Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1169/16.8T8CTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS BARREIRA
Descritores: PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
NÃO-CUMPRIMENTO
EFEITOS
Data do Acordão: 03/28/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO – CASTELO BRANCO - CASTELO BRANCO-INST. LOCAL-SECÇÃO CÍVEL-J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART.º 3.º N.º 3 DO C. P. CIVIL
Sumário: 1. A observância do princípio do contraditório é essencial em todos os atos porque é um dos princípios estruturantes do nosso ordenamento processual.
2. No vertente caso, a decisão judicial recorrida, que decidiu rejeitar liminarmente a acção executiva, não dispensou expressamente a prévia observância do princípio do contraditório. Nem, por outro lado, ordenou o expresso e prévio cumprimento do previsto no art.º 3.º n.º 3 do C. P. Civil, tendo em vista obstar a que as partes fossem confrontadas com uma decisão-surpresa.

3. A inobservância do art.º 3.º, n.º 3, do C. P. Civil traduz-se num ato ilícito, o que torna nula a decisão proferida e os atos subsequentes dela dependentes em violação daquele preceito.

Decisão Texto Integral:






Acordam, os Juízes, na 1ª Secção Cível, do Tribunal da Relação de Coimbra

                                                                         ***

    

    

I – RELATÓRIO

Nestes autos em que é Exequente A... , S.A., e Executada B... , constata-se que a Exequente deu à execução um título executivo figurando como executada uma sociedade que se encontra em PER.

Alega a executada que o PER se encontra a ser cumprido e, nessa medida, a presente execução não poderá prosseguir os seus termos, tendo a exequente rejeitado receber pagamentos.

Por outro lado, alega a exequente que tal plano, no que a si respeita, entrou em incumprimento.

Em 17.11.2016, veio a ser proferida douta decisão nos seguintes termos:

“Assim sendo, uma vez que a executada se encontra em PER, nada existindo nos autos que comprove, sem sombra para qualquer dúvida, que a mesma incorreu em incumprimento decido rejeitar liminarmente a presente execução, ao abrigo do disposto na al. b) do n.º 2 do art.º 726º do CPC (sendo que, caso haja incumprimento entendemos que a exequente deverá proceder previamente à interpelação para cumprir, que, em caso, não o fez, devendo dar à execução a sentença que homologou o PER acompanhada de tal interpelação, pois só assim resultará claro a exequibilidade do título em causa).

Notifique e comunique ao AE.

Custas a cargo do Exequente.

Dê a correspondente baixa na estatística oficial.”

Inconformada, a exequente veio interpor o presente recurso de apelação, pretendendo a revogação da douta decisão recorrida – por violação do disposto nos invocados art.ºs 3.º n.º 3 e 615.º al. d) do CPC, 726.º, n.º 2, al. b), do C. P. Civil, 218º do CIRE e 2.º e 18.º da C. R. Portuguesa – e a sua substituição por outra que, admitindo liminarmente a execução, ordene o seu normal andamento até final.

Para o efeito, apresenta a motivação do recurso e respetivas conclusões.

Estas últimas são do seguinte teor:

1. No âmbito do processo 1169/16.8TBCTB, foi a execução movida pelo ora Embargante rejeitada liminarmente ao abrigo do disposto na al. b) do n.º 2 do art.º 726.º do CPC, tendo sido considerado que em caso de incumprimento do Plano Especial de Revitalização o Embargante deveria ter remetido carta de interpelação à Embargada, devendo dar à execução a sentença de homologação do PER acompanhada de tal interpelação.

2. Isto posto, cumpre atentar que, nos termos do artigo art. 3.º n.º 3 do CPC que “O juiz deve observar o cumprimento, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.” [sublinhado nosso].

3. Acontece que, no vertente caso, a decisão judicial recorrida, datada de 17 de Novembro de 2016, que decidiu rejeitar liminarmente a acção executiva intentada pelo Apelante, dispensou o respeito pelo princípio do contraditório previsto no art. 3.º n.º 3 do CPC, constitui uma nulidade processual nos termos e para os efeitos do artigo 201.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.

4. Acrescenta-se, sem prescindir, ainda que, nos termos do artigo 615.º al. d) do CPC “É nula a sentença quando: d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

5. Como tal, entende o Apelante que no caso sub judice, dado que a presente execução não está dependente de despacho liminar, não poderia a Mmª juiz conhecer, nesta fase do processo, do mérito da causa, o que constitui uma nulidade processual nos termos e para os efeitos do artigo 615.º al. d) do CPC.

6. Por último, resulta do vertido no art.º 17º E do CIRE que a comunicação pelo devedor de que pretende iniciar o processo especial de revitalização obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor.

7. Acontece que constitui hoje entendimento dominante que, atenta a proximidade do regime dos planos de insolvência e dos processos de revitalização, em caso de incumprimento do PER se afigura adequada a aplicação por analogia do disposto no artº 218º do CIRE, o qual implica para o credor uma retroactividade dos direitos de créditos à data da homologação do PER.

8. Nos termos da norma supra referida, o PER fica sem efeito “Quanto a crédito relativamente ao qual o devedor se constitua em mora, se a prestação, acrescida dos juros moratórios, não for cumprida no prazo de 15 dias após interpelação escrita pelo credor;”, sendo que, in casu, não tendo a Executada cumprido os termos do plano homologado em sede de PER (cf. demonstrado nos autos), tal interpelação foi remetida à Executada a 11 de Abril de 2016 e junta ao processo por requerimento datado de 25 de Agosto de 2016;

9. A existência de uma sentença homologatória do acordo de revitalização, não prejudica, per si, a exequibilidade dos títulos pré existentes à data da homologação de PER. Aliás, sustentar distinto entendimento (ou seja, no sentido da exclusividade do título ‘sentença’ para efeitos de posterior accionamento do devedor incumpridor do PER) equivaleria a atribuir ao silêncio do legislador de um sentido normativo que certamente aquele não anteviu, porquanto, se tal tivesse previsto, certamente tê-lo-ia, de forma expressa, apresentado por texto de lei.

10. Do exposto sempre se concluirá que a recusa da validade executiva do título dado à execução representaria sempre “uma ablação do valor de título executivo” previamente existente, cuja estatuição, à luz do disposto no art.º 18.º da CRP, se não poderia fazer se não por lei expressa e anterior – o que in casu inexiste.

11. Nesta conformidade, atenta a retroactividade estipulada pelo art.º 218.º do CIRE, facilmente se conclui que se mostram reunidas as condições que garantem a exequibilidade do título executivo do Embargante à data da homologação do PER, sendo que entendimento contrário, sempre colidiria, por inconstitucional, com o princípio constitucional da proteção da confiança ínsito no princípio do Estado de Direito democrático plasmado no artigo 2.º da Constituição.

Pelo exposto, violou a Sentença Recorrida os art.ºs 3.º n.º 3 e 615.º al. d) do CPC, 218º do CIRE e 2.º e 18.º da CRP.

Termos em que, e nos melhores de Direito que V. Ex. ªs certamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e, nessa medida, revogada a Douta Sentença recorrida.

A executada/recorrida/embargante respondeu ao recurso pedindo a sua improcedência e a consequente manutenção da douta decisão recorrida.

Para o efeito, apresenta as contra-motivações nos seguintes termos:

1. Não tem, com o devido respeito, qualquer razão a Exequente nas suas alegações.

2. Não existe qualquer violação do Princípio do Contraditório.

3. Como a própria Exequente reconhece, o artigo que invoca 3º do CPC refere taxativamente, “ (...) O juiz deve observar o cumprimento, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade ... (...)” sublinhado nosso.

4. Ora é manifesto que, em face da óbvia e simples solução a dar aos autos e a falta de argumentos da Exequente, não havia qualquer necessidade de exercer o Princípio do contraditório.

5. Quanto ao pretenso EXCESSO DE PRONÚNCIA:

6. Conforme flui claramente da redação da alínea d) do n. º1 do artigo 668.º, a nulidade da sentença por excesso de pronúncia constitui o reverso da emergente da omissão de pronúncia.

7. Verifica-se esta, quando o juiz deixe de conhecer, sem prejudicialidade, de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação.

8. Ao que sejam “questões ”, para estes efeitos, respondem Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto no Código de Processo Civil Anotado, 2. º, 2.ª edição, pág. 704: são “to dos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer”, não significando “considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito (artigo 511-1) as partes tenham deduzido…” (página 680). No mesmo sentido se podendo ver, A. Varela, RLJ, 122, 112 e Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, III, 195. E tem sido particularmente reiterada a jurisprudência, incluindo a deste tribunal, que vem afirmando, ao que sabemos com unanimidade, que o juiz deve conhecer de todas as questões, não carecendo de conhecer de todas as razões ou de todos os argumentos (cfr., por todos, os Ac. de 25.2.1997, no BMJ, 464 – 464 e de 16.1.1996, na CJ STJ, 1996, 1.º, 44 e, em www.dgsi.pt, os de 13.9.2007, processo n.º 07B2113 e de 28.10.2008, processo n.º 08A3005).

9. Na oposição/embargos a Executada opôs-se com o fundamento de estar a decorrer um PER, homologado por sentença, que correu os seus termos sob o n.º 458/12.5TBCLD do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Caldas da Rainha nos termos do artigo 17.º -A do CIRE.

10. A partir daqui o tribunal tinha que conhecer deste fundamento resolutivo e dele conheceu.

11. Se tinha que dela conhecer, não há excesso de pronúncia.

12. Falece assim também, este pretenso argumento da Exequente.

Quanto à falta de Título Executivo

13. Por motivos que a executada não consegue qualificar, a exequente, credora reconhecida no PER identificado, tem devolvido os pagamentos que a executada tem efectuado a seu favor, no cumprimento do plano homologado.

14. Factos unicamente da responsabilidade da exequente e que a executada desconhece a razão, mas possui prova de que efectuou todos os pagamentos previstos.

15. Antes de mais há que não esquecer que os valores pagos nos empréstimos (14.494,02 € e 4.816,25 €) antes de "entrar" em contencioso não foram abatidos aos valores que consta no mapa da relação de credores (os valores mencionados são os que constam nos contratos dos empréstimos).

16. Os funcionários do banco A... ( C... e D... ) tinham conhecimento da situação de os Nib's darem erro.

17. Por hora e dado o lapso de tempo concedido (5 dias) apenas consegue juntar dois comprovativos de devolução do pagamento feitos através da Caixa Directa (através deste sistema dá para imprimir comprovativos, tanto de algum erro que possa dar, como a saída de dinheiro da conta).

18. Só não se verificaram mais devoluções, porque a executada se deslocou ao balcão do banco – Devesa (após ter verificado a 1ª devolução) e uma das funcionárias D. E... , ligou para o balcão do Porto e foi aí que se verificou que o NIB 00 (...) se encontrava bloqueado.

19. A funcionária pediu então o desbloqueio – pois a executada queria efectuar um depósito.

20. A mesma funcionária, informou a executada que todos os meses antes de fazer depósito teria primeiro que pedir o referido desbloqueio e só depois é que posso realizar o depósito (?!)

21. É o que a executada tem feito até à presente data.

22. Ora, o PER em causa está a ser cumprido e não existe nenhuma decisão judicial que determine o contrário.

23. Facto que a exequente bem conhece.

24. Resulta do supra exposto, que a exequente tenta, através dum comportamento ilegal e imoral, determinar unilateralmente o incumprimento do plano, mas a executada prova o contrário.

25. Juntou os comprovativos que dispõe, que provam as devoluções efectuadas pela exequente.

26. A aceitar-se a pretensão da exequente estaria descoberta a maneira dos credores que não querem aceitar os planos PER homologados, de se oporem ao decorrer dos mesmos, bastando recusar os pagamentos e vir alegar que o PER não está a ser cumprido...

27. Que é o que a exequente pretende com o seu comportamento!

28. Não tendo por isso qualquer título executivo, que sustente a sua pretensão, porquanto é a Exequente quem se recusa a receber os pagamentos do PER homologado.

Termos em que, nos melhores de Direito e sempre com o Mui Douto Suprimento de Vossa Exa. requer seja aceite o presente requerimento e mantida a decisão proferida por não lhe ser reconhecida qualquer mácula.

O teor integral da douta decisão recorrida é o seguinte:

“Compulsados os autos, constata-se que a Exequente deu à execução um título executivo figurando como executada uma sociedade que se encontra em PER.

Alega a executada que o PER se encontra a ser cumprido e, nessa medida, a presente execução não poderá prosseguir os seus termos, tendo a exequente rejeitado receber pagamentos.

Por outro lado, alega a exequente que tal plano, no que a si respeita, entrou em incumprimento.

Cumpre assim decidir.

Parece-nos que o disposto no art.º 17º E do CIRE deverá ser interpretado no sentido de que a proibição de instauração de acções executivas para cobrança de dívidas vigora para além da homologação do plano de recuperação, permanecendo durante todo o tempo de eficácia daquele plano até porque a apreensão de bens do devedor com vista ao pagamento coercivo, poderá fazer perigar o sucesso do plano, basta pensar na apreensão e venda de bens essenciais ao processo de produção.

Ora, posto isto, e havendo um PER devidamente homologado por sentença, consideramos que a Exequente, a menos que haja incumprimento do aludido PER, não poderá intentar acção executiva dando à execução o seu título, no caso, uma livrança.

Por outro lado, existindo tal incumprimento (que, no caso, nem sequer é claro que tal incumprimento exista), entendemos que o título executivo que deverá ser dado à execução, deverá ser a sentença que homologou o PER juntamente com a interpelação escrita feita pelo credor ao devedor conferindo ao mesmo o prazo de 15 dias para pagar, a que alude a al. a) do n.º 1 do art.º 218º do CIRE, aplicável por analogia aos processos de revitalização.

Assim sendo, uma vez que a executada se encontra em PER, nada existindo nos autos que comprove, sem sombra para qualquer dúvida, que a mesma incorreu em incumprimento decido rejeitar liminarmente a presente execução, ao abrigo do disposto na al. b) do n.º 2 do art.º 726º do CPC (sendo que, caso haja incumprimento entendemos que a exequente deverá proceder previamente à interpelação para cumprir, que, em caso, não o fez, devendo dar à execução a sentença que homologou o PER acompanhada de tal interpelação, pois só assim resultará claro a exequibilidade do título em causa).

Notifique e comunique ao AE.

Custas a cargo do Exequente.

Dê a correspondente baixa na estatística oficial.”

Foi admitido o recurso e ordenada a sua subida a esta instância de recurso.

Nesta Relação, foi, oportunamente, admitido o recurso e mantida a espécie, efeito e regime de subida fixados pela 1ª Instância, nada obstando ao seu conhecimento.

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

                                                             ***

II – FUNDAMENTAÇÃO

1. Delimitação do objeto do recurso

É pelas conclusões das alegações do recurso que se afere e delimita o seu objeto – cfr., designadamente, as disposições conjugadas dos art.ºs 5.º, 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.ºs 1, 2 e 3, e 640.º, n.ºs 1, 2 e 3, todos do C. P. Civil.

Face às conclusões da motivação do recurso, a única questão a decidir é a seguinte:

Saber se a douta decisão recorrida deve ser revogada – por violação do disposto nos invocados art.ºs 3.º n.º 3 e 615.º al. d) do CPC, 726.º, n.º 2, al. b), do C. P. Civil, 218º do CIRE e 2.º e 18.º da C. R. Portuguesa – e substituída por outra que, admitindo liminarmente a execução, ordene o seu normal andamento até final.

2. Os factos e circunstancialismo assentes e provados 

Os factos e circunstancialismo assentes e provados são os que defluem do Relatório deste Acórdão, os quais se dão aqui por reproduzidos.

Deles salientamos, designadamente:

A executada está sujeita a PER – cujo Plano foi oportunamente homologado por sentença, no Proc.º nº 458/12.5TBCLD, do 2º Juízo, do Tribunal Judicial de Caldas da Rainha – nos termos do artigo 17º -A do CIRE.

Não resulta dos autos que o referido Plano esteja em situação de incumprimento e, designadamente, não existe nenhuma decisão judicial que o determine.

Nestes autos – processo 1169/16.8TBCTB – foi a execução movida pelo ora Embargante rejeitada liminarmente ao abrigo do disposto na al. b) do n.º 2 do art.º 726.º do C. P. Civil, tendo, além do mais, sido considerado que – a entender-se estar-se perante um caso de incumprimento do Plano Especial de Revitalização – o Embargante deveria ter remetido carta de interpelação à Embargada, devendo dar à execução a sentença de homologação do PER acompanhada de tal interpelação.

A referida decisão judicial, ora recorrida, datada de 17 de Novembro de 2016, antes de rejeitar liminarmente a execução não dispensou nem ordenou o prévio exercício do princípio do contraditório previsto no art.º 3.º, n.º 3, do C. P. Civil, no sentido de advertir as partes para, querendo, se pronunciarem – uma vez que tencionava rejeitar liminarmente a execução, ao abrigo do disposto na al. b) do n.º 2 do art.º 726.º do C. P. Civil, por não ser clara uma situação de incumprimento do PER pela executada e por entender que, caso houvesse incumprimento, a exequente deveria ter procedido previamente à interpelação da executada para cumprir, o que, in casu, não fez, devendo dar à execução a sentença que homologou o PER acompanhada de tal interpelação, pois só assim resultará claro a exequibilidade do título em causa.

3. O Direito

Como referimos supra, a única questão a decidir é a seguinte:

Saber se a douta decisão recorrida deve ser revogada – por violação, por errada interpretação em desconformidade com o disposto no art.º 59.º da C. R. Portuguesa, do disposto no invocado art.º 50.º da Portaria 282/2013, de 29.08 – e substituída por outra que receba e reconheça como devida a remuneração adicional nos termos computados pela Sr.a AE na respetiva nota de honorários.

                                                                *

Relativamente à única questão colocada, entendemos que o assiste a razão à recorrente.

Com efeito, face às conclusões supra das alegações do recurso e das da respetiva resposta da recorrida, verificamos que não foi devidamente cumprido o princípio do contraditório.

Com efeito, nos termos do art.º 3.º, n.º 3, do C. P. Civil, “O juiz deve observar o cumprimento, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.”

Ora, a observância do princípio do contraditório é essencial em todos os atos, já que é um dos princípios basilares em que assenta todo o nosso ordenamento processual.

Acontece que, no vertente caso, a decisão judicial recorrida, datada de 17 de Novembro de 2016, que decidiu rejeitar liminarmente a acção executiva intentada pelo Apelante, não dispensou expressamente a prévia observância do princípio do contraditório.

Nem, por outro lado, ordenou o expresso e prévio cumprimento do previsto no art.º 3.º n.º 3 do C. P. Civil, tendo em vista obstar a que as partes fossem confrontadas com uma decisão-surpresa.

Por conseguinte, as partes deveriam ter sido advertidas para, querendo, se pronunciarem sobre o teor da decisão que o Tribunal a quo tinha intenção de proferir.

Quer dizer:

O Tribunal recorrido – uma vez que tencionava rejeitar liminarmente a execução, ao abrigo do disposto na al. b), do n.º 2, do art.º 726.º, do C. P. Civil, por não ser clara uma situação de incumprimento do PER pela executada e por entender que, caso houvesse incumprimento, a exequente deveria ter procedido previamente à interpelação da executada para cumprir, o que, in casu, não fez, devendo dar à execução a sentença que homologou o PER acompanhada de tal interpelação, pois só assim resultará claro a exequibilidade do título em causa – deveria ter observado princípio do contraditório, consagrado no art.º 3.º, n.º 3, do C. P. Civil, por lhe não ser lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.

Por outro lado, salvo o devido respeito, não estamos perante um caso de desnecessidade na sua inobservância, como estamos a verificar pelo conteúdo das alegações recursivas (e muito menos, portanto, perante um caso de desnecessidade manifesta, como a lei exige.)

Aliás, a manifesta desnecessidade deve ser decretada expressamente por despacho e não deve ser tacitamente entendida/deferida/indeferida, porque, além do mais, contende com direitos essenciais das partes e, necessariamente, com a validade/nulidade de uma decisão, sendo, portanto, passível de ser objecto de recurso.

Por conseguinte, as partes não tiveram a oportunidade de se pronunciarem sobre estas questões.

Esta omissão processual, como bem refere a recorrente, constitui uma nulidade processual nos termos e para os efeitos do art.º 195.º, n.º 1, do C. P. Civil.

Com efeito, dispõe este preceito:

“1. Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.

2. Quando um ato tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente; a nulidade de uma parte do ato não prejudica as outras partes que dela sejam independentes.”

Com efeito, a inobservância do art.º 3.º, n.º 3, do C. P. Civil – porque o princípio do contraditório é um dos princípios estruturantes do nosso tecido jurídico –, traduz-se num ato ilícito, o que torna nula a decisão proferida e os atos subsequentes dela dependentes em violação daquele preceito – cfr. também art.ºs 199.º, n.º1, do C. P. Civil e 2.º e 18.º da C. R. Portuguesa.

Face ao exposto, deve, pois, proceder esta única questão recursiva, porquanto a douta decisão recorrida violou, designadamente, o disposto nos invocados art.ºs 3.º, n.º 3, 195.º, n.º 1 e 199.º, n.º1, do C. P. Civil e 2.º e 18.º da C. R. Portuguesa.

Consequentemente, a douta decisão recorrida deve ser revogada/anulada – por violação, designadamente, do disposto nos invocados art.ºs 3.º, n.º 3, 195.º, n.º 1 e 199.º, n.º1, do C. P. Civil e 2.º e 18.º da C. R. Portuguesa – e substituída por outra que ordene o prévio cumprimento do disposto no art.º 3.º, n.º 3, do C. P. Civil, relativamente ao veredito que o Tribunal a quo tenciona proferir nos autos, lavrando-se, depois, nova decisão em conformidade.

 

Face ao exposto e sem mais considerações, procede, pois, esta única questão colocada no recurso interposto, revogando-se/anulando-se a douta decisão recorrida – por violação, designadamente, do disposto nos invocados art.ºs 3.º, n.º 3, 195.º, n.º 1 e 199.º, n.º1, do C. P. Civil e 2.º e 18.º da C. R. Portuguesa – e substituindo-se por outra que ordene o prévio cumprimento do disposto no art.º 3.º, n.º3, do C. P. Civil, relativamente ao veredito que o Tribunal a quo tenciona proferir nos autos, lavrando-se, depois, nova decisão em conformidade.

                                                             ***

III – DECISÃO

Pelo exposto, os Juízes, na 1ª Secção Cível, do Tribunal da Relação de Coimbra:

1 - Julgam procedente o presente recurso interposto.

2 – Revogam/anulam a decisão recorrida e, em consequência, ordenam o prévio cumprimento do disposto no art.º 3.º, n.º 3, do C. P. Civil, relativamente ao veredito que o Tribunal a quo tenciona proferir nos autos, lavrando-se, depois, nova decisão em conformidade.

Custas pela parte vencida a final.

    

    

                                                                         ***

    

Relator:

Carlos Barreira

Adjuntos:

1º - Barateiro Martins

2º - Arlindo Oliveira