Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
123740/08.5YIPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BARATEIRO MARTINS
Descritores: EMPREITADA
CONSUMO
DEFEITOS
RECUSA DE PAGAMENTO
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
Data do Acordão: 04/21/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: FIGUEIRA DA FOZ – INSTÂNCIA LOCAL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 2º. E 4.º/1 DO DL 67/2003, DE 8 DE ABRIL E 1208.º, 1218.º,1221.º E 1222.º DO C. CIVIL)
Sumário: 1 - Deve ser considerada como empreitada de consumo aquela cuja obra se traduz em portadas e roupeiros para uma moradia do dono da obra, sendo o empreiteiro uma sociedade por quotas que exerce com carácter profissional a actividade económica no sector a que a obra diz respeito.

2 – Na acção daí emergente – visando o pagamento de parte do preço – deve o empreiteiro alegar os elementos essenciais do concreto contrato de empreitada celebrado, identificando convenientemente a obra a realizar, os prazos e os preços combinados e/ou os critérios para os mesmos; após o que deve dizer quais foram exacta e concretamente os trabalhos/obras executados.

3 - Não satisfaz devidamente a alegação da medida/critério da retribuição dizer-se tão só que se executou trabalhos e que se emitiram facturas (especialmente, quando estas não têm qualquer detalhe).

4 – Tendo diversas portadas sido executadas com emendas e havendo almofadas com folgas/frestas, padece a obra da “falta de conformidade” do art. 2.º do DL 67/2003 e do “defeito” da lei geral (1208.º e 1218.º/1 do CC).

5 – Denunciado este (a “falta de conformidade” ou o “defeito”, existentes em mais de metade das portadas), procede razoavelmente, proporcionalmente e de acordo com a boa fé, o dono da obra que, tendo já pago 60% do preço, se recusa a pagar os 40% restantes do preço.

6 - Recusa que, embora a “excepção de não cumprimento” não seja de conhecimento oficioso, deve ser configurada como a invocação de tal “exceptio”.

7 - Denúncia da “falta de conformidade”/“defeito” e recusa em pagar o resto do preço que traz implícita a manifestação dos direitos do dono da obra (constantes dos art. 4.º/1 do DL 67/2003 e 1221.º e 1222.º do C. Civil), nada obstando pois a que se considere validamente invocada a “exceptio”.

8 – Pelo que, validamente invocada, deve o dono da obra ser definitivamente condenado, mas a sua condenação ficar subordinada ao cumprimento simultâneo do empreiteiro (reparação do “defeito”), em consonância com o “indirecto pedido de cumprimento” coenvolto na arguição da “exceptio” e na salvaguarda do equilíbrio contratual.

Decisão Texto Integral:
Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

A... , Lda., com sede em (...) , Pombal, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo especial de injunção, contra B... , residente em (...) , Figueira da Foz, pedindo a condenação deste no pagamento da quantia de € 10.257,00, sendo € 8.535,92 de capital, € 1.673,08 de juros de mora e € 48,00 de taxa de justiça liquidada.

Alegou tão só que “executou por conta do requerido, a pedido deste, portadas em mutane, com madeira do próprio requerido, roupeiros interiores, escada, forro, réguas em pinho, aros interiores, roupeiro de abrir, meia cana (…) ” e “ ainda (…) alterações a porta interior”. E que “após a execução daquela empreitada, o requerente emitiu as correspondentes facturas n.º 06-51 e 06-52, ambas emitidas em 28/07/2006, com vencimento na mesma data, no valor global de € 9.956,89”, tendo “por conta daquelas facturas o requerido apenas pago a quantia de € 1.420,97”, “apesar de diversas vezes interpelado pela requerente para liquidar a quantia em dívida”.

O R. contestou.

Começou por admitir ter contratado a A. para a execução de trabalhos na sua moradia, trabalhos por que já pagou, por duas vezes, a quantia de € 12.000,00; trabalhos que, “apesar de realizados, têm evidenciado graves defeitos”, razão pela qual a A. procurou repará-los, continuando os mesmos a persistir e o R. “a aguardar que a A. proceda à sua reparação” (as portadas, por erro de medição da A., não vedam por completo as janelas em causa e a correcção foi feita com emendas que ressaltam), razão porque entende nada dever à A. e concluiu pela improcedência da acção.

Foi proferido despacho saneador – em que se julgou a instância totalmente regular, estado em que se mantém – e dispensada a selecção/organização da matéria factual e base instrutória.

Designado dia para a audiência, foi, após várias vicissitudes, a mesma concluída e proferida sentença, em que se concluiu do seguinte modo:

(…) decide-se julgar a acção parcialmente procedente, por provada, condenando-se o R. a pagar à A. a quantia de € 8.535,92 logo que esta elimine os defeitos elencados em 7. e 8. dos factos assentes, não sendo devidos até essa data quaisquer juros porquanto o R. não se encontra em mora. (…).

Inconformada com tal decisão, interpôs a A. recurso de apelação, visando a sua revogação e a sua substituição por decisão que condene, sem mais, o R. no pedido.

O R. não apresentou qualquer resposta.

Foram dispensados os vistos legais, cumprindo, agora, apreciar e decidir.

*

II – Fundamentação de Facto

Os autos/recurso estão marcados, a nosso ver e com o devido respeito por opinião contrária, pela congénita insuficiência e escassez na exposição e concretização da matéria de facto.

É recorrentemente assim quando se decide recorrer à providência de injunção e depois, sendo deduzida oposição, não há um despacho de aperfeiçoamento[1] a mandar, no fundo e em termos práticos, o processo começar de novo (ou seja, a mandar a A. alegar tudo o que devia ter alegado e que não consta do requerimento injuntivo).

Compreende-se que se aproveitem as vantagens práticas da providência de injunção – em face da não oposição, na generalidade dos casos, do requerido – porém, quando há oposição, deparamo-nos – especialmente, na fase de recurso, em que já não é possível mandar o processo começar de novo – com situações que, noutros tempos, seriam processualmente difíceis de conceber.

Repare-se:

A causa de pedir[2] – é pacífico – “é o facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido[3], o que quer dizer que a A. deve fazer a indicação dos factos concretos constitutivos do direito invocado, não bastando sequer a indicação da relação jurídica abstracta[4].

Foi isto que a A. não cumpriu devidamente; uma vez que numa acção como a presente, para expor devidamente os factos concretos que hão-de fundamentar a sua pretensão, deve começar por alegar o regulamento contratual combinado (isto é, no caso, os elementos essenciais do concreto contrato de empreitada), identificando as obras a realizar, os preços combinados e/ou os critérios para os mesmos; após o que deve dizer quais foram exacta e concretamente os trabalhos/obras executados.

Depois de apreciar inúmeros recursos interpostos em processos iniciados como injunção – do confronto entre a omissão quase completa e total do que em rigor jurídico-processual tem que ser alegado e a mera e repetitiva alusão a facturas – fica-se até com a ideia que se cuida que a mera emissão e junção duma factura é o fundamento (causa de pedir) da pretensão deduzida, quando, como é evidente, o fundamento está nos concretos negócios/contratos celebrados que as facturas se limitam a documentar para fins contabilísticos e fiscais[5].

Tendo a A. pecado por insuficiência (no mínimo) no cumprimento do disposto no então art. 467.º/1/d) do VCPC, não tendo sido proferido o despacho de aperfeiçoamento do então art. e 508º/1 e 3 do VCPC e prosseguindo os autos em tal “estado” para julgamento, este acabou por ser feito a partir e com base na insuficiente e escassa exposição e concretização da matéria de facto.

E se uma parte significativa de tal insuficiência ficou como que “sanada” com a posição assumida pelo R. na “contestação” (ao alegar “novos” elementos factuais quer do regulamento contratual combinado quer da fase executiva do contrato), a verdade é que o processo ficou e continua em certa medida “invertido”.

Efectivamente, quando, num contrato de empreitada, o empreiteiro pede o pagamento do preço da obra (e é disto que a presente injunção trata) deve alegar, como já se referiu, o regulamento contratual combinado (deve alegar os elementos essenciais da fase estipulativa do concreto contrato invocado, identificando as obras a realizar, os preços combinados e/ou os critérios para os mesmos), após o que deve dizer quais foram exacta e concretamente os trabalhos/obras executados, em função dos quais (e nos termos do regulamento contratual antes alegado) lhe assiste o direito ao preço/pagamento peticionado.

Ora, percorrendo os factos dados como provados da sentença recorrida, não encontramos assentes os elementos essenciais da sua fase estipulativa; sendo certo que sobre os elementos essenciais do regulamento contratual a lei, em regra, não intervém com previsões substitutivas que tomem o lugar da vontade ausente dos sujeitos privados (e compreende-se que assim seja, uma vez que tratando-se dos elementos essenciais, dos elementos que definem a própria lógica da operação, a sua substância e o seu racional económico, é óbvio que a respectiva determinação deve competir, por regra, aos interessados).

É pois isto que os operadores judiciários têm que ter presente quando o litígio emerge dum contrato; isto é, devem alegar um regulamento contratual, devem fazer uma selecção da matéria de facto em que não faltem os elementos essenciais e devem apurar e fixar toda a verdade que for possível (interpelando, se for o caso, as partes para, querendo, manifestarem a vontade de se aproveitar de factos complementares e concretizadores que, não tendo sido alegados, possam ter resultado da instrução da causa) sobre tais elementos essenciais. Doutro modo – se assim não se proceder – poder-se-á estar a impedir a “continuidade”, a operatividade, a validade da operação económica estabelecida, o mesmo é dizer, do contrato.

Num processo, bem vistas as coisas, não há momentos que não sejam de direito; tudo é, bem vistas as coisas, comandado pelo direito[6]; quando se alega, quando se contesta, quando se selecciona a matéria de facto, quando se procede ao julgamento desta, convém estar atento e ciente do direito – tem que se estar, mentalmente, em contínua movimento, entre o “naco” da vida que se procura retratar/fixar processualmente e o direito ao caso aplicável – uma vez que será este a eleger o que deve ser alegado e o que depois será incluído nos despachos processuais.

Vem tudo isto a propósito dos presentes autos não serem, salvo melhor opinião, um exemplo do respeito e cumprimento do que vimos de referir.

Assim, encurtando razões, em face do que foi alegado (e confessado), dos documentos juntos, do que consta da motivação de facto da sentença recorrida, os factos dados como provados – procedendo à análise crítica a que alude o art. 607.º/4 do NCPC (ex vi art. 663.º/2 do NCPC) – devem ser elencados do seguinte modo[7]:

1. Entre Setembro e Novembro de 2005, o R. contratou com a A. a execução, na sua nova moradia sita no (...) , Figueira da Foz, dos seguintes trabalhos:

 - 28 portadas em mutane (madeira do cliente);

 - 15 portas interiores em madeira com almofada em mdf ou madeira maciça (madeira do cliente);

 - 4 roupeiros interiores de abrir modelo persiana com portas em madeira maciça do cliente;

 - Fabricação de forro em madeira fornecida pelo cliente;

 - Fabricação de escada com madeira do cliente;

 - Forro de escada;

 - Réguas em pinho, aros interiores e meia cana.

 - Alterações em porta interior.

2. Tendo sido acordado o preço global, com IVA, de € 20.535,92.

3. A A. executou os trabalhos referidos em 1.

4. Como adiantamento e por conta do preço, o R. entregou ao A. € 12.000,00 (por duas vezes, sendo € 5.000,00, em Outubro de 2005, e mais € 7.000,00, em Março de 2006).

5. A. emitiu as seguinte 3 facturas:

 - n.º 06-38, no valor de € 10.579,03, emitida em 24/05/2006;

 - e n.º 06-51 e 06-52, ambas emitidas em 28/07/06, com vencimento na mesma data, no valor global de 9.956,89€.

6. Apesar de diversas vezes interpelado pela A., o R. não liquidou o remanescente (€ 8.535,92) das duas últimas facturas.

7. Seis das portadas aplicadas não possuem a área necessária para vedar por completo as janelas, apresentando folgas/frestas nos encaixes das almofadas.

8. Vinte e duas das portadas executadas foram corrigidas com emendas.

*

Factos estes a que não se acrescenta, como pretende a A/apelante, o facto considerado não provado na sentença recorrida, ou seja, o ter ficado não provado “ter o R. aceite as emendas referidas em 8”.

A apelação pode ter em vista e como fundamento o controlo/escrutínio da matéria/decisão de facto.

Efectivamente, os DL 329-A/95, de 12 de Dezembro, e 180/96, de 25 de Setembro, ao darem nova redacção ao art.º 712º do CPC[8], vieram ampliar os poderes da Relação na apreciação e controlo do julgamento da matéria de facto efectuado pela 1ª instância; “ampliação” entretanto dilatada pelo art. 662.º do NCPC, segundo o qual a Relação “deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

Sucede, porém – é este o ponto – que, no caso vertente, nenhuma das hipóteses referidas no transcrito art. 662.º do NCPC se verifica.

No caso vertente – como a acta do julgamento o espelha – os depoimentos prestados em audiência, nos quais a 1ª Instância se baseou para decidir a matéria de facto, não foram gravados.

E tal não gravação não constituiu uma nulidade; e, ainda que porventura constituísse, não teria sido arguida nos termos e prazos referidos no art. 155.º/3 e 4 do NCPC.

Não constitui nulidade uma vez que a audiência se iniciou em 26/10/2009, data em que as partes ofereceram as provas; ou seja, em data em que estava em vigor o VCPC, que fazia depender a gravação da audiência de requerimento (art. 512.º do VCPC), o que – tal requerimento – nos autos não aconteceu.

Entretanto, é verdade, quando os depoimentos foram repetidos (em 22/05/2014), estava já em vigor o NCPC que manda (mesmo sem requerimento) que se proceda sempre à gravação (155.º/1 do NCPC).

Assim:

Por o despacho (proferido em 26/10/2009) sobre os meios de prova ter feito caso julgado formal não é o referido art. 155.º/1 do NCPC imediatamente aplicável ao caso; e nenhuma nulidade foi cometido por não se haver procedido à gravação da audiência.

Todavia, ainda que se entendesse que o referido art. 155.º/1 do NCPC é/era imediatamente aplicável ao caso, então, a nulidade devia ter sido arguida – o que não aconteceu – nos termos e prazos referidos no art. 155.º/3 e 4 do NCPC.

Enfim, dum modo ou doutro, a não gravação da audiência é algo que está consolidado nos autos, que é insusceptível de censura processual, aqui e agora; não configurando qualquer nulidade e não provocando qualquer anulação quer da audiência/julgamento quer da sentença.

O que significa que não constam do processo todos os elementos probatórios com que a 1.ª Instância se confrontou, quando decidiu a matéria de facto, e, por conseguinte, não é, com tal fundamento, possível modificar aquela decisão.

Ademais, o processo também não contém quaisquer elementos que, só por si, contrariem o decidido em termos de matéria de facto; nem foi junto qualquer documento, superveniente ou não, que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.

O julgamento da matéria de facto efectuado pela 1ª instância é pois, no caso vertente, imodificável.

Concretizando:

É completamente “imprestável”, com o devido respeito, tudo o que se alegou e concluiu, na peça recursiva da A/apelante, sobre o modo como a prova produzida – documental e testemunhal – devia ter sido apreciada e sobre o que, em face de tal apreciação e análise, devia ter sido ou não dado como provado.

Desde logo – e como é evidente – não se tendo acesso ao conteúdo duma parte da prova (testemunhal) em que a 1.ª Instância também se baseou para decidir/julgar a matéria de facto, fica afastada a possibilidade de com base na outra parte da prova (documental) reapreciar e modificar a decisão de facto.

Tão pouco se verifica qualquer deficiência, obscuridade ou contradição sobre pontos da decisão de facto que suscite o uso dos poderes de rescisão ou cassatórios previstos quer no art. 712.º/4 do CPC quer no art. 662.º/2 do NCPC.

Como é de elementar evidência, não se verifica qualquer deficiência, obscuridade ou contradição, quer na decisão de facto, quer na motivação da decisão de facto; motivação esta em que a Exma. Juíza explica, suficiente e congruentemente, as razões da sua convicção.

Em síntese, não tendo sido requerida e efectuada a gravação da audiência final, uma apelação útil e eficiente ter-se-ia que circunscrever ao controlo/escrutínio da decisão de direito; ao controlo/escrutínio da escolha, subsunção e aplicação do estatuído nas normas.

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III – Fundamentação de Direito

Não se discute que as partes hajam celebrado um contrato de empreitada; que, por definição legal (art. 1207º C. Civil), é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço.

Contrato que é no caso inteiramente consensual (219º do CC)[9].

Mas – é uma 1.ª questão que pode colocar-se – que tipo de contrato de empreitada? O tipo contratual comum ou o sub-tipo contratual de empreitada de consumo?

Muito sumariamente (uma vez que é questão que não releva decisivamente para o desfecho do litígio), a relação de empreitada de consumo é aquela que é estabelecida entre alguém que destina a obra encomendada a um uso não profissional e outrem que exerce com carácter profissional uma determinada actividade económica, a qual abrange a realização da obra em causa, mediante remuneração (cfr. art. 2.º/1 da LDC de 24/96 e 1.º-B/a) do DL 67/2003); efectivamente, são estes sujeitos – com presumida desigual experiência, organização e informação – cuja intervenção simultânea transforma um contrato de empreitada em empreitada de consumo, que justificam a aplicação dum regime especial, visando a protecção da parte considerada mais débil – o dono da obra[10].

Assim, revertendo ao caso dos autos, temos que o “uso não profissional” é algo que “por defeito” pode/deve ser atribuído ao dono da obra a propósito do qual não há qualquer indício dum “uso profissional”, traduzindo-se a obra em portadas e roupeiros para uma sua moradia; por outro lado, o “carácter profissional” é algo que pode/deve ser atribuído ao empreiteiro (uma sociedade por quotas) que exerce com carácter profissional a actividade económica (no sector a que a obra diz respeito).

Estamos pois perante uma relação de consumo (cfr. art. 2.º/1 da LDC 24/96); mais exactamente, perante uma relação de consumo que preenche o sub-tipo de empreitada de consumo.

Na redacção original do DL n.º 67/2003, o art. 1.º/2 – que foi revogado pelo art. 3.º do DL n.º 84/2008[11] – dizia que o seu regime legal era “aplicável aos contratos de fornecimento de bens de consumo a fabricar ou produzir”, entendendo-se que esta designação abrangia os contratos de empreitada cuja prestação se traduzisse na realização duma obra de criação de coisa nova, deixando de fora os contratos que tivessem por objecto a simples reparação, limpeza, modificação, manutenção ou destruição duma coisa já existente[12].

É o caso; foi criado pela A. um bem/coisa nova – portadas e roupeiros – razão pela qual à sua responsabilidade pelos defeitos existentes na obra são aplicáveis as normas especiais contidas na Lei 24/96 (LDC) e o DL 67/2003, normas essas que derrogam as regras gerais do C. Civil em tudo o que estas se revelem incompatíveis com aquelas.

Embora – fechando a abordagem breve da questão – no concreto caso sub judice a solução seja a mesma com ou sem as especialidades do regime do sub-tipo contratual de empreitada de consumo.

O que importa realçar – e resulta do já antes referido – é que estamos perante um contrato de empreitada de que não foi alegado o “regulamento contratual” preciso, exacto e exaustivo das obrigações e das prestações e contra prestações de cada uma das partes; lendo-se o que [não] foi alegado e o que [não] está provado atinente ao regulamento contratual e à fase estipulativa do contrato, de imediato se constata que são muitos os aspectos que desconhecemos; nada se diz sobre o prazo da prestação da A./empreiteiro – sobre o início dos trabalhos e sobre o prazo para a conclusão – sobre o exacto momento do pagamento do preço por parte do R./dono da obra e tão pouco o conteúdo da prestação da A/empreiteiro está definido com total clareza, exactidão e precisão.

Mais, em rigor, nem sequer a retribuição – elemento essencial do conceito/contrato de empreitada e da fase estipulativa e estática do contrato – está suficiente e devidamente alegada no requerimento da A..

Como resulta dos art. 1211.º e 883.º do C. Civil, quanto à medida do preço/retribuição, as partes podem estabelecê-lo por “acordo” e, não havendo acordo, a medida da retribuição é determinada pelo preço que o empreiteiro normalmente pratica à data da conclusão do contrato ou, na falta deste, pelo preço comummente praticado para a realização de obras daquele tipo, no momento e lugar do cumprimento da prestação do empreiteiro, ou, ainda, não sendo estes critérios suficientes, o preço é determinado pelo tribunal segundo juízos de equidade; isto é, quanto à medida do preço/retribuição da empreitada – embora se trate dum elemento essencial do contrato, devendo, como se referiu, as partes, para a validade e eficácia do contrato, prover à sua determinação – a lei até estabelece supletivamente (em relação às lacunas do regulamento contratual) soluções inspiradas em critérios de razoabilidade e de tendencial equilíbrio entre as posições das partes; até admite, sem subverter o programa de autonomia privada prosseguido pelos contraentes, que haja uma determinação “externa” do preço por recurso quer a valores de mercado (e, por isso, segundo uma lógica semelhante à das operações de autonomia privada) quer a valorações equitativas do juiz[13].

Porém, é este o ponto, a cada uma destes vários e sucessivos critérios e medidas de retribuição, deve entender-se que corresponde, em rigor, uma causa de pedir diferente[14], não podendo/devendo o tribunal, independentemente da medida/critério de retribuição invocado – ou mesmo sem qualquer critério ter sido invocado – ir “tentando” todas os outros até encontrar uma medida de retribuição que possa usar.

Abreviando, não satisfaz devidamente a alegação da medida/critério da retribuição dizer-se tão só – como a A./apelante fez no seu requerimento inicial – que se executou trabalhos e que se emitiu facturas[15]; ao proceder-se assim, não se diz sequer se tal preço facturado foi o acordado com o R. ou se é o preço praticado pela A./empreiteiro e, como acabámos de referir, a questão da medida/critério da retribuição é algo que o tribunal não preenche e integra a seu belo prazer[16].

Podemos pois dizer, concluindo neste ponto, que a alegação da fase estipulativa do contrato, por parte da A/apelante, foi bastante escassa.

Como já referimos – estamos a repetir-nos – esta é uma situação recorrente nestes processos, a ponto de sermos levados a pensar que se cuida que a mera emissão e junção duma factura é o fundamento (causa de pedir) da pretensão que se está a deduzir, quando, como é evidente, o fundamento está nos concretos negócios/contratos celebrados que as facturas se limitam a documentar para fins contabilísticos e fiscais.

E isto dos litígios emergentes de contrato de empreitada nem é, salvo o devido respeito, assim tão complexo[17]: primeiro, há que alegar/fixar/estabelecer os elementos essenciais da fase estipulativa do concreto contrato invocado, tendo em vista o devido apuramento dos concretos trabalhos/obras a executar, bem como do preço dos mesmos; segundo, há que alegar/fixar/estabelecer as vicissitudes ocorridas na fase executiva e dinâmica do contrato, tendo em vista demonstrar que foram executados todos os trabalhos acordados e sem defeitos ou vícios.

Enfim, sendo-se severo e formal, em face dos factos que constam da sentença recorrida (que seguem de perto a lógica da alegação da A.), podíamos até dizer que não sabemos como se chega aos preços facturados; e, por conseguinte, a apelação começaria logo por improceder por aplicação/manifestação da proibição da reformatio in pejus.

Foi justamente por tudo isto – voltamos a referi-lo – que alterámos o elenco factual, incluindo a “confissão” do R. quanto aos termos do contrato; tendo em visto encontrar algum alicerce factual para os silogismos jurídicos a efectuar.

Temos pois que o que se passou entre as partes – e que agora está vertido nos factos – é algo diferente do que foi dito no requerimento injuntivo (retratado no relatório inicial); fica longe, como já se referiu, de nos dar um quadro exacto e preciso quer do regulamento contratual quer das vicissitudes da fase executiva, mas permite alinhar e sustentar alguns raciocínios jurídicos.

Assim, quanto ao “regulamento contratual”, sabemos que as partes acordaram o preço global de € 20.535,92 (com IVA); assim como, um pouco genericamente, quais os trabalhos a executar; não sabemos, porém, se algo foi combinado quanto ao modo e momento de pagamento do preço.

Passando à fase executiva, onde a essência do litígio (em que a A. pretende receber uma parte do preço do contrato de empreitada, mais exactamente, € 8.535,92 e juros) se situa, sabemos que os trabalhos combinados foram executados, que o R. pagou/adiantou à A., por conta do preço, a quantia global de € 12.000,00 e que 6 das portadas aplicadas não possuem a área necessária para vedar por completo as janelas, apresentando folgas/frestas nos encaixes das almofadas, e que 22 portadas foram corrigidas com emendas; não sabemos, todavia, com rigor, quando a obra foi terminada, se foi entregue e aceite (com ou sem reservas), se foram denunciados defeitos (quais e quando), se houve a tentativa de reparar quaisquer defeitos, se a reparação foi aceite, etc., etc.

E sem o que factualmente não sabemos – que, repete-se mais uma vez, resulta da insuficiência alegatória – não há grandes lucubrações jurídicas a efectuar.

Basicamente, pode/deve ser dito que, quando alguém se obriga a realizar uma obra, mediante um preço – como aconteceu entre A. e R. – fica obrigado, não só a efectuar os trabalhos e a fornecer os materiais necessários[18] à execução da obra, como também e fundamentalmente a que o resultado final – obra – fique concluído em conformidade com o convencionado e sem vícios; é o que claramente resulta do art. 1208.º do CC.

Daí o dizer-se que é obrigação do empreiteiro executar a obra sem defeitos; que, no contrato de empreitada, o cumprimento do empreiteiro ter-se-á por defeituoso quando a obra tenha sido realizada com deformidades ou vícios (1208.º CC), configurando “deformidades” as discordâncias relativamente ao plano convencionado e constituindo “vícios” as imperfeições que excluem ou reduzem o valor da obra ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato; abrangendo as presunções de não conformidade (constantes do art. 2.º/2 do DL 67/2003) os casos de “vícios” e “desconformidades” da obra, referidos nos art. 1208.º e 1218.º/1, nos quais se sub-divide o conceito mais amplo de “defeito”.

Assim, as folgas/frestas nos encaixes das almofadas de 6 das portadas (não vedando por completo as janelas) e as correcções com emendas em 22 portadas executadas preenchem, fora de qualquer dúvida, quer o conceito de “falta de conformidade” do art. 2.º do DL 67/2003 quer o conceito de “defeito” da lei geral (1208.º e 1218.º/1 do CC).

“Defeitos” estes de que, em face da exiguidade factual, nada conseguimos dizer quanto a terem sido ou não aceites pelo R. ou quanto a terem sido ou não denunciados pelo R. antes e fora da presente acção; sobre estas questões, repete-se, os factos não permitem a elaboração de quaisquer raciocínios jurídicos.

A única coisa que conseguimos dizer é que, sendo o contrato do final de 2005 e a contestação do R. de 28/10/2008, ainda não havia decorrido, na data desta, o prazo de garantia geral de 5 anos constante do art. 5.º/1 do DL 67/2003, pelo que, não tendo sequer sido invocada a caducidade da denúncia dos defeitos (efectuada na e pela contestação), tem a mesma necessariamente que ser reputada como tempestiva.

Sendo assim, os direitos do dono da obra são – seja a relação contratual de consumo ou não, aplique-se o regime especial ou a lei geral – de acordo com os art. 4.º/1 do DL 67/2003 e 1221.º e 1222.º do C. Civil, o direito de reparação das faltas de conformidade, o direito de substituição da obra[19], o direito à redução adequada do preço, o direito à resolução do contrato e o direito à indemnização; e, ainda, a aqui discutida “excepção de não cumprimento”.

Assumindo as diferenças/especialidades entre a lei geral e o regime especial algum relevo prático no modo de articulação/exercício dos diferentes direitos do dono da obra[20].

Enquanto no regime do C. Civil vigoram regras relativamente rígidas que estabelecem várias relações de subsidariedade e de alternatividade entre aqueles direitos, que limitam e condicionam o seu exercício, no âmbito do DL 67/2003 os direitos do dono da obra consumidor são independentes uns dos outros, estando a sua utilização apenas restringida pelos limites impostos pela proibição geral do abuso de direito (cfr. art. 4.º/5 do DL 67/2003).

Ou seja, perante a existência de faltas de conformidade na obra realizada, o dono desta pode exercer livremente qualquer um dos direitos conferidos pelo art. 4.º/1 do DL 67/2003; sem prejuízo, evidentemente, desta liberdade de opção pelo direito que melhor satisfaça os seus interesses dever respeitar os princípios da boa fé, dos bons costumes e a finalidade económico-social do direito escolhido (art. 334.º do C. Civil), o que significa que o respeito por princípios – como o da razoabilidade, da proporcionalidade e da prioridade da restauração natural – conduzirão, algumas vezes, à observância das regras de articulação (dos diferentes direitos do dono da obra) impostas pelo C. Civil e a soluções coincidentes com as do C. Civil.

Em todo o caso – sem prejuízo (da identidade) da solução casuística, em que nunca será demais encarecer o papel que o princípio da boa fé (com tudo o que do mesmo irradia) tem, de acordo com o C. Civil (cfr. 762.º/2), em toda a execução contratual – “o regime dos direitos do dono da obra nas empreitadas de consumo permite uma maior maleabilidade na escolha do direito que melhor satisfaça os interesses deste em obter um resultado conforme com o contratado. Aqui não se pode falar na existência de um direito do empreiteiro a proceder à reparação das faltas de conformidade da obra. O direito de substituição da obra pode ser exercido mesmo em situações em que a reparação das faltas de conformidade é possível. Os direitos de redução do preço e de resolução do contrato não estão apenas reservados para as hipóteses de incumprimento definitivo ou impossibilidade de cumprimento dos deveres de reparação ou substituição da obra, podendo outras circunstâncias justificarem o recurso prioritário ao exercício destes direitos. E o direito de resolução do contrato não está dependente da obra se revelar inadequada ao fim a que se destina, bastando apenas que a conformidade verificada não seja insignificante, perante a dimensão da obra.”[21]

Em síntese, em face das faltas de conformidade provadas – das emendas em 22 portadas e das folgas/frestas em 6 – não procede irrazoavelmente, desproporcionadamente ou contra a boa fé, o dono da obra que, numa obra global consistente em 28 portadas, 15 portas interiores e 4 roupeiros, tendo já pago 60% do preço, se recusa a pagar os 40% restantes do preço.

Efectivamente, o art. 428.º do CC, concede, em certos termos, aos contraentes, nos contratos bilaterais, a “faculdade” de recusar a sua prestação[22].

Faculdade que é evidentemente extensível ao incumprimento parcial e defeituoso; aos casos em que a prestação está mal executada e não corresponde à prestação devida.

Efectivamente, o devedor – no caso, o empreiteiro – só cumpre quando faz/oferece exacta e pontualmente a sua prestação; se cumpre defeituosamente não tem o direito de exigir a respectiva contraprestação.

Dito doutra forma, enquanto não sanar os defeitos da sua prestação, está suspenso o seu poder de exigir a realização da contraprestação, sendo o não cumprimento, temporário ou transitório, da contraparte lícito, não ficando por assim proceder incurso em mora.

“O problema da mora do devedor só se põe em relação a uma não cumprimento imputável ao devedor (art. 804.º/2 do C. Civil) e o problema do não cumprimento imputável ao devedor só se põe em relação a um não cumprimento ilícito; como o não cumprimento temporário ou transitório explicado e/ou justificado pela excepção de não cumprimento não é ilícito, não é (não pode logicamente ser) imputável. O art. 428.º do C. Civil (…) diz ainda, implicitamente, que o excipiente poderá recusar legitimamente a sua prestação, sem ficar constituído em mora debitoris”[23]

“Exceptio”, é certo, que não é de conhecimento oficioso; ou seja, verificando-se os requisitos de que depende o seu funcionamento, fica, ainda assim, o exercício de tal “faculdade/poder” na total disponibilidade dos contraentes, não podendo o tribunal substituir-se ou contrariar o não exercício da faculdade por parte dos contraentes.

Porém – como é o caso – não se poder dizer que o tribunal se está a substituir-se aos contraentes ou a ir contra a posição dos contraentes quando, em obediência e nos termos do art. 664.º do VCPC = 5.º/3 do NCPC, se limitar a qualificar e a aplicar o direito às suas (dos contraentes) próprias alegações e invocações[24].

Sendo a “base” do litígio um contrato bilateral e sinalagmático e traduzindo-se o litígio num pedido de parte do preço, o R. ao alegar/dizer que os trabalhos executados pelo A. não lhe conferem o direito à parte do preço ainda por si não paga, está a invocar a “exceptio”.

Exceptio que, é certo e como vem sendo maioritariamente entendido[25], só pode ser oposta após o dono da obra haver denunciado os defeitos e manifestado a sua opção pelo direito que pretende exercer; mas isto sucede claramente no caso sob recurso quanto à denúncia dos defeitos, a qual, do nosso ponto de vista e tendo em linha de conta o princípio da boa fé, traz implícita/agregada a manifestação do direito à eliminação dos defeitos[26].

E é também justamente por isto que o desfecho final da sentença recorrida merece a nossa total concordância.

Coloca-se, em face da fundada invocação da excepção de não cumprimento do contrato, a seguinte questão: deve o R. ser (temporariamente) absolvido ou deverá ser (definitivamente) condenado a realizar a sua prestação contra a realização simultânea da contraprestação?

Sendo a “exceptio” (uma excepção de direito material, mas dilatória) um meio de defesa destinado a assegurar o respeito pelo cumprimento simultâneo, deve o R. ser já condenado e a sua condenação ficar subordinada ao cumprimento da A.; uma vez que, feito o cumprimento pela A., se dispensa uma nova acção a pedir a condenação do R., ficando desde logo a A. com uma sentença que o legítima a tornar efectiva a obrigação do R..

Neste sentido, refere Calvão da Silva[27], “ (...) parece que a exceptio non adimpleti contratus não deve obstar ao conhecimento do mérito. O juiz deve, isso sim, condenar a realização da prestação contra o cumprimento ou o oferecimento de cumprimento simultâneo da contraprestação, em consonância com o “indirecto pedido de cumprimento” coenvolto na arguição da exceptio e salvaguarda do equilíbrio contratual. O entorpecimento da execução desta sentença é evitado pelo art. 804.º do CPC, ao incumbir ao credor a prova de que efectuou ou ofereceu a prestação correspectiva».[28]

Identicamente, refere Nuno Oliveira que “o art. 662.º do CPC [actual 610.º do NCPC] deve aplicar-se, por analogia, sustentando-se que o credor/devedor excipiente há-de ser condenado a realizar a prestação contra a realização simultânea da contraprestação do seu contradevedor. (…) O facto de o devedor da prestação/credor da contraprestação não ter actuado o seu contra-direito em processo declarativo não extingue a relação de dependência entre a prestação e a sua contraprestação[29].

Sendo assim, bem fez a sentença recorrida ao condenar o R. a pagar à A. a quantia de € 8.535,92, logo que esta elimine os defeitos elencados em 7. e 8. dos factos, não sendo devidos quaisquer juros por o R. não se encontrar em mora.

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IV - Decisão

Nos termos expostos, decide-se julgar totalmente improcedente a apelação e confirma-se a sentença recorrida.

Custas, em ambas as instâncias, pela A./apelante.

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Coimbra, 21/04/2015

(Barateiro Martins - Relator)

(Arlindo Oliveira)

(Emídio Santos)


[1] No caso, nós teríamos proferido tal despacho de aperfeiçoamento; porém, embora se trate dum poder/dever não constitui, a sua não prolação, uma nulidade a ser aqui, para mais oficiosamente, conhecida.

[2] Seguimos de perto o que, a tal propósito, já temos escritos noutros e idênticos processos.
[3] Antunes Varela, Manual de Processo, pág. 234.

[4] Não correspondendo ao cumprimento do ónus de exposição/alegação dos factos que servem de fundamento à pretensão (cfr. 467.º/1/d) do CPC) a simples referência a conceitos legais ou a afirmação de certas conclusões sem o suporte e enquadramento em factos subjacentes – cfr. Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil, Vol. I, pág. 204 e ss., local em que explica as diferenças entre a teoria da individualização e da substanciação (esta última consagrada, desde 1939, no nosso VCPC e NCPC).
[5] Fica-se com a ideia que, na prática, o requerimento injuntivo está a ser utilizado como uma espécie de “saque” (com o sentido jurídico que esta expressão tem na LULL) sobre o requerido, representando a não oposição à injunção uma espécie de “aceite”; porém, lembra-se, nas letras e livranças, quando não há “aceite”, o saque de nada vale contra o sacado (que aqui será o requerido).

[6] As “questões de facto” são-no por o direito aplicável lhes conferir relevo, isto é, as “questões de facto” são-no por referência a uma concreta solução/construção de direito, uma vez que é e será sempre o direito a dar ou a negar aos factos a configuração de “questão de facto”.
[7] Na sentença recorrida estão elencados os seguintes factos:

1. A A. executou por conta do requerido, a pedido deste, portadas em mutane, com madeira do R., roupeiros interiores, forro de escada, forro, réguas em pinho, aros interiores, roupeiro de abrir e meia cana.

2. Executou, ainda, a A., a pedido do R., alterações em porta interior.

3. Nessa sequência, a A. emitiu as facturas nº 06-51 e 06-52, ambas emitidas em 28/07/06, com vencimento na mesma data, no valor global de 9.956,89€.

4. Por conta daquelas facturas, o R. pagou a quantia de 1.420,97€.

5. Apesar de diversas vezes interpelado pela A. para liquidar o remanescente, não procedeu o R. ao seu pagamento.

6. O R. contratou a A. para a execução dos trabalhos e serviços referidos em 1., a serem realizados na sua nova moradia sita no (...) , Figueira da Foz.

7. Seis das portadas aplicadas não possuem a área necessária para vedar por completo as janelas, apresentando folgas/frestas nos encaixes das almofadas.

8. Vinte e duas das portadas executadas foram corrigidas com emendas.

[8] Em que então se passou a dizer que a Relação podia alterar a decisão sobre a matéria de facto:

a) se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do art. 685º-B, a decisão com base neles proferida;

b) se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;

c) se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.

[9] Sendo o contrato de empreitada do final de 2005, era-lhe aplicável o art. 29.º do DL 12/2004 (na redacção inicial), de que não resulta, em face do seu valor, a obrigatoriedade da sua redução a escrito e o ter que ter um “conteúdo mínimo”.
[10] Cabendo, justamente por isto, o ónus da prova de tais qualidades ao dono da obra (tendo em conta que, em condições normais, será o beneficiado com a aplicação deste regime).

[11] O DL 67/2003 (assim como as alterações ao mesmo introduzidas pelo DL n.º 84/2008) visa a protecção de interesses de ordem pública, alheios aos interesses particulares que presidiram à formação do contrato, pelo que as suas regras devem aplicar-se aos contratos cuja prestação do empreiteiro se encontre em execução, ainda que celebrados em data anterior à sua entrada em vigor.

[12] Entretanto, a nova redacção do art. 1.º-A/2 do DL n.º 67/2003, introduzido pelo DL n.º 84/2008, passou a referir expressamente a aplicação de tal regime legal aos “bens de consumo fornecidos no âmbito dum contrato de empreitada”; formulação que se entende continuar a excluir os contratos de empreitada em que não é fornecido, produzido ou criado um bem, incidindo as obras de reparação, limpeza, manutenção ou destruição sobre um bem pré-existente, até por o regime do referido diploma está construído intencionalmente para situações em que exista a entrega dum bem a um consumidor por um profissional.

[13] Equidade que aqui funciona como um subsídio da autonomia privada (e não em conflito com ela); que opera para suprir as previsões lacunosas da estipulação entre as partes convencionada e para, assim, permitir que o negócio prossiga e se realize adequada e completamente; que confere ao juiz poderes de determinação concreta do regulamento contratual, em relação a pontos deste que não resultem definidos ou definíveis com base na vontade das partes e nas outras fontes de integração do contrato (de que são exemplo, desta “lógica” da equidade, os art. 883.º, 1158.º, 1211.º e o remissivo 939.º, todos do C. Civil).
[14] Cfr., neste sentido (para a situação do art. 1211.º do C. Civil), Ac. Relação do Porto de 17-05-1984, in, CJ 1984, Tomo III, p. 265.

[15] Em que a falta de detalhe está bem à vista na factura 06-51, em que se diz:

- mão de obra na fabricação de portadas – quantidade 1 – preço unitário € 1.680,00;

- mão de obra na fabricação de roupeiros – quantidade 1 – preço unitário € 4.291,00.
[16] As faltas de alegação notam-se bem quando há discussão real e efectiva entre as partes; se o R. tivesse contestado o valor inscrito nas facturas, a discussão de facto iria incidir – pergunta-se – sobre que factos? É que os preços unitários constantes da nota anterior não fazem qualquer sentido!
[17] Torna-se complexo, com o devido respeito, quando se alega “meia dúzia de linhas”; é, aliás, bastante paradoxal que, após uma alegação inicial de “meia dúzia de linhas”, possa haver matéria para alegações recursivas de dezenas de páginas (e que, mea culpa feita, o tribunal ad quem produza um acórdão com 25 páginas). Com todo o respeito, tudo seria mais simples e a Justiça ganharia em eficiência e qualidade, se houvesse cuidado e rigor no que se alega!
[18] Quanto aos materiais/madeiras, parece que nem seria o caso.
[19] Sendo no C. Civil os dois primeiros designados como direito à eliminação dos defeitos e à realização de obra nova.

[20] A lei geral não estabelece – como o art. 12.º/1 da redacção inicial da LDC ou como o art. 3.º/1 do DL 67/2003 – a responsabilidade objectiva do empreiteiro pela falta de conformidade da obra realizada (relativamente aos referidos direitos de eliminação das deficiências, de realização de nova obra, de redução do preço e de resolução do contrato), porém, em face da presunção de culpa constante do art. 799.º/1 do C. Civil, tal diferença de regime (entre a lei especial e a lei geral) acaba por não ter grande relevância prática.
[21] João Cura Mariano, in Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 4.ª ed., pág. 226.
[22] Dispõe-se no art. 428.º, n.º 1, do CC que “se nos contratos bilaterais não houve prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo”; e que no caso não há prazos diferentes resulta da mera circunstância de não sabermos o que foi combinado quanto ao modo e momento de pagamento do preço, ou seja, vale o art. 1211.º/2 do C. Civil, que dispõe que “o preço deve ser pago, não havendo cláusula ou uso em contrário, no acto de aceitação da obra.”
[23] Nuno Oliveira, Princípios de Direito dos Contratos, pág. 803.

[24] Realmente, quando se diz que um determinada meio de defesa é uma excepção em sentido próprio e técnico – o mesmo é dizer, uma excepção que não pode ser conhecida oficiosamente – apenas se pretende dizer e significar que a alegação dos factos que lhe servem de base têm que ser da iniciativa do interessado na excepção; mas não se exige que o interessado, além da alegação dos factos, tenha que efectuar e acertar o enquadramento jurídico dos mesmos.

[25] Cfr. Cura Mariano, in “Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra”, 4.ª ed., pág. 145/6 e inúmeros acórdãos aí citados.

[26] Tanto mais que não está dito/provado que tenha ele próprio procedido à eliminação dos defeitos, continuando a A/empreiteira a ter oportunidade de proceder à sua eliminação (tarefa em que o R. tem que dar a sua colaboração para não incorrer em mora creditoris).
[27] Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, pág. 335.
[28] Neste sentido, também, Vaz Serra, “ A Excepção do Contrato Não Cumprido”, BMJ 67, pág. 33 e segs.; José João Abrantes, A Excepção de Não Cumprimento, pág. 141 e ss; Nuno Oliveira, obra citada, pág.803/5. Em sentido diverso – no sentido da procedência da exceptio implicar a absolvição (temporária) do pedido, porque a lei não permite a condenação condicional, sendo que inexiste caso julgado quanto à posterior acção – Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. III, pág. 80 e segs. e Miguel Mesquita, Reconvenção e Excepção no Processo Civil, 2009, pág. 95, segundo qual “afastada no nosso sistema, como resulta do art.673, a figura da condenação condicional, o tribunal não deve, uma vez provada a exceptio non adimpleti contractus, condenar o réu a cumprir a prestação se e quando o autor realizar a correspondente contraprestação. Ficando o juiz convencido de que também o autor se encontra em falta, deverá proferir uma sentença absolvendo temporariamente o réu do pedido”.
[29] Nuno Oliveira, obra citada, pág.804.