Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1041/07.2TBCNT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO BEÇA PEREIRA
Descritores: MATÉRIA DE FACTO
RECURSO
NULIDADE DE SENTENÇA
CUSTAS
Data do Acordão: 03/09/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CANTANHEDE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 668.º, 1 D); 712.º, N.º 1; 449.º, N.º 1 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: 1. O uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados.

2. A omissão a que se reporta a alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil só ocorre se e quando o juiz tiver que conhecer a questão que acaba por não apreciar, pois do princípio de que a sentença deve resolver todas as questões suscitadas pelas partes exceptuam-se aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Logo quando a apreciação de certo pedido fica prejudicada, o silêncio do juiz nessa parte não corresponde à mencionada omissão.

3. A expressão “a não conteste” do n.º 1 do artigo 449.º do Código de Processo Civil tem que ser interpretada numa perspectiva de substância e não de forma. O que interessa para esse efeito não é saber se foi apresentado o articulado de contestação; o que importa é, no caso de haver contestação, determinar se nela se discute, se impugna, se deduz oposição ou se se defende a improcedência da pretensão ou pretensões do autor.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

 


I

A... e B... instauraram, na comarca de Cantanhede, a presente acção declarativa, com processo sumário, contra C... e D... , pedindo a condenação destes a reconhecerem a sua (dos autores) propriedade relativamente ao prédio misto sito em ...., ...., inscrito na matriz sob o artigo urbano .....º e rústico .....º e descrito na Conservatória do Registo Predial de .... sob o n.º ...., bem como a reconhecerem que o muro é parte integrante da mesma, sendo da sua exclusiva propriedade; a colocarem o muro que derrubaram na situação em que se encontrava, bem como, a reporem o muro antigo no estado em que se encontrava antes das obras por ele efectuadas; a absterem-se de praticar qualquer acto que impeça ou obste o normal uso e fruição da propriedade dos autores, incluindo o muro em causa; a indemnizar os autores pelos prejuízos causados, a liquidar em sede de execução de sentença e a pagar os juros de mora sobre todas as quantias que venham a ser apuradas, desde a data de verificação do prejuízo até integral pagamento.

Alegaram, em síntese, que são proprietários desse prédio sito em .... e que os réus construíram abusivamente um muro em cima de um outro já existente nesse imóvel, tendo previamente destruído parte do mesmo.

Os réus contestaram impugnando que o muro seja propriedade dos autores, porquanto foram os antepassados da ré que procederam à sua construção devendo, por isso, a acção improceder.

Proferiu-se despacho saneador e seleccionou-se a matéria de facto relevante para a decisão da causa, fixando-se a matéria provada e a controvertida.

Realizou-se a audiência de julgamento.

Foi proferida sentença em que se decidiu:

Nestes termos e com os fundamentos supra expostos julgo parcialmente procedente, por provada, a presente acção e, em consequência condeno os réus C.... e D.... a reconhecerem que os autores A.... e B... são proprietários do prédio misto sito na freguesia de ...., no concelho de ...., inscrito na matriz predial sob o artigo urbano .....º e rústico .....º e descrito na Conservatória do Registo Predial de .... sob o n.º .....

No mais, julgo a acção improcedente.

Inconformados com tal decisão, os autores interpuseram recurso, que foi admitido como de apelação e com efeito meramente devolutivo, concluindo a respectiva motivação, com as seguintes conclusões:

I- A Douta Sentença padece de vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, que expressamente se invoca para os devidos e legais efeitos.

II- Como tal, impõe-se a reapreciação da prova produzida em sede de Audiência de Julgamento, pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, com efeitos na prova produzida e dada como provada.

III- Há prova nos Autos que permite claramente que fosse dado como provado o teor dos quesitos 1 e 2, considerando que tais pontos foram incorrectamente julgados.

IV- Em abono da perspectiva dos Apelantes, está o depoimento prestado pela testemunha E... , cujo depoimento se encontra gravado no dia 11-02-2009, desde as 16 h, 05 m e 40 s, até às 16 h, 24 m, 51 s, que declarou que conhecia o aludido muro desde pequena, e que sempre ouviu dizer aos Pais da Autora que o muro lhes pertencia; que brincou quando era criança em cima desse muro, e que a mãe da ora Autora, lhe dizia para não ir para o outro muro que não lhes pertencia, e que tinha vidros. Declarou ainda que o muro fazia uma curva para dentro da propriedade da Autora, e que entretanto foi demolido, mas que ainda lá se encontram os alicerces.

V- Do mesmo modo, resulta do depoimento da testemunha F.... cujo depoimento se encontra gravado desde as 16 h, 25 m, 29 s até às 16 h. 49 m, 53 s, que declarou que viu o muro a ser construído pelo Pai da Autora, que o muro foi construído pelo Pai da Autora, que tinha a alcunha de G.... , com a ajuda de dois familiares, o H... , e I... e ainda que o muro foi construído há cerca de 70 anos, quando o depoente era ainda criança.

VI- Resulta do depoimento da testemunha J.... que também falou que brincou em cima do muro quando era criança, que o muro fazia uma curva para dentro da propriedade da Autora, e que a Mãe da Autora lhe dizia para não irem brincar para cima do outro muro, que não lhe pertencia, e que tinha os vidros por cima, e ouviu dizer de pessoas mais velhas que o muro pertencia aos Pais da Autora, tendo mencionado a própria Mãe do depoente, que estava indicada como testemunha, mas que não podia comparecer por motivo de doença, estando esse depoimento gravado desde as 16 h, 49 m, e 54 s, até às 17 h, 11 m, 01 s.

VII- Esses factos declarados pelas testemunhas supra indicadas estão confirmados nos Autos pela Inspecção Judicial ao local, onde o Senhor Juiz verificou no local os alicerces dentro da propriedade da Autora, bem como por fotografias juntas nos Autos.

VIII- Nessas fotografias vê-se claramente que o muro está cravado dentro da parede da casa de habitação que é também propriedade da Autora.

IX- Conjugando-se os depoimentos das três testemunhas supra mencionadas, com os vestígios existentes do muro dentro da propriedade da Autora, e ainda com o facto de o muro estar cravado na parede da casa de habitação da Autora, como resulta claramente do Auto de Inspecção Judicial e das fotografias juntas aos Autos, impunha-se que os quesitos 1 e 2 deveriam ter sido dados como provados, sendo que o quesito 2 deveria constar que o muro foi construído pelo pai da Autora, há cerca de 70 anos.

X- Quanto ao Quesito nº 5, tal quesito deveria ter sido dado como provado, tendo em conta a forma como deveria ter sido dado como provados os quesitos 1 e 2, e tendo em conta os mesmos depoimentos das testemunhas supra mencionadas, nos quais resulta claro que nunca houve qualquer oposição ao uso e fruição do aludido muro.

XI- Está dado como provado nos factos assentes, no ponto E, que os Autores sempre utilizaram e fruíram o prédio mencionado no ponto A, há mais de 20 anos e sem oposição de ninguém.

XII- Está dado como provado no ponto assente G, que os 50 cm de muro derrubado haviam sido construídos pelos Autores e que esse acrescento no muro em litígio foi construído no ano de 1999, como está dado como provado quanto ao Quesito 3.

XIII- Está dado como provado no ponto assente F, que os Réus destruíram parcialmente e em toda a extensão do muro, os 50 cm que tinham sido acrescentados pelos Autores e ficou dado como provado no ponto 6 da base instrutória, que em virtude da aludida destruição do muro, os Autores ficaram impossibilitados de utilizarem e fruírem parte do seu prédio.

XIV- Não há qualquer prova de que tenha havido qualquer reacção por parte dos antepossuidores do prédio dos Réus, quando os Autores construíram o acrescento do muro.

XV- Em face dos depoimentos supra mencionados, bem como das provas existentes nos Autos, e dos restantes factos dados como provados, teria de ser dado como provado o Quesito 5º.

XVI- Como consequência desta factualidade que se considera erradamente apreciada e tendo em conta a forma como os Autores entendem modestamente que deveria ter sido dada como provada, tendo em conta a restante factualidade dada como provada e com a qual se concorda, tendo em conta as fotografias dos Autos, o Auto de Inspecção Judicial, bem como o facto de os anteproprietários da propriedade dos Réus não terem efectuado qualquer oposição aos actos praticados no muro pela Autora, e por fim, tendo em conta a reacção pronta dos Autores em defesa da sua propriedade, quando foram vítimas de ofensa à mesma por parte dos Réus, impunha-se que fosse dado provimento aos pedidos formulados pelos Autores.

XVII- A Douta Sentença é omissa quanto aos pedidos relativos aos danos causados pelos Réus no muro, sendo Nula nos termos do disposto no artigo 688º, nº 1, al. d) do C.P.C..

XVIII- Nos Autos, não resultam quaisquer dúvidas de que parte do muro foi construído pelos Autores.

XIX- Como consequência, deviam ter sido os Réus condenados a indemnizarem pelos danos causados à propriedade dos Autores.

XX- Por fim, quanto às Custas, resulta dos Autos que os Autores foram condenados a pagarem as custas do processo, no entanto, os Réus foram condenados parcialmente quanto a um dos pedidos.

XXI- Como tal, não deveriam ser os Autores condenados a pagarem as custas na totalidade, mas sim apenas na proporção do decaimento.

XXII- Há Vício de Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, e Erro manifesto na apreciação da prova testemunhal produzida em sede de Audiência de Julgamento, designadamente os depoimentos das testemunhas E...., F.... e J...., cujo teor, conjugado com as fotografias e auto de Inspecção judicial implicavam resposta positiva aos quesitos 1,2 (com a correcção do tempo de o muro ter sido construído há cerca de 70 anos) e 5.

XXIII- Há Erro manifesto na Interpretação e Aplicação do Direito.

XXIV- Há Nulidade da Douta Sentença por omissão de pronúncia relativamente à indemnização peticionada pelos danos causados aquando o derrube do muro de que não é colocada em causa a propriedade dos Autores.

XXV- Indicam-se como violadas, entre outras, as normas constantes dos artigos 1.305º, 1.344º, e artigo 668º nº 1, al. d) do C.P.C., entre outras.

Terminam dizendo que se deverá revogar a sentença recorrida proferindo-se decisão em que:

- Seja efectuada uma reapreciação da prova produzida em sede de Audiência de Julgamento, com efeitos na prova produzida e dada como provada.

- Seja efectuada uma reapreciação da prova dada como provada e existente nos Autos, que não é impugnada pelo presente recurso.

- Seja efectuada uma reapreciação da Interpretação e Aplicação do Direito, que motivou a absolvição dos Réus quanto aos pedidos formulados, e nos quais não foram condenados, no sentido, em face da matéria factual que deverá ser dada como provada, serem condenados os Réus em todos os pedidos constantes da petição inicial.

- Caso assim se não entenda, pelo menos deveriam os Réus serem condenados a indemnizarem os Autores pelos danos causados com a destruição do muro construído pelos mesmos em 1999, e cuja propriedade não foi colocada em causa.

- Deveriam os Réus serem condenados igualmente nas custas judiciais, na proporção do decaimento, e não apenas os Autores condenados ao pagamento integral das custas.

Os réus não apresentaram contra-alegações.

Colhidos os vistos legais, há que decidir.

Tendo em linha de conta que, nos termos do preceituado nos artigos 684.º n.º 3 e 690.º n.º 1 do Código de Processo Civil, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e, considerando a natureza jurídica da matéria versada, as questões a decidir são as seguintes:

a) se foi correctamente apreciada a prova produzida quanto aos factos que constam nos quesitos 1.º, 2.º e 5.º da base instrutória;

b) se a sentença é nula nos termos do disposto no artigo 668[1].º n.º 1 d) do Código de Processo Civil, por ser omissa quanto aos pedidos relativos aos danos causados pelos réus no muro e se, pelo menos, os réus deviam ser condenados a indemnizarem os autores pelos danos causados com a destruição do muro construído pelos mesmos em 1999, e cuja propriedade não foi colocada em causa.

c) se as custas dos autos devem ficar exclusivamente a cargo dos autores.


II

1.º


Irá começar-se pelo julgamento da questão de facto, uma vez que ela tem precedência lógica sobre as questões de direito.

Nos quesitos 1.º, 2.º e 5.º consta:

1.º- O muro referido em F) encontra-se construído no prédio dos autores referido em A)?

2.º- (…) tendo sido construído pelo pai da autora, L.... , há cerca de 100 anos?

5.º- Os autores, por si e antes os legítimos antepassados e ante proprietários do prédio referido em A), à vista de quem quer que fosse, sem oposição de pessoa nenhuma, ininterruptamente, e há mais de 20 anos, e na convicção de usufruírem coisa exclusivamente sua própria, têm utilizado e fruído o muro referido em F)?

A estes três quesitos a Meritíssima Juíza respondeu não provado.

Fundamentou essas respostas dizendo que:

A matéria constante do art. 1.º da base instrutória, mereceu resposta negativa, porquanto não foi feita qualquer prova, no decorrer da audiência de discussão e julgamento, respeitante à realidade da mesma, Com efeito, nenhuma das testemunhas indicou qual a concreta extensão do prédio em causa ou se referiu ao muro como estando implantado dentro daquela área, circunscrevendo-se todos os depoimentos apenas à propriedade do muro.

O quesito n.º 2 da base instrutória mereceu resposta negativa atentas as imprecisões e inconsistências do depoimento da testemunha F... e face ainda às contradições verificadas no confronto com o depoimento de M.... e o desconhecimento directo de tais factos pelas restantes testemunhas.

Concretamente, a referida testemunha - F... - que nasceu em 1927, afirmou ter presenciado a construção do muro há cerca de 70 anos atrás, mas não foi suficientemente segura nem clara quanto à propriedade do muro.

É que, não obstante ter assegurado, por diversas vezes, que o muro tinha sido construído pelos pais da autora, por outro lado, referiu que parte do muro já existia na apontada data e que o mesmo foi aumentado pelo pai da autora mediante acordo com os antepassados da ré, os quais teriam afirmado que o muro era da propriedade dos primeiros. Acresce que, não conseguiu justificar, com credibilidade, o porquê de ter presenciado tal conversa, nem a lógica da mesma.

Por outro lado, a testemunha M...., apresentada pelos réus, com 72 anos de idade, contrariou esta versão, ainda que de forma não totalmente credível, mas descrevendo o muro corno sendo velho na altura em que tinha 10 anos, ou seja, que o mesmo teria sido construído ainda antes do nascimento da testemunha F.....

As demais testemunhas, todas de idades inferiores, foram unânimes em afirmar a existência do muro quando eram pequenas mas nenhuma afirmou ter presenciado a sua construção, sendo, por isso, o seu depoimento inócuo para a prova deste facto.

Neste conspecto, refira-se ainda que o depoimento da testemunha E.... não foi esclarecedor quanto à ligação entre estes alicerces e a continuidade do muro.

A resposta negativa ao quesito 5.º deveu-se à incompatibilidade e contradição entre os depoimentos prestados pelas testemunhas dos autores e pelas testemunhas do réus, não gozando nenhum deles especial credibilidade que pudesse prevalecer em relação aos outros e de forma a confirmar os factos alegados. Ademais, nenhuma das testemunhas apresentadas -E... e J.... - conseguiu identificar outros actos que tivessem sido concretamente praticados pelos autores que não os referidos na alínea G) dos factos assentes.

Convém, antes de mais, salientar que a gravação dos depoimentos das testemunhas tem uma fraca qualidade, havendo até pequenas partes em que não se consegue sequer perceber o que é dito. Essa má qualidade ocorre particularmente no depoimento da testemunha M..., originando que não seja perceptível a maior parte do que disse. Mas, nenhuma das partes suscitou qualquer questão nesta matéria, pelo que se conclui que aquilo que é audível é suficiente para se poder compreender adequadamente o sentido das declarações prestadas.

No que se refere à matéria do quesito 1.º há que, desde logo, destacar que nenhuma das seis testemunhas que foram ouvidas se referiu aos limites do prédio dos autores (e ao dos réus); ninguém disse até onde é que se estende tal imóvel e qual é a sua extrema, onde ela se situa, nomeadamente na parte que confina com o dos réus. Em abono da verdade, deve também esclarecer-se que, estranhamente, tal questão não foi colocada a qualquer uma das testemunhas. Aliás, os autores também não chegaram a alegar na sua petição inicial onde se situa essa extrema; limitaram-se a dizer, de modo conclusivo, que o muro está na sua propriedade[2].

O que se perguntou, repetidamente, às testemunhas foi a quem pertence o muro.

Nessa medida, tem a Meritíssima Juíza razão quando, ao fundamentar a resposta negativa que deu a este quesito diz que nenhuma das testemunhas indicou qual a concreta extensão do prédio em causa ou se referiu ao muro como estando implantado dentro daquela área, circunscrevendo-se todos os depoimentos apenas à propriedade do muro.

Acresce que à referida pergunta a quem pertence o muro, as três testemunhas arroladas pelos autores responderam que pertence a estes e as três indicadas pelos réus disseram que era deles (dos réus) o muro, originando uma situação de dúvida séria quanto à veracidade dos factos que cada uma delas mencionou para a conclusão que extraiu. Aliás, desses depoimentos resulta claro que o muro é muito antigo, o que ainda mais dificulta a apreciação de tal matéria fáctica. Segundo a testemunha F..., a mais velha de todas, o muro teria sido construído quando ele tinha 12 anos (essa testemunha declarou ter nascido em 1927).

Os autores nas suas alegações de recurso salientam as afirmações feitas pelas testemunhas por eles arrolados. Mas a prova não se resumiu a tais depoimentos. As outras três testemunhas também se pronunciaram quanto a esta matéria, prestando declarações em sentido oposto, pois M...(que tem 72 anos) disse que o muro é da ré, acrescentando que a casa da D.... está rodeada de muros dela. N.... (que tem 48 anos) afirmou que o muro era do pai da Dona D.... e O.... (que tem 55 anos) também depôs neste sentido.

O que se passou quanto ao perguntado no quesito 2.º é muito idêntico ao sucedido com o primeiro quesito.

A testemunha E....(sobrinha da autora) disse que o muro foi construído pelo seu avô, que era o pai da autora. Mas, não foi muito segura nessa sua afirmação, tendo chegado a acrescentar que devia ser o meu avô que Deus tem quem o (o muro) fez. Mas esse muro já existia quando esta testemunha (que tem 62 anos) era criança. F... afirmou que o muro foi construído pelo pai da autora, que nessa ocasião foi ajudado por dois cunhados, e J... declarou não saber quem fez tal construção.

Segundo M... o muro foi feito pelo bisavô (Sr.P...) da ré. O.... disse que quem construiu o muro foi o P.... (bisavô da ré), pois foi isso que os pais e o avô desta lhe disseram. E N.... declarou que sempre ouvi dizer que o muro era do pai da Dona D.....

Nenhuma das testemunhas foi suficientemente credível para, nesse aspecto, se destacar das restantes e merecer especial credibilidade.

Assim, face às contradições entre os depoimentos, a que acrescem as dificuldades de estar em causa um facto ocorrido há já mais de cinquenta anos, não é possível chegar-se a uma conclusão segura.

A resposta de não provado dada ao quesito 5.º reflecte, como bem salientou a Meritíssima Juíza, a incompatibilidade e contradição entre os depoimentos prestados pelas testemunhas, a que se junta a circunstância de, como também se diz na fundamentação da resposta à matéria de facto, nenhuma das testemunhas apresentadas - E.... e J... - conseguiu identificar outros actos que tivessem sido concretamente praticados pelos autores que não os referidos na alínea G) dos factos assentes.

Por outro lado, não se vê por que motivo é que, face ao que já se encontra sob E, F e G dos factos assentes, se teria que dar uma resposta diferente à matéria deste quesito 5.º. E a resposta dada não está em contradição com esses factos, nem eles a condicionam.

Acresce que das fotografias juntas aos autos e o teor da acta das folhas 156 a 158, que se refere à inspecção ao local, não resulta qualquer elemento que, só por si e/ou conjugada com a prova testemunhal, possa conduzir à conclusão segura de que ocorre algum dos factos a que se referem os quesitos 1.º, 2.º e 5.º.

Finalmente, há que dizer que a Meritíssima Juíza, para formar sua convicção, beneficiou ainda da deslocação que fez ao local, apercebendo-se da realidade de uma forma que vai muito para além do que consta da acta das folhas 156 a 158, visto que não é possível descrever tudo quanto é perceptível pelo simples facto de se ver o local em causa. E, nessa ocasião, a Meritíssima Juíza, tal como diz na fundamentação da resposta ao quesito 4.º, teve ainda a oportunidade de obter esclarecimentos de três testemunhas, esclarecimentos esses que, por não terem sido gravados, se desconhecem. Finalmente, importa ainda lembrar que todas as testemunhas foram, no decorrer dos seus depoimentos, confrontadas com algumas das fotografias juntas aos autos, prestando esclarecimentos que, em grande parte, não se conseguem perceber apenas pela audição das suas palavras.

Portanto, tem que se reconhecer que a Meritíssima Juíza formulou o seu juízo com base em alguma informação a que este tribunal de recurso não consegue aceder. Significa isso que a Meritíssima Juíza está em melhor posição para fazer o julgamento de facto. Por isso mesmo é que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados[3].

Examinada a prova produzida nos autos, não se encontra fundamento para censurar as conclusões a que a Meritíssima Juíza chegou quando respondeu não provado a esses três quesitos, pelo que não se altera a matéria de facto que foi fixada na 1.ª instância.


2.º

Estão provados os seguintes factos:

1 – Encontra-se inscrito na Conservatória do Registo Predial de ...., sob o n.º ...., o prédio misto composto por casa de habitação de rés-do-chão com 70 m2, dependências com 85 m2, pátio, quintal, poço e eira com 1300 m2 e terra de cultura com 3.150 m2, que confronta do Norte com ....; Sul com ....; Nascente com Á .... e outros e Poente com caminho, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de .... sob o artigo .....º e rústica com o artigo .....º.

2 – Por Ap. 29/160799, encontra-se registada a aquisição do prédio referido em 1[alínea A) dos factos assentes] a favor do autor, casado com a autora no regime da comunhão geral.

3 – Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de ...., sob o n.º ...., o prédio urbano composto por casa de habitação de rés-do-chão, com área coberta de 75 m2, dependências 45 m2, pátio, quintal, eira e poço, com 3.150 m2, confrontando a norte com .... e outros, nascente .... e outros; sul e poente estrada.

4 – Por Ap. 06/291203, encontra-se registada a aquisição do prédio referido em 3 [alínea C) dos factos assentes] a favor dos réus.

5 – Sempre os autores, por si e antes os seus legítimos antepassados e anteproprietários do imóvel referido em 1 [alínea A) dos factos assentes], à vista de quem quer que fosse, sem oposição de pessoa alguma, ininterruptamente, e há mais de 20 anos, e na convicção de usufruírem coisa exclusivamente sua própria, têm utilizado e fruído o dito prédio, e colhendo-lhe os normais frutos, produtos e vantagens.

6 – No passado dia 12.07.2006, os réus, vizinhos confinantes do lado nascente dos autores, destruíram parcialmente, em toda a sua extensão um muro, com o comprimento de cerca de 28 metros e com a altura de 1,5 metros derrubando 50 cm ao longo de toda a sua extensão.

7 – Os 50 cm de muro derrubado havia sido construído pelos autores.

8 – Posteriormente, os Réus reconstruíram o muro, tendo, para efeito, efectuado vários buracos para fazer fundações para construção de pilares em ferro e cimento, colocando nele cofragens.

9 – De igual modo picaram todo o muro e rebocaram-no.

10 – A construção referida em 7 [alínea G) dos factos assentes] foi efectuada em 1999.

11 – Junto ao muro referido em 6 [alínea F) dos factos assentes] para o interior da propriedade dos autores restam algumas fundações.

12 – Os autores em virtude do referido em 6 [alínea F)] ficaram impossibilitados de utilizarem e fruírem parte do seu prédio por os 50 cm derrubados se encontrarem no solo e ocuparem parte do prédio daqueles.

13 – O muro é similar em toda a sua extensão, quer o alçado que confronta com os réus, quer o alçado que confronta com os autores.


3.º

Assentes os factos provados, há que apreciar as questões de direito que foram suscitadas.

A primeira delas consiste em averiguar se, como dizem os autores, a sentença é nula nos termos do disposto no artigo 668.º n.º 1 d) do Código de Processo Civil, por ser omissa quanto aos pedidos relativos aos danos causados pelos réus no muro.

Dispõe essa norma que é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar .

Ora, no que a estes danos diz respeito, verifica-se que na decisão recorrida, ao apreciar-se o pedido de reconhecimento do direito de propriedade dos autores sobre o muro, conclui-se que o mesmo deverá necessariamente improceder.

Face a essa improcedência, acrescentou-se que, nessa medida e porque a apreciação dos demais pedidos formulados - reposição do muro, abstenção da prática de acto que impeça o uso e fruição do muro, indemnização pelos prejuízos causado - dependia do reconhecimento de domínio sobre o muro a favor dos autores (total ou parcial), fica prejudicada a solução a dar a estes, devendo os mesmos improceder (cfr. artigo 660.º, n.º 1, 2.ª parte do Código de Processo Civil).

É, então, claro que a sentença não apreciou tais danos somente por nela se ter considerado que o conhecimento dessa questão estava prejudicado e, por isso, face ao disposto no artigo 660.º n.º 2[4] do artigo 660.º do Código de Processo Civil, não tinha que a conhecer, pois aí estabelece-se que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (sublinhado nosso).

A omissão a que se reporta a alínea d) do n.º 1 do citado artigo 668.º só ocorre se e quando o juiz tiver que conhecer a questão que acaba por não apreciar, pois do princípio de que a sentença deve resolver todas as questões suscitadas pelas partes exceptuam-se aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras[5]. Obviamente que quando a apreciação de certo pedido fica prejudicada, o silêncio do juiz nessa parte não corresponde à mencionada omissão.

Não há, assim, dúvidas quanto ao caminho que se seguiu na decisão recorrida, sendo certo que nela, apesar de se dizer que o conhecimento do pedido de indemnização pelos danos sofridos tinha ficado prejudicado, acabou por se julgar o mesmo improcedente. E ao fazê-lo, com o fundamento de que a procedência do restantes pedidos formulados - reposição do muro, abstenção da prática de acto que impeça o uso e fruição do muro, indemnização pelos prejuízos causado - dependia do reconhecimento de domínio sobre o muro a favor dos autores, em boa verdade, acabou por se tomar conhecimento de tal pedido. A menção de que o conhecimento das outras questões estava prejudicado pela solução dada à relativa ao direito de propriedade é que, provavelmente, está a mais. Mas, essa matéria não constitui objecto do presente recurso.

De qualquer forma, os autores afirmam[6] ainda que pelo menos deveriam os réus serem condenados a indemnizarem os autores pelos danos causados com a destruição do muro construído pelos mesmos em 1999, e cuja propriedade não foi colocada em causa. Isto porque, nos autos, não resultam quaisquer dúvidas de que parte do muro foi construído pelos autores, e em consequência, deviam ter sido os réus condenados a indemnizarem pelos danos causados à propriedade dos autores[7].

Por um lado, regista-se que os réus, no artigo 1.º da sua contestação, impugnaram a matéria alegada nos artigo 4.º e 10.º a 19.º da petição inicial, o que quer dizer que, contrariamente ao afirmado pelos autores, não é verdade que a propriedade do muro construído por estes em 1999 não foi colocada em causa, visto que tal muro é referido nos artigo 17.º e 18º deste último articulado. Por outro lado, esta lide tem por objecto apenas um muro; não existe um segundo muro que seja o muro construído pelos mesmos (autores) em 1999. O que os autores construíram, em 1999, foram 50 cm de um muro com o comprimento de cerca de 28 metros e com a altura de 1,5 metros[8]. Desse muro os réus, em 2006, derrubaram 50 cm ao longo de toda a sua extensão. Não há, assim, um segundo muro, o que implica, necessariamente, que não se pode dizer que quanto a ele está assente o direito de propriedade dos autores.

A afirmação de que pelo menos deveriam os réus serem condenados a indemnizarem os autores pelos danos causados com a destruição do muro construído pelos mesmos em 1999, e cuja propriedade não foi colocada em causa[9], parece assentar nos pressupostos de que há um outro muro (o construído em 1999) diferente daquele a que se refere a sentença recorrida e de que a sua propriedade pertence aos autores. A ser assim, não sendo verdadeiros esses pressupostos, também não pode ser verdadeira a conclusão que neles radica.

De qualquer maneira, a questão da propriedade do único muro em causa na acção foi apreciada na sentença, onde se deixou dito que não é possível concluir que o muro é da sua (dos autores) propriedade privativa. Pelo que, a pretensão dos autores relativa ao reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o muro deverá necessariamente improceder.

Não se encontrando abrangida nem nos pedidos nem na causa de pedir formulada pelos autores a compropriedade do muro, não pode o tribunal sentenciar o seu reconhecimento de acordo com o princípio do pedido estatuído no artigo 661º do Código de Processo Civil, por tal implicar uma alteração do pedido formulado (neste sentido vide Ac. RP de 07-06-90, proc. 0224873, in www.dgsi.pt).

Não se tendo demonstrado serem proprietários do muro, não podem os autores exercer os direitos que daí resultariam, como por exemplo o de serem indemnizados por danos sofridos nesse bem.

E os autores, nas suas alegações, não atacam a sentença recorrida, à luz dos factos aí tidos por provados; isto é, não dizem que esses factos têm que ter outro enquadramento jurídico, nomeadamente, que deles resulta o seu direito de propriedade em relação ao muro. O que os autores questionam é, como já se disse, o julgamento de alguns factos que têm como relevantes para a, posterior, discussão, já ao nível do direito, da propriedade do muro. Esses factos, julgados da forma que os autores entendem como a adequada, é que suportariam a afirmação de que o muro lhes pertence.

Assim, o segmento da decisão que, face aos factos que nela figuram como provados, aprecia a questão (de direito) da propriedade do muro, não constitui objecto do presente recuso, o mesmo é dizer que não pode ser apreciado por este tribunal da Relação.

Portanto, nesta parte não assiste razão aos autores.

Apesar disso, face ao 4.º pedido que formulam (relativo à condenação dos réus numa indemnização, a liquidar em sede de execução de sentença, pelos prejuízos causados por estes), parece oportuno referir que, aquilo que pode ficar para liquidação é unicamente o quantum indemnizatório, o valor dos prejuízos; estes, contudo, devem ficar assentes, quanto à sua materialidade, na sentença condenatória –artigo 661.º n.ºs  1 e 2 do CPC e 565.º do CC. Tal condenação ilíquida, por não poder fixar as quantidades, só é "genérica" em relação a essas quantidades, mas tem de ser específica em relação à definição dos danos indemnizáveis. Aliás, um pedido indemnizatório genérico, que é legal, não isenta o demandante de especificar os prejuízos, para que possa ser provada a sua existência[10].

Ora, no artigo 16.º da petição inicial os autores dizem que a conduta dos réus lhes causou prejuízos, pois ficaram impossibilitados de utilizarem e fruírem parte do seu prédio, designadamente o muro em causa, mas não referem o que é que especificamente deixaram de poder fazer por causa de tal comportamento, não quantificaram os prejuízos que até à propositura da acção já se produziram, não alegaram factos que permitam balizar os danos que no futuro ainda irão ocorrer, nem mencionaram factos de onde resulte a impossibilidade, que dizem que existia aquando da propositura da acção, de apurar em concreto o valor dos prejuízos[11].

E, no artigo 19.º da mesma peça, voltam a alegar, em termos vagos e imprecisos, a existência de prejuízos já causados com a devassa da sua propriedade, repetindo-se aqui as insuficiências acima apontadas.

Estas omissões inviabilizam a condenação, nos termos do artigo 661.º n.º 2 do Código de Processo Civil, no que vier a ser liquidado e, face a elas, estamos perante um pedido genérico que não se enquadra em qualquer uma das excepções previstas no artigo 471.º do mesmo diploma.


4.º

Quanto às custas da acção, os autores defendem que, tendo os réus sido condenados num dos pedidos, não podem elas ficar todas a seu (dos autores) cargo; devem ser repartidas na proporção do decaimento de cada parte.

Na sentença recorrida os réus foram condenados a reconhecerem que os autores A.... e B... são proprietários do prédio misto sito na freguesia de ...., no concelho de ...., inscrito na matriz predial sob o artigo urbano .....º e rústico .....º e descrito na Conservatória do Registo Predial de .... sob o n.º .....

Na restante parte os pedidos foram julgados improcedentes.

Assim, dos cinco pedidos formulados pelos autores, os réus foram condenados apenas no primeiro, que se reporta ao reconhecimento do direito de propriedade daqueles relativamente ao imóvel identificado no artigo 1.º da petição inicial.

A Meritíssima Juíza fundamentou a condenação apenas dos autores nas custas dizendo que a procedência pedido formulado pelos autores quanto ao reconhecimento do prédio descrito em 1 dos factos provados não se repercutirá nas custas, por os réus não terem dado causa a tal pedido e o não terem contestado, nos termos do artigo 449.º, n.º1 do Código de Processo Civil (em sentido semelhante vide Ac. RP. de 18/01/2007, proc. 0636918, in www.dgsi.pt), devendo os autores ser condenados no pagamento da totalidade das custas.

Há, então, que determinar se a procedência deste pedido deve ter reflexos no juízo a fazer quanto à condenação em custas. O n.º 1 do artigo 446.º do Código de Processo Civil estabelece o princípio de que a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condenará em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.

Acontece que, ao pedir-se o reconhecimento do direito de propriedade (efeito declarativo) e a condenação na entrega (efeito executivo), não se formulam dois pedidos substancialmente distintos, unicamente se indicam as duas operações ou as duas espécies de actividade que o tribunal tem de desenvolver para atingir o fim último da acção. A cumulação real de pedidos implica acumulação de acções ou de pretensões; ora quando se pede a declaração do direito e a consequente condenação do réu, não se acumulam duas acções: a acção é uma só; simplesmente, ao proferir a sentença, o juiz começa por exercer uma actividade declarativa e acaba por emitir uma providência condenatória[12].

Na verdade, o pedido de reconhecimento do direito de propriedade invocado … não é mais que mero antecedente ou pressuposto do pedido de restituição; e sendo o pedido, do ponto de vista substancial (que não apenas formal), um só, verifica-se apenas uma cumulação aparente de pedidos, a saber, o, tão só formal, de reconhecimento do direito accionado e o, material ou substancial, de entrega da coisa sobre que incide (JR, 15.º/150 e CJ, III, 1213-I, VIII, 1.º, 20 e XVI, 4.º, 271-II e III; há, porém, cumulação real de pedidos, consentida pelo art.º 470.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, entre o dessa entrega e o de indemnização - CJ, XIII, 3.º, 62-II e 64-4., Antunes Varela, RLJ, 115.º/272, nota 2 e 116.º/16, nota 2, Henrique Mesquita, RLJ, 125.º/158)[13].

Estamos, assim, perante uma cumulação aparente de pedidos[14], em virtude da qual o reconhecimento do direito de propriedade não tem relevância em sede de custas.

Por outro lado, tendo presente o disposto no n.º 1 do artigo 449.º Código de Processo Civil[15], é certo que os réus apresentaram contestação, mas nela dizem expressamente[16] aceitar como verdadeiros os factos alegados nos artigos 1.º a 3.º da petição inicial, nos quais os autores alegam a matéria de facto relativa ao seu direito de propriedade sobre o prédio misto sito na freguesia de ...., no concelho de ...., inscrito na matriz predial sob o artigo urbano .....º e rústico .....º e descrito na Conservatória do Registo Predial de .... sob o n.º .....

Ora, os réus, na sua contestação, aceitaram e reconheceram o direito de propriedade dos autores em relação ao imóvel que estes dizem pertencer-lhes. Na petição inicial nada se alega no sentido de que, antes da propositura da acção, os réus tenham tido algum comportamento que possa ser entendido como dando causa a esta, no que a esse pedido se refere, nomeadamente por incumprimento de uma obrigação ou pela prática de qualquer acto ilícito violador de tal direito de propriedade (que, perante os factos que se provaram, não se demonstrou abranger o muro em disputa).

Assim, é certo que neste capítulo os réus não deram causa à acção e, pese embora a tenham contestado, não se opuseram a essa pretensão dos autores, a qual veio a ser satisfeita.

A expressão a não conteste do n.º 1 do citado artigo 449.º tem que ser interpretada numa perspectiva de substância e não de forma. O que interessa para esse efeito não é saber se foi apresentado o articulado de contestação; o que importa é, no caso de haver contestação, determinar se nela se discute, se impugna, se deduz oposição ou se se defende a improcedência da pretensão ou pretensões do autor.

O n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil impõe que na interpretação dos textos legais o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. E, não se sabendo ao certo qual tenha sido a vontade do legislador efectivo, é natural imaginar-se que ele entendeu a lei tal como a teria entendido um bom legislador[17]. Deste modo, a palavra conteste tem que ser vista quanto ao que materialmente representa e não quanto ao seu significado em sede de forma; o que releva é a materialidade das coisas e não a sua forma. A não ser assim, penalizar-se-ia injustificada e injustamente quem, como no caso dos autos os réus, reconhece os factos em que assenta um dos pedidos que contra si é deduzido e não lhe dá causa, mas contesta para se poder opor aos restantes pedidos, os quais vêm a ser julgados improcedentes.

Nestes termos, as custas devem ser todas suportadas pelos autores, tal como decidiu a Meritíssima Juíza, pese embora o reconhecimento do seu direito de propriedade.


III

Com fundamento no atrás exposto, julga-se improcedente a apelação, mantendo-se a sentença recorrida.

Custas pelos autores.


[1] Na conclusão XVII escreveu-se, por manifesto lapso, artigo 688.º. Cfr. folha 195.
[2] Cfr. artigos 4.º, 10.º e 13.º da petição inicial.
[3] Ac. Rel. Porto de 19-9-00, CJ 2000-IV-186.
[4] Na sentença, por manifesto lapso, fez-se referência ao n.º 1 e não ao n.º 2.
[5] Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, pág. 669.
[6] Cfr. folha 197.
[7] Cfr. conclusões XVIII e XIX.
[8] Cfr. factos 6, 7 e 10 dos factos provados.
[9] Cfr. folha 197.
[10] Ac. do STJ de 29-1-08, Proc. 4504/07, www.stj.pt.
[11] Cfr. folha 4.
[12] Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. III, pág. 148.

[13] Ac. Rel. Porto de 3-3-94, Proc. 1.019/3, www.colectaneadejurisprudencia.com.
[14] Cfr. Alberto dos Reis, obra citada, pág. 147.
[15] Quando o réu não tenha dado causa à acção e a não conteste, são as custas pagas pelo autor.
[16] Cfr. artigo 3.º da contestação.
[17] Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 29 e 30.