Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
99096/17.6YIPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: PRESCRIÇÃO PRESUNTIVA
ESTABELECIMENTO DE ENSINO
FORMAÇÃO PROFISSIONAL
ACTO INCOMPATÍVEL
CONFISSÃO
Data do Acordão: 04/30/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JL CÍVEL - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS 312, 313, 314, 317 A), 350 Nº2 CC
Sumário: 1. Os créditos respeitantes a cursos profissionais de Cabeleireiro, prestados por uma empresa que tem por objeto a formação profissional, e aprovados pelo I.E.F.P., recaem no âmbito da al. a) do artigo 317º CC.

2. A assinatura de um documento de reconhecimento de dívida, pelo preço total de tais cursos, a suportar em prestações mensais, em simultâneo com a assinatura do contrato, não equivale a ato incompatível com a presunção prescritiva de pagamento.

3. Tal presunção de pagamento é ilidível mediante prova em contrário, incumbindo ao credor a prova do não pagamento, prova que apenas pode ser efetuada mediante confissão do devedor.

Decisão Texto Integral:



                                                                                               

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção):

I – RELATÓRIO

F (…) Lda., intentou procedimento de injunção, a seguir como ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias provenientes de contrato, contra:

1. A (…)  e,

2. M (…),

alegando, em síntese:

 é uma sociedade que dá formação profissional;

a 1.ª ré assinou um reconhecimento de dívida no montante de €9.491,00 relativo ao curso de cabeleireiro resultante do contrato de formação, também assinado pela 2.ª ré na qualidade de fiadora;

a 1ª ré comprometeu-se a pagar esse montante em 48 prestações mensais, encontrando-se ainda por pagar a quantia de €5.010,88, a que acresce 10% e juros de mora legais civis;

conclui pedindo a condenação solidária das rés no pagamento da quantia de 5.511,96€, acrescida da quantia de 1.103,00 € a titulo de juros de mora vencidos, acrescida dos vincendos, até efetivo e integral pagamento.

As Requeridas deduziram oposição alegando, em síntese:

a 1ª ré pagou a totalidade da quantia que à autora era devida, nada lhe devendo;

de qualquer modo, sempre se verificaria a prescrição presuntiva do crédito por terem já decorrido dois anos;

a 2ª ré não assumiu nenhuma obrigação como fiadora, limitando-se a razão de ser da sua intervenção nos contratos em virtude de a 1ª ré ser, à data, menor.

Concluem pela sua absolvição do pedido

Remetido o processo à distribuição como ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, e a convite do juiz, a autora vem responder à matéria de exceção, alegando que o reconhecimento de dívida/assunção de obrigação, assinado paralelamente aos contratos de formação, obsta à aplicação do artigo 317º, nº1, al. a), CC, e ainda que a Ré assinou o contrato como fiadora, como resulta das suas cláusulas 15ª e 14ª.

Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença a julgar a ação parcialmente procedente, condenando solidariamente as rés a pagar à autora a quantia de €5.010,88, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, vencidos e vincendos, sobre aquela quantia, desde 02.11.2017, até integral e efetivo pagamento, absolvendo-as do demais peticionado.


*

Inconformadas com tal decisão, as Requeridas dela interpõem recurso de apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões:

(…)


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Não foram apresentadas contra-alegações.
Dispensados que foram os vistos legais nos termos previstos no nº4 do artigo 657º do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., arts. 635º, e 639, do Novo Código de Processo Civil –, as questões a decidir são as seguintes:
1. Prescrição presuntiva do artigo 317º, al. a) CC.
2. Se é de alterar o decidido.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
A. Matéria de facto
São os seguintes os factos dados como provados na sentença recorrida:
1. A autora é uma sociedade comercial que tem por objeto dar formação profissional, recursos e serviços pessoais à comunidade; prestação de serviços informáticos; comércio e representações de cursos de formação, produtos, equipamentos e acessórios;
 2. A ré Ana, no dia 27.12.2007, assinou um escrito, denominado “reconhecimento de dívida/assunção de obrigação” no qual reconheceu ser devedora à autora da quantia de €9.491,00, relativa aos documentos denominados “contratos de formação” que celebrou com a autora, na mesma data, respeitantes a curso de Cabeleireiro de Senhoras e Oficial de Cabeleireiro, parte integrante do reconhecimento de dívida;
3. Consta da cláusula 2ª do escrito supra-referido no ponto 2 que a ré A (…) se compromete a pagar a quantia aí indicada em 48 prestações mensais e sucessivas, com início em 07.12.2007, vencendo-se as restantes ao dia 07 dos meses subsequentes, até efetivo e integral pagamento, da seguinte forma: 10 prestações, no montante de €188,00 cada; e 38 prestações, no montante de €199,00 cada;
4. Consta da cláusula 2ª do escrito supra referido no ponto 2 que “1 - Os pagamentos efetuados posteriormente ao dia 15 de cada mês, terão um acréscimo de 10% no valor da prestação em causa”;
5. O escrito referente ao curso de “Oficial de Cabeleireiro” foi, para além da autora e da 1ª ré, A (…), também assinado pela 2ª ré, M (…), constando da cláusula 15ª que “o terceiro outorgante, na qualidade de fiador, fica pessoalmente obrigado perante a primeira outorgante ao pagamento dos montantes referidos na cláusula quarta deste contrato, renunciando ao benefício da excussão prévia”;--- 6. Consta da cláusula 4ª desse escrito “1 – O preço do curso, Oficial de cabeleireiro, é de €3.069,00 (...)”;
7. O escrito referente ao curso de “Cabeleireiro de Senhoras” foi, para além da autora e da 1ª ré, A (…), também assinado pela 2ª ré, M (…), constando da cláusula 14ª que “terceiro e quarta outorgantes, na qualidade de representantes legais, ficam pessoalmente obrigados perante a primeira outorgante ao pagamento do montante referido na cláusula quarta deste contrato”;
8. Consta da cláusula 4ª deste escrito “1 – O preço total deste curso é de €6.422,00, acrescido de uma inscrição no montante de €99,00 (...)”;
9. Da quantia global acima indicada, a ré A(…) apenas liquidou a quantia de €4.480,88 sobre o capital em dívida, indicado supra no ponto 2;
10. A ré A (…) nasceu em 23.07.1990;
11. A ré M (…) é mãe da ré A (…)
12. No escrito referido supra no ponto 5 a ré M (…) assinou na qualidade de “o terceiro outorgante (fiador)”;
13. No escrito referido supra no ponto 7 a ré M (…) assinou na qualidade de “o terceiro outorgante (representante legal)”;
14. No escrito referido supra no ponto 2 a ré M (…) assinou na qualidade de “o terceiro outorgante (representante legal);
15. A autora prestou à 1ª ré os cursos de formação supra-referidos nos pontos 5 e 7.
*
1. Prescrição do crédito ao abrigo do disposto no artigo 317º, al. a), CC.

 Invocada pelas Rés a prescrição do crédito da autora, por terem decorrido mais de dois anos desde a data da prestação do serviço e desde a data da última prestação acordada, ao abrigo do disposto no art. 317º, al. a) do Código Civil, o juiz a quo afasta a aplicação de tal presunção com os seguintes fundamentos:

- não sendo a autora um estabelecimento de ensino ou de educação, uma escola, mas uma empresa de prestação de serviços de específica formação profissional de formação de cabeleireiros, ser-lhe-ia inaplicável o regime previsto no artigo 317º CC para as presunções de curto prazo;

 - ainda que a relação contratual dos autos se pudesse enquadrar em tal previsão normativa, as rés praticaram em juízo atos incompatíveis com a presunção de cumprimento uma vez, por um lado, assumem que subscreveram um documento de reconhecimento de dívida e, por outro lado, alegam nada dever à autora e que a 2ª Ré nada deveu à autora.

As apelantes insurgem-se contra o decidido, alegando que dos próprios contratos celebrados resulta que os cursos de formação profissionais prestados pela autora se encontravam sujeitos a regulamentação específica e se inseriam no contexto da formação profissional sujeita à esfera do IEFP para efeitos de habilitação e acesso a profissões técnicas, no caso Cabeleireiro, sendo a autora uma entidade creditada como entidade formadora, no âmbito do sistema nacional de formação e certificação profissional, nos termos do Dec. Lei nº95/92, de 23-05 e Portaria nº 782/97, de 29.08.

Vejamos, assim, se a natureza dos créditos em causa impõe a sua sujeição ao curto prazo de prescrição de dois anos previsto no artigo 317º do CC.

O que leva o legislador a estabelecer uma prescrição presuntiva, fundada na presunção de cumprimento (artigo 312º CC), é a circunstância de, relativamente a certos créditos, a experiência mostrar não ser usual que o credor espere muito tempo para ser pago, como não é usual que o credor deixe de pagar essas suas dívidas e, ainda, não é usual passar-se quitação, ou, passando-se a quitação, guardar o devedor essa quitação[1].

Dispõe o artigo 317º, sob a epígrafe, “Prescrição de dois anos”:

a) Os créditos dos estabelecimentos que forneçam alojamento, ou alojamento e alimentação, a estudantes, bem como os créditos dos estabelecimentos de ensino, educação, assistência ou tratamento, relativamente aos serviços prestados;

b) Os créditos dos comerciantes pelos objetos vendidos a quem não seja comerciante ou os não destine ao seu comércio, e bem assim os créditos daqueles que exerçam profissionalmente uma indústria, pelo fornecimento de mercadorias ou produtos, execução de trabalhos ou gestão de negócios alheios, incluindo as despesas que hajam efetuado, a menos que a prestação se destine ao exercício industrial do devedor;

c) Os créditos pelos serviços prestados no exercício de profissões liberais e pelo reembolso das despesas correspondentes.

A alínea a) exige a verificação de dois elementos – um de natureza subjetiva (a existência de um estabelecimento) e outro de cariz objetivo (a prestação de serviços) – relevantes para a sua correta aplicação[2].

Na alínea a) encontram-se abrangidos os créditos relativos a serviços prestados em estabelecimentos de ensino (por ex., faculdades, colégios, institutos de línguas, escolas de condução), educação, assistência (por ex., lares de acolhimento), ou tratamento (por ex., clínicas consultórios ou casas de saúde)[3].

Por estabelecimentos de ensino não se entende aqui apenas os estabelecimentos de ensino regular, públicos ou privados, que asseguram a escolaridade obrigatória ou o ensino superior.

Estabelecimentos de ensino são as escolas, de todos os graus e tipos de ensino. É estabelecimento de ensino a escola em que se ministrem conhecimentos técnicos, por exemplo de eletricidade, costura, canalização, encadernação, condução, etc.[4].

A autora, tendo por objeto, entre noutros a “formação profissional” e “comércio e representações de cursos de formação”, integra-se neste conceito lato de “estabelecimento de ensino”, sendo que, o serviço por si prestado à 1ª Ré, então menor de idade, se insere, sem margem para quaisquer dúvidas, dentro do âmbito da sua atividade de formação: como consta expressamente do âmbito do contrato assinado por autora e 1ª Rés, celebrado pela autora no âmbito da sua atividade “de formação profissional na área da beleza – cabeleireiro e estética”, onde se compromete a ministrar duas ações de formação, uma com vista à atribuição de um diploma de “Oficial de Cabeleireiro” e outro de “Praticante de Cabeleireiro”.

Os créditos em apreço integram, assim, a previsão da alínea a) do artigo 317º do CC, encontrando-se sujeitos ao prazo curto de prescrição de dois anos CC[5].


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Vejamos agora se tal presunção de pagamento se encontra afastada por confissão tácita ao abrigo do disposto no artigo 314º CC – pela prática em juízo de “atos incompatíveis com a presunção de cumprimento” –, como se sustenta na sentença recorrida.

A invocação de tal presunção não se pode considerar afastada pela assinatura contemporânea à celebração do contrato, de um documento pelo qual a 1ª Ré se compromete a pagar o preço total de cada um dos cursos em prestações mensais.

A confissão do devedor tem a virtualidade de afastar a presunção de pagamento (artigo 313º CC), porque assenta no reconhecimento do próprio devedor de que, apesar do tempo decorrido, ainda não pagou.

A “confissão” de dívida assinada ao tempo da celebração do contrato, não pode ter a potencialidade de afastar a presunção de cumprimento decorrente do decurso do prazo de dois anos, porquanto é anterior ao vencimento de cada uma das prestações acordadas.

Quanto à declaração da 2ª Ré de que não é responsável pelo pagamento da dívida em nada afeta o funcionamento de tal presunção, uma vez que o que é alegado nos autos pelas rés é que a dívida está paga e não que esta tenha sido paga pela 2ª Ré na alegada qualidade de fiadora.


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Contudo, e ao contrário do sustentado apelante, a procedência de tal exceção presuntiva não acarretará, sem mais, a extinção dos créditos da autora.

A prescrição comum, essa sim, embora não extinguindo o direito prescrito[6], confere ao seu beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito – artigo 304º do CC.

Na prescrição comum, o beneficiário só precisa de invocar e demonstrar a inércia do titular do direito no seu exercício durante o tempo fixado na lei, conferindo-lhe o poder de recusar o cumprimento[7].

A sua força reside no facto de não poder ser afastada com a prova de que a dívida não está satisfeita – operada a prescrição ordinária, pode o devedor invocá-la e ela é eficaz, mesmo que confesse não ter pago[8].

Nas prescrições presuntivas, integrando meras presunções de cumprimento – artigo 312º do CC –, o decurso do prazo apenas faz presumir que o cumprimento se verificou, tendo por finalidade libertar o devedor da prova do pagamento.

“As prescrições presuntivas são presunções de pagamento, fundando-se em que as obrigações a que se referem costumam ser pagas em prazo bastante curto e não é costume exigir quitação do seu pagamento. Decorrido o prazo legal, a lei presume, pois, que a dívida está paga, dispensando, assim, o devedor da prova do pagamento, prova que lhe poderia ser difícil ou, até, impossível, por falta de quitação[9]”.

A presunção de cumprimento que funda a prescrição presuntiva é uma presunção iuris tantum, podendo ser ilidida mediante prova em contrário, tal como sucede na generalidade das presunções (artigo 350º, nº2 do CC).

Contudo, no que toca à presunção prescritiva, o seu afastamento só pode resultar de confissão do devedor originário ou daquele a quem a dívida tiver sido transmitida por sucessão – artigo 313º nº1 CC.

Visando as prescrições presuntivas conferir proteção ao devedor que paga uma dívida e dela não exige ou não guarda quitação, não poderia admitir-se que o credor contrariasse a presunção de pagamento com quaisquer meios de prova. Exige-se, por isso, que os meios de prova do não pagamento provenham do devedor[10].

A confissão pode ser judicial ou extrajudicial. A confissão extrajudicial só pode ser feita por escrito (art. 313º, nº2). A confissão judicial é feita em juízo e pode ser espontânea ou provocada. É espontânea quando produzida por iniciativa do confitente. É provocada quando feita por iniciativa do juiz ou a requerimento do credor em depoimento de parte.

Ou seja, ao contrário das prescrições extintivas, as prescrições presuntivas apenas dispensam o beneficiário do ónus de provar o pagamento, fazendo deslocar o ónus da prova do não pagamento para o credor, pelo que, existindo a presunção de pagamento a favor do devedor, competirá ao credor ilidir essa presunção, demonstrando que não pagou, provando a confissão expressa ou tácita do devedor[11].

Como se refere no Acórdão do STJ de 22-01-2009[12], o decurso do prazo de prescrição presuntiva não confere ao devedor a faculdade de se opor à cobrança do crédito, não lhe dando o direito de não pagar como sucede com a prescrição extintiva, apenas o dispensando da prova do respetivo pagamento.

O legislador presume o cumprimento, libertando o devedor do ónus da prova, mas sem excluir, de todo, a prova do não cumprimento, ou seja a ilisão da presunção.

Assim sendo, a verificação do decurso do prazo de presunção, implicaria que, beneficiando a Ré da presunção de que pagou, presunção ilidível mediante prova em contrário, seria à autora que incumbira a prova de que o pagamento nunca fora efetuado, prova essa que só poderia ser efetuada mediante confissão das rés, por escrito ou no âmbito do depoimento de parte.

No caso em apreço, confrontada com a invocação por parte das rés da prescrição em causa, para a qual foi até expressamente chamado a pronunciar-se, a autora limitou-se a apresentar em audiência uma testemunha e a juntar um documento contabilístico da sua autoria, e, foi com base no depoimento desta testemunha e no documento (elaborado pela autora) apresentado como sendo a conta corrente dos pagamento efetuados pela Ré, que a sentença recorrida veio a dar como provado sob o ponto 9. “Da quantia global acima indicada, a Ré apenas liquidou a quantia de 4.480,88 €, sobre o capital em dívida, indicado supra ponto 2”.

Tal depoimento e documento não tinham qualquer idoneidade para ilidir a presunção de pagamento do artigo 317º, pelo que, não sendo admissíveis tais meios de prova, e não tendo sido requerido o depoimento de parte de qualquer uma das rés, não se pode dar como “provado” que as rés não tenham procedido ao pagamento da quantia reclamada pela autora.

Em consequência, determina-se a eliminação do ponto 9. dos factos dados como provados, considerando-se “não provado”, que a Ré não tenha procedido ao pagamento da quantia de 5.010,88 €.

Reconhecida a aplicação ao caso em apreço da presunção de pagamento prevista na al. c) do artigo 317º, CC, a não prova de que o pagamento não se encontra efetuado, acarretará a improcedência da ação.

A Apelação é de proceder.

IV – DECISÃO

 Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar a apelação procedente, revogando-se a decisão recorrida e julgando-se a ação improcedente, absolvem-se as rés do pedido.

Custas a suportar pela Autora/Apelada.                

                                                                Coimbra, 30 de abril de 2019                                                                         


V – Sumário elaborado nos termos do art. 663º, nº7 do CPC.
1. Os créditos respeitantes a cursos profissionais de Cabeleireiro, prestados por uma empresa que tem por objeto a formação profissional, e aprovados pelo I.E.F.P., recaem no âmbito da al. a) do artigo 317º CC
2. A assinatura de um documento de reconhecimento de dívida, pelo preço total de tais cursos, a suportar em prestações mensais, em simultâneo com a assinatura do contrato, não equivale a ato incompatível com a presunção prescritiva de pagamento.
3. Tal presunção de pagamento é ilidível mediante prova em contrário, incumbindo ao credor a prova do não pagamento, prova que apenas pode ser efetuada mediante confissão do devedor.

Maria João Areias ( Relatora )
Alberto Ruço
Vítor Amaral


[1] Maria Raquel Rei, “As Prescrições Presuntivas”, in Liber Amicorum, Francisco Salgado Zenha, Coimbra Editora 2003, pp.610-611.
[2] Maria Raquel Rei, obra citada, p. 610.
[3] José Brandão Proença, “Comentário ao Código Civil, Parte Geral”, Universidade Católica Portuguesa, FD, anotação ao artigo 317º, p. 764.
[4] Maria Raquel Rei, obra citada, p. 618-619.
[5] Dir-se-á ainda que, caso se não entendesse enquadrável na al. a), então preencheria a hipótese da al. b), do citado artigo 317º, por se tratar de um crédito de um comerciante pelo fornecimento de um serviço a um não comerciante.
[6] Cfr., neste sentido, Adriando Vaz Serra, RLJ Ano 109, pág. 248, e Pedro Pais Vasconcelos, “Teoria Geral do Direito Civil”, 2010, 6ª ed., Almedina, pág. 381; em sentido contrário, Luís Carvalho Fernandes, “Teoria Geral do Direito Civil”, 3ª ed., Lisboa 2001, pág. 650.
[7] Cfr., Pedro Pais Vasconcelos, obra citada, pág. 381.
[8] Cfr., Vaz Serra, RLJ Ano 109, pág. 248, e “Prescrições Presuntivas, Algumas Questões”, RLJ Ano 98, pág. 259, nota 1.
[9] Cfr., Adriano Vaz Serra, “Prescrições Presuntivas (…)”, RLJ Ano 98, pág. 241 e 242, RLJ Ano 109, pág. 246, e “Prescrição Extintiva e Caducidade”, BMJ nº 106, Maio 1961, pág. 45.
[10] Cfr., Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I Vol., 4ª ed., Coimbra Editora, pág. 282, Vaz Serra, “Prescrição Extintiva e Caducidade, BMJ nº 106, pág. 44, e António Menezes Cordeiro, “Tratado de Direito Civil Português”, I Parte Geral, Tomo IV, 2005, Almedina, pág. 181.
[11] Cfr., neste sentido, Acórdãos do STJ de 23.02.2012, relatado por Lopes do Rego, de 09.02.2010, relatado por Garcia Calejo, e de 22.01.2009, disponíveis in www.dgsi.pt.
[12] Acórdão relatado por Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, disponível in www.dgsi.pt.