Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
162/11.1PTLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ELISA SALES
Descritores: PROCESSO SUMÁRIO
SENTENÇA POR ESCRITO
Data do Acordão: 03/07/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA - 3º JUÍZO CRIMINAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.º 389º-A, N.º 5, DO C. PROC. PENAL
Sumário: As alterações introduzidas pela Lei n.º 26/2010, de 30 de Agosto, quanto à forma escrita da sentença, nos processos sumário e abreviado, visaram tão só a aplicação de penas privativas da liberdade (ou, excepcionalmente, se as circunstâncias do caso o tornarem necessário) - n.º 5, do art.º 389º-A e art.º 391º-F, do C. Proc. Penal - e não as penas aplicadas em sua substituição (não detentivas), como é o caso da suspensão da execução da pena de prisão.
Decisão Texto Integral: I - RELATÓRIO

No processo sumário n.º 162/11.1PTLRA do 3º Juízo Criminal, do Tribunal Judicial de Leiria, foi o arguido A... submetido a julgamento, em 24-8-2011, e na mesma data veio a ser proferida sentença que o condenou pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. pelos artigos 292º, n.º 1 e 69º, n.º 1, al. a) ambos do CP, na pena de 13 meses de prisão, suspensa por igual período, e na pena acessória de proibição de conduzir por 12 meses.
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O Ministério Público, discordando da sentença proferida, no que tange à sua forma, por se lhe afigurar que deveria ter sido reduzida a escrito (e não oral como foi) por ter sido aplicada uma pena de prisão, veio interpor o presente recurso, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões:
1- O Tribunal violou o disposto no n.º 6, do art. 389º-A do CPP, na redacção da Lei nº 26/2010, de 30 de Agosto (art. 412º, nº 2, al. a) do CPP).
2- O Tribunal entendeu que na forma de processo sumário é legalmente admissível proferir sentença oral mesmo quando a pena a aplicar seja privativa da liberdade (art. 412º, nº 2, al. b), do CPP).
3- O Tribunal ao aplicar ao caso o disposto no nº 1, do art. 6º, do art. 389º-A do CPP, na redacção da Lei nº 26/2010, de 30 de Agosto, incorreu em erro na escolha da norma aplicável (art. 412º, n.º 2, al. c), do CPP).
4- O Recorrente entende que ao caso é aplicável o disposto no nº 6, do art. 389º-A do CPP, na redacção da Lei nº 26/2010, de 30 de Agosto, por ter sido aplicada uma pena privativa da liberdade (art. 412º, n.º 2, al. c), do CPP).
Pelo exposto, com os fundamentos indicados e com os demais que V. Ex.as por forma sábia suprirão, afigura-se-nos que o recurso deve ser julgado procedente devendo, consequentemente, ser ordenada a redução a escrito da sentença oral proferida nos autos. Porém, como sempre, V. Ex.as decidirão como for de JUSTIÇA.
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O arguido não respondeu ao recurso.
Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência do recurso, com os seguintes fundamentos:
«Verifica-se que na sentença o tribunal na 1ª instância aplicou uma pena privativa da liberdade, embora declarada suspensa na sua execução. Uma pena de prisão suspensa é sem dúvida uma pena de prisão e onde o legislador não distingue não pode o intérprete distinguir. Isto é, determinando o n.º 5 do art. 389º-A do CPP que, se for aplicada pena privativa da liberdade, a sentença é elaborada por escrito, não poderia a nosso ver, o tribunal deixar de ter elaborado a sentença por escrito ao aplicar ao arguido uma pena de prisão, mesmo que suspensa na sua execução.
Acresce que, se por qualquer legal motivo a suspensão da pena for revogada terá o arguido que cumprir aquela sentença que, de acordo com a opção do tribunal, será uma “sentença oral”, o que nos parece que o legislador ainda não quis prever, tendo também em conta o estatuído no art. 468º, al. b) do CPP.
Assim, nestas situações manteve a lei a solução em tudo semelhante ao regime anterior, no sentido da sentença ser proferida de forma escrita e não oral.
Na verdade, de acordo com o actual regime legal, estando prevista como regra geral a oralidade da sentença nos termos do art. 389º-A, n.ºs 1, 2 e 3, prevê-se, no entanto, uma excepção no n.º 5 do mesmo art. 389º-A (…).
Tendo aplicado uma pena de prisão nestes autos, tinha o tribunal que proferir sentença “por escrito e proceder à sua leitura”.
Como qualificar esta falha, sendo certo que a mesma sentença se encontra gravada em suporte digital?
O n.º 3 do art. 389º-A comina, de forma expressa, de nulidade a sentença que não seja documentada nos termos dos arts 363º e 364º, para as situações em que a sentença é proferida oralmente.
Porém, no caso, salvo melhor opinião, a sentença tinha sempre que ser feita por escrito, assumindo esse formalismo, tal como está previsto no art. 94º do CPP.
Estaremos então perante uma situação de sentença inexequível, por não estar reduzida a escrito tal como é exigência legal expressa, de acordo com o disposto no art. 468º, al. b) do CPP. Ou, dito de outra forma, estamos perante uma situação de uma decisão penal “inexequível rectius inexistente, conforme a qualifica Paulo P. de Albuquerque no seu Comentário do CPP, 4º edição, pág. 1234.
Contudo, nesta situação, face aos novos enxertos que sucessivamente vêm sendo feitos na legislação processual penal, verifica-se que não estaremos perante uma situação de evidência de inexistência de sentença, porque afinal de contas a mesma existe face a esta última alteração legal, revestindo uma das formas legalmente possíveis, embora não a forma dos actos aplicável ao caso em concreto, tal como defendemos.
É ainda certo que consta da acta de audiência o respectivo dispositivo da sentença.
Estaremos então perante uma nulidade de sentença, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 379º, n.º 1, al. a) do CPP, que era suprível, dos termos do art. 414º, n.º 4, do mesmo diploma legal. (…)».

Os autos tiveram os vistos legais.

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II- FUNDAMENTAÇÃO

Por factos ocorridos em 10-8-2011 foi o arguido A...condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez.
Como resulta da acta de audiência de discussão e julgamento, pelo Mmº Juiz foi proferida oralmente a Sentença em obediência ao estatuído no art. 389º-A, n.º 1 do CPP, encontrando-se a mesma gravada e, nos termos do n.º 2 foi o dispositivo ditado para a acta

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APRECIANDO

Perante as conclusões da motivação, a questão suscitada pelo recorrente consiste em saber se, a sentença proferida nos autos deveria ter sido reduzida a escrito, como dispõe o n.º 5 do artigo 389º-A do CPP, porquanto o arguido foi condenado em pena de prisão, suspensa na sua execução.
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No que respeita ao processo sumário, com as alterações introduzidas ao Código de Processo Penal pela Lei n.º 26/2010, de 30 de Agosto, foi, para além do mais, revogado o n.º 6 do artigo 389º (que dispunha: A sentença é logo proferida verbalmente e ditada para a acta) e, em “sua substituição” foi aditado o artigo 389º-A, com a epígrafe “Sentença”, o qual estabelece:
«1- A sentença é logo proferida oralmente e contém:
a) A indicação sumária dos factos provados e não provados, que pode ser feita por remissão para a acusação e contestação, com indicação e exame crítico sucintos das provas;
b) A exposição concisa dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão;
c) Em caso de condenação, os fundamentos sucintos que presidiram à escolha e medida da sanção aplicada;
d) O dispositivo, nos termos previstos nas alíneas a) a d) do n.º 3 do artigo 374.º.
2- O dispositivo é sempre ditado para a acta.
3- A sentença é, sob pena de nulidade, documentada nos termos dos artigos 363.º e 364.º.
4- É sempre entregue cópia da gravação ao arguido, ao assistente e ao Ministério Público no prazo de 48 horas, salvo se aqueles expressamente declararem prescindir da entrega, sem prejuízo de qualquer sujeito processual a poder requerer nos termos do n.º 3 do artigo 101.º.
5- Se for aplicada pena privativa da liberdade ou, excepcionalmente, se as circunstâncias do caso o tornarem necessário, o juiz, logo após a discussão, elabora a sentença por escrito e procede à sua leitura.».

Resulta deste preceito que, por regra, a sentença é proferida oralmente e, apenas nos casos a que alude o n.º 5, a sentença é elaborada por escrito, designadamente, «Se for aplicada pena privativa da liberdade».
In casu, foi imposta ao arguido a pena de 13 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período. E, nestas circunstâncias, entende o recorrente que a sentença deveria ter sido reduzida a escrito.
Todavia, não lhe assiste razão.
É que, a suspensão da execução da pena constitui uma verdadeira pena autónoma.
Como pode ler-se no ponto 11 da Introdução do Código Penal, aprovado pelo DL n.º 400/82, de 23Set., “Outras medidas não detentivas são a suspensão da execução da pena (arts. 48º e seguintes) e o regime de prova (arts. 53º e seguintes).
Substitutivos particularmente adequados das penas privativas da liberdade (…).
A condenação condicional, ou instituto da pena suspensa, corresponde ao instituto do sursis continental, significa uma suspensão da execução da pena que, embora efectivamente pronunciada pelo tribunal não chega a ser cumprida, por se entender que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para afastar o delinquente da criminalidade e satisfazer as necessidades de reprovação e prevenção do crime”.
Na Comissão Revisora do Código Penal, o Prof. Eduardo Correia, autor do projecto do Código Penal, defendeu o carácter autónomo, enquanto verdadeiras penas, da sentença condicional e do regime de prova, contrariando o entendimento de que seriam institutos especiais de execução da pena de prisão (Actas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal, Parte Geral, Separata do B.M.J., tendo particular interesse a discussão travada nas 17ª sessão, de 22 de Fevereiro de 1964 e, 22ª sessão, de 10 de Março).

Com efeito, a pena de suspensão de execução da prisão é uma pena de substituição em sentido próprio. O Prof. Figueiredo Dias considera que tal pena de suspensão constitui entre nós a mais importante das penas de substituição.
A propósito da distinção entre penas principais e penas de substituição refere o mesmo autor ( - in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 2005, pág. 91.) “Estas penas de substituição, se não são, em sentido estrito, penas principais (porque o legislador não as previu expressamente nos tipos de crime), não são obviamente penas acessórias: não só porque estas se assumem num enquadramento histórico e teleológico que nada tem a ver com o das penas de substituição, como porque uma coisa são as penas que só podem ser fixadas conjuntamente com uma pena principal (como é o caso das penas acessórias), outra diferente as penas que são aplicadas e executadas em vez de uma pena principal (penas de substituição).”.

Dúvidas não restam pois, de que a suspensão da execução da pena é uma pena autónoma, que foi aplicada em substituição da pena de prisão.
A questão ora suscitada colocar-se-ia em todas as outras penas de substituição não privativas da liberdade. Ou seja, a considerar-se que no caso da suspensão da execução da pena de prisão teria a sentença de ser escrita, tal forma deveria revestir a sentença nas situações em que fossem aplicadas ao arguido outras penas de substituição não privativas da liberdade, nomeadamente, pena de prisão substituída por multa ou por trabalho a favor da comunidade (artigos 43º e 58º do CP), ou até, no limite, quando tivesse sido fixada prisão subsidiária, para o caso de não pagamento da pena de multa (artigo 49º).
Ora, essa não foi a intenção do legislador. As alterações introduzidas pela Lei n.º 26/2010 quanto à forma escrita da sentença, nos processos sumário e abreviado, visaram tão só a aplicação de penas privativas da liberdade (ou, excepcionalmente, se as circunstâncias do caso o tornarem necessário) - n.º 5 do art. 389º-A e art. 391º-F do CPP - e não as penas aplicadas em sua substituição (não detentivas).

Nos termos expostos, nenhum reparo nos merece a forma como foi elaborada a sentença proferida nos autos.

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III- DECISÃO
Face ao exposto, acordam os juízes da secção criminal deste Tribunal da Relação em:
- negar provimento ao recurso.
Sem tributação.

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Coimbra,