Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
850/12.5GCVIS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: INSTÂNCIA LOCAL
INSTÂNCIA CENTRAL
COMPETÊNCIA
CONFLITO DE COMPETÊNCIA
Data do Acordão: 02/25/2015
Votação: DECISÃO SUMÁRIA -
Tribunal Recurso: VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA
Decisão: DIRIMIDO O CONFLITO
Legislação Nacional: ARTS.118.º E 130.º DA LEI N.º 62/2013; ART. 78.º DO CP; ART. 471.º DO CPP
Sumário: I - Sendo a Instância Central a competente para efetuar o julgamento nos termos do art. 471.º do CPP, deve receber a respetiva certidão, vinda de processo a correr na Instância Local e, após distribuição, autuá-la como processo seu, procedendo ao julgamento de cumulação de penas e trâmites subsequentes.

II - Para o Tribunal que haja de proceder a audiência de cúmulo jurídico, (o da última condenação ou o Coletivo por aplicação da regra do art. 471.º do CPP) apenas é remetida a certidão relativa a arguido ou arguidos condenados e cujas penas parcelares devem integrar o cúmulo e não de outros, se os houver, nem de questões que não respeitem a esse mesmo cúmulo.

Decisão Texto Integral:

Conflito de competência

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O Sr. Juiz da Instância Local – Secção Criminal – J3, da Comarca de Viseu veio no âmbito dos autos de processo comum singular, Proc. n.º 850/12.5GCVIS-A.C1, suscitar a resolução do conflito negativo de competência relativamente ao despacho proferido pelo Srª. Juiz da Instância Central – Secção Criminal – J1, da mesma Comarca de Viseu dado atribuírem-se essas Instâncias reciprocamente competência, negando a própria, para tramitar os presentes autos (sendo que a Sr.ª Juiz da Instância Central não exclui a competência deste Tribunal para a efetivação dos cúmulos jurídicos pretendidos).

Foram notificados os sujeitos processuais nos termos do artº 36º nº 1 CPP, não tendo sido apresentada qualquer resposta.

O Exmº Procurador-Geral Adjunto é de parecer que o Tribunal competente para a tramitação subsequente dos presentes autos é, a Instância Local, sem prejuízo da instância Central ser a competente para, “em processo autónomo, realizar eventual cúmulo jurídico. E nesse âmbito ser executada a decisão que daí resultar”.


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FUNDAMENTAÇÃO:

Historiando verifica-se que, os presentes autos foram distribuídos como processo Comum Singular, e nessa qualidade foram tramitados no extinto 2º Juízo Criminal da Comarca de Viseu e, os arguidos julgados e condenados.

Posteriormente conheceu-se a necessidade de efetuar o cúmulo jurídico, das penas parcelares destes autos com as parcelares sofridas em outros.

Relativamente aos três arguidos, A ... , B ... e C ... , reconheceu-se ser competente para a audiência de cúmulo jurídico o tribunal onde correm estes autos, por ser o da última condenação.

Porém, o tribunal da última condenação é de estrutura singular e, a competência para eventual cúmulo jurídico cabe a tribunal de estrutura colectiva.

A questão é, saber se os autos devem correr na Instância Central, na Instância Local ou, haver separação e parte correr na Instância Central e parte na Instância Local e, nesta hipótese, saber o que corre em cada uma das Instâncias.

Inexistindo nos autos certidões de todas das sentenças (ou acórdãos), com condenações a integrar o cúmulo jurídico, teremos em conta o constante dos despachos existentes, nessa matéria pertinentes.

Assim, relativamente aos arguidos A ... e B ... verifica-se a necessidade de efetuar audiência de cúmulo para determinação de pena unitária e que “os limites máximos (soma das penas concretas)” ultrapassam os 10 e 16 anos, respetivamente.

Pelo que se entendeu e bem, que é competente para o julgamento, nos termos dos arts. 471 e 472 do CPP, o Tribunal da Comarca com “estrutura coletiva”.

E neste ponto inexiste divergência entre os conflituantes.

Relativamente ao arguido C ... não se verifica essa necessidade e apenas há que cumprir o plano de reinserção social.


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Com o presente conflito negativo de competência, pretende-se saber qual o Tribunal competente para a tramitação processual subsequente, resultante da necessidade de efectivação de audiência de cúmulo jurídico por tribunal diferente daquele onde corria o processo.

Saber se o processo se mantém uno e segue por inteiro para a Instância Central competente para a realização do Cúmulo Jurídico.

Saber se apenas se remetem as necessárias certidões para se proceder à audiência e determinação das penas unitárias dos arguidos A ... e B ... , mantendo-se estes autos na Instância Local para tramitação do demais necessário, incluindo tudo o que respeita ao arguido C ... .

Vejamos.

A Reforma Judiciária entrada em vigor em 1de Setembro de 2014 alterou não só o Mapa Judiciário como reestruturou competências.

Refere-se no preâmbulo do DL. nº 49/2014 de 27 de Março que:

As instâncias centrais têm, na sua maioria, competência para toda a área geográfica correspondente à comarca e desdobram-se em secções cíveis, que tramitam e julgam, em regra, as questões cíveis de valor superior a (euro) 50 000,00, em secções criminais, destinadas à preparação e julgamento das causas crime da competência do tribunal coletivo ou de júri, e em secções de competência especializada, designadamente, secções de comércio, execução, família e menores, instrução criminal, e do trabalho, que preparam e julgam as matérias cuja competência lhes seja atribuída por lei.

As instâncias locais, que tramitam e julgam as causas não atribuídas à instância central, integram secções de competência genérica e podem desdobrar-se em secções cíveis, secções criminais, secções de pequena criminalidade e secções de proximidade” (sublinhados nossos).

Por sua vez a Lei nº 62/2013 de 26-08 estatui:

“Artigo 118.º  - Competência

1 - Compete às secções criminais da instância central proferir despacho nos termos dos artigos 311.º a 313.º do Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de fevereiro, e proceder ao julgamento e aos termos subsequentes nos processos de natureza criminal da competência do tribunal coletivo ou do júri.

2-…”.

“Artigo 130.º - Competência
1 - Compete às secções de competência genérica:
a)Preparar e julgar os processos relativos a causas não atribuídas a outra secção da instância central ou tribunal de competência territorial alargada;

            …”.

            Donde resulta que a Instância Local tem competência genérica, mas residual.

            Há que abstrair dos anteriores conceitos e atribuições de competência.

            Com a reestruturação ou reforma, processos das antigas comarcas e que eram da competência do Tribunal Coletivo transitaram ou deveriam transitar para as Instâncias Centrais.

            Atualmente inexistem Tribunais Coletivos a deslocarem-se a Instâncias Locais para julgarem ou tramitarem processos da competência destas, pois que estas apenas têm processos de competência própria do Juiz Singular. Atualmente quando o Tribunal Coletivo se deslocar a um Tribunal de Instância Local é para julgar processo próprio, seu, da Instância Central.

            É que na anterior organização judiciária (com ressalva das Varas) os processos eram todos da competência da respetiva Comarca e os Juízes de Circulo (antigos corregedores) aí se deslocavam para julgar os processos que fossem da competência do Tribunal Coletivo (os círculos judiciais não funcionavam como um tribunal, apenas se referiam a uma área territorial de competência e, não tinham processos próprios).

            Como se disse, com a ressalva das Varas, todos os processos, quer fossem da competência do Tribunal Coletivo quer do Juiz Singular, corriam no mesmo Tribunal, o Tribunal de Comarca (Artigo 62.º da Lei 3/99 de 13-01, com a epigrafe Tribunais de comarca - [revogado - Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto] dispunha no seu nº 1 que “- Os tribunais judiciais de 1.ª instância são, em regra, os tribunais de comarca).

            Atualmente os processos da competência do Tribunal Coletivo correm na Instância Central e aqueles que não devam correr na Instância Central competem à Instância Local.

            A norma do art. 471 do CPP não visa apenas reiterar a necessidade de fazer intervir o tribunal coletivo na realização de cúmulos jurídicos relativamente aos quais se verifiquem os pressupostos mencionados, essa norma conjugada com a do art. 14 do mesmo Código (para a qual remete) determina a competência do tribunal para daí em diante.

            A situação em análise deve processar-se como na anterior organização judiciária acontecia nas comarcas onde existiam Varas, sendo que a competência das extintas Varas Criminais era idêntica à das atuais Secções Criminais das Instâncias Centrais.

            As antigas Varas eram como agora são as Instâncias Centrais, juízos de competência específica e, conforme refere o art. 118 da lei 62/2013 (já citado), referia o art. 98.º da lei nº 3/99, com epigrafe “Varas criminais” - [revogado - Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto]:

1 - Compete às varas criminais proferir despacho nos termos dos artigos 311.º a 313.º do Código de Processo Penal e proceder ao julgamento e aos termos subsequentes nos processos de natureza criminal da competência do tribunal coletivo ou do júri”.

E nas Comarcas onde existiam Varas Criminais, processos que houvessem de ser julgados em Coletivo transitavam para as Varas e aí eram julgados e tramitados posteriormente, como processos próprios.

E conforme o art. 14 do CPP estabelece a competência do tribunal coletivo, o mesmo sucede em casos de conhecimento superveniente de concursos, sendo que o art. 471 remete para o art. 14, pelo que sendo da competência do tribunal coletivo a efetivação do julgamento do cúmulo jurídico, o processo transitará para a Instância Central competente, pois que a esta compete não só proceder ao julgamento como também proceder aos termos subsequentes, como determina o art. 118 nº 1 da Lei 62/2013.

E assim sendo em nada se alteram as regras de competência previstas no CPP, (no domínio da LOFTJ esta determinava qual o Tribunal competente – Coletivo do Circulo e consequentemente das comarcas que o integravam, com diferenciação das Varas criminais -, como agora o faz a LOSJ – Coletivo sedeado na Instância Central da Comarca) nem a regra de fixação de competência estatuída no art. 38 da Lei 62/2013, pois que aí se ressalvam os casos especialmente previstos na lei, que será o caso de conhecimento superveniente de concurso de crimes (e poderá ser em matéria cível casos resultantes de alteração da forma de processo por virtude nomeadamente de dedução de pedido reconvencional).

Pelo que inexiste qualquer desaforamento, mas antes se redetermina qual o tribunal competente, face às alterações no processo resultantes da necessidade de cumulação de penas por conhecimento superveniente do concurso de crimes (como pode acontecer em casos de conexão - art. 24 do CPP -  de vários processos, Comum Singular, mesmo em fase de julgamento).

Face à LOSJ em vigor, o Tribunal (Instância) competente o é para processos próprios, seus e não de outros tribunais ou instâncias.

Sendo a Instância Central a competente para efetuar o julgamento nos termos do art. 471 do CPP, deve receber a respectiva certidão, vinda da Instância Local e, após distribuição, autuá-la como processo seu, procedendo ao julgamento de cumulação de penas e trâmites subsequentes.

A questão deve ser tratada como nos casos normais (de não alteração da competência do tribunal) de conhecimento superveniente de concurso e necessidade de cúmulo jurídico. Para o Tribunal da última condenação apenas vem a certidão relativa a arguido ou arguidos condenados e cujas penas parcelares devem integrar o cúmulo e não de outros, se os houver, nem de questões que não respeitem a esse mesmo cúmulo.

E, seguindo a regra do bom senso, também aponta para esta posição mais restritiva, ou seja, a de ser enviada, à Instância Central, apenas certidão relativa a arguidos com necessidade de cúmulo pelo Coletivo.

A harmonia do sistema parece não aceitar outra resposta, impondo-se a separação.

Conforme é referido no Ac. desta Relação, de 03-07-2012, proferido no Proc.3797/04.5TALRA.C2, do extinto 1º juízo criminal da comarca de Leiria (relator Dr. Belmiro Andrade), “A lei não estabelece a impossibilidade de separação [de processos] após a sentença – nomeadamente quando se trata de vários arguidos e a separação envolve apenas um ou alguns deles e não a divisão de culpas relativamente ao mesmo arguido e a separação surge como instrumento adequado para alcançar o fim do processo em relação a outras pessoas”.

Mas, trata-se de separação processual exclusivamente para aquele fim, para o efeito do disposto no art. 78, nº 1 e 2 do CP, como preceitua o art. 471 do CPP.

O demais, fica e é tramitado no processo original.

Se como tribunal da última condenação a Instância Local apenas solicitou certidão da sentença/acórdão proferida nos processos cujas penas irão integrar o cúmulo jurídico, com nota do trânsito e informação sobre o cumprimento de pena e períodos de detenção a descontar na pena única que vier a ser aplicada, não pode agora querer remeter todo o processo ou, incluir questões que não respeitam ao cúmulo jurídico ou que com este não se relacionem.

Assim, entendemos que a competência do Tribunal Singular se mantém, exceto para proceder ao julgamento e aos termos subsequentes nos processos de natureza criminal da competência do Tribunal Coletivo, como é o caso previsto no art. 471 do CPP.


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DECISÃO:

Pelo exposto dirime-se o presente conflito negativo:

- Julgando-se competente para o julgamento nos termos do art. 471 do CPP, e termos subsequentes no processo, o Tribunal da Secção Criminal da Instância Central da Comarca de Viseu, devendo ser remetida certidão para o efeito.

- Julgando-se competente o Tribunal da Instância Local onde corre o processo para a sua tramitação:

a) Quanto ao arguido relativamente ao qual não se verifica a necessidade de efetivação de audiência de cúmulo jurídico por Tribunal Coletivo.

b) E todas as demais questões relativas aos arguidos em relação aos quais se verifica a necessidade de efetivação de audiência de cúmulo jurídico por Tribunal Coletivo, mas que não respeitam ao cúmulo jurídico ou que com este não se relacionem.

Sem tributação.

Cumpra-se o disposto no artº 36º nº 3 CPP e, dê-se conhecimento à Ex.mª Juiz Presidente da Comarca de Viseu.

Coimbra, 25 de Fevereiro de 2015


Jorge Dias