Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
795/07.0TBTNV.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: GONÇALVES FERREIRA
Descritores: LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 04/20/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TORRES NOVAS
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTS.457º CPC, 100º EOA
Sumário: I - O artigo 457.º do Código de Processo Civil prevê duas modalidades de indemnização relativamente à litigância de má fé: uma simples ou limitada, contemplando os danos directamente emergentes do procedimento doloso, outra plena ou agravada, abrangendo tanto os danos directos como os indirectos.

II - Por regra, a indemnização ao abrigo daquele preceito não pode exceder o âmbito processual em que a má fé operou.

III - A sentença final que condena no pagamento de indemnização por litigância de má fé, mas relega para momento ulterior a fixação do respectivo valor, faz caso julgado quanto ao conteúdo da indemnização, mas não quanto ao seu montante.

IV - A quantia paga a título de honorários pela parte com direito a indemnização pode sempre ser reduzida, ao abrigo do prudente arbítrio do juiz.

V - Os honorários de advogado devem ser fixados com moderação, sendo o tempo gasto e a complexidade do assunto os factores mais relevantes.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Relatório:

V (…) SA, com sede na Rua (…), Cruz Quebrada, intentou contra S (…), SA, com sede na Avenida (…) Carnaxide (actualmente, S (…), SA), e contra D (…) SA, com sede na Rua (…), Lisboa, procedimento cautelar comum, tendente a obter a entrega provisória da loja C01 do Centro Comercial (...), relativamente à qual celebrou um contrato de licença de utilização de loja em centro comercial, mas cujo acesso lhe foi vedado.

            Prosseguindo os autos a sua normal tramitação, com dedução de oposição e julgamento, veio a ser proferida decisão, que indeferiu a providência solicitada e condenou a requerente, como litigante de má fé, no pagamento de uma multa equivalente a 20 UC e de uma indemnização correspondente aos honorários que as requeridas tivessem de pagar aos respectivos mandatários por força do procedimento, a determinar posteriormente, nos termos do artigo 457.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, multa e indemnização essas da responsabilidade do administrador da requerente, (…).

            Transitada em julgado a decisão, vieram as requeridas pronunciar-se sobre o valor da indemnização, indicando como tal o de € 13.789,22, pago pela requerida D (…) SA aos seus mandatários, juntando, para efeitos probatórios, três facturas, apresentadas por estes a pagamento.

            O responsável pela indemnização, (…), tomou posição sobre os valores reclamados, que considerou exagerados, adiantando a perspectiva de não ser devida a totalidade dos honorários, mas, apenas, a parte deles que tenha sido originada pela má fé, que computou entre € 954,65 e € 1.191,30.

            Certificada a declaração de insolvência da requerente pelo Tribunal de Comércio de Lisboa (processo 504/09.0TYLSB), foi notificada a administradora da insolvência, que nada disse ou requereu.

            Subsequentemente, foi vertida decisão nos autos, que fixou em € 13.789,22 o valor da indemnização a pagar por (…) correspondente aos honorários suportados pelas requeridas.

            Inconformado, interpôs aquele recurso e apresentou a sua alegação, que concluiu assim:

            1) De acordo com a doutrina e a jurisprudência, a indemnização devida à parte contrária por força da litigância de má fé não abrange a totalidade dos honorários pagos por esta, mas, apenas, a parte deles que tenha sido determinada pela má fé;

            2) A sentença que condenou a requerente como litigante de má fé estabeleceu que os honorários são os que resultam da alínea a) do n.º 1 do artigo 457.º do Código de Processo Civil e não os que emergem da alínea b) do mesmo número, ou seja, não abrange os prejuízos que sejam consequência indirecta da má fé;

            3) Feita a opção pela alínea a), cabia ao juiz fixar, com prudente arbítrio, os honorários que lhe parecessem razoáveis;

            4) Ao fazer corresponder o valor da indemnização ao montante global dos honorários pagos, o despacho recorrido vai contra o disposto no n.º 2 do artigo 457.º do Código de Processo Civil, que fala em justos limites, e contra a letra da sentença, na exacta medida em que optou pela falada alínea a);

            5) A má fé está concretamente delimitada na sentença, resultando da alegação de ilegitimidade da requerida S (…) (actual S (…), que se veio a julgar que não tinha fundamento;

            6) O ilustre mandatário das requeridas respondeu a essa alegação com 52 artigos dos 252 do seu articulado de oposição; no julgamento gastou 3 horas e 40 minutos, para além das deslocações, e, nas alegações, tratou a matéria em 5 das 46 páginas utilizadas;

            7) Os danos directos consubstanciam-se em:

            – 1/5 do trabalho despendido na redacção da oposição;

            – Um julgamento com 3 horas e 40 minutos, mais 2 horas de deslocações;

            – 10,9% do trabalho despendido na redacção das alegações das requeridas;

            7) Com os valores de horas apresentados na discriminação do ex.mo mandatário das requeridas, será razoável o reajuste para 5 horas e 15 minutos com a oposição, 3 horas e 40 minutos com o julgamento, 2 horas e 45 minutos com deslocações e 1 hora e 30 minutos com alegações;

            8) De qualquer modo, os valores das deslocações deverão ser reduzidos para metade, dado o elevado preço horário;

            9) Assim, o valor legal e mais justo, ainda que considerado um valor horário muito alto e horas a mais com esta questão, deverá equivaler a ((5.15h + 3.40h + 1.30h) = 10.25h x € 160,89)) = € 1.675,95, a que acrescerá € 221,24 pela deslocação, num total de € 1.897,19;

            10) Mas, na estrita aplicação da lei e da sentença, trata-se, ainda, de um valor demasiado alto para a questão da má fé, devendo ser reduzido, em prudente arbítrio, para não mais de € 1.000,00.

           

            As agravadas responderam de forma a defender a manutenção do julgado, respigando-se da sua contra-alegação as seguintes ideias base:

            1) A decisão que indeferiu o procedimento cautelar definiu claramente o âmbito da indemnização, que fez corresponder aos honorários que as requeridas teriam de pagar aos seus mandatários por força do presente procedimento, não a restringindo, portanto, aos honorários relacionados, apenas, com a má fé;

            2) Aliás, se a requerente estivesse de boa fé, nunca teria intentado o procedimento cautelar, já que ela sabia que o contrato de utilização da loja tinha sido resolvido de forma válida;

            3) Logo, todo o trabalho despendido pelos mandatários das requeridas com o procedimento é consequência da má fé da requerente;

            4) Como quer que seja, a decisão que fixou o âmbito da indemnização no valor dos honorários com todo o procedimento transitou em julgado, pelo que a questão não pode voltar a ser discutida;

            5) Os honorários cobrados correspondem ao trabalho desenvolvido, que se não limitou à elaboração da oposição, julgamento e alegações de direito, tendo sido elaborados outros requerimentos, para além de ter sido necessário preparar a inquirição de testemunhas, analisar o processo e, bem assim, inúmeros documentos, incluindo contabilísticos e correspondência, e reunir com os seus constituintes, no que foram gastas cerca de 70 horas;

            6) De qualquer modo, os honorários não são cobrados à hora, servindo o tempo como mero critério de orientação, como se vê das facturas apresentadas, em que a média horária foi, uma vez, de € 184,74, outra, de € 166,00 e, finalmente, de € 120,00.

            O ex.mo juiz autor da decisão agravada proferiu despacho de sustentação.

            Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

            Em conformidade com o teor das conclusões da alegação do agravante, que delimitam o objecto do recurso, impõe-se resolver se foi correcto ou não o valor da indemnização arbitrada por via da litigância de má fé.

            II. A matéria de facto:

            Para além do que consta do relatório, interessará considerar, ainda, que:

            A) O ex.mo mandatário das requeridas, para além de outros requerimentos avulsos, elaborou e apresentou nos autos:

1) Articulado de oposição ao procedimento cautelar, composto de cerca de 70 páginas, com o qual juntou 28 documentos, arrolou testemunhas e requereu outras provas ou diligências;

2) Alegações por escrito, em substituição das alegações orais, sobre os aspectos fáctico e jurídico da causa, incorporando cerca de 45 páginas;

3) Requerimento a sustentar a intempestividade do recurso interposto pela requerente da decisão final proferida no procedimento cautelar;

4) Resposta à reclamação da requerente contra o despacho que não admitiu o recurso interposto da decisão final (peça com cerca de 10 páginas);

5) Requerimento de resposta à contestação da requerente ao incidente de liquidação da indemnização devida pela litigância de má fé;

6) Contra-alegações referentes ao presente recurso.

B) Interveio, ainda, na audiência final do procedimento cautelar.

            C) A conta de honorários, apresentada à requerida D (…) engloba três facturas, nas quais são reclamados os seguintes valores:

            1) Factura n.º 2008/S000801, datada de 21.05.2008, no valor de € 4.987,84, indicando-se como tempo despendido um total de 27 horas;

            2) Factura n.º 2009/S/00183, datada de 09.02.2009, no valor de € 8.561,38;

            3) Factura n.º 2009/S/0067, datada de 17.04.2009, no valor de € 240,00.

            D) A requerida DPPFB pagou as quantias constantes das referidas facturas.

            III. O direito:

            Está em causa, como referido, o valor da indemnização devida pela litigância de má fé, cujo apuramento foi remetido para decisão ulterior, nos termos do artigo 457.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.

            O tribunal, aceitando a bondade da argumentação das requeridas, entendeu dever atender-se ao montante dos honorários apresentados, na consideração de que a indemnização estava perfeitamente delimitada na decisão, já transitada em julgado, devendo corresponder “aos honorários que as requeridas terão de pagar aos seus mandatários por força do presente procedimento”.

            Diferente é a posição do legal representante da requerente, para quem a indemnização só deve abranger a parte dos honorários que tenham sido determinados pela má fé, que calculou segundo o seguinte raciocínio:

            A oposição das requeridas comporta 70 páginas e 252 artigos e levou, segundo o respectivo mandatário, 26 horas e 15 minutos a elaborar; como só 52 desses artigos (um quinto do total), respeitam ao problema da má fé, apenas devem ser consideradas 5 horas e 15 minutos.

            O julgamento demorou 3 horas e 40 minutos (não 5 horas e 10 minutos, como foi referido na conta apresentada), tempo que aceita, como aceita o tempo de 2 horas e 45 minutos, despendido na deslocação de Lisboa a Torres Novas.

            Relativamente às alegações, a parte dedicada à má fé representa 10,0% do total, o que equivale a 1 hora e 30 minutos, se se contar o tempo de 8 horas e 20 minutos, pretensamente gasto na elaboração da peça.

            Chega-se, assim, a um tempo de 10 horas e 25 minutos relativo ao processo e a um outro de 2 horas e 45 minutos respeitante a deslocações.

            Apresentado, que foi, um valor horário de € 160,89, o trabalho com o processo ascenderia a € 1.675,95.

            O trabalho com as deslocações só deveria ser remunerado em metade, o que vinha a resultar num montante de € 221,24.

            No entanto, o valor assim achado (€ 1.897,19) é, ainda, muito alto para a questão de que se trata (a má fé, apenas), devendo, em prudente arbítrio, ser reduzido para € 1.000,00.

            A quem assistirá a razão?

            Nos termos do artigo 457.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, a indemnização pode consistir:

            a) No reembolso das despesas a que a má fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários ou técnicos;

            b) No reembolso dessas despesas e na satisfação dos restantes prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência directa ou indirecta da má fé.

            O juiz optará pela indemnização que julgue mais adequada à conduta do litigante de má fé, fixando-a sempre em quantia certa.

            Esclarece o Senhor Professor Alberto dos Reis, em anotação ao artigo 466.º do Código de 1939, que tem correspondência, sem alterações significativas, no actual artigo 457.º, que são duas as modalidades de indemnização: uma simples ou limitada, consistente no reembolso das despesas a que a má fé obrigou a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários ou técnicos, outra plena ou agravada, a que cabe o reembolso das despesas e satisfação dos restantes prejuízos sofridos pela parte contrária.

            No primeiro caso, o litigante de má fé só tem de pagar a importância equivalente aos danos directamente emergentes do procedimento doloso; no segundo, terá de suportar os lucros cessantes e os danos emergentes, quer sejam consequência directa, quer sejam consequência indirecta da má fé processual.

            O tribunal imporá uma ou outra das indemnizações conforme a gravidade da conduta do litigante; se tiver sido escandalosa e revoltante, optará pela indemnização agravada; se tiver sido menos irritante e grave, o caminho a seguir é o da indemnização limitada.

            Em qualquer caso, a indemnização não pode exceder o âmbito processual em que a má fé operou; o juiz “só tem de tomar em consideração as despesas ocasionadas pela má fé e como esta pode dizer respeito unicamente a determinada fase do processo, a actos, termos e incidentes limitados, daí a diferença considerável” (Código de Processo Civil anotado, volume II, páginas 276/279).

            Idêntica é a posição do Senhor Professor Lebre de Freitas, como bem se vê de folhas 200 do seu Código de Processo Civil Anotado.

            É óbvio, como, aliás, o agravante salienta, que na decisão final do procedimento cautelar se optou pela indemnização simples ou limitada; e nem de outra maneira poderia ser, uma vez que as agravadas requereram, tão-somente, o pagamento dos honorários que lhes foram apresentados pelos seus ilustres mandatários.

            Nesta parte, não há, portanto, quaisquer dúvidas.

            A questão é outra, aquela de que falam os referidos mestres: os honorários haverão de ser considerados em relação a todo o processo ou só ao segmento em que decorrem directamente da má fé?

            Aqui não há como fugir ao teor da decisão final; a indemnização corresponde “aos honorários que as requeridas terão de pagar aos seus mandatários por força do presente procedimento”.

            Bem ou mal, entendeu-se que a má fé atingia todo o processo e não, apenas, uma parte dele, pelo que o exercício – interessante, diga-se – efectuado pelo agravante em torno do dispêndio de tempo com este estrito problema está, inelutavelmente, prejudicado.

            O caso julgado que, nesta medida, se formou obsta a que se reabra a discussão sobre o âmbito de incidência dos honorários.

            O que não significa, no entanto, que a indemnização tenha de corresponder, de forma necessária, ao montante dos que foram apresentados pelos ex.mos mandatários à sua constituinte.

            Voltemos à lei: “se não houver elementos para se fixar logo na sentença a importância da indemnização, serão ouvidas as partes e fixar-se-á depois, com prudente arbítrio, o que parecer razoável, podendo reduzir-se aos justos limites as verbas de despesas e de honorários apresentadas pela parte” (n.º 2 do mencionado artigo 457.º do Código de Processo Civil).

            Daqui se vê que são coisas distintas o âmbito da indemnização e o seu montante; aquele tem de ser a sentença a definir-lhe os contornos; este será decidido ou não pela sentença, consoante os elementos disponíveis. Não os havendo ou sendo insuficientes, impõe-se a respectiva recolha, que até poderá decorrer oficiosamente, para ser tomada, então, posição.

            Assim o esclarece o Senhor Professor Alberto dos Reis: “a apreciação da má fé e a condenação em multa e indemnização não pode o juiz relegá-las para depois da sentença; (…) o que pode e deve deixar para depois da sentença é a fixação do quantitativo da indemnização”, que resolverá, ouvidas as partes e pedidas as informações ou esclarecimentos ou ordenadas as diligências indispensáveis, “usando de prudente arbítrio” (obra citada, página 281).

            Deixado o quantitativo da indemnização para depois da sentença, tem o juiz larga margem de manobra na sua fixação, não estando vinculado aos valores suportados pela parte, ainda que compreendidos no conteúdo da indemnização previamente determinado, até porque a lei lhe faculta o recurso ao prudente arbítrio e à razoabilidade.

            O que quer dizer que, apesar de a sentença ter correlacionado a indemnização com os honorários respeitantes a todo o processo, não é obrigatório que o seu montante seja igual ao efectivamente despendido àquele título.

            Bem vistas as coisas, o despacho agravado também não arbitrou a importância pedida pelas requeridas só porque a sentença fez corresponder a indemnização aos honorários a pagar por esta aos seus mandatários.

            Partiu-se da premissa desenhada na sentença, é certo, como teria de ser, mas não deixou de se considerar a razoabilidade do quantitativo apresentado a título de honorários. Ou seja, não se fixou o valor da indemnização nos honorários realmente pagos pela parte, porque a sentença assim o impusesse, mas porque o montante dos honorários apresentados se revelava equilibrado em face do trabalho prestado.

            A sentença não faz, nem podia fazer, caso julgado quanto ao montante da indemnização, mas somente quanto ao seu conteúdo.

            De modo que a questão se resume, agora, a isto: o quantitativo fixado mostra-se ajustado às circunstâncias do caso?

            Umas breves palavras, em primeiro lugar, acerca dos honorários dos advogados em geral.                

O mandato – no caso dos advogados, é do mandato que se trata, definido pelo artigo 1157.º do Código Civil como o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra – presume-se oneroso, quando tiver por objecto actos que o mandatário pratique por profissão, sendo que a medida da retribuição, não havendo ajuste entre as partes, é determinada pelas tarifas profissionais, na falta destas, pelos usos, e, na falta de umas e outros, por juízos de equidade (artigo 1158.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo diploma).

No caso específico do mandato forense, prevê o n.º 3 do artigo 100.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º 15/05, de 26 de Janeiro, que na fixação dos honorários deve o advogado atender à importância dos serviços prestados, à dificuldade e urgência do assunto, ao grau de criatividade intelectual da sua prestação, ao resultado obtido, ao tempo despendido, às responsabilidades por ele assumidas e aos demais usos profissionais.

O critério, elucida o Senhor Doutor António Arnaut, corresponde, no geral, ao do artigo 65.º do anterior Estatuto, que apontava como princípio geral, a moderação, que se alcançava atendendo ao tempo gasto, à dificuldade do assunto, à importância do serviço prestado, às posses dos interessados, aos resultados obtidos e à praxe do foro e estilo da comarca.

Eliminou-se a referência às posses dos interessados (circunstância que, no entanto, se deve considerar integrada nos demais usos forenses), mas acrescentaram-se mais dois critérios complementares: o grau de criatividade intelectual e as responsabilidades assumidas (Iniciação à Advocacia, 10.ª edição, página 151).  

A moderação, apesar de não plasmada, agora, na lei, continua a funcionar como factor de ponderação, por conduzir à justeza e adequação ao caso concreto, a um correcto ponto de equilíbrio, de modo que os honorários não sejam tão baixos que pareçam ridículos, nem tão altos que possam classificar-se de especulativos (autor, obra e local citados).

No mesmo sentido, o Senhor Doutor Orlando Guedes da Costa, que chama, todavia, a atenção para a circunstância de moderação não significar modéstia, mas, apenas, ausência de exagero (Direito Profissional do Advogado, 6.ª edição, 2008, página 253).

No mais, parece desempenhar papel primordial o tempo gasto[1], que é para o Senhor Doutor António Arnaut o factor mais importante (e que, refere, a jurisprudência recente do Conselho Geral da Ordem, decompõe em duas parcelas: uma, enquanto custos fixos de manutenção e funcionamento da empresa que é o escritório do advogado; outra, enquanto remuneração justa do trabalho directamente investido pelo advogado no assunto que lhe está confiado), em conexão com a complexidade do assunto (obra citada, páginas 153/154).

O Senhor Doutor Orlando Guedes da Costa não valoriza sobremaneira nenhum dos critérios legais, advertindo, até, que os mesmos não são taxativos, mas meramente exemplificativos[2]; nessa medida, relevariam, ainda, além de outros, o esforço e a urgência do serviço, expressamente considerados no Estatuto dos Solicitadores, a reputação do antagonista e a prestação do serviço fora do domicílio profissional ou em férias e fins de semana. E, na esteira de Cunha Gonçalves, entende que o tempo gasto não é tanto o despendido no estudo do assunto, porque depende da ciência e da inteligência de quem presta o serviço, como o tempo em que o escritório do advogado, com custos fixos cada vez mais elevados, esteve na disponibilidade do cliente (obra citada, página 254).

A jurisprudência do nosso mais alto Tribunal tende a considerar preponderantes, tal como o Senhor Doutor António Arnaut, o tempo gasto e a dificuldade do assunto.

Assim decidiu o acórdão de 07.07.2009, que chamou em seu apoio outros arestos do mesmo Tribunal (CJ/STJ, Ano VII, tomo II, página 19).

E, também, o acórdão de 27.04.2006, que não deixou, todavia, de assinalar, citando o acórdão de 13.01.2000 (proferido na Revista 1095/97, 7.ª secção), que, na fixação dos honorários, intervém um momento de discricionariedade, que se não confunde com discricionariedade administrativa, mas se insere num certo sentido civilístico em que deve imperar a boa fé que impregna toda a relação contratual, para além de que haverão de ser levados em conta os custos fixos, elevados, de um escritório de advogado, e, bem assim, os riscos da profissão liberal.

Considerando este núcleo fundamental, mas sem excluir os demais factores enunciados no artigo 100.º do EOA (importância do serviço prestado, dificuldade e urgência do assunto, grau de criatividade, resultado obtido, responsabilidades assumidas e usos profissionais), o que é que os autos demonstram relativamente aos ilustres mandatários das agravadas?

Que elaboraram o articulado de oposição ao procedimento cautelar, peça longa e, poderá dizer-se, exaustiva.

Que intervieram no julgamento, que se prolongou, por, pelo menos, 3 horas e 40 minutos.

Que elaboraram alegações de facto e de direito, peça longa, mais uma vez, e, também, exaustiva.

Que se pronunciaram, em requerimento, pela intempestividade do recurso interposto pela requerente da decisão final do procedimento cautelar.

Que responderam à reclamação da requerente contra o despacho que não admitiu o recurso interposto da decisão final do procedimento.

Que responderam à contestação da requerente ao requerimento de liquidação da indemnização.

Que apresentaram outros requerimentos avulsos.

Que receberam e efectuaram notificações.

Que tiveram de estudar o assunto e de analisar muitas dezenas de documentos (apresentados, seja por si, seja pela parte contrária).

Que elaboraram contra-alegações referentes ao presente agravo.

Perante este quadro factual, não parece constituírem exagero as cerca de 70 horas de trabalho que as requeridas dizem ter sido necessário aos seus mandatários para tratamento do litígio, tanto mais que a questão não é propriamente fácil nem simples.

Dito de outro modo, os critérios de maior relevo na fixação dos honorários (tempo gasto e complexidade do assunto) têm, no caso, alcance muito significativo.

E outro tanto se diga do resultado obtido, que foi favorável à pretensão das requeridas.

Mas será que reflectem a justeza do caso concreto?

Só uma indagação mais ampla, com a qual o incidente previsto no n.º 2 do artigo 457.º do Código de Processo Civil se não compadece, poderia revelá-lo.

É evidente que os honorários não são modestos, como, de resto, as requeridas reconhecem nas suas contra-alegações. Não longe de € 200,00 por hora de trabalho (pese, embora, a afirmação contida nas contra-alegações de que os honorários não são cobrados à hora), é um valor considerável. A dúvida é se não será exagerado para o acompanhamento de um processo, que é, por natureza, rápido (mas urgente, também, o que pesa no montante dos honorários).

Não se questiona a excelente reputação do escritório de advogados que tratou da presente lide, nem os custos fixos de manutenção e funcionamento das instalações, incluindo o pessoal de apoio, que serão certamente muito elevados.

Mas perto de catorze mil euros de honorários por uma acção praticamente do mesmo valor não deixará, muito provavelmente, de aparentar algum excesso.

Daí que, por apelo ao prudente arbítrio e à razoabilidade de que fala o n.º 2 do último preceito referido, se julgue correcto fixar o quantitativo da indemnização abaixo do valor efectivamente cobrado às requeridas.

A verba de € 7.500,00, que representa, ainda assim, metade do valor da acção e um custo por hora superior a cem euros, enquadrar-se-á, porventura, mais adequadamente, no espírito e na letra daquele normativo.

Nesta conformidade, haverá o agravo de ter provimento parcial.

IV. Súmula final:

 

1) O artigo 457.º do Código de Processo Civil prevê duas modalidades de indemnização relativamente à litigância de má fé: uma simples ou limitada, contemplando os danos directamente emergentes do procedimento doloso, outra plena ou agravada, abrangendo tanto os danos directos como os indirectos;

2) Por regra, a indemnização ao abrigo daquele preceito não pode exceder o âmbito processual em que a má fé operou;

3) A sentença final que condena no pagamento de indemnização por litigância de má fé, mas relega para momento ulterior a fixação do respectivo valor, faz caso julgado quanto ao conteúdo da indemnização, mas não quanto ao seu montante;

4) A quantia paga a título de honorários pela parte com direito a indemnização pode sempre ser reduzida, ao abrigo do prudente arbítrio do juiz;

5) Os honorários de advogado devem ser fixados com moderação;

6) O tempo gasto e a complexidade do assunto são os factores de maior relevo no estabelecimento dos honorários.

V. Decisão:

            Por tudo quanto se deixou exposto, acorda-se em conceder provimento parcial ao agravo, reduzindo para € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros) o valor da indemnização pela litigância de má fé, pela qual é responsável (...).

            Custas por agravante e agravadas na proporção do respectivo decaimento.


[1] Que para Cunha Gonçalves, no entanto, é de somenos importância, o tempo de estudo, pelo menos, por depender da ciência e da inteligência do advogado (Tratado de Direito Civil, volume III, página 204).
[2] Neste aspecto, com a concordância do Senhor Doutor António Arnaut (ob. cit., página 154).