Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
6/11.4EASTR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CACILDA SENA
Descritores: EXPLORAÇÃO ILÍCITA DE JOGO
MÁQUINA DE JOGO
Data do Acordão: 01/14/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: OURÉM
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 108.º DO DL 422/89, DE 02-12
Sumário: Integram jogos típicos de fortuna e azar, integradores do crime p. e p. no artigo 108.º, n.º 1, da Lei 422/89 de 02-12, os realizados nos seguintes contextos:
- Na máquina “Grand Prix”, que atribui pontos às jogadas premiadas, que oscilam entre 1 e 200, registados no mostrador e acumulados, sucedendo-se automaticamente as jogadas até se esgotarem os créditos provenientes das moedas introduzidas. No final, havendo créditos acumulados, o jogador poderá solicitar ao explorador a quantia monetária que lhe corresponde (1 ponto/1 €) ou, diversamente, premir o botão que lhe concede bónus de duas jogadas por cada crédito ganho, continuando o jogo;

- Na máquina “Playcenter Evolution III”, a qual arranca com o código fornecido pelo explorador, e, uma vez accionada a própria máquina, é seleccionado um jogo, tendo como objectivo combinações de símbolos premiados, de acordo com a tabela de prémios fornecida pelo mostrador, e que dependem exclusivamente da sorte. Depois de o jogador concretizar a aposta, e accionar o botão “iniciar”, surge a simulação de uma máquina de rolos, que se imobiliza ao fim de algum tempo, assinalando a máquina a combinação de símbolos com direito a prémio, que se acumulam, permitindo jogadas sucessivas até se encontrarem esgotados os créditos ou o jogador pedir ao explorador a sua conversão no valor correspondente aos pontos acumulados.

Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na 5ª secção, criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra:

 

I – Relatório

No processo supra referido, foram submetidos a julgamento A...; B...e C..., todos melhor identificados nos autos, vindo a final a proferir-se a seguinte decisão:

1. Condenar os arguidos A... e C... pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de exploração ilícita de jogo, previsto e punido pelo artigo 108.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 422/89, de 02.12, alterado pelo Decreto-Lei n.º 10/95, de 19.01, pela Lei n.º 28/2004, de 16.07, pelo Decreto-Lei n.º 40/2005, de 17.02, e pela Lei n.º 64-A/2008, de 31.12, na pena cumulativa, cada um, de 3 meses de prisão e 90 dias de multa, à razão diária de € 5,50 e € 9,00, respectivamente;

2. Condenar a arguida B...pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de exploração ilícita de jogo, previsto e punido pelo artigo 108.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 422/89, de 02.12, alterado pelo Decreto-Lei n.º 10/95, de 19.01, pela Lei n.º 28/2004, de 16.07, pelo Decreto-Lei n.º 40/2005, de 17.02, e pela Lei n.º 64-A/2008, de 31.12, na pena cumulativa de 2 meses de prisão e 60 dias de multa, à razão diária de € 6,00;

3. Substituir as penas de prisão aplicadas, respectivamente, por 90 e 60 dias de multa, à razão diária de € 5,50 (arguido A...), € 6,00 (arguida B...) e € 9,00 (arguido C...);

4. Em acumulação material, condenar os arguidos A... e C... na pena única de 180 dias de multa, à razão diária de € 5,50 e € 9,00, respectivamente, e a arguida B... na pena única de 120 dias de multa, à razão diária de € 6,00;

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Desagradados com o decidido, vieram todos os arguidos recorrer, fazendo-o os dois primeiros em conjunto, e o arguido C... em separado, diferindo as conclusões extraídas por este apenas nas partes em que se reportam pessoalmente a cada um dos arguidos, não constando das conclusões formuladas pelo terceiro arguido a arguição de nulidade que consta infra a conclusão b), sendo em tudo o mais perfeitamente idênticas as questões levantadas, razão pela qual se reproduzem apenas aquelas apresentadas em 1º lugar.

a) O presente recurso versa sobre matéria de facto e de direito;

b) A douta sentença recorrida é nula por violação do nº2 do artº 374º do CPP e al. a) do nº1 do artº 379º do CPP, pois em momento algum dá como provada a exploração do estabelecimento V (...) por banda dos recorrentes, nem faz uma apreciação das circunstâncias de tempo, modo e lugar em que ocorre essa dita exploração e em consequência dos equipamentos apreendidos à ordem destes autos. A douta sentença recorrida omite por completo as circunstâncias e os factos que conduzem à verificação do elemento objectivo do tipo de crime. Não é imputado aos recorrentes a exploração de qualquer estabelecimento, nem ao recorrente A..., nem à recorrente B..., apesar de existir na douta sentença recorrida uma leve precisão à exploração dos equipamentos por banda destes, mas sem qualquer correspondência com a fixação de matéria de facto que possa circunscrever como era realizada essa exploração desses equipamentos. O facto 40 aflora essa questão da exploração dos equipamentos, mas não explica, nem dá como provado, nem conta de qualquer outro facto da decisão de facto provada como era realizada essa dita exploração.

c)  Os pontos nºs 1 a 12 e 13 a 43 (excepção feita aos artigos 38, 39 e 42 que não se referem aos recorrentes) da decisão de facto devem ser dados como não provados (relativamente ao recorrente C... pontos 1 a 12 e 13 a 43 - excepção feita ao artigo 41º que não se refere ao recorrente)

d) A sentença recorrida violou o artº 108º nº1e 2 do DL 422/89; 127º do CPP e artº 374º do CPP.

e) A sentença recorrida utiliza a perícia para qualificar os jogos de “grande prix” e “palycenter” como fortuna ou azar e em simultâneo utiliza as regras da experiência como para imputar aos recorrentes o conhecimento desse mesmo jogo, sendo que tal utilização destes meios é em si contraditória e violadora dos princípios in dubio pro reo, da presunção de inocência e do artº 6 da DUDH.

f) A sentença recorrida erra quanto à qualificação do jogo denominado “grand prix” já que qualifica tal jogo como de fortuna ou azar, quando na realidade tal jogo deve ser qualificado como modalidade afim de fortuna ou azar, e neste sentido os Acs do Venerando Tribunal da Relação do Porto de 26/10/1994, e de 14/7/1999, in www.dgsi.pt; uma modalidade de jogo de fortuna ou azar exactamente igual à dos presentes autos, sendo este Douto aresto muito esclarecedor acerca desta matéria; Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, nos Recursos nºs 7974/98, da 3ª secção de 11/10/2000, Rec. 4140/97, 3ª Secção, de 12/11/1997, Rec. 442/96, 3ª secção de 29/10/1997 e de entre muitos outros 9689/04, da 3ª Secção, de 16/02/2005. E com maior expressividade e clareza o mais recente Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 02/02/2011, no âmbito dos autos 21/08.5FDCBR.C2 da 5ª secção e bem assim a decisão sumária da 3ª secção do tribunal da Relação de Lisboa no âmbito dos autos nº 372/07.6PHLRS. L1.

g) No que toca aos factos 13 a 43 (excepção feita aos artº 38, 39 e 42 que não se reportam ao recorrente) e quanto ao equipamento denominado “playcenter” devem tais factos serem considerados não provados, pois o depoimento/versão das testemunhas asa e D... e E... não referem quaisquer factos integradores do conhecimento dos equipamentos pelo recorrente A..., tanto mais que o facto provado 19 dá-se como provado que “alguém” enviou uma mensagem via telefone móvel para a arguida B... com um código dirigido a esse equipamento, mas não se cuidou de investigar qual a origem dessa mensagem, nem se provou que a dita mensagem tivesse sido alcançada pela recorrente B.... (relativamente ao recorrente C..., pontos 13 a 43 (excepção feita ao facto provado 41)

h) Ainda quanto a estes factos 13 a 43 (excepção feita aos 38, 39 e 42) dos depoimentos das testemunhas E... e D... não se extrai qualquer facto integrador do conhecimento do teor ou qualidade dos equipamentos por banda do recorrente A..., pelo que está por provar o conhecimento do recorrente A... no que toca ao elemento subjectivo do tipo de crime de exploração de jogos de fortuna ou azar. Quanto à recorrente B..., somente se dá como provado que a mesma recepcionou uma mensagem com um código que depois a colocar em funcionamento o equipamento e do software que compõem (ao alcance de um perito, tal qual entende necessário o titular do inquérito e o Douto julgador). (idem)

i) Foram igualmente violados os princípios da presunção de inocência da recorrente e o in dúbio pro reo, pois sem prova cabal e que a tal decisão conduza, decide-se condenar os recorrentes pela prática do crime de que vêm acusados e condenados, não se cuidando de analisar a conduta dos recorrentes no que toca à eventual prática dos ilícitos constantes dos artºs 159º e seguintes do DL 422/89, por referência ao equipamento denominado “grand prix”.

j) Entendem os recorrentes dever serem renovadas as seguintes provas: prova testemunhal das testemunhas E... e D... e reexame das perícias.

Terminam este enxundioso e fastidioso arrazoado pedindo revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que decrete as respectivas absolvições.

Os recursos foram recebidos.

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O Digno Magistrado do Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu ao recurso, defendendo que a sentença não padece de qualquer vício e que deve ser mantida.

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Já nesta Relação para onde os autos de recurso foram entretanto enviados, o Exmo Procurador Geral Adjunto, emitiu parecer em idêntico sentido.

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Questões a decidir:

É consensual quer na doutrina quer na jurisprudência que são as conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação que delimitam os poderes de cognição do tribunal de recurso, sem prejuízo do conhecimento oficioso das nulidades e vícios a que se reporta o artº 410º do CPP.

Pois bem, das prolixas conclusões supra descritas resulta que o recorrente recorreu de facto e de direito.

1. Omissão de pronúncia relativamente á qualidade em que os dois primeiros arguidos exploravam as máquinas:

2. Impugnação da matéria de facto:

3. Classificação do jogo proporcionado pelas máquinas exploradas pelos arguidos, como jogos de fortuna e azar.

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A sentença recorrida julgou os seguintes,

Factos provados:

1. No dia 17.01.2011, pelas 14h10m, no interior do estabelecimento comercial denominado “Café V (...)”, sito em Vilar dos Prazeres, Ourém, encontrava-se uma máquina electrónica tipo roleta electrónica, com a designação “Grand Prix”, com móvel portátil e estrutura em aglomerado de madeira, sem qualquer referência exterior quanto à origem ou fabricante.

2. A referida máquina possui, na parte frontal, um papel protegido por vidro acrílico e, na base, encontra-se um compartimento, fechado e sem acesso do exterior para exposição de miniaturas de automóveis.

3. Na zona lateral direita da referida máquina existe um dispositivo de introdução e eventual devolução de moedas de € 0,50, € 1,00 e € 2,00.

4. Ao lado do referido dispositivo está instalado um pequeno botão que permite atribuir um bónus ao jogador dando-lhe a possibilidade de efectuar duas jogadas por conta dos pontos ganhos, arriscando apenas um desses créditos.

5. Na parte lateral esquerda situam-se dois parafusos metálicos, sendo que o contacto de ambos com um objecto metal, ou outro qualquer material condutor, permite fazer “reset”, isto é, desmarcar os créditos obtidos no decurso das jogadas.

6. Na parte traseira, sobre uma porta de acesso ao mecanismo interior, visualiza-se um interruptor que permite ligar/desligar a máquina, uma tomada de alimentação à corrente eléctrica e, na base, encontra-se o cofre.

7. Ao centro do painel observa-se a imagem de uma pista de corrida de automóveis composta por um número indeterminado de leds/pequenas lâmpadas, encontrando-se oito deles destacados dos restantes, com pequenas circunferências, e identificados com os números 1, 50, 2, 100, 5, 20, 200, 10.

8. Quando a luz se imobiliza num dos pontos numerados, com direito a prémio, toda a pista se ilumina assinalando a jogada premiada, aparecendo de imediato na janela digital, localizada no interior da pista, o número de pontos/créditos atribuídos.

9. No exterior da referida pista, do lado direito, encontra-se uma outra janela digital que contabiliza os créditos provenientes das moedas introduzidas.

10. Após a introdução de uma moeda, automaticamente, os leds que formam a pista de automóveis iluminam-se sequencialmente, executando um movimento giratório, que termina no momento em que apenas um deles permanece aceso, e aí pode acontecer uma de duas situações:

a. O led que permanece iluminado corresponde a um dos oito identificados com números e, neste caso, o jogador terá direito aos créditos correspondentes, que oscilam entre 1 e 200 (€ 1,00 a € 200,00), esses pontos são registados, bem como os créditos acumulados ganhos nas várias jogadas premiadas no display/mostrador central, os quais, após pagos, pelos arguidos, são iluminados através dos dois parafusos metálicos instalados para o efeito;

b. O led em que se fixa a luz não se encontra destacado dos restantes, nem identificados com nenhum número, pelo que o jogador não terá direito a qualquer prémio.

11. Em ambas as situações as jogadas sucedem-se, automaticamente, até se esgotarem os créditos provenientes das moedas introduzidas.

12. No final, se houver pontos acumulados, o jogador poderá solicitar ao explorador a quantia monetária que lhes corresponde ou poderá premir o botão que lhe concede um bónus de duas jogadas por cada crédito ganho.

13. Para além da supra descrita máquina, encontrava-se no interior do referido estabelecimento comercial no mesmo dia e hora uma outra máquina electrónica com a designação “Playcenter Evolution III”, tipo vídeo, com ecrã táctil (touch screen), multijogos.

14. A máquina encontra-se inserida num móvel de grandes dimensões, com estrutura em contraplacado de madeira e metal.

15. Na parte superior do painel frontal, sob a designação, possui um orifício para uma câmara instalada no interior e no canto superior direito localiza-se o dispositivo para introdução e eventual devolução de moedas que comunica com o respectivo cofre.

16. No interior, sob o ecrã vídeo, encontra-se o computador responsável pela execução das instruções e pelo controlo do sistema, bem como o disco rígido que funciona como suporte dos jogos que a máquina desenvolve.

17. Para colocar em funcionamento a máquina referida é necessário que o jogador, por toque de dedo no ecrã, efectue as marcações pretendidas, dispensando a utilização de botões.

18. Após o arranque, surge no ecrã o menu principal de jogos com quatro temáticas possuindo cada uma delas, instalados no disco duro, os jogos listados, sendo que a alguns apenas era possível aceder com a introdução de um código que mudava mensalmente, sendo o de Janeiro de 2011 o código “CDFCDDED”.

19. O referido código foi enviado por pessoa que não foi possível identificar por sms para o telemóvel da arguida B....

20. Ao introduzir na máquina aquele código, através de um teclado alfanumérico que surgiu depois de tocar em “WOR”, no dia 17 de Janeiro de 2011, pelas 14h10m, foi activado o jogo “HALLOWEEN”.

21. O referido jogo é um jogo de videojogos cujo objectivo consiste em obter combinações de símbolos premiados de acordo com a respectiva tabela de prémios dependentes exclusivamente da sorte.

22. O sistema proporciona apostas em vinte combinações possíveis sendo visíveis as referidas linhas em função do número de apostas.

23. Após decisão do número de créditos que se pretende apostar numa jogada, o jogador pode accionar o botão, que se encontra no lado direito da base do ecrã, com os dizeres “INICIAR”.

24. De imediato, as cinco colunas que se encontram ao centro do ecrã começam a deslizar, de cima para baixo, simulando o funcionamento de uma máquina de rolos, sem qualquer acção do jogador, imobilizando-se, ao fim de algum tempo, aleatoriamente, podendo ocorrer uma de duas situações:

a. Os símbolos formam uma combinação premiada e o jogador tem direito ao valor de pontos correspondentes, sendo estes acumulados no campo com a menção “PRÉMIO”, que seria, após, convertido, em dinheiro ou coisa com valor económico, pelos arguidos;

b. Os símbolos não formam qualquer combinação com direito a prémio e a jogada termina.

25. O objectivo do jogo, tal como nas slot machines dos casinos, mediante o arriscar de créditos e a simples pressão do referido “botão” no ecrã, é o de conseguir combinações premiadas previstas no plano de prémios apresentado na máquina.

26. No disco rígido da referida máquina estava também o registo da linha de código referente aos jogos “JOLLY”, “MULTIGAME” e “NEWGAME”.

27. Esses três jogos são jogos de vídeo-póquer cujo objectivo é o de conseguir combinações premiadas tais como: sequência real, sequência numérica, sequência de cor, fullen, trios, pares e outras previstas no póquer.

28. Para começar o jogo é necessária a introdução de créditos e, de seguida, é escolhido o valor que se quer apostar por jogada.

29. Através do accionamento do botão de início (“start, draw cards, deal”) dá-se início ao jogo, surgindo, em simultâneo e de forma aleatória e dispostas em linha no centro do ecrã, cinco cartas de face visível.

30. Cada uma destas cartas pertence a um baralho convencional, podendo aparecer qualquer uma das 52 cartas ou o Joker que, para efeito de combinações, substitui qualquer carta.

31. O jogador pode, nesta fase do jogo e se assim o pretender, fixar algumas das cartas de modo a tentar aumentar a probabilidade de obter uma sequência premiada (“stop”, “hold”, “held”).

32. De seguida, dá-se o prosseguimento da jogada, aparecendo novas cartas em detrimento daquelas que não foram fixadas, podendo acontecer uma de duas situações:

a. A combinação que saiu não é premiada e a jogada termina; ou

b. A combinação é premiada, sendo dada ao jogador a opção de decidir entre fazer a recolha dos pontos obtidos ou duplicar os créditos ganhos, ou seja, fazer a dobra.

33. No jogo “JOLLY” e “NEWGAME” o jogador terá de apostar no maior “Alta/Big” – conjunto de cartas altas – Reis, Dama, Valete, Dez, Nove e Oito – ou no pequeno “Bassa/Small” – conjunto de cartas baixas – Seis, Cinco, Quatro, Três, Dois e Ás.

34. No jogo “MULTIGAME” é dada a opção ao jogador de decidir entre fazer a colecta dos pontos obtidos (“No”), dobrar metade (“Half”) ou ainda duplicar os créditos ganhos (“Yes”), ou seja fazer a dobra do total ganho.

35. Caso o jogador decida arriscar a dobra, terá de apostar numa carta de valor sempre superior à carta que aparece ao centro, tocando nos quadrados assinalados com um X.

36. Se sair uma carta de valor superior, o jogador duplica os créditos apostados, caso contrário perderá tudo e a jogada termina.

37. Em todos estes três jogos, o objectivo, tal como no vídeo-póquer, é o de conseguir combinações premiadas, tais como: sequência real (Ás-Valete-Dama-10, do mesmo naipe), sequência numérica, sequência de cor, fullen, trios, pares, etc., tudo dependente da sorte, independentemente da perícia e/ou destreza do jogador.

38. As máquinas supra referidas pertenciam à sociedade F (...), LDA., de que o arguido C... era o único gerente.

39. Nessa qualidade, o arguido C... colocou as referidas máquinas à exploração no estabelecimento comercial acima identificado, repartindo o lucro obtido com tal exploração.

40. Assim, agiram os arguidos, com o propósito, concretizado, de explorar economicamente o funcionamento das máquinas que tinham e colocavam à exploração perante o público, num local legalmente não autorizado, bem sabendo que os resultados em nada dependiam da perícia e destreza dos jogadores que se disponibilizassem a nela jogar, apostando dinheiro, na esperança aleatória de ganhar um prémio maior – em dinheiro ou coisas com valor económico –, sendo o resultado contingente e dependente única e exclusivamente da sorte.

41. Os arguidos A... e B... agiram de forma livre, voluntária e consciente, bem conhecendo a natureza e as características das máquinas que exploravam, com intenção de obterem, com a exploração das respectivas máquinas, proventos económicos.

42. O arguido C..., bem conhecendo a natureza e tipo de máquinas que entregou aos arguidos, actuou de forma livre, voluntária e consciente, com intenção de obter proventos económicos.

43. Os arguidos sabiam que a sua conduta era proibida e punida criminalmente.

44. O arguido A... é divorciado, está desempregado, vive em casa dos pais com a mãe e tem inscritos no serviço de finanças a seu favor os bens imóveis identificados a fls. 366-368.

45. A arguida B... é solteira, tem três filhos – de 20, 16 e 11 anos de idade – e vive com o companheiro e os dois filhos mais novos em casa arrendada pela qual pagam € 250,00 mensais de renda; tem o 6.º ano de escolaridade, está desempregada, recebe todos os meses € 406,00 a título de subsídio de desemprego e o companheiro aufere cerca de € 485,00 por mês pelo seu trabalho numa fábrica de tinta; os filhos menores recebem € 200,00 a título de alimentos.

46. O arguido C... é solteiro, vive sozinho em casa própria, tem o 12.º ano de escolaridade, é gerente comercial, ganha € 900,00 por mês e paga uma prestação de empréstimo para habitação no valor de € 280,00 mensais.

47. Os arguidos não têm antecedentes criminais.

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Inexistem factos não provados.

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Motivação da decisão de facto

A convicção probatória do tribunal fundou-se nas declarações dos arguidos B... e C..., nos depoimentos das testemunhas, nos exames periciais das máquinas em questão e nos documentos juntos, como se passa a expor.

No que concerne às circunstâncias de tempo e lugar descritas na acusação e, bem assim, às características, ao modo de funcionamento, à localização e ao proprietário das máquinas em causa, o tribunal atendeu, desde logo, ao auto de notícia e apreensão de fls. 23-25, aos documentos de fls. 26-30, à certidão de registo comercial da sociedade F (...), LDA. de fls. 158-162 e, ainda, aos depoimentos prestados de forma séria, objectiva, desinteressada e coerente e, como tal, credível, das testemunhas ouvidas em audiência, inspectores da ASAE que, por terem participado na acção de fiscalização em apreço e observado uma das máquinas em funcionamento, puderam descrevê-las, assim como o estabelecimento onde se encontravam, e explicar que as mesmas estavam acessíveis ao público. Essenciais para a formação da convicção do tribunal quanto às características das máquinas foram também os relatórios periciais realizados e juntos aos autos a fls. 122-123-v e 124-132.

No que respeita às pessoas que beneficiavam do aproveitamento das máquinas apreendidas, as testemunhas ouvidas em audiência referiram que no ticket extraído da caixa registadora do “Café V (...)” constava a identificação do arguido A... e que a respectiva licença foi emitida em seu nome, pelo que não ficaram dúvidas de que este explorava o estabelecimento. Considerando a prova produzida, o mesmo se pode dizer, numa perspectiva material, da arguida B.... Com efeito, segundo aquelas testemunhas, foi esta quem activou uma das máquinas, para o que solicitou ao fornecedor, via mensagem de texto, o código de activação, revelando conhecimento sobre o funcionamento do equipamento e diligência no seu manuseamento. Por outro lado, de acordo com a testemunha E..., que já havia estado no local, a arguida movimentava-se com desenvoltura no estabelecimento, evidenciando exercer as actividades geralmente relacionadas com a sua gestão. Acresce que, como se infere da prova produzida, vivendo na altura os arguidos A... e B... como marido e mulher, é razoável concluir, à luz das regras de experiência comum, que ambos retiravam os proventos económicos resultantes da exploração do estabelecimento. Assim, logrou-se o convencimento de que estes arguidos exploravam em conjunto as máquinas descritas na acusação.

Por sua vez, não obsta a esta conclusão a circunstância de as máquinas, no momento da inspecção, não estarem em funcionamento e de uma delas não estar ligada à corrente eléctrica, uma vez que, como adiante melhor se verá, aquando da explanação dos elementos típicos do crime em apreço, o termo “exploração” envolve a ideia de desenvolvimento de actividade económica com vista à obtenção de lucros, pelo que, estando a exploração inserida, como sucede in casu, no âmbito de uma actividade empresarial, ela ocorrerá independentemente de em cada momento a máquina de jogo estar a ser usada ou não. Por conseguinte, a exploração da máquina basta-se com a sua colocação em lugar acessível ao público e em condições de ser utilizada pelos eventuais interessados, independentemente de em cada momento se encontrar ou não ligada e de uma utilização concreta comprovada. Ora, no caso em análise, verifica-se que o equipamento estava exposto em lugar onde podia ser utilizado e apto a funcionar e que a máquina não ligada à corrente eléctrica foi facilmente activada. De resto, mal se compreenderia a permanência de máquinas deste género, com as aludidas características, num estabelecimento comercial onde se visa o lucro, sem qualquer utilidade, isto é, sem se destinar a exploração.

A factualidade mencionada em 40 a 43, porque insusceptível de prova directa, extrai-se da conjugação da factualidade objectiva apurada com as regras de experiência comum, com base em presunção natural. O dolo é comprovável por presunções ligadas ao princípio da normalidade, ou regras gerais da experiência, as quais, no caso concreto, atendendo à circunstância de os arguidos A... e B... explorarem economicamente um estabelecimento de Café, onde é normal serem instalados apetrechos de diversão destinados a distrair os clientes e de o arguido C... ser empresário do ramo da “exploração e exibição de videogramas, aluguer de equipamento informático e tempo de acesso à internet, importação, exploração e comércio a retalho e por grosso de videojogos, software lúdico e equipamentos para a mesma área” (cfr. a certidão de registo comercial a que supra se aludiu), é seguro dizer-se que os arguidos tinham consciência das características dos jogos em questão e que era sua vontade obter os proventos que deles adviessem. Pelas mesmas razões, é natural concluir-se que os arguidos estavam informados sobre a legislação do sector e que, por isso, conheciam a proibição ou que, ainda que desconhecessem a concreta norma restritiva, tinham uma consciência da ilicitude material. Na verdade, se aos arguidos não se poderia exigir que conhecessem a legislação proibitiva da exploração de máquinas de jogo, já em princípio lhes seria exigível que sobre essa proibição se informassem, tanto mais que o “homem médio” está ciente da proibição deste género de jogos fora dos casinos. Esta asserção é reforçada, no caso do arguido A..., pela sua reacção à acção inspectiva, relatada em audiência por E....

Relativamente às condições pessoais e económicas dos arguidos, o tribunal atendeu às declarações prestadas pelos arguidos B... e C..., aos resultados das pesquisas de fls. 359-360 e 365-368 e ao inquérito social sumário de fls. 369-370.

A ausência de antecedentes criminais resulta da análise dos certificados de registo criminal juntos aos autos.

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Conhecimento do recurso:

Nulidade por omissão de pronúncia:

Nulidade da sentença por omissão de pronúncia relativamente á qualidade em que os dois primeiros arguidos exploravam as máquinas:

Supra al b) dos factos provados:

Ao que se entende, a arguição deste vício ficou a dever-se à diferença de redacção entre a acusação/pronuncia e a sentença

Apesar de a acusação não constar expressamente que eram estes arguidos quem explorava o café “et pour cause” as máquinas nele colocadas pelo arguido C..., essa exploração por parte dos arguidos A... e B..., depreende-se art.º 39, conexionado com o artº 38º, que têm o seguinte teor:

38º As máquinas supra referidas pertenciam à sociedade Fine Games – exploração e exibição de videogramas, Lda., de que o arguido C... era o único gerente”

39º “Nessa qualidade ao arguido C... colocou as referidas máquinas à exploração no estabelecimento comercial dos arguidos A... e B..., repartindo o lucro obtido com tal exploração.

Ora, apesar de o artº 38 passar de forma integral para o ponto 38 dos factos provados, o ponto 39 quedou-se pela seguinte redacção:

“Nessa qualidade, o arguido C... colocou as referidas máquinas à exploração no estabelecimento comercial acima identificado, repartindo o lucro obtido com tal exploração”

Percebe-se a intenção da restrição. O que interessa nos autos não é propriedade do estabelecimento, nem sequer a sua exploração, mas a exploração das máquinas, mas em vez de se fazer apenas essa restrição, a sentença foi mais além, ficou sem se saber com quem o arguido C... repartia o lucro obtido com as máquinas.

Mas, esta dúvida não resiste aos artigos seguintes, onde se imputa aos arguidos, sem restrições, o propósito concretizado de explorarem as máquinas, referindo-se no artº 41º expressamente que eram os arguidos A... e B... que as exploravam (directamente entenda-se).

Ou seja, a sentença, na parte que aqui interessa, i. é, que eram os arguidos A... e B... quem procedia à exploração das máquinas diz a mesma coisa que a acusação mas de forma diferente, não melhor, ou pelo menos, com menos lógica dedutiva, mas, contudo a mesma coisa.

Não existe, pois, qualquer omissão de pronúncia, esta a existir apenas se podia referir ao estabelecimento, que não tem aqui interesse, pois o que interessa é a exploração das máquinas, e essas, como já vimos, resulta claro da sentença que eram directamente exploradas pelos arguidos A... e B... 

Não existe qualquer nulidade, nem mesmo qualquer lapso a colmatar por via do art.º 380º do CPP, como defende o Magistrado do Ministério Público junto do tribunal recorrido.

Impugnação da matéria de facto

Os recorrentes entendem que foram indevidamente julgados todos os pontos da acusação que deviam ter recebido resposta negativa. Mas limitam-se a produzir esta afirmação, sem mais, o que não pode ser havido como impugnação da matéria de facto, mas apenas como manifestação de discordância relativamente à sentença sem qualquer apoio na motivação dos respectivos recursos.

Com efeito, ao contrário das conclusões, onde ainda se abalançam a tecer alguns considerandos sobre a matéria de facto, na motivação que devia suportar as conclusões limitam-se a manifestar a discordância acerca de toda a matéria que diz respeito a cada recorrente, sem mais, muito longe portanto de cumprir os ónus impostos pelo artº 412º nº3 e 4, que impõe que para cada segmento da matéria de facto impugnada o recorrente deve indicar as provas concretas que impõem decisão diferente da recorrida, devendo  indicar concretamente as passagens em que funda a impugnação.

A modificação da matéria de facto, também não pode tornar-se efectiva, pela simples declaração de que querem ver renovadas as provas x ou y.

A renovação da prova só é admissível na medida em que tal sirva para colmatar os vícios referidos no art. 410º nº2, é o que resulta do disposto no nº1 do art.º 430º ambos de CPP, vícios que não foram alegados, nem se vê que existam.

E depois, ao contrário do que parece entenderem os recorrentes, a apreciação da prova em segunda instância não visa novo julgamento da matéria de facto, mas apenas o controlo do julgamento feito pela 1ª instância, e só naqueles pontos taxativamente impugnados pelos recorrentes, nos termos do já citado art.º 412º nº3 e 4 do CPP, metodologia que está de todo arredada da pretensão recursiva.

O recurso dos arguidos é de todo inapto para o conhecimento da matéria de facto por esta instância, pelo que se tem de considerar fixados os factos

Por fim, não se vê que tivesse sido violado o princípio in dúbio pro reo, pois só se da fundamentação da sentença resultasse que o julgador ficou em estado de dúvida e a resolveu contras o ou os arguidos, é que se podia equacionar a violação de tal princípio.

Também se não vislumbra a razão pela qual o julgador não se devia fundamentar na perícia que examinou as máquinas para dar como provadas as suas características.

A perícia é um meio de prova válido – art.º151º e seg. do CPP, certo sendo que os arguidos a aceitaram, ou pelo menos não lograram fazer qualquer prova que pusesse em causa o juízo pericial.

Muito menos se vê que aceitar o teor do auto pericial atente contra os direitos fundamentais dos arguidos como se pretende ao invocar a este propósito o Declaração Fundamental de Direitos Humanos.

Em face de tudo o que ficou dito, a matéria de facto não pode ser modificada.

E dela resulta, inequivocamente, que eram os arguido A... e B... quem explorava as máquinas examinadas e apreendidas nos autos, que lhes tinham sido fornecidas pelo arguido C..., agindo todos com o propósito de obterem  proventos com a exploração das mesmas.

*

III. Por fim, e é aqui que reside o nó górdio do recurso, entendem os recorrentes que o jogo proporcionado pelas máquinas «grande prix» e «playcenter Evolution lII» que constituem o objecto destes autos, não integram o crime que lhes é imputado, ou seja, o jogo que as máquinas proporcionam não podem ser classificados de jogos de fortuna e azar, mas jogos afins, integrando responsabilidade contra-ordenacional.

Entre a jurisprudência que entenderam citar em abono da sua tese, avultam o Ac. desta Relação de 02-02-2011, relatado pela Des. Pilar de Oliveira, e o Ac. Rel. Lisboa relatado no proc. 372/07.6PHLRS, que lamentavelmente, não conseguimos encontrar.

Seguimos, no entanto, o entendimento perfilhado naquele primeiro aresto, que por facilidade passamos a descrever na parte que aqui releva:

“O Acórdão do STJ de Fixação de Jurisprudência nº 4/2010, publicado no DR Iª Série de 8.3.2010.

Na busca de um critério orientador e que permita a qualificação jurídica da situação em causa nos autos começamos por mencionar que o citado acórdão fixou jurisprudência no seguinte sentido:

"Constitui modalidade afim, e não jogo de fortuna ou azar, nos termos do artigo 159º, nº 1, 161º, 162º e 163º do Decreto-Lei nº 422/89 de 2 de Dezembro, na redacção do Decreto-Lei nº 10/95 de 19 de Janeiro, o jogo desenvolvido em máquina automática na qual o jogador introduz uma moeda e, rodando um manípulo, faz sair de forma aleatória uma cápsula contendo uma senha que dá direito a um prémio pecuniário, no caso de o número nela inscrito coincidir com algum dos números constantes de um cartaz exposto ao público.

Nos jogos sobre os quais se debruçou o STJ, das decisões em conflito, a máquina de jogo, mediante a introdução de uma moeda (100$00 – 0,50 €) atribuía uma bola que poderia ou não corresponder a prémios monetários anunciados em cartaz (entre 500$00 e 10.000$00 –  2,50 a 50 euros)

(…)

Vejamos, porém, a fundamentação do acórdão de fixação de jurisprudência a fim de averiguar se, não obstante as diferenças salientadas, a situação em causa nos autos não deve merecer igual tratamento jurídico.

E no acórdão do STJ mencionam-se nomeadamente os seguintes

Como vimos em 7.1.2.6., a lei (art. 1.° e 4.° do Decreto-Lei n." 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção do Decreto-Lei n." 10/95, de 19 de Janeiro), na definição de jogos de fortuna ou azar, combina precisamente uma fórmula generalizadora (art. 1.°) com a técnica exemplificativa (art. 4.°). Por meio da primeira, define os jogos de fortuna ou azar como sendo «aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte»; por meio da segunda, tipifica exemplificativamente esses jogos nas suas diversas alíneas (vários jogos bancados, concretamente determinados - alíneas a) a d); jogos não bancados, também concretamente determinados - alínea e) e jogos em máquinas (alíneas f) e g).

No que respeita a estes últimos, mencionam-se os «jogos em máquinas pagando directamente prémios em fichas ou moedas» (alínea f) e «jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte» (alínea g).

A caracterização dos jogos de fortuna ou azar é essencial para a distinção entre os tipos de ilícito criminal e as denominadas "modalidades afins". Ora, tendencialmente, os jogos de fortuna ou azar, de resultado contingente, por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte, segundo a formulação genérica do art. 1.°, são os que estão especificados no art. 4.°, n.º 1. Como se afirma no acórdão-fundamento, estes jogos «estão tipificados de modo exemplificativo, mas, no contexto, tendencialmente especificados». Aliás, o referido art. 4.° começa por afirmar que «nos casinos é autorizada a exploração, nomeadamente, dos seguintes tipos de jogos de fortuna ou azar ( ...), enumerando a seguir, com precisão, os diversos tipos de jogos: os bancados nas suas várias modalidades (alíneas a) a d); os não bancados, também concretamente especificados (alínea e) e os jogos em máquinas, caracterizados nos seus elementos essenciais em duas alíneas (as alíneas f) e g).

Ora, o que a redacção do preceito inculca é que os diversos tipos de jogos considerados como de fortuna ou azar e que são autorizados nos casinos são os que estão especificados na lei, embora outros possam vir a ser igualmente autorizados, por apresentarem características análogas. Refere, aliás, o n.º 3 do art.º que «compete ao membro do Governo da tutela autorizar a exploração de novos tipos de jogo de fortuna ou azar, a requerimento dos concessionários e após parecer da Direcção-Geral de Jogos.»

E o art. 5.°, por seu turno, dispõe que «as regras de execução para a prática dos jogos de fortuna ou azar serão aprovadas por portaria do membro do Governo da tutela, mediante proposta da Inspecção-Geral de Jogos, ouvidas as concessionárias.»

As portarias que actualmente vigoram, contendo as regras de execução dos jogos de fortuna ou azar praticados nos casinos são as Portarias 817/2005, de 13 de Setembro e 217/2007, de 26 de Fevereiro. Ambas elas se referem a vários tipos de jogos bancados e de jogos não bancados, e a última também a jogos praticados em máquinas automáticas, de um modo geral coincidentes com os tipos especificados no Decreto-Lei n.º 422/89, na redacção do Decreto-Lei n.º 10/95, e com as características desses jogos. Aliás, em virtude do princípio da legalidade, os elementos essenciais do ilícito criminal não poderiam ser alterados ou criados por portaria, visto que a definição de crimes é da reserva relativa da Assembleia da República, tendo de revestir a natureza formal de lei ou de decreto-lei, neste caso precedendo lei de autorização legislativa, que defina o objecto, o sentido, a extensão e a duração da autorização (art. 165.°, n.º 1, alínea c) e n.º 2 da Constituição da República.

Por conseguinte, não obstante exemplificativa a especificação dos jogos de fortuna ou azar constante da lei, ela é tendencialmente completa e comporta uma certa rigidez, como é próprio de um tipo legal de crime, que é um tipo de garantia.

Todas as modalidades de jogos que não correspondam às características descritas e especificadas nos referidos artigos 1.º e 4.º do Decreto-Lei n.º 422/89, na redacção do Decreto-Lei n.º 10/95, embora os seus resultados dependam exclusiva ou fundamentalmente da sorte, revertem para as modalidades afins, como se defende no acórdão-fundamento.

No caso das máquinas de jogos, só são de considerar como jogos de fortuna ou azar:

- os jogos em máquinas pagando directamente prémios em fichas ou moedas;

- os jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.

O facto de os jogos em máquinas terem desaparecido do elenco exemplificativo do art. 159.º, n.º 2 (modalidades afins), após as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 22/85, de 17 de Janeiro, não significa que todos os jogos em máquinas se dividam, pura e simplesmente, em jogos de fortuna ou azar e jogos de diversão, estes de resultados dependentes exclusiva ou fundamentalmente da perícia do utilizador e não pagando prémios em dinheiro, fichas ou coisas com valor económico, nos termos do art. 1.º do DL 21/85, também de 17 de Janeiro.

Ora, os jogos nas máquinas automáticas em causa nos acórdãos em conflito (Cf. supra 6.1. e 6.2)., se apresentavam resultados que dependiam exclusiva ou fundamentalmente da sorte, não desenvolviam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar, nem pagavam directamente prémios em fichas ou moedas.

Por conseguinte, não podiam ser enquadradas em qualquer dos tipos de jogos de fortuna ou azar praticados em máquinas automáticas, tal como descritos nas referidas alíneas f) e g) do n.º 1 do art. 4.º do Decreto-Lei n.º 422/89, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 10/95, revertendo, antes, para as modalidades afins referidas no art. 159.º, pois constituem uma espécie de sorteio por meio de rifas ou tômbolas mecânicas.

É certo que os referidos jogos proporcionavam também prémios em coisas com valor económico e em dinheiro, ou só em dinheiro, mas tal circunstância, se não é permitida pelo art. 161.º, n.º 3 do referido diploma legal, também não é suficiente, por si só, para integrar a «específica configuração em que está definido o pagamento de prémios (pagamento directo em fichas ou moedas) nos jogos de fortuna ou azar», como se diz no acórdão-fundamento. Como vimos atrás, o tipo legal de crime é dotado de uma certa rigidez, que o constitui como tipo de garantia, sendo essa precisamente uma das manifestações do princípio da legalidade. Assim, aquela circunstância não retira aos jogos em causa a natureza de modalidade afim.

Acresce que a tutela penal adstrita à proibição dos jogos de fortuna ou azar fora dos locais autorizados encontra fundamento, como se viu, em valores de relevante ressonância ético-social, nomeadamente pelos efeitos devastadores a nível social, familiar, económico e laboral, com incremento de criminalidade grave, não só de carácter patrimonial, mas também de carácter pessoal (vida, integridade física, ameaça, coacção) que a dependência de jogos de grande poder aditivo e potenciação de descontrole pode acarretar.

Tal não sucede relativamente aos jogos em máquinas automáticas que funcionam como espécies de rifas ou tômbolas mecânicas, em que o que se arrisca assume dimensão pouco significativa, pois a expectativa é limitada ou predefinida e o impulso para o jogo tem de ser renovado em cada operação, ao contrário do que sucede com os jogos de casino, mesmo em máquinas, possibilitando uma série praticamente ilimitada de jogadas, numa espécie de encadeamento mecânico e compulsivo, em que o jogador corre o risco de se envolver emocionalmente."

Será neste aspecto sublinhado que residirá a grande diferença entre os jogos de fortuna ou azar propriamente ditos e os restantes.

Se verificarmos o conteúdo do artigo 4º, nº 1, alíneas f) e g) que se referem a máquinas que desenvolvem jogos dessa natureza, constatamos que a sua classificação assenta em aspectos, pelo menos à primeira vista, mais formais que substanciais, porque são de fortuna ou azar:

1º Jogos em máquinas pagando directamente prémios em fichas ou moedas;

2º Jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios de jogos de fortuna ou azar (remetendo assim para os jogos descritos nas alíneas anteriores do preceito);

3º Jogos em máquinas que não pagando directamente prémios em fichas ou moedas apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.

Mas, sabido que é que em qualquer dos citados casos de prémios consistentes em fichas ou pontuações, são sempre convertíveis em dinheiro as fichas e as pontuações, porque apelará a lei a essas realidades para a classificação que pretende efectuar? Mais fácil seria definir que são jogos de fortuna ou azar todos os que atribuem prémios em dinheiro, imediatamente ou através da substituição das fichas e pontos.

Parece-nos claro que a ideia que está na base dos termos utilizados tem a ver com o acréscimo de compulsividade que a atribuição de fichas e de pontos confere ao jogo, o mesmo acontecendo com as moedas. Com efeito, quer as moedas quer as fichas podem ser imediatamente utilizadas para que o jogador continue indefinidamente o jogo, funcionando a atribuição de pontuações que se vão somando do mesmo modo.

Mas tal ocorre porque o que caracteriza tais jogos, embora a lei não o diga, é a natureza indefinida do prémio e a possibilidade de num percurso intermédio o jogador perder tudo o que havia ganho.

E analisado o conteúdo legal em causa nesta perspectiva, será mais fácil delimitar negativamente o tipo de crime de jogo ilícito com recurso ao disposto no 159º da Lei do Jogo.

No nº 1 do artigo 159º pretende-se definir o que sejam modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar, caracterizando-as como operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside conjuntamente na sorte e perícia ou somente na sorte. E fez correr rios de tinta o significado de operações oferecidas ao público, quando esse não pode constituir um verdadeiro elemento distintivo porque toda a prestação de bens e serviços corresponde a uma operação oferecida ao público.

Mas o nº 2 do preceito já nos diz, de forma significativa, que são abrangidos pelo disposto no número anterior rifas, tômbolas, sorteios, concursos publicitários, concursos de conhecimentos e passatempos. E que têm de comum esses jogos? Simplesmente a determinação prévia do prémio a que o jogador se pode habilitar e, em consequência, um elemento de compulsividade menor.

Ora, começando por delimitar negativamente o tipo de crime nunca merecerá a qualificação de crime a exploração de jogos que se enquadram num mecanismo em que os prémios se encontram previamente definidos.

Por seu turno o artigo 161º estabelece proibições em relação às modalidades afins no seu nº 3, quais sejam as de estes não poderem desenvolver temas de jogos de fortuna ou azar nem substituir por dinheiro ou fichas os prémios atribuídos.

Continuando a delimitar negativamente o tipo de crime, porque às modalidades afins que atribuam prémios em dinheiro ou fichas a lei não deixa de designar como modalidades afins, a sua exploração ilícita constitui contra-ordenação, como se prevê no artigo 163º, o que afinal só pode significar que nenhum jogo que tenha os prémios previamente definidos, ainda que atribua prémios em dinheiro ou desenvolva temas de jogos de fortuna ou azar, integra a classificação de jogos de fortuna ou azar e pode a sua exploração constituir crime.

E cremos ser esta a tese que está imanente ao acórdão de fixação de jurisprudência e que importa considerar até em obediência ao princípio da igualdade plasmado no artigo 13º da Constituição da República.”

Ora, as máquinas em causa enquadram-se na definição de crime por contraponto à contra-ordenação, desde logo porque se enquadram no nº 3 do art.º 161.º, que o legislador retirou da definição das modalidades afins.

Senão vejamos:

A máquina “ Grand Prix” atribui pontos e não prémios às jogadas efectuadas, e os pontos conseguidos nas jogadas premiadas, que oscilam entre 1 e 200, vão sendo registados no mostrador e acumuladas, sucedendo-se as jogadas automaticamente até esgotarem os créditos provenientes das moedas introduzidas. No final se houver créditos acumulados o jogador poderá solicitar ao explorador a quantia monetária que lhe corresponde (1 ponto/ 1 €) ou poderá premir o botão que lhe concede bónus de duas jogadas por cada crédito ganho, continuando o jogo.

Já a máquina “ Playcenter Evolution III” arranca com o código que é fornecido pelo explorador e, uma vez accionada a própria máquina selecciona um jogo que tem como objectivo combinações de símbolos premiados de acordo com a tabela de prémios fornecida pelo mostrador e que dependem exclusivamente da sorte. Depois de o jogador concretizar a aposta toca no botão “iniciar” começando a simular uma máquina de rolos, imobilizando-se ao fim de algum tempo, assinalando a máquina quando a combinação de símbolos dá direito a prémio, que se acumulam permitindo jogadas sucessivas até esgotar os créditos ou o jogador pedir ao explorador a sua conversão no valor correspondente ao pontos acumulados.

No caso em apreciação, as máquinas examinadas desenvolvem jogos em tudo semelhantes ao modo de operação típico do jogo de roleta e “slot machines” cuja exploração só pode ser realizada em casinos. O jogador só tem intervenção activa no início do jogo quando coloca a moeda na máquina, não podendo através da sua perícia influenciar o resultado, que fica exclusivamente dependente da sorte ou do acaso, podendo auferir uma vantagem patrimonial de valor variável ou não auferir qualquer prémio, levando o jogo á acumulação de resultados e á compulsão de conseguir prémios, própria dos jogos de fortuna e azar.

O jogo das máquinas em causa nos autos apresenta como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte, que se premiadas, se traduzem em dinheiro.

O jogo desenvolvido pela primeira máquina é idêntico à roleta, e o da segunda ao das “slot machines”, exploradas nos casinos e, por isso enquadráveis na definição de fortuna e azar que se desenvolveu no acórdão transcrito.

De salientar que máquinas idênticas às dos autos já foram consideradas como integradoras do crime a quer se reporta o art.º108º nº1 da Lei 422/89 de 2.12, em decisões dos tribunais superiores.

Veja-se relativamente á máquina designada por “Grand Prix” o Ac. Rel Lisboa de 28.10.2014 e o Ac. STJ de 17.10.2010, Rel. Cons. Pires da Graça, Proc. 2/2007.6, e á máquina “Playcenter”, o Ac. desta Rel. De 10.09.2012, Proc. 122/10.0EASTR.C1 Des. Orlando Gonçalves.

Conclui-se assim que as máquinas apreendidas nos autos integram jogos típicos de fortuna e azar relativamente aos quais o Estado quis chamar a si o monopólio sobre os mesmos permitindo a sua exploração apenas a casinos licenciados para esse fim e que estão enunciadas no art.º 4º do diploma a que nos vimos a referir.

Improcede, assim, a pretensão dos recorrentes quando visam subtrair os jogos proporcionados pelas máquinas apreendidas à tipificação do crime pelo qual foram condenados.

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Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acorda-se em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.

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Custas pelos recorrentes com a taxa de justiça que se fixa em 4 UC para cada um.

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Coimbra, 14 de Janeiro de 2014

(Cacilda Sena - Relator)

(Elisa Sales)