urbano da mesma freguesia, inscrito na matriz sob o artigo 1463 (verbas 83 e 84 da relação de bens de fls. 728 e doc. de fls. 54).

            h) Por escritura de justificação e partilha em vida lavrada no dia 12.6.1995, no 1º Cartório Notarial de (...) , a fls. 48 a fls. 51 do livro n.º 69-E, os inventariados doaram, nos termos do art.º 2029º do Código Civil (a fim de os donatários fazerem a partilha dos bens doados), ao cabeça-de-casal, F (…), e à interessada M (…) com reserva para eles doadores do usufruto até à morte do último, e, estes/donatários, concertaram-se a respeito da partilha dos bens doados do seguinte modo: ao F (...) e mulher ficaram a pertencer em pagamento do quinhão dele os bens relacionados sob os n.ºs 1, 3, 5, 9, 11, 17, 19, 20, 23, 24, 26, 29, 30, 31 e 32 (correspondentes, respectivamente, às verbas n.ºs 50, 53, 55, 59, 61, 67, 69, 70, 73, 74, 76, 79, 80, 81 e 82 da relação de bens de fls. 728) e à M (…) e marido ficaram a pertencer em pagamento do quinhão dela os bens relacionados sob os n.ºs 2, 4, 6, 7, 8, 10, 12, 13, 14, 15, 16, 18, 21, 22, 25, 27 e 28 (correspondentes, respectivamente, às verbas n.ºs 51, 54, 56, 57, 58, 60, 62, 63, 64, 65, 66, 68, 71, 72, 75, 77 e 78 da relação de bens de fls. 728) (cf. doc. de fls. 27).

            i) Na conferência de interessados realizada em 23.11.2012, os interessados requereram «a avaliação de todos os bens imóveis e, ainda, dos móveis doados, tendo o cabeça-de-casal se comprometido a, no prazo de 15 dias, vir aos autos juntar nova Relação de Bens», após o que a Mm.ª Juíza proferiu o seguinte despacho: «Atentos os motivos agora indicados e, uma vez que a avaliação requerida se demonstra relevante, determina-se a realização da mesma a levar a cabo por perito a indicar pela secção, o qual deverá ter conhecimentos, designadamente na área da engenharia civil, e que desde já se nomeia (artigo 1353º, n.º 2 do CPC)./(…) Concede-se, ao Cabeça-de Casal, o prazo de 15 dias, para vir juntar aos Autos uma Nova Relação de Bens, devidamente actualizada.» (fls. 510)

            j) Na sequência da apresentação da relação de bens (“intercalar”) de fls. 512, foi proferido, em 29.01.2013, o seguinte despacho: «Vi a relação de bens apresentada com as correcções introduzidas./Uma vez que já se mostra junta a nova relação de bens nos termos ordenados, cumpra o despacho de fls. 510, devendo o Senhor Perito ter em consideração os valores dos bens à data do óbito, e munir-se das peças processuais que considere relevantes para elaborar o relatório./Relativamente ao passivo o mesmo será apreciado em sede de conferência de interessados

            k) O senhor perito nomeado pelo Tribunal apresentou o requerimento de fls. 548 referindo dúvidas sobre a composição e os limites dos “prédios urbanos artigos 1461, 1462 e 1463” e do “prédio rústico, não reportado nos documentos” 8616 (a que respeitam as verbas n.ºs 80, 81, 83 e 84 da relação de bens de fls. 728), sugerindo a interpelação das partes para prestação de esclarecimentos. E face ao impasse verificado, solicitou, depois, informação quanto ao procedimento a adoptar para a avaliação, tendo em conta os seguintes métodos: avaliação artigo a artigo com as características actuais, sendo a área de terreno envolvente, pertencente ao artigo rústico 8616, sujeita ao ónus de prédio serviente (1º), avaliados num só conjunto, uma vez que os prédios urbanos se encontram implantados no interior do prédio rústico (2º) ou avaliação prédio a prédio sem qualquer ónus sobre o prédio rústico, agregando a cada uma parcela de logradouro (3º) (fls. 574 e 575).

            l) Em 02.7.2014 foi proferido o seguinte despacho: «Por requerimento de fls. 575 veio o Sr. Perito solicitar esclarecimentos quanto ao procedimento a adoptar para o acto de avaliação, atentas as discrepâncias entre a descrição predial dos prédios relacionados e as construções edificadas nos mesmos./Notificados os Ilustres Mandatários vieram os mesmos sugerir soluções diversas para a avaliação./ (…)/A fim de ultrapassar os obstáculos constatados pelo Sr. Perito, determina-se que o mesmo proceda à avaliação tendo por base a descrição predial, sem contudo deixar de fazer as ressalvas que entenda convenientes quanto às discrepâncias entre a realidade matricial e a realidade efectiva dos prédios e se necessário indicar os valores que reputa correctos numa e noutra situação. (…)». (fls. 613)

            m) Em 12.12.2014, o senhor perito apresentou o relatório da avaliação dos bens imóveis das verbas n.ºs 80, 81, 83, 84 (artigos 1461, 1462, 8616 e 1463); 50, 51, 53, 54, 55, 56, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 63, 64, 65, 66, 67, 68, 69, 70, 71, 72, 73, 74, 75, 76, 77, 78, 79, 82, 85, 86 e 87 da relação de bens de fls. 728 e, ainda, das verbas n.ºs 3 a 7 do “passivo/benfeitorias” constante da mesma relação de bens (fls. 616, 644 e 668).

            n) Face às reclamações de fls. 673 e 681, o senhor perito apresentou os esclarecimentos e rectificações de fls. 689 e seguintes; feitos novos pedidos (fls. 700 e 710), o senhor perito apresentou os esclarecimentos de fls. 714 e seguintes, referindo, designadamente, que “os[4] valores referentes às verbas n.ºs 80, 81 e 84 são os que constam no relatório pericial apresentado sem logradouro” (fls. 619 e seguintes).

            o) Em 28.10.2015, foi proferida a seguinte decisão: «No tocante às áreas e configurações das parcelas a partilhar, há que atender ao seguinte./(…) O art. 1346º, nº 2 refere ainda que o valor dos prédios inscritos na matriz é o respectivo valor matricial, devendo o cabeça de casal exibir a caderneta predial actualizada ou apresentar a respectiva certidão./No caso em apreço foi já ordenada a realização da avaliação dos bens pois os interessados assim o requereram em sede de conferência de interessados, em conformidade com o disposto nos arts. 1353º, nº4 e 1362º, nº2 do CPC./Decorre do disposto no art. 1362º/4 do CPC que não havendo unanimidade na apreciação da reclamação deduzida quanto ao valor constante da relação de bens para alguma ou algumas, ou todas, as suas verbas, nem se mostrando qualquer interessado disposição de ficar com esses bens para si pelo valor proposto na reclamação, nos termos do n.º 3 do mesmo preceito legal, poderá requerer-se avaliação dos bens cujo valor foi questionado, a qual será efectuada em conformidade com o estatuído no art. 1369º do CPC./Diz-nos este preceito legal que a avaliação dos bens que integram cada uma das verbas da relação é efectuada por um único perito, nomeado pelo tribunal, aplicando-se o preceituado na parte geral do código, com as necessárias adaptações./Segundo resulta do disposto nos arts. 489º do CPC e 389º do CC, a força probatória da perícia é fixada livremente pelo tribunal./No caso em apreço, foi pedida e realizada a perícia de avaliação de todos os bens imóveis e dos móveis doados da relação de bens, vindo depois a ser prestados pelo Sr. Perito todos os esclarecimentos que foram sendo solicitados pelos interessados./Subsiste divergência quanto aos valores atribuídos pelo Sr. Perito e apenas por parte dos interessados J (…) e mulher M (…) conforme consta de fls. 719 e ss., pois entendem existir divergências das áreas matriciais com as áreas reais dos mesmos, suas reais dimensões e configurações, localizações e demais características./Ora, não invocam estes interessados motivos válidos e suficientemente fortes que perturbem o valor probatório resultante da perícia de avaliação realizada nos autos./Assim sendo, e porque as regras ora aplicáveis são as que começamos por enunciar supra, não vislumbramos, nem vem indicado pelos reclamantes, que outro valor se poderia atribuir às referidas verbas e em homenagem a que concretos critérios que não os considerados pelo Sr. Perito./Do mesmo modo, ficam por apontar ao relatório elaborado quaisquer concretas deficiências ou obscuridades, nomeadamente quanto à forma como se mostra justificada a avaliação alcançada, e que pudessem interferir no resultado dessa avaliação./Pelo exposto, sem necessidade de quaisquer outras considerações, em obediência às supra citadas regras legais, aceita-se o valor atribuído às verbas avaliadas pelo Sr. Perito, sob os nºs 80, 81, 82, 83 e 84 da relação de bens, à data do óbito, em conformidade com o relatório pericial de fls. 616 e ss. e os esclarecimentos constantes de fls. 689 e ss. e 714 e ss., determinando a rectificação da relação de bens em conformidade

            p) Foi depois apresentada a relação de bens (“definitiva”) de fls. 728 e seguintes.

            q) Em 08.3.2016, na sequência da “reclamação” de fls. 754, foi proferida a seguinte decisão: «Veio J (…) e mulher reclamar da relação de bens corrigida, nos termos constantes de fls. 754 e ss./Por sua vez, F (…) e mulher responderam à reclamação nos termos constantes de fls. 762 e ss./Cumpre decidir./O incidente de reclamação à relação de bens, previsto no art. 1348º, é regido pelas regras gerais sobre incidentes, ao tempo, artigos 302º a 304º, do CPC./O que significa que as provas são apresentadas no momento da dedução do incidente (art. 303º, do CPC)./Ora o interessado reclamante não indicou qualquer prova, sendo que a presente reclamação é idêntica à anteriormente apresentada e já decidida nos autos, com exceção dos valores atribuídos pelo relatório pericial./Acresce que a relação de bens agora apresentada, respeita o relatório pericial, bem como o despacho proferido a fls. 724 e ss. [despacho de 28.10.2015]/No tocante ao passivo já por despacho de 29.01.2013 foi determinado que o mesmo será tratado em sede de conferência de interessados./Assim, e atento todo o exposto, julgo improcedente a reclamação à relação de bens apresentada. (…)»

            r) Na conferência de interessados de 15.6.2016 os recorrentes não aprovaram o “passivo” relacionado sob as “verbas 3 a 7” alegando que () relativamente às alegadas benfeitorias, os autores das duas heranças foram usufrutuários das mesmas até aos seus decessos, sendo que quaisquer obras de conservação ou melhoramento, ocorreram em suas vidas, requerendo, assim, que nesta parte as partes sejam remetidas para os meios comuns./(…) aprova-se a verba 1 do passivo, mas quanto ao seu pagamento, requer-se a notificação da Caixa Geral de Aposentações e à Segurança Social, para com referência à inventariada Laura Adélia da Silva, falecida a 5 de Maio de 2008, com os elementos de identificação constantes dos autos, para virem informar aos autos se foi pago, ou não, o subsídio de funeral por óbito daquela. Em caso afirmativo, qual o montante pago, a quem foi pago e o modo de pagamento. Daí que só após a referida informação obtida, é que se poderá a saber se o cabeça-de-casal recebeu ou não o subsídio por morte referido e, consequentemente, se se acha pago./ (…) Quanto à verba nº. 2, desconhecendo-se os valores recebidos a título daqueles subsídios, por morte e funeral, fica-se sem saber do que restou para pagamento do funeral e, ainda, do I.R.S., para além de que, como resulta dos autos e consta da matéria do recurso interposto, o Cabeça de Casal levantou mais de € 150 000 em vida da autora da herança.”

            Pelo cabeça-de-casal foi então dito, designadamente, que “relativamente às verbas n.ºs 3 a 7, do passivo, as quantias aí mencionadas foram objecto do relatório pericial que atribuiu o valor às alegadas benfeitorias./As benfeitorias das verbas n.ºs 3, 4, 5 e 6, foram todas feitas e custeadas pelo cabeça-de-casal e as benfeitorias da verba n.º 7 do passivo, foram custeadas pelo interessado J (…) (…)”

            s) Em 30.8.2016 o tribunal recorrido declarou e decidiu que “as verbas do passivo n.ºs 1 a 7 são devidas pela herança”, com a seguinte fundamentação: “ (…) Dos autos resulta que as despesas do funeral, estão devidamente documentadas nos autos conforme documentos n.ºs 8 e 9, juntos aos autos a 04/02/2009 que compõem fls. 62 e 63 dos autos./Por outro lado está relacionada como crédito da herança no activo, a verba n.º 3 referente ao reembolso das despesas de funeral de L (…)/Não juntam os reclamantes quaisquer documentos para suportar as afirmações que fazem, sendo que nos termos do artigo 1344º n.º 2 do Código de Processo Civil, as provas terão que ser juntas com o requerimento./Nos presentes autos não foram juntas quaisquer provas./Assim na distribuição do ónus da prova ter-se-á que concluir que, não foram recebidos quaisquer outros subsídios ou reembolsos, relativos à morte da inventariada L (…), razão pela qual ao abrigo do disposto no artigo 1355º do Código de Processo Civil, aprovo judicialmente a dívida que compõe verba 1 do passivo da herança, e a verba n.º 3 como activo da herança./O mesmo quanto à verba n.º 2 do passivo, uma vez que se encontram documentados os pagamentos em 21/08/2008, referente ao imposto de IRS do ano de 2007, de Laura Adélia da Silva, conforme dos, n.ºs 10 e 11, juntos aos autos em 04/02/2009, pagas pelo cabeça de casal, sendo uma dívida da herança./Quanto às benfeitorias verbas n.ºs 3 a 7, do passivo, as quantias aí mencionadas foram objecto do relatório pericial que atribuiu o valor às alegadas benfeitorias, que se encontram discriminadas./Com efeito não obstante os inventariados terem vivido no local, não se poderá deixar de ter em conta que as mesmas são uteis, que aumentam o valor do bem que agora irá à partilha, que se não fossem as benfeitorias teria um valor manifestamente inferior, e não são interessados os autores da sucessão./Pelo que havendo a prova constantes dos autos, perícia, ter-se-á que aprovar as mesmas.”

            t) Na conferência de interessados que teve lugar no dia 23.9.2016, foi acordado e consignado o seguinte: (…) À adjudicação das verbas n.ºs 1 a 11, que deverão ser adjudicadas em partes iguais aos 2 filhos dos inventariados./Também existe acordo quanto a adjudicação das verbas 12 a 15, que deverão ser adjudicadas à interessada M (…)./Quanto ao demais, acordam que as verbas 16 a 49, doadas e legadas, serão adjudicadas aos respectivos donatários e legatários, pelos valores constantes da relação de bens de fls. 728 e ss./Os imóveis serão adjudicados em consonância com as doações e testamento efectuados.”

            u) Em 27.10.2016 foi proferido o seguinte despacho: “Elabore o mapa de partilha de acordo com a forma à partilha apresentada pelo cabeça-de-casal”.

            v) Com data de 08.6.2017 foi proferida a sentença homologatória da partilha.    2. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

            Aderindo ao entendimento de que as disposições legais com a redacção anterior à entrada em vigor do Código de Processo Civil (CPC) de 2013 (aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26.6), aplicáveis aos processos de inventário pendentes em tribunal, serão apenas aquelas que se reportam à regulamentação específica do processo de inventário, aplicando-se quanto ao demais, mormente em matéria de recursos instaurados após 01.9.2013, o regime do actual CPC (cf. os art.ºs 7º e 8º da Lei n.º 23/2013, de 05.3 - que estabelece o actual regime jurídico do processo de inventário)[5], dúvidas não restam de que importa sobretudo reapreciar as decisões interlocutórias de 28.6.2011 (cf. o art.º 1396º do CPC, na redacção conferida pelo DL n.º 303/2007, de 24.8, os autos apensos e as “conclusões 1ª a 3ª”/ponto I, supra), 08.3.2016 e 30.8.2016.

            Assim, a resposta deverá ser encontrada a partir do regime jurídico estatuído no CPC de 1961 (com as alterações introduzidas pelo DL n.º 227/94, de 08.9 e pelo DL n.º 329-A/95, de 12.12), aplicável à situação dos autos.

            Nos termos do referido Código[6]:

            - As benfeitorias pertencentes à herança são descritas em espécie, quando possam separar-se do prédio em que foram realizadas, ou como simples crédito, no caso contrário; as efectuadas por terceiros em prédio da herança são descritas como dívidas, quando não possam ser levantadas por quem as realizou (art.º 1345º, n.º 5).

            - Quando seja deduzida reclamação contra a relação de bens (art.º 1348º) e o cabeça-de-casal não confessar a existência dos bens cuja falta foi acusada, notificam-se os restantes interessados com legitimidade para se pronunciarem, aplicando-se o disposto no n.º 2 do art.º 1344º[7] e decidindo o juiz da existência de bens e da pertinência da sua relacionação, sem prejuízo do disposto no artigo 1350º (cf. o art.º 1349º, n.ºs 2 e 3).

            - Quando a complexidade da matéria de facto subjacente às questões suscitadas tornar inconveniente, nos termos do n.º 2 do art.º 1336º, a decisão incidental das reclamações previstas no art.º 1349º, o juiz abstém-se de decidir e remete os interessados para os meios comuns (art.º 1350º, n.º 1).

            - Na conferência de interessados podem os interessados acordar, por unanimidade, que a composição dos quinhões se realize por algum dos modos seguintes: a) Designando as verbas que hão-de compor, no todo ou em parte, o quinhão de cada um deles e os valores por que devem ser adjudicados; b) Indicando as verbas ou lotes e respectivos valores, para que, no todo ou em parte, sejam objecto de sorteio pelos interessados; c) Acordando na venda total ou parcial dos bens da herança e na distribuição do produto da alienação pelos diversos interessados (art.º 1353º, n.º 1). As diligências referidas nas referidas alíneas a) e b) podem ser precedidas de arbitramento destinado a possibilitar a repartição igualitária e equitativa dos bens pelos vários interessados (n.º 2).

            - Se todos os interessados forem contrários à aprovação da dívida, o juiz conhecerá da sua existência quando a questão puder ser resolvida com segurança pelo exame dos documentos apresentados (art.º 1355º).

            - Havendo divergências sobre a aprovação da dívida, aplicar-se-á o disposto no art.º 1354º à quota-parte relativa aos interessados que a aprovem; quanto à parte restante, será observado o determinado no art.º 1355º (art.º 1356º).

            - A avaliação dos bens que integram cada uma das verbas da relação é efectuada por um único perito, nomeado pelo tribunal, aplicando-se o preceituado na parte geral do Código, com as necessárias adaptações (art.º 1369º).

            - São ouvidos sobre a forma da partilha os advogados dos interessados e o Ministério Público, nos termos aplicáveis no art.º 1348º (1373º, n.º 1). Nos 10 dias seguintes proferir-se-á despacho determinativo do modo como deve ser organizada a partilha. Neste despacho são resolvidas todas as questões que ainda o não tenham sido e que seja necessário decidir para a organização do mapa da partilha, podendo mandar-se proceder à produção de prova que se julgue necessária. Mas se houver questões de facto que exijam larga instrução, serão os interessados remetidos nessa parte para os meios comuns (2). O despacho determinativo da forma à partilha só pode ser impugnado na apelação interposta da sentença da partilha. (n.º 3).

            3. Por seu lado, prevê a lei civil substantiva:

            - Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado (art.º 342º, n.º 1 do CC).

            - A sucessão abre-se no momento da morte do seu autor e no lugar do último domicílio dele (art.º 2031º do CC).

            - O valor dos bens doados é o que eles tiverem à data da abertura da sucessão (art.º 2109º, n.º 1 do CC).

               - Não havendo lugar à colação, a doação é imputada na quota disponível (art.º 2114º do CC).

            - Entende-se por legítima a porção de bens de que o testador não pode dispor, por ser legalmente destinada aos herdeiros legitimários (art.º 2156º do CC).

            - São herdeiros legitimários o cônjuge, os descendentes e os ascendentes, pela ordem e segundo as regras estabelecidas para a sucessão legítima (art.º 2157º do CC).

            - A legítima do cônjuge e dos filhos, em caso de concurso, é de dois terços da herança (art.º 2159º, n.º 1 do CC). Não havendo cônjuge sobrevivo, a legítima dos filhos é de metade ou dois terços da herança, conforme exista um só filho ou existam dois ou mais (n.º 2).

            - Para o cálculo da legítima, deve atender-se ao valor dos bens existentes no património do autor da sucessão à data da sua morte, ao valor dos bens doados, às despesas sujeitas a colação e às dívidas da herança (art.º 2162º, n.º 1 do CC).

            4. No recurso da decisão intercalar de 28.6.2011 importa verificar se foi correcto o decidido quanto à falta da relacionação de dinheiro auferido pela autora da herança (L (…)) entre 1992 e a data do seu óbito, por parte do cabeça-de-casal (recorrido), cujo respectivo segmento se pretende ver revogado, em consequência da também requerida modificação da matéria dita em II. 1. a) - 2, supra, que se considera incorrectamente julgada, por se entender ter ficado demonstrado que “O cabeça-de-casal procedeu aos levantamentos das quantias de € 163 556,08 entre o dia 04.01.1999 e o dia 22.4.2008, da conta com o NIB (…) da C.G.D. da inventariada, sem que aquele aí tenha efectuado qualquer depósito.”

            Analisados os autos verifica-se que a Mm.ª Juíza que proferiu a decisão de 28.6.2011 teve em atenção, designadamente, a documentação de fls. 254 e seguintes e 412 e seguintes (correspondente a informação bancária reportada à data do óbito e extractos das contas reportados a datas anteriores) e os depoimentos das testemunhas (analisados a fls. 475 a 477).

            Ora, no que concerne à questão de saber se deve ser incluído na relação de bens o dinheiro cuja falta foi acusada, a Mm.ª Juíza a quo, baseada na factualidade dita em II. 1. a), supra, ponderou e concluiu: «(…) face à factualidade apurada diremos que, não obstante a inventariada ter recebido quantias, em vida que foram levantadas pelo cabeça-de-casal, com a sua autorização, o certo é que tais quantias foram consumidas em vida da inventariada e em despesas e gastos feitos pela própria, como resulta da factualidade provada, pelo que, as mesmas não podem nem devem ser agora relacionadas, pois, não integram o acervo hereditário da mesma.//Acresce que, também não resultou provado que a inventariada tivesse feito qualquer doação de tais quantias ao inventariado em vida que importasse agora relacionar.//Assim, sobre a interessada reclamante impendia o ónus da prova nos termos do disposto no artigo 342º, n.º 1, do CPC, de que tais quantias tivessem sido doadas, por forma a trazê-las agora ao inventário, para eventual acerto de contas, não tendo logrado provar tal situação, diremos que não devem tais quantias ser relacionadas.//Pelo exposto, deve ser julgada improcedente a reclamação nesta parte. (…)» (fls. 478)

            Ressalvado o lapso na indicação do Código a que respeita o normativo aplicável (Código Civil, e não CPC) e atento o preceituado nos art.ºs 685º-B, n.º 1, alínea b) e 712°, n.º 1, alíneas a) e b) do CPC de 1961 (a que correspondem os art.ºs 640 e 662º do CPC de 2013), face à impossibilidade de reapreciar a prova pessoal, ao teor da prova documental junta aos autos e à demais matéria assente [sobretudo, a indicada em II. 1. a), 16 e 17, supra], afigura-se, salvo o devido respeito por entendimento contrário, que não é possível introduzir a pretendida modificação à matéria de facto e não ocorre qualquer contradição entre os pontos de facto dados como provados, pelo que se deverá manter o decidido em matéria de facto.

            Ademais, não obstante a apontada impossibilidade de uma efectiva reapreciação da prova, sempre se dirá que nada indicia que a Mm.ª Juíza a quo não pudesse ou devesse ponderar a prova no sentido e com o resultado a que chegou, pela simples razão de que tal resultado não se antolha inverosímil e à sua obtenção não terão sido alheias as regras da experiência e as necessidades práticas da vida[8]

            Resta dizer que existiam e/ou foram produzidos nos autos elementos suficientes (sem necessidade de mais provas) para a apreciação da mencionada questão, pelo que não se impunha actuar a previsão do art.º 1350º, n.º 1 do CPC.

            Soçobra, pois, a pretensão das apelantes de ver modificada a decisão de facto em causa e a consequente decisão de mérito (com a fundamentação atrás indicada).

            5. Relativamente às verbas n.ºs 80, 81, 83 e 84 da relação de bens de fls. 728, compulsados os autos, verifica-se que foi considerada a decisão proferida a 28.10.2015 e não impugnada [cf., sobretudo, II. 1. o), supra e fls. 619, 620 e seguintes, 689, 714 e 716], sendo que os valores atendidos respeitam a correspondente descrição predial e a realidade que a evidencia, além que a consideração individualizada/separada de cada um dos prédios não deixa de estar contida/compreendida no “licere”/conteúdo do direito de propriedade do cabeça-de-casal sobre tais bens.

            Acresce que, na perspectiva inicialmente plasmada no relatório pericial, não vemos indicado e adequadamente justificado o critério a seguir para a sugerida/aventada “anexação de logradouro” aos prédios urbanos das verbas 80, 81 e 84 (e bem assim a configuração do logradouro a atribuir a cada prédio urbano) e à custa da diminuição (“desanexação”) da área do prédio rústico da verba 83.

            Ademais, ainda que com aparente benefício para a posição e o interesse do cabeça-de-casal (como resulta evidente do “quadro/síntese” de fls. 619), os valores encontrados, e atendíveis - face ao decidido em 28.10.2015 -, são igualmente válidos para a eventual transacção de tais verbas no mercado [traduzindo, pois, o seu valor real à data da abertura sucessão; cf., ainda, II. 1. n), in fine, supra].

            Daí que, nesta parte, não vejamos como seja possível atender a posição defendida no recurso.

            Resta dizer que, no apontado enquadramento, a decisão dita em II. 1. q), supra (de 08.3.2016), não colidiu com o anteriormente decidido (mormente, com o despacho aludido em II. 1. l), supra); pelo contrário, é apenas consequência do acordado e decidido nos autos, conjugado com o resultado da avaliação pericial.

            6. O cabeça-de-casal e a recorrente desde há muito acordaram que o passivo reclamado e relacionado devia ser objecto da conferência de interessados - cf. fls. 25 e 461, sendo que o “acordo” sempre respeitou, pelo menos, às duas primeiras verbas do “passivo” levado à relação de bens de fls. 728, perspectiva também afirmada no despacho de 28.6.2011/fls. 480 e 481.

            Contudo, se, quanto às verbas n.ºs 1 e 2 do passivo relacionado, o Mm.º Juiz a quo conheceu da existência de tais dívidas face aos documentos juntos aos autos (verificando-se a correspondência de valores entre a verba n.º 3 do activo e a verba n.º 1 do passivo) - pois o juiz tem o poder se reconhecer a existência das dívidas, quando, sendo embora todos ou parte dos interessados contrários à aprovação, a questão possa ser resolvida com segurança pelo exame dos documentos apresentados (art.ºs 1355º e 1356º)[9] -, em relação às demais (como se verá, “passivo” incorrectamente considerado) impunha-se o seu não conhecimento, porquanto os autos não forneciam quaisquer elementos para apreciar da matéria (cf. o art.º 1355º, a contrario).

            Por outro lado, admitem-se como correctos os valores apurados pelo Sr. Perito a fls. 669 a 671 para as “benfeitorias” realizadas nos prédios das verbas n.ºs 67, 79, 81, 83, 85 e 86 da relação de bens de fls. 728 [as primeiras quatro verbas pertencentes ao cabeça-de-casal F (...) e as duas últimas ao seu filho J (...) , donatário, como foi confirmado na conferência de interessados de 23.9.2016 – cf. II. 1, alíneas f), g), h) e t), supra], e, ao contrário do que parece ser a perspectiva dos recorrentes, sempre se dirá que é óbvia a utilidade do trabalho realizado pelo Sr. Perito e que esta avaliação inclui-se na tarefa de uma completa avaliação dos bens.

            Porém, nada permite considerar as associadas/correspondentes verbas n.ºs 3 a 7 como integrando um qualquer “passivo” ou que as mesmas “são devidas pela herança”.

            7. Na verdade, desconhecem-se as circunstâncias da realização de tais benfeitorias/melhoramentos nos mencionados prédios, maxime, quem providenciou pela sua concretização e suportou o respectivo custo, sendo que uma das possibilidades é a de que tenha sido suportado pelos inventariados/usufrutuários; provando-se, porventura, que o cabeça-de-casal pagou as despesas com as obras realizadas nos aviários, muro de vedação e postes em lousa, nos montantes de € 14 680,03, € 2367,84, € 1033,31 e € 685,07 (fls. 669 e 670), tais montantes deveriam ser deduzidos aos valores da avaliação dos correspondentes imóveis de fls. 632, 716, 695 e 718 (€ 22 968,48; € 12 146,99; € 4 938,88 e € 33 676,37, respectivamente), para encontrar o seu valor na herança a partilhar (pois nesse valor não se compreende o das benfeitorias que o donatário neles fez à sua custa) e não como “dívidas da herança” – as verbas correspondentes (a tais benfeitorias) não serão tratadas como efectivas dívidas da herança mas como valores dedutíveis ao acervo dos bens doados ao interessado respectivo, a determinar por avaliação e atento o benefício que trouxeram aos prédios em causa, segundo as regras do enriquecimento sem causa.[10]

            Já no que concerne ao custo da plantação da vinha, no montante de € 12 070,25 (fls. 670) e tudo indicando que foi essa plantação que valorizou o terreno na medida da diferença para os valores mencionados a fls. 665 e 666 (verbas 85 e 86 - € 9 029,85 e € 4 909,66, respectivamente), sabendo-se que o interessado J (...) é apenas donatário, e não herdeiro, o valor em causa interessava, sobretudo, para verificar da eventual inoficiosidade da doação dita em II. 1. f), supra, mas desde já se afigura evidente que tal donatário não é obrigado a repor bens alguns (cf. o art.º 1365º, n.ºs 2 e 3).

            Além disso, também se desconhece quem pagou a dita plantação.

            Por último, atenta a razão de ser da determinação daquele valor, as subsequentes operações de partilha realizadas nos autos estão incorrectas, desde logo, por desrespeitarem o supra referido entendimento e normas imperativas do direito sucessório, o que as torna nulas (cf., designadamente, os art.ºs 2156º, 2159º e 2162º do CC).

            8. Assim, os recorrentes têm razão quando dizem que o despacho de 30.8.2016, ao declarar a existência de tais pretensas dívidas da herança, violou diversas normas legais, designadamente, os art.ºs 1345º, n.º 5 e 1355º - além do mais, e retomando de algum modo o já afirmado, desconhecem-se todas as circunstâncias das alegadas obras/benfeitorias, relacionadas sob as verbas 3 a 7 (nomeadamente, quando foram feitas, quem autorizou e determinou a sua realização, como foi suportado o custo respectivo); a terem sido realizadas pelos referidos donatários, F (...) e J (...) , a verdade é que o foram nos prédios que ficaram a pertencer-lhes, pelo que apenas poderão ser atendidas na determinação do valor dos prédios imputável à herança à data da abertura da sucessão (pois nesse valor não se compreende o das benfeitorias que o donatário neles fez à sua custa)[11] e não como “dívidas da herança”.

            De igual modo, a solução encontrada e o abstruso reconhecimento do “direito a tornas” por parte do mero donatário[12] apenas poderia conduzir à violação do princípio da intangibilidade da legítima (cf. os art.ºs 2156º e 2159º do CC), sabendo-se que a sucessão legitimária, necessária ou forçada comporta diversas normas imperativas (direito imperativo), entre as quais, as que enumeram os herdeiros legitimários e impõem que as doações inter vivos se mantenham dentro dos limites da quota disponível (cf. os art.ºs 2156º e seguintes do CC).[13]

            Nas apontadas circunstâncias e não se tratando do efectivo e regular reconhecimento de dívidas da herança (cf. II. 7., supra), o referido despacho de 30.8.2016 não transitara em julgado.[14]   

            9. Também se dirá que no tocante às doações por conta da quota disponível (ou com dispensa de colação) (art.º 2114º, n.º 1 do CC), o valor dos bens doados não é considerado para o efeito de igualação da partilha entre os descendentes legitimários, sem prejuízo de a doação poder vir a ser reduzida por inoficiosidade.[15]

            10. A problemática descrita em II. 6. a 8., supra, agora que ficam decididas as demais e relevantes questões da partilha (designadamente, as mencionadas em II. 4. e 5., supra), deverá ser objecto de acordo entre os interessados (entre outras possibilidades, surge a desconsideração enquanto benfeitorias realizadas e pagas pelos donatários, com a consequente eliminação das verbas 3 a 7 do “passivo” da relação de bens de fls. 728[16], quiçá, a solução razoável e justa para pôr termo a um inventário que se arrasta há mais de nove anos!, em razão, também, de excessivos e anómalos incidentes…), sob pena de dever ser dilucidada nos meios comuns (com a produção de adequada prova pessoal e documental[17]), com as delongas e os gastos que lhes estão associados e que, ressalvado o devido respeito, só a teimosia e a ganância poderão justificar!

            Não obstante as múltiplas tentativas de resolução consensual dos incidentes e “pontos divergentes” amiúde suscitados nos autos[18], afigura-se que os interessados não fizeram o suficiente para pôr termo ao processo respeitando o entendimento segundo o qual o juízo do inventário é sobretudo um juízo de equidade onde se deve evitar que uns interessados se locupletem à custa dos outros.[19]    

            11. Por conseguinte, importa revogar aquele segmento do despacho de 30.8.2016 e toda a tramitação subsequente que dele dependeu, designadamente, a que integra a fase do julgamento no processo de inventário[20], constituída pelo despacho determinativo da partilha (ainda que se mantenha incólume o acordado na conferência de interessados de 23.9.2016) e pela sentença homologatória, devendo ser alcançado um derradeiro (e real/verdadeiro) acordo entre os interessados (eventualmente, convocando-se nova conferência de interessados com a finalidade indicada no ponto anterior) e seguindo-se os demais trâmites até à partilha, atribuindo-se aos recorrentes e recorridos os respectivos quinhões.

            12. Procedem, desta forma, parcialmente, as “conclusões” da alegação de recurso.


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            III. Pelo exposto, na parcial procedência da apelação, confirmam-se os despachos de 28.6.2011 e 08.3.2016 e revogam-se os despachos de 30.8.2016 (na parte em que considerou devidas as verbas n.ºs 3 a 7 do “passivo”, confirmando-se no restante) e de 27.10.2016 e a sentença homologatória da partilha, com as consequências assinaladas em II. 10. e 11, supra.

            Custas na proporção de 2/3 e 1/3, pelos recorrentes e recorridos, respectivamente.


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21.02.2018


           

Fonte Ramos ( Relator )

Maria João Areias

Alberto Ruço


[1] Instaurados em 28.11.2008.
[2] Cf. a decisão sumária desta Relação de 06.11.2012 (fls. 464 do apenso).

[3] Foram apresentadas as seguintes “conclusões”:

               «1. Foram incorrectamente julgados os factos vertidos nas questões a decidir sob o ponto 2- da decisão, os quais deveriam terem sido julgados no sentido de se considerar provado que “O cabeça-de-casal procedeu aos levantamentos das quantias de € 163 556,08 entre o dia 04.01.1999 e o dia 22.4.2008, da conta com o NIB (...) da C.G.D. da inventariada, sem que aquele aí tenha efectuado qualquer depósito”.

               2. Existem nos autos elementos documentais fundados, reais, verdadeiros e suficientes, que comprovam os levantamentos por parte do cabeça-de-casal em seu exclusivo benefício, aí estando confessado que este não depositou qualquer quantia na conta da cabeça-de-casal (seu requerimento de 03.7.2009), na fundamentação da decisão deu-se como provado que a inventariada passava o tempo a ler e a fazer malha e que esteve em coma de Janeiro a Maio de 2008, sendo certo que não foram alegadas ou justificadas quaisquer despesas extraordinárias que justificassem a periodicidade e identidade daqueles levantamentos, ou que a inventariada tivesse despesas para além do valor de 1/3 daquelas duas pensões.

               3. Atentos estes factos, a prova realizada em julgamento e que resulta também da fundamentação dos factos provados, a confissão do cabeça-de-casal, os documentos dos autos referidos e a ausência de outra documentação ou prova que justificasse todos aqueles levantamentos e até as regras da experiência comum, o Tribunal a quo deveria ter dado resposta diversa à matéria em discussão, designadamente e no sentido de dar como provado o ponto 2- no sentido acima apontado pelos aqui recorrentes, por terem sido incorrectamente julgados aqueles factos, o que se requer.

               4. A apreciação e valoração das provas produzidas "impõem", “forçam” decisão necessariamente diferente da proferida (art.º 685º-B, n.º 1- b) e 712° n.º 1-a e b) do CPC) - existe nos autos prova documental inequívoca, oficial, verdadeira e suficiente, consubstanciada na própria confissão em parte do cabeça-de-casal, que atesta estes factos e, por isso, a resposta a tal ponto 2- deverá ser alterada por esta Relação, nos termos do art.º 712º/1 – a) e b) do CPC, no sentido apontado.

               5. A assim não se entender, sempre se verificaria uma contradição insanável da decisão, entre os pontos 1-, 2-, 4- e 7- daquela decisão.

               6. Era de todo em todo humanamente impossível que a inventariada desse orientações ou efectuasse qualquer pedido ao cabeça-de-casal, após ter sofrido um AVC e ter ficado em estado de coma.

               7. Daí que, em face daqueles levantamentos pelo cabeça-de-casal, bem como das doações e testamentos dos autos, facilmente chegaremos à conclusão de que a aqui recorrente vê-se de alguma forma deserdada, em claro benefício e proveito do cabeça-de-casal e do seu filho e, consequentemente, a sua legítima ferida.

               8. O tribunal a quo não levou em conta as regras da experiência comum, perante a situação em concreto de vida da inventariada apurada nos autos e a comprovação de que as despesas da inventariada seriam diminutas, não existindo justificação por parte do cabeça-de-casal para os levantamentos documentados nos autos.

               9. A entender-se que a questão a decidir em sede dos presentes autos era complexa e não poderia aí ser decidida com segurança, então o Tribunal a quo deveria ter remetido as partes para os meios comuns, usando da faculdade concedida pelo n.º 1 do disposto no art.º 1350º do CPC.

               10. Tendo decidido como decidiu o Tribunal recorrido violou, entre outros, os art.ºs 342º, 349º, 352º, 2156º, 2159º n.º 2, 2162º e 2166º do Código Civil e 668º, alíneas b) c), e d) e 1350º do Código de Processo Civil.»

               Rematou-se pugnando pela reformulação do ponto 2- da decisão, no sentido apontado, e consequente procedência da Reclamação deduzida à Relação de Bens [de fls. 23], no sentido de virem a ser relacionados, pelo menos, 2/3 dos valores levantados pelo cabeça-de-casal.
[4] Rectifica-se lapso manifesto.
[5] Cf., entre outros, os acórdãos da RG de 28.01.2016-processo 41/12.5TBAMR.G1 e da RE de 15.12.2016-processo 301/09.2TBVNO-A.E1, publicados no “site” da dgsi.
[6] Diploma a que pertencem as disposições doravante citadas sem menção da origem.
[7] Que reza o seguinte: “As provas são indicadas com os requerimentos e respostas; efectuadas as diligências probatórias necessárias, requeridas pelos interessados ou determinadas oficiosamente pelo juiz, é a questão decidida, sem prejuízo do disposto no artigo 1335º [art.º que tem por epígrafe: ”Questões prejudiciais e suspensão do inventário”].”  
[8] Vide, nomeadamente, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 192 e nota (1) e Vaz Serra, Provas (Direito Probatório Material), BMJ, 110º, 82.
[9] Vide J. A. Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, Vol. II, Almedina, Coimbra, 1990, págs. 143 e seguinte e 168.
[10] Vide J. A. Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, Vol. I, Almedina, Coimbra, 1990, págs. 477 a 479 e Vol. II, pág. 33 e o acórdão da RP de 21.6.1983, in BMJ 328º, 638.
[11] Cf. a nota anterior.
[12] Quanto às situações em que há lugar ao pagamento de tornas, vide, nomeadamente, J. A. Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, Vol. II, cit., pág. 413.
[13] Vide, nomeadamente, Inocêncio Galvão Telles, Direito das Sucessões, Noções Fundamentais, 6ª edição (reimpressão), Coimbra Editora, 1996, págs. 101 e seguintes e 154; Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. VI, Coimbra Editora, 1998, págs. 252 e seguintes e J. A. Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, Vol. I, cit., págs. 140 e seguintes.
[14] A respeito do valor das decisões proferidas no Processo de Inventário e sua impugnação, vide, designadamente, J. A. Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, Vol. II, cit., págs. 355 e seguintes.
[15] Vide Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. VI, cit., pág. 189 e J. A. Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, Vol. II, cit., págs. 370 e 403.
[16] De resto, tais “verbas” não foram incluídas na primitiva relação de bens (fls. 23)…
[17] E atendendo ao especial enquadramento normativo dito em II. 7. e na “nota 10”, supra.
[18] Cf., designadamente, fls. 542, 466, 609, 611 e 773, sendo que algum consenso se obteve (cf., v. g., fls. 460 e 505, aqui, relativamente ao incidente iniciado a fls. 486…).
[19] Vide J. A. Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, Vol. II, cit., pág. 421.
[20] Cf. Alberto dos Reis, Processo Especiais, Vol. II (reimpressão), Coimbra, 1982, págs. 387 e seguintes e, entre outros, o acórdão do STJ de 15.4.2004-processo 04B1169, publicado no “site” da dgsi.