Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
291/08.9GATBU.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ESTEVES MARQUES
Descritores: INIBIÇÃO DA FACULDADE DE CONDUZIR
PENA ACESSÓRIA
HABILITAÇÃO LEGAL PARA CONDUZIR
Data do Acordão: 09/22/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE TÁBUA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: 40º,69º, 71º E 291º DO CP.
Sumário: 1.Deve ser aplicada pena acessória de proibição de conduzir veículos como motor a agente que seja condenado pela prática do crime p.e p. pelo artigo 291º doCP, independentemente de estar ou não legalmente habilitado a conduzir aqueles veículos.
Decisão Texto Integral: RELATÓRIO

            Em processo comum singular do Tribunal Judicial de Tábua, o arguido V, foi submetido a julgamento, tendo sido condenado em cúmulo jurídico, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artº 3º nº 1 do Dec. Lei 2/98, de 3 de Janeiro e um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo artº 291º nº 1 b) CP, na pena de 260 dias de multa, à taxa diária de 5,50 Euros.

            Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso da sentença, no segmento em que se decidiu não aplicar ao arguido a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, e em cuja motivação produziu as seguintes conclusões:

            A) A não aplicação da pena acessória de proibição de conduzir, prevista no art. 69°, n. ° 1, al. a) do Código Penal só encontrava justificação legal se o arguido tivesse sido apenas condenado pela prática de crime de condução sem habilitação legal questão pacífica na doutrina e jurisprudência desde a alteração introduzida na norma pela Lei nº 77/2001, de 13 de Julho.

            B) Tendo o arguido sido condenado pela prática do crime de condução sem habilitação legal, p. p. pelo art. 3°, n. ° 1 e 2 do Decreto-Lei nº 2/98, de 3/1 e do crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. p. pelo art. 291°, nº 1, al. a) do Código Penal, deveria o mesmo ter sido igualmente condenado na pena acessória de proibição de conduzir, também indicada em sede de acusação, por força da imputação deste último tipo de ilícito.

            C) Com efeito, o legislador, ao estabelecer esta punição a título de pena acessória, não distingue as situações em que o condutor está habilitado para conduzir daquelas em que não está, não podendo o intérprete, sem o mínimo de correspondência no texto da lei, proceder a tal distinção, sob pena de violação do disposto no art. 9° do Código Civil (ex vi do art. 4° do Código de Processo Penal) criando uma injustificada e incoerente desigualdade.

            D) Tal entendimento beneficiaria aqueles que, em vez de um, praticam dois ilícitos criminais, constituindo o cometimento do crime previsto no art. 3° do Decreto-Lei nº 2/98 um mecanismo de afastamento da condenação na pena acessória prevista para a condenação por outros ilícitos, com frustração dos objectivos de prevenção geral e especial ínsitos nessa pena.

            E) Assim é pois as penas acessórias, embora possam actuar também ao nível da prevenção da perigosidade, constituem verdadeiras penas, com a particularidade de estarem formalmente dependentes da pena principal e de serem material ou substancialmente condicionadas à existência de um particular conteúdo de ilícito que justifica a censura adicional ínsita na sua aplicação.

            F) De facto, embora esta pena vise também prevenir a perigosidade do agente não é essa a sua finalidade principal, sob pena de se confundir com a medida de segurança do art. 101 ° do Código Penal, para a aplicação e determinação concreta da qual estão em causa apenas exigência relacionadas com a perigosidade do agente.

            G) Excluir a protecção especial que se visa conferir com a pena acessória pelo facto de o arguido, além dos crimes previstos no art. 69°, n. ° 1, al. a) ter cometido também o crime de condução ilegal, não faz, pois, qualquer sentido.

            H) Acresce que o art. 126°, nº 1, al. d) do Código da Estrada, ao impedir que se atribua título de condução a quem se encontrar a cumprir proibição ou inibição de conduzir, só se compreende quando se aplica a mencionada pena acessória a quem não é titular de tal título.

            I) O mesmo sucedendo com o registo de infracções de não condutores que, nos termos do art. 4°, nº 1, al. e) do Decreto-Lei n° 98/2006, de 6 de Junho contempla as situações de "condenação por crime praticado em território nacional, no exercício da condução, por pessoa não habilitada para a condução".

            J) No mais, também o art. 101° do Código Penal, relativo à cassação do título e interdição da concessão do título de condução de veículo com motor, como medida de segurança faz referência, no seu nº 4, ao agente condenado por crime praticado na condução de veículo com motor ou com ela relacionado, que não seja titular de título de condução.

            K) Ou seja, também razões de interpretação sistemática e coerência normativa impõem a condenação na pena acessória de proibição de conduzir em situações como a dos autos.

            L) E a tal não obstam as questões atinentes à execução da pena, que se cumprirá com a comunicação ao IMTT e o decurso do prazo de inibição a partir do trânsito em julgado da decisão. Nem o argumento de que a comunicação da extinção da pena acessória configura como que um "convite" à prática do ilícito, pois bem sabe o arguido, até porque por isso foi também condenado, que a ausência de habilitação, enquanto subsistir, o impede de conduzir, sob pena de cometimento de um novo ilícito criminal.

            M) Nem o argumento de que a comunicação da extinção da pena acessória configura como que um “convite” à prática do ilícito, pois bem sabe o arguido, até porque por isso foi também condenado, que a ausência de habilitação, enquanto subsistir, o impede de conduzir, sob pena de cometimento de um novo ilícito criminal.

            N) E nenhuma incoerência existe face às situações suspensão da execução de penas de prisão com a condição de tirar a carta pois tais hipóteses apenas terão cabimento quando o único crime em que o arguido é condenado é precisamente o de condução sem habilitação legal e, nesta hipótese, qualquer que seja a pena principal, nunca se aplicará a pena acessória em referência.

            O) Impunha-se, assim, condenar o arguido na pena acessória contemplada no art. 69° do Código Penal, atendendo às exigências de prevenção geral e especial existentes no caso como critérios para a fixação da sua medida concreta (cfr. arts. 40° e 71 ° do Código Penal).

            P) Pelo exposto, salvo melhor opinião, e sempre com muito respeito pela decisão recorrida, decidindo como decidiu, a Mmª Juiz do Tribunal a quo não fez uma correcta interpretação da lei, violando o disposto no art. 69°, n. ° 1 do Código Penal. “.

            Não foi apresentada resposta.

            Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto conclui que o recurso merece provimento.

            Foi dado cumprimento ao disposto no artº 417º nº 2 CPP.

            Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

FUNDAMENTAÇÃO

                       

            A questão suscitada no presente recurso consiste em saber se, tendo o arguido sido condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artº 3º nº 1 do Dec. Lei 2/98, de 3 de Janeiro e de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário p. e p. pelo artº 291º nº 1 a) do CP, lhe deve ou não ser aplicada a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados com fundamento no artº 69º nº 1 a) CP.

            Como decorre da sentença a Srª juiz entendeu que tal pena acessória não lhe era aplicável, fundamentalmente porque o arguido não era titular de carta de condução.

            Mas não lhe assiste razão.

            Aliás sobre tal matéria, já este relator e Exmº Adjunto se pronunciaram no Acórdão desta Relação datado de 10.04.21, pº 211/09.3GBNLS.C1, pelo que seguiremos aqui de perto a argumentação dele constante.

            Estabelece o artº 69º nº 1 a) CP que é condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido por crime previsto nos artigos 291º ou 292º.

            Desde logo decorre daqui que a lei prevê a aplicação da pena a todos aqueles que forem punidos pela prática dos referidos crimes, independentemente de serem ou não portadores de título de condução, pois a lei não distingue.

            Por outro lado estabelece-se no artº 126º nº 1 d) CE que para obter o título de condução, é requisito que “ não esteja a cumprir proibição ou inibição de conduzir ou medida de segurança de interdição de concessão de carta de condução”.

            Ora se o legislador previu a possibilidade daquele que pretende obter a carta de condução estar a cumprir a proibição ou inibição, é porque admitiu a sua aplicação.

            Como escreve Germano Marques da Silva[1] “ A pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pode ser aplicada a agente que não seja titular de licença para o exercício legal da condução; o condenado fica então proibido de conduzir veículo motorizado, ainda que entretanto obtenha a licença”.

            Deste modo a necessidade de aplicação mesmo para os não titulares de licença de condução, obsta a um tratamento desigual que adviria da sua não punição[2].

            É que se assim não fosse violar-se-ia o princípio constitucional da igualdade.

            Daí que se imponha a aplicação ao arguido da referida pena acessória, tendo em conta a prática do crime de condução perigosa de veículo.

            Há pois que encontrar a respectiva medida concreta dessa pena.        

            Como é sabido para graduar quer a pena principal quer a pena acessória deve atender-se à culpa, às exigências de prevenção (geral e especial), bem como a todas as circunstâncias que depuserem a favor ou contra o arguido (artºs 40º nº 1 e 71º do CP).

            Assim sendo e tendo em consideração as exigências de prevenção geral – frequência com que este tipo de infracções se tem vindo a verificar e a sua forte influência na elevada taxa de sinistralidade rodoviária, o grau de ilicitude do facto, que assume gravidade elevada;

            Considerando igualmente ter o arguido agido livre e conscientemente, bem sabendo que lhe estava vedada tal conduta e que incorria em responsabilidade criminal;

            A ausência de antecedentes criminais;

            Que em seu favor temos fundamentalmente a circunstância de estar inserido familiar e profissionalmente e a confissão dos factos;

            Entende-se que o mesmo deve ser condenado em seis meses de proibição de conduzir veículos motorizados.

           

DECISÃO

            Pelo exposto e sem necessidade de mais considerações, acordam os Juízes desta Relação, em conceder provimento ao recurso, alterando-se a decisão recorrida, à qual se adita a pena acessória de seis meses de proibição de conduzir veículos motorizados.

            Sem tributação.

            Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (artº 94º nº 2 CPP)

            Tribunal da Relação de Coimbra, 22 de Setembro de 2010.


Esteves Marques
Jorge Dias


[1] Crimes Rodoviários, Pena Acessória e Medidas de Segurança, pág. 32.

            [2] No mesmo sentido, entre outros, AcRE 01.05.29, CJ 3/01, 285, AcRC de 02.05.29, CJ 3/02, 47, AcRC 06.05.24, CJ 3/06, 49, AcRL 06.05.17, CJ 3/06, 135, AcRP 06.11.29, CJ 5/06, 213, AcRC 06.10.11, CJ 4/06, 43 AcRL 07.09.19, CJ 4/07, 138.